Brasil Observer #45 - BR

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brasilobserver.co.uk | Dezembro 2016 21

HELOISA RIGHETTO

Retrospectiva feminista Ganhamos força, ganhamos adeptas, ganhamos espaço “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes, você terá que manter-se vigilante durante toda sua vida”. Essa conhecida afirmação feita por Simone de Beauvoir aplica-se perfeitamente ao que estamos vivendo hoje, em 2016. O ano que nos mostrou que a história é mesmo cíclica, que o senso de coletivo é uma utopia, um sonho distante. Tendo em vista a real ameaça aos direitos das mulheres, a militância feminista começou a se preparar para as diversas batalhas que virão. Ganhamos força, ganhamos adeptas, ganhamos espaço. Acredito que os leitores dessa coluna estão mais do que familiarizados com os males de 2016. Mas você está a par das vitórias, protestos e projetos feministas? No Brasil, um acordo sem precedentes na Justiça de São Paulo é exemplo da conscientização das mulheres em relação ao assédio “casual”, que até pouco tempo era visto como algo cotidiano. O homem, que assediou a vítima no elevador do seu próprio prédio, concordou em fazer uma doação para a ONG feminista Think Olga e comprometeuse a não continuar com esse tipo de comportamento (e se for denunciado novamente irá enfrentar processo). Também no Brasil, no dia 28 de setembro (Dia da Luta Pela Descriminalização do Aborto no Caribe e América Latina), coletivos, projetos e ONGs feministas uniram-se para fazer uma virada online no Facebook por 24 horas. Das 0h às 23h59 aconteceram transmissões ao vivo na rede social, e a hashtag #PrecisamosFalarSobreAborto promoveu interação e engajamento em torno do tema. Eu tive o privilégio de fazer parte da virada, falando sobre as leis de aborto no Reino Unido e Irlanda. Foi um dia de intenso ativismo digital, com especialistas e militantes abordando a questão do aborto com fatos e estatísticas, para tirar o estigma e mostrar o quanto o corpo da mulher está sob total controle do patriarcado. Ainda na questão do aborto, acompanhamos as mulheres polonesas realizarem uma greve geral e tomarem as ruas de cerca de 60 cidades no país no dia 3 de outubro para protestarem contra a tentativa do governo de banir o aborto sob qualquer circunstância. Atualmente o procedimento é permitido em casa do estupro, de má forma-

Tendo em vista a real ameaça aos direitos das mulheres, a militância feminista começou a se preparar para as diversas batalhas que virão. ção do feto ou se a vida da mulher está em risco. Confrontadas com a possibilidade de perderem o pouco que tem, as polonesas se organizaram e conseguiram – ainda que temporariamente – que o governo engavetasse o projeto. A diferença de 14% nos salários de mulheres (para menos) em relação aos homens (que ocupam cargos similares) levou as islandesas a organizarem um protesto sincronizado e criativo. Precisamente às 14h38 do dia 24 de outubro – 14% antes do fim do expediente – elas deixaram seus postos e foram para as ruas. Vale enfatizar que a Islândia é o melhor país no mundo em relação à igualdade de gênero, e ainda assim é estimado que essa diferença no salário só chegará ao fim em 52 anos. O que chega a ser pouco se comparado com os 170 anos estimados pelo Fórum Mundial de Economia para acabar com o problema a nível global. E, por fim, uma luz no fim do túnel pós-eleições, no Brasil e nos Estados Unidos. Em Belo Horizonte a candidata Áurea Carolina do PSOL, militante negra e feminista, foi a vereadora eleita com o maior número de votos. E nos Estados Unidos a instituição Planned Parenthood, que fornece informações e consultas sobre saúde e direitos reprodutivos, recebeu milhares de dólares em doações do público, como forma de protesto contra o ultra-conservadorismo do vice-presidente eleito, Mike Pence (que durante a campanha prometeu cortar os fundos públicos direcionados à instituição). Que 2017 seja um ano de ainda mais vitórias, e que elas não sejam as exceções. g

Heloisa Righetto é jornalista e escreve sobre feminismo (@helorighetto – facebook.com/conexãofeminista)


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