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de 7 a 13 de janeiro de 2010

editorial FINAL DE ANO, início de ano novo, todo mundo faz seus balanços e desenha as perspectivas. Certamente, em cada instância dos mais diferentes movimentos sociais brasileiros, a quem nosso jornal se referencia, estarão fazendo balanços e análises das perspectivas da luta de classe no Brasil para 2010. É muito difícil fazer prognósticos certeiros. Afinal, a luta de classes é dinâmica e se altera de acordo com o comportamento da correlação de força. Portanto, o despenho detalhado é imprevisível. No entanto, a ciência política e a análise histórica nos permite traçar cenários prováveis e perspectivas.

As elites Do lado do capital, há uma crise estrutural instalada no polo central da acumulação capitalista internacional, que será prolongada e continuará trazendo consequências para as economias da periferia, como a brasileira. É provável que as empresas transnacionais e o capital financeiro continuarão apostando na economia brasileira como um território para proteger seus capitais e garantir acesso aos recursos naturais. Em 2009 assistimos a uma ofensiva do capital internacional sobre nossos recursos, como a terra, água, usinas de etanol, hidrelétricas, reservas de minérios, biodiversidade etc. Ou seja, continuará havendo um processo de desnacionalização. Os

debate

2010: um ano de muitas lutas sociais e disputas de projeto capitalistas continuam controlando o nível de emprego e de salário, subordinando-os apenas aos seus interesses. É por isso que em 2009 os operários industriais brasileiros, com carteira assinada, perderam R$ 13 bilhões na massa salarial total em relação a 2008. Os problemas estruturais provocados pelo capitalismo continuarão se aprofundando, da concentração de riqueza, da propriedade, gerando maior desigualdade social. Aumentarão também as contradições do domínio estúpido do capital sobre a natureza e os alimentos. Na sua sanha de lucro fácil, aparecem com mais veemência as contradições dos desequilíbrios do meio ambiente, das alterações climáticas e dos agrotóxicos sobre os alimentos, que atingem agora toda população, não apenas quem vive no campo.

Os trabalhadores Do lado da classe trabalhadora, vivemos ainda um período histórico dentro do ciclo do descenso do movimento de massas. As forças populares organizadas, que representam a classe trabalhadora do campo e da ci-

dade, ainda se ressentem da derrota política que representou a queda do muro de Berlin, da derrota do projeto democrático popular e da dispersão ideológica que tomou conta das organizações políticas em geral. Em cenário tão complexo, os desafios a serem enfrentados são mais difíceis, e as soluções virão apenas no longo prazo. Não são tempos de plantar alface. São tempos de plantar árvores, como dizem os movimentos camponeses. Plantar árvores significa retomar o trabalho de base, miúdo, que dará frutos a longo prazo. Significa seguir persistentemente com a formação de militantes. Seguir estimulando todo tipo de luta social. Seguir construindo nossos próprios meios de comunicação com as massas, como é o jornal Brasil de Fato, as páginas na internet e outros veículos que a classe trabalhadora está construindo a duras penas em nosso país.

Ano de eleições No meio desse cenário, teremos uma eleição presidencial. Esse pleito tende a uma polarização simples, entre o retrocesso ao neoliberalismo

crônica

Luís Carlos Lopes

A tapetada da ignorância ou os novos ovos da serpente

é possível evitar isso se desde hoje a vigilância democrática esteja atenta às manifestações ainda líquidas de um fascismo que poderá se solidificar, dependendo de quem estiver no poder central. O estímulo à leitura e ao consumo da obra de arte de qualidade – popular e erudita – são antídotos a ser considerados. A internet, por exemplo, é um meio de comunicação no qual há de tudo um pouco. Eles trafegam no lixo, mas poderiam usar o mesmo meio para acessar as conquistas da filosofia, das artes e das ciências. É tecnofobia demonizar o meio. O problema está no modo como é usado. Na verdade, eles vieram do consumo de uma televisão de baixíssima qualidade e de outras mídias também pouco edificantes. Hoje, esses jovens encontram na internet os mesmos vícios e problemas, potencializados pela interativitdade. Não é difícil que eles acreditem que o mundo é só o que eles e suas redes intersubjetivas imaginam como único e possível. Eles pouco ou nada ouvem, veem ou leem comunicando o combate aos preconceitos tradicionais da sociedade brasileira. Não sabem o que são exatamente o racismo, o sexismo, a homofobia, o idadismo e o terrível e secreto preconceito contra a inteligência. Certamente, não compreendem que a pobreza não é um destino, e sim um problema político. Há razões de sobra para desconfiarem de tudo que cheire a política e para imaginarem que qualquer um interessado nisto é um ladrão. Em suma, estão apartados de um instrumental básico para compreender o mundo em que vivem. São alienados, manipulados pelos mais fortes e manipuladores dos mais fracos que conseguem alcançar. (Carta Maior)

OS ESPECIALISTAS e futurólogos de plantão já estão a postos para as projeções e previsões acerca deste novíssimo ano que despertou. Já que me honraram com o posto de cronista sazonal deste brioso e combativo periódico, também gozo de algumas prerrogativas com o poderoso deus Cronos e, por isso, arrisco-me a meter minha colher nesta panela político-esotérica... Na seara internacional, a julgar pelas promessas (muitas) e frustrações (ainda mais numerosas) do ano que passou, 2010 será como a velha máxima de Aparício Torelly, o autoproclamado Barão de Itararé: “de onde menos se espera, daí mesmo é que nada vem...” Na conturbada questão ambiental, depois da malograda Cúpula de Copenhague, tudo seguirá em banho-maria, com as nações do Terceiro Mundo (e os países africanos, sobretudo) insistindo em cobrar a conta das grandes potências capitalistas, e a turma do G-7 protelando, como sempre, sua dívida com a humanidade. Alguns continuarão a confiar na boa-fé (?) do bom mulato Obama, mas em relação ao novo síndico do Império vale o que declarou um pastor ambientalista ianque: ninguém sabe se ele adotará alguma medida eficaz contra a emissão de poluentes e o aquecimento global, mas certamente fará o mais belo discurso sobre o tema... No reino da pelota, o horóscopo diz: sorte nas finanças e fiasco no social. 2010 promete muitos lucros para a FIFA, a CBF, as corporações de produtos futebolísticos – Nike, Adidas & Cia. – e as grandes redes de TV, graças à realização da Copa do Mundo na África do Sul. Em compensação, há dúvidas atrozes se o evento será capaz de melhorar as precárias condições de vida do povo sul-africano. Inspirado pelo inesquecível samba da União da Ilha, consultei bola de cristal, jogo de búzios, cartomante e indaguei quem será o campeão, mas os orixás da Mãe África recusaram-se a dar-me qualquer resposta conclusiva. Não foi pirraça das entidades: em verdade, estão todas em greve por tempo indeterminado, revoltadas com o descaso e a discriminação que o continente continua a receber do arrogante mundo civilizado cristão ocidental. Já em plagas latino-americanas, a efervescência segue sem limites. Analistas dos mais variados rincões continuarão a anunciar suas profecias sobre Cuba, quase todas açodadas ou equivocadas, mas a ilha celebrará o 51º aniversário de sua Revolução e da resistência ímpar de seu povo como sempre tem feito ao longo dessas duas décadas de Período Especial: devagar e sempre... É claro que as sequelas dos furacões de 2009 e a própria crise global a atingiram severamente; os herdeiros de Martí, contudo, além de altivos e soberanos, são muito tinhosos e sabem conduzir sua nau com a perícia dos velhos marinheiros quando o nevoeiro se abate sobre os mares caribenhos. Mais ao sul do Rio Bravo, a reeleição de Evo Morales na Bolívia servirá de notável advertência para a política mais do que ambígua do bom mulato Obama na região. Será preciso dobrar os salários dos (pseudo)jornalistas que a CIA mantém na Veja e em outros órgãos para que a demonização de Chávez, Evo, Correa & Cia. seja capaz de confundir a difusa ‘opinião pública’ de Bruzundanga e seus vizinhos. Por falar em estigmatização, prosseguirá sem tréguas a campanha de criminalização do MST na República de Bruzundanga, mas os bravos sem-terra, escaldados pela laranjada da Cutrale, saberão dar o troco à da bancada ruralista no Congresso. Como sentencia um sábio provérbio espanhol: “a mentira pode correr um ano, que a verdade a alcança em um só dia...” É o MST que desmata a Amazônia e aquece o planeta? Minha bola de cristal prevê que a tchurma do agronegócio vai cortar um dobrado em 2010, sem conseguir explicar por que não se dispõe a rever os índices de produtividade do latifúndio tupiniquim. É claro que as Kátias, Caiados e os novos coronéis de Bruzundanga investirão tudo nas eleições de outubro; no entanto, em meio a tantos panetones e cuecas milionárias, ninguém sabe como o povo reagirá aos prestidigitadores de urnas... Por fim, a propósito da tal “festa da democracia”, não há muito a prever, e sim a reiterar. Em vez de especular sobre Dilmas, Marinas e Heloísas, valho-me da velha e sábia lição de um certo Vladimir Ilitch Ulianov: as eleições burguesas são sempre um espaço de organização e reafirmação das forças populares na sociedade. Sem desprezar o resultado do pleito (uma variável importante para o movimento social no país), o mais oportuno será sem dúvida a difusão das causas que, hoje mais do que nunca, estão na ordem do dia, desde a secular luta pela reforma agrária até a defesa radical dos direitos cidadãos (educação, saúde, moradia...) ou a democratização plena dos meios de comunicação no país.

Luís Carlos Lopes é professor e autor do livro TV, poder e substância: a espiral da intriga, dentre outros.

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa: Poeta da Vila, Cronista do Brasil (lançado em 2009 pela Expressão Popular).

Gama

As mídias vêm divulgando uma nova moda, que contaria com muitos adeptos. Ela consiste em enrolar tapetes dos automóveis, transformando-os em cassetetes improvisados. Estes são manejados por jovens que se divertem com os efeitos dos golpes desferidos no corpo de desavisados, pedestres ou ciclistas. Esses jovens são os novos ovos da serpente frequentam cursos que lhes darão diplomas impossíveis de serem acessados pela maioria dos estudantes brasileiros. Moram, comem e bebem sem nenhum problema. Eles têm tempo livre à vontade para vadiar por aí, buscando encontrar um sentido, mesmo que negativo, para suas vidas. Vão da ação violenta à sua divulgação na internet em minutos. Eles não conhecem o real significado da expressão direitos humanos e têm raiva de quem lembra da mesma. Acham que são mais brasileiros do que os que agridem, não demonstrando qualquer culpa ou remorso. Mesmo assim, como são, em sua maioria, brancos e socialmente bem situados, conseguem ter um tratamento diferencial quando são pegos. Não há registro de que suas famílias deixem de apoiá-los ou exerçam qualquer tipo de controle sobre seus comportamentos violentos. Flutuam na atmosfera de uma sociedade baseada na diferença extrema, na baixa cultura e na falta de inteligência e de compaixão. Esses jovens são os novos ovos da serpente. Representam o que há de pior na sociedade brasileira. Aqueles que, dependendo da evolução da história do país, estarão prontos para tentar impedir qualquer mudança e para garantir seus privilégios de classe. Estão sendo chocados e se preparando para um possível embate no futuro. O que fazem hoje talvez seja uma pequena amostra do que poderão fazer em outro contexto. Só

Luiz Ricardo Leitão

O que será o amanhã?

AS MÍDIAS VÊM divulgando a nova moda, que contaria com muitos adeptos e admiradores. Ela consiste em enrolar os tapetes dos automóveis, transformando-os em cassetetes improvisados. Estes são manejados por jovens que se divertem com os efeitos dos golpes desferidos no corpo de desavisados, pedestres ou ciclistas que circulam no espaço público. A ‘brincadeira’, fortemente ofensiva, consiste em fazer o outro sentir uma dor intensa. Pelo menos em um caso, a tapetada foi acompanhada de outras agressões racistas feitas a um homem negro.

Os alvos são os passantes, aqueles que ousam dividir o espaço das cidades com os demais membros da população. Os eventos são filmados e depois divulgados na Internet, com muito orgulho e sensação do dever cumprido. Os tapeteiros têm muitos fãs, como se pode ver nas redes de relacionamento. Ao que parece, eles se acham o máximo e desconhecem qualquer regra de convivência e respeito social. Existem os que fazem, os que ajudam e os que aprovam tal barbaridade. Eles batem em moças – será que existe algum teor sexual no comportamento deles? –, rapazes e em qualquer outro alvo que lhes pareça ‘merecedor’ de uma tapetada. Esses novos agressores criptofascistas nada têm a ver com a sapatada iraquiana em Bush e com o doido que agrediu o Berlusconi. Não são atos cometidos por pessoas insatisfeitas com a ordem. Ao contrário, os tapeteiros têm mais a ver com os que agridem verbalmente ou fisicamente mulheres, negros, índios, mendigos e homossexuais. São filhos de um certo humor televisivo baseado no preconceito e no sofrimento do outro. Acreditam que estão acima de todos e podem fazer o que bem entendem. Divertem-se com a dor alheia, tal como todos os que conseguem achar graça das diferenças, das tragédias e das misérias humanas. Certamente, eles têm automóveis e alguns recursos. Há provas que vários são estudantes de nível superior de escolas privadas. Alguns

puro, do governo FHC, agora representado pela chapa de José Serra, e a melhora e continuidade do governo Lula, representado pelas três outras candidaturas até agora postas. O desafio das forças populares da classe trabalhadora não é apenas fazer uma opção eleitoral, que é até a mais simples. Ninguém quer a volta do neoliberalismo puro. Mas o desafio político é as forças populares conseguirem aproveitar esse momento de disputa eleitoral para também fazerem um debate sobre a necessidade de um projeto para o Brasil. Um projeto que seja anti-imperialista e antineoliberal. Um projeto que recupere a soberania popular sobre nossos recursos naturais e sobre nossa economia; que proponha reorganizar a economia do país, para resolver em primeiro lugar os problemas fundamentais do povo, tais como: emprego, distribuição de renda, escola, moradia, terra, comida e cultura para todos. Um programa dessa natureza evidentemente que não é socialista. Mas é urgente e necessário para podermos acumular forças para as mudanças socialistas que sonhamos.

Nossos desafios Nos próximos meses, se intensificarão as articulações entre as organizações da Coordenação de Movimentos Sociais (CMS), das centrais sindicais, da Assembleia Popular, da Via Campesina para debater esses desafios. Certamente, dessas articulações resultarão a necessidade de ações de massas, pedagógicas e conjuntas. Assim como as lutas sociais conjuntas. Há diversas iniciativas sendo debatidas. Algumas relacionadas com lutas e calendários comuns, como a luta pela jornada de 40 horas, pela adoção crescente do fator Previdenciário aos aposentados, pela redução dos juros e do superavit primário, pela ampliação das políticas públicas em favor dos trabalhadores, pela reforma agrária, e contra a criminalização dos movimentos sociais. As igrejas cristãs iniciarão o ano nos dando um bom exemplo, ao desenvolver os 40 dias da Campanha da Fraternidade, entre o Carnaval e a Páscoa, em torno do lema: “Não é possível servir a dois senhores, a Deus e ao capital”. 2010 será sem dúvida um ano de muito debate, de muitas mobilizações, e quem sabe possamos sonhar com o reascenso do movimento de massas, única forma de alterar a correlação de forças na sociedade a favor da classe trabalhadora para controlar a sanha do capital.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Aurelio Fernandes, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800


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