Georges bataille o erotismo

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"Lancei-me sobre ele, insultando-o, e, como ele, as mãos atadas às costas, não podia responder, dei um violento soco em seu rosto, ele caiu, e meus calcanhares acabaram o serviço; repugnado, cuspi em seu rosto intumescido. Não pude me impedir de dar uma grande risada; eu acabava de insultar um morto!" Infelizmente, o aspecto forçado destas poucas linhas não anula de todo a verossimilhança... Mas é pouco provável que um carrasco escreva um dia dessa forma... Em geral, o carrasco não emprega a linguagem de uma violência que ele exerce em nome de um poder estabelecido, mas a do poder, que o desculpa aparentemente, justificao e lhe confere uma razão de ser elevada. O violento é levado a se calar e se acomoda ao engodo. De seu lado, o espírito de engodo é a porta aberta à violência. Na medida em que o homem tem sede de tortura, a função do carrasco legal representa a facilidade: o carrasco fala aos seus semelhantes, se deles se ocupa, a linguagem do Estado. E, se ele.está sob o domínio da paixão, o silêncio dissimulado em que ele se deleita lhe dá o único prazer que o satisfaz. As personagens dos romances de Sade têm uma atitude um pouco diferente da do carrasco que arbitrariamente eu fiz falar. Essas personagens não falam, como a literatura, mesmo na aparente discrição do diário íntimo, ao homem em geral. Se elas falam, é entre semelhantes: os libertinos torturadores de Sade se dirigem uns aos outros. Mas eles se deixam levar por longos discursos em que demonstram estar com a razão. Eles crêem o mais freqüentemente seguir a natureza. Vangloriam-se de só se conformar a suas próprias leis. Mas seus julgamentos, se bem que respondam ao pensamento de Sacie, não são coerentes entre si. Às vezes o ódio da natureza os anima. O que de qualquer maneira eles afirmam é o valor soberano da violência, do excesso, do crime, da tortura. Assim, eles infringem esse profundo silêncio típico da violência, que nunca diz que ela existe e nunca afirma seu direito de existir, e que assim mesmo existe. A bem dizer, essas dissertações sobre a violência, que constantemente interrompem os relatos de infâmias cruéis que constituem os livros de Sade, não aparecem como dissertações feitas pelas personagens. Se aquelas personagens tivessem vivido, teriam sem dúvida vivido silenciosamente. São as palavras do próprio Sade, que empregou este procedimento para se dirigir aos outros (mas que nunca se esforçou verdadeiramente para dar-lhes uma forma lógica, coerente). Assim, a atitude de Sade se opõe à do carrasco, de que ela é o contrário perfeito. Sade, ao escrever, recusa o engodo e empresta sua palavra a personagens que só poderiam realmente ser silenciosas, delas se servindo para endereçar aos outros homens um discurso paradoxal. Um equívoco está na base de sua conduta. Sade fala, mas fala em nome da vida silenciosa, em nome de uma solidão perfeita, inevitavelmente muda. O homem solitário, de quem ele é porta-voz, não leva em consideração, em nenhuma medida, seus semelhantes: é em sua solidão um ser soberano, não se explicando jamais, não devendo nada a ninguém. Nunca ele pára com medo de sofrer os contragolpes dos erros que infligiu aos outros: ele é só e nunca entra nas relações que um sentimento de fraqueza, que lhes é comum, estabelece entre eles. Isto exige uma extrema energia, mas é bem de extrema energia de que se trata. Descrevendo a implicação dessa solidão moral, Maurice Blanchot mostra o solitário em sua trajetória até chegar à negação total, à de todos os

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