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De 29 de julho a 4 de agosto de 2004

AMBIENTE SEGURANÇA ALIMENTAR

O pesadelo de quem cumpre a lei

Eduardo Luiz Zen de Porto Alegre (RS)

M

esmo com a propaganda ostensiva da transnacional Monsanto e de tentativas de persuasão de entidades ruralistas, o agricultor Luiz Antônio Schio decidiu continuar plantando soja tradicional na última safra. Assentado no município de Tupanciretã, localizado a 350 quilômetros de Porto Alegre (RS), o pequeno agricultor resolveu resistir, esperando vantagens comerciais em face da melhor aceitação da soja tradicional no mercado. No entanto, Schio viu suas expectativas serem frustradas por conta da contaminação de sua plantação por herbicidas trazidos pelo vento das lavouras transgênicas vizinhas e pela mistura de grãos tradicionais e modificados feita pelas cooperativas de comercialização. O uso de glifosato nas lavouras transgênicas da vizinhança acabou atingindo parte da plantação de Schio, causando perdas de 70% a 80% na parcela afetada. O herbicida causou estragos também nas plantações de frutas, legumes e verduras. Isso aconteceu porque a alteração genética da soja Roundup Ready foi feita com o objetivo de tornála resistente ao glifosato, que é um herbicida de largo espectro, que não poupa as outras culturas. Segundo o engenheiro agrônomo Enio Guterres, o glifosato, além de poluir o meio ambiente, atinge várias plantas, além da soja. “O glifosato mata tudo, menos a soja transgênica. A sua propagação pela ação do vento traz enormes prejuízos para culturas como árvores frutíferas e hortas”, declarou.

Greenpeace/Rodrigo Baleia

Agricultores do Rio Grande do Sul denunciam contaminação das lavouras convencionais e coação pela Monsanto

A soja transgênica contamina a lavoura de soja convencional, o que só é visto na hora da cobrança das taxas

lhe deu muita dor de cabeça. Ao entregar a produção para a Cooperativa de Comercialização de Cereais Cocevvil, foi informada que sua produção era transgênica e que deveria pagar royalties para a Monsanto. Surpresa, ela exigiu a realização de teste para verificar o tipo da soja. O laudo técnico emitido pela Cocevvil, que realizou o teste fornecido pela Monsanto, deu positivo para transgenia. Para poder comercializar sua soja, Ângela teria que pagar royalties de R$ 1,50 por saca, pois o preço de R$ 0,60 cobrado pela Monsanto

da Redação

Ângela Marlene Tavares Azevedo, também agricultora de Tupanciretã, está sofrendo por ter optado pela soja convencional. Ao contrário de seus vizinhos, que preferiram a soja transgênica, ela encontrou grandes dificuldades para conseguir sementes convencionais nas lojas agropecuárias e cooperativas da região. Integrante de uma feira de produtos agroecológicos, que funciona todos os sábados, Ângela produz, em 13 hectares de terra, mandioca, batata, amendoim, feijão entre outros produtos livres de agrotóxicos. Mas a safra de soja deste ano

Segundo um dossiê elaborado pelo Greenpeace, entregue ao Ministério Público gaúcho e à Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, a contaminação do grão convencional pelo geneticamente modificado pode acontecer por via sexual ou mecânica. No primeiro caso, ocorre a troca de pólen entre plantas diferentes, separadas por uma certa distância. Já a contaminação mecânica é a mistura das sementes convencionais e transgênicas ao longo de toda a cadeia produtiva.

GUATEMALA

A Guatemala, juntamente com o México, é berço da civilização maia, cuja cultura tem por base o milho. Por isso, as duas nações são consideradas reservas genéticas do cereal, que está sob perigo biológico por causa dos grãos geneticamente modificados. A disseminação da ameaça transgênica entre os guatemaltecos está sendo perpetrada pela Organização das Nações Unidas (ONU), conforme denúncia do ativista Manuel Chacon, da entidade ambientalista Colectivo Madreselva. “Tínhamos a suspeita de que, no país, estava sendo introduzido milho transgênico, por meio do programa mundial de alimentos da ONU. Começamos a realizar testes e análises químicas e descobrimos que o milho doado era da variedade BT, ou seja, transgênico”, declarou Chacon, em entrevista à Rádio Mundo Real. Antes da Guatemala,

a Cocevvil, que acabou admitindo que os técnicos que aplicaram o teste foram mal instruídos pela Monsanto, atribuindo transgenia onde na verdade existe soja convencional.

DE RÉU A CULPADO Casos como o de Ângela proliferam no Rio Grande do Sul. Na avaliação da advogada Maria Rita Reis, da organização nãogovernamental Terra de Direitos, é vantajoso para a Monsanto que mais agricultores declarem que plantaram transgênicos. “Isso faz parte da idéia do fato consumado, para forçar o governo a liberar os

Principal perigo é misturar sementes

TESTES MANIPULADOS

A contaminação mecânica pode ocorrer no uso das máquinas de cultivar, plantar e colher a semente, nos caminhões utilizados para o transporte do produto e nos silos de armazenamento. A contaminação transgênica das lavouras convencionais impedem os produtores de vender sua produção como soja convencional para as cooperativas, acarretando prejuízos financeiros. Um exemplo é o que ocorre na Cotrimaio, cooperativa localizada no município de Três de Maio (RS), que possui uma cotação diferenciada para soja nãotransgênica desde 2001, pagando mais por essa variedade.

Outro custo adicional é provocado pela necessidade de adotar medidas para evitar a contaminação, como a limpeza do maquinário e a separação entre sementes transgênicas e não-transgênicas para a comercialização da safra. Além disso, os produtores que optaram plantar soja não-transgênica são obrigados a pagar royalties se a safra não é separada ou se ocorrem erros nos testes para detectar a presença de sementes geneticamente modificadas. Ao entregar o documento, o Greenpeace pediu proteção para os agricultores que plantam soja convencional e a garantia do direito de

ONU prejudica milho nativo Divulgação

Evandro Bonfim da Cidade da Guatemala (Guatemala)

é restrito a quem declarou ter plantado soja transgênica. Como se não bastasse, a agricultora foi ameaçada de ser levada à Justiça, para pagar multa de R$ 16 mil, por não ter assinado o termo de compromisso, previsto na Lei Federal nº 10.814, que liberou o plantio de soja transgênica na safra 2003/2004. Inconformada com a situação, a agricultora buscou a realização de um segundo teste, desta vez em Porto Alegre, no Laboratório Regional de Apoio Vegetal (LARV/ Sul), ligado ao Ministério da Agricultura. Como era esperado, o resultado deu negativo. Com o novo laudo em mãos, Ângela retornou

transgênicos”, afirmou. Segundo Maria Rita, muitos agricultores declaram ter plantado transgênicos com medo das penalidades previstas na Lei nº 10.814 e para não pagaram mais royalties do que os demais agricultores. No Rio Grande do Sul, cerca de 81 mil agricultores declaram ter plantado transgênicos, menos do que o previsto inicialmente pelas entidades que defendiam a liberação das sementes geneticamente modificadas. Mesmo assim, conforme a advogada, tudo que foi criado veio para prejudicar quem está dentro da lei. “São os agricultores que plantam soja convencional que estão tendo que provar que sua produção está livre de transgênicos, quando deveria ser ao contrário”, sentenciou. A realidade no campo mostra que a convivência das sojas convencional e transgênica é impossível. Além do glifosato afetar as plantações convencionais, a inexistência de segregação promove a mistura dos grãos, fazendo com que toda a safra seja considerada transgênica. Como se não bastasse isso, os agricultores, que rejeitam a nova tecnologia, têm ainda que enfrentar a coação realizada pelas cooperativas de comercialização e pela própria Monsanto, que usam das mais diversas artimanhas para forçar que declarem, no ato da venda, a transgenia dos grãos, independentemente do mérito. “Cabe ao governo preservar o direito dos agricultores que não plantam transgênicos. A Monsanto deve ser responsabilizada pelos custos extras do processo de segregação”, defende o deputado Frei Sérgio Görgen (PT/RS).

O milho faz parte não só da alimentação, mas da cultura maia: a modificação genética é uma falta de responsabilidade

diversos países da África registraram a presença de transgênicos nos envios de alimento pelas Nações Unidas.

Há três anos a Colectivo Madreselva promove campanhas contra o uso indiscriminado de transgênicos, contra a mineração

com cianureto e contra a exploração de petróleo em áreas protegidas. “Desde nossa denúncia, pelos meios de comunicação, começou

cultivar soja não-transgênica sem que tenham de arcar com custos extras em função da contaminação. Segundo previsão da Associação Brasileira de Sementes (Abrasem), na próxima safra de soja, cerca de 35% da produção será transgênica. O plantio de sementes geneticamente modificadas volta a ser feito de forma clandestina e sem estudo de impacto ambiental. Dos cerca de 83 mil agricultores que cultivaram soja transgênica no Brasil, na safra 2003/2004, mais de 81 mil estão no Rio Grande do Sul. (Com informações da Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.com.br)

uma discussão pública do tema. Passamos a denunciar e questionar a atitude do governo a partir daquele momento, pela irresponsabilidade que tem vitimado duplamente a população”, explicou Chacon. Para ele, embora toda a população guatemalteca possa ser prejudicada pela contaminação das variedades crioulas pelos transgênicos, o principal grupo implicado vai ser outra vez os indígenas, devido sua dependência do grão. Cerca de 80% da população maia vive na pobreza, sendo que esse grupo étnico representa mais da metade da população guatemalteca. “Quando falamos da ameaça dos transgênicos, os que mais vão ser afetados são as populações maias, visto que, nesse caso, a ameaça se dirige às sementes, ao milho. O cereal integra a cosmovisão dos indígenas. E, ao se contaminar o milho, isso compromete toda a vida do povo maia”, lamenta Chacon. (Adital, www.adital.com.br)


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