Edição 426 - de 28 de abril a 4 de maio de 2011

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brasil

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Mirando no alvo correto? VIOLÊNCIA URBANA Após tragédia em Realengo, Congresso propõe campanha por desarmamento e novo referendo Fotos: Leandro Uchoas

Leandro Uchoas do Rio de Janeiro (RJ) NO ÚLTIMO DIA 7 de abril, o país amanheceu de luto. O jovem Wellington de Oliveira, de 24 anos, entrou armado na escola Tasso da Silveira, em Realengo, Rio de Janeiro, e matou doze crianças. Chocada, a sociedade brasileira buscava explicação para a barbárie. No debate oficial, conduzido principalmente pela mídia comercial, algumas questões importantes vinham à tona, entre outras notoriamente preconceituosas. Enquanto era apresentado por alguns como um estudioso do Islã, ou portador de HIV, e até como o nerd que ficava muito tempo no computador, outros buscavam resgatar discussões mais relevantes, como o bullying e o fanatismo religioso de qualquer ordem. Um debate essencial foi retomado, a partir da tragédia: o desarmamento. O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tem anunciado que o governo realizará uma ampla campanha pelo desarmamento. Segundo ele, isso inclui medidas nas fronteiras do país, onde armas entrariam ilegalmente. O Brasil já estaria em contato com outros países para elaborar uma ação conjunta. Cardozo anunciou a criação de um gabinete de gestão integrada, em parceria com o governo do Paraná, para aumentar o policiamento na fronteira e combater o contrabando de armas. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB/ AP), propôs a realização, ainda para este ano, de novo referendo no Brasil sobre a venda de armas. Em 2005, o Brasil realizou o mesmo processo, resultando na não proibição da venda. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, disse que o órgão está preparado para administrar nova consulta popular. O líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Duarte Nogueira (SP), apresentou o Projeto de Lei 997/11, que obrigaria as fabricantes de armas a instalar nelas um chip com os dados de identificação e segurança. O deputado afirma que a medida vai contribuir para o controle da localização de armas de fogo no País.

“No tráfico de armas, o produto nasce legal para só depois se tornar objeto do crime”, diz Marcelo Freixo Precariedade

Em outra direção, em depoimento na CPI das Armas da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o ex-deputado federal Raul Jungmann disse que o Estatuto do Desarmamento não é cumprido devidamente. Segundo ele, o descontrole das armas, munições e explosivos não ocorre por acaso. Há dois cadastros de armas, realizados pela Polícia Federal e pelo Exército, cujas informações não seriam cruzadas. A inspeção em portos, aeroportos e fronteiras seria muito precária. O governo federal adquiriu, por R$ 65 bilhões, equipamentos para escaneamento de containeres, que estariam sucateados. Membros do crime seriam cadastrados como colecionadores ou membros de clubes de tiro. Atualmente, as fábricas não providenciam a marcação da munição que permita seu rastreamento, como exige a lei. “De modo diferente do que ocorre no varejo das drogas, onde as mercadorias já nascem ilegais, no tráfico de armas, o produto nasce legal para só depois se tornar objeto do crime”, disse o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL/RJ), presidente da CPI, que ganhou importância com a tragédia de Realengo. O Rio de Janeiro, cidade onde se deu o crime, tem uma realidade singular no

250

R$

mil é o valor que a indústria armamentista doou ao deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), na última eleição

que diz respeito ao tráfico de armas. Segundo levantamento realizado por pesquisadores do Viva Rio, há mais de 1 milhão de armas, legais e ilegais, em circulação na cidade – uma para cada seis habitantes. Segundo a ONG, somente 7% do armamento comercializado ilegalmente no Brasil entra pela fronteira. O restante é de desvios da própria produção brasileira de armamentos. Das 10.549 armas apreendidas e rastreadas entre 1998 e 2003 na cidade, 68% são originárias de oito lojas legais de armamento, na própria Região Metropolitana fluminense. Existiriam, aproximadamente, 150 mil armas na Divisão de Fiscalização de Armas e Explosivos (Dfae), no Rio, com origem em apreensões. Segundo o diretor do órgão, Cláudio Vieira, 70% delas poderiam estar destruídas, não fosse a burocracia para se fazê-lo.

A indústria armamentista brasileira declarou doar, na eleição do ano passado, R$ 1,55 milhão a candidatos Bancada da Bala

No Congresso Nacional, os defensores das fabricantes de armas e munições compõem a chamada “bancada da bala”. As empresas do setor declararam doar, na eleição do ano passado, R$ 1,55 milhão a candidatos. O deputado Onyx Lorenzoni (DEM/RS), um dos poucos parlamentares a admitir

Nas eleições, empresas do setor doaram R$ 1,55 milhão aos deputados da chamada bancada da bala

Homem examina arma em estande da feira LAAD – Defense & Segurity, realizada no Rio poucos dias após a tragédia de Realengo

que é de direita, lidera a lista. Recebeu R$ 250 mil das empresas. O deputado já apresentou quatro projetos de lei em defesa da indústria bélica, e classificou a proposta de Sarney como “oportunista e hipócrita”. Sandro Mabel (PR/GO) é o segundo da lista, com R$ 180 mil. Foi o segundo candidato mais votado à presidência da Câmara, em fevereiro. Abelardo Lupion (DEM/PR) é o terceiro, com R$ 120 mil. A bancada liderou o boicote à tentativa de proibir a venda de armas no país, em 2005. Até mesmo a ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário (PT/RS), recebeu financiamento da Taurus, na campanha de 2008 à Prefeitura de Porto Alegre. As empresas estariam se articulando no Congresso Nacional contra as medidas divulgadas. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT/ RS), recebeu com cautela a proposta de

Sarney, de realizar referendo. Foi acusado por colegas de ceder à pressão da Taurus, de sede localizada em seu estado. O senador Paulo Paim (PT/RS) propôs a criação de uma câmara de conciliação para tratar do assunto.

Membros do crime seriam cadastrados como colecionadores ou membros de clubes de tiro Ophir Cavalcanti, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), afirmou que o plebiscito seria uma “cortina de fumaça” na crise de segurança, desviando o foco dos reais problemas – o comércio ilegal de armas e munições.

Feira da morte e da fome Uma semana após tragédia em Realengo, Rio sedia novamente a feira da indústria de armas do Rio de Janeiro (RJ) Mais do que emblemático, um fato chamou a atenção dos cariocas nos últimos dias. Menos de uma semana depois da tragédia de Realengo, o Rio de Janeiro sediou, novamente, a LAAD – Defense & Segurity, maior feira de armamento bélico da América Latina. A cidade já havia abrigado o megaevento há dois anos. Em 2011, apresentou um crescimento incrível. As empresas expositoras cresceram de 336 para 650. Estima-se que o crescimento em número de visitantes atinja mais de 30%, em relação aos 18 mil de 2009. As duas edições ocorreram depois que, em 2008, o governo brasileiro anunciou a Estratégia Nacional de Defesa (END). “O Brasil definiu os objetivos e prioridades na END. Mas, no evento de 2009, o mercado ainda via a proposta com certo descrédito”, afirmou Sérgio Jardim, diretor-geral da Clarion Events, responsável pelo evento. Após os assassinatos na escola Tasso da Silveira, a realização da “Feira da Morte” – como é conhecida entre os movimentos sociais – foi pouco comentada. Entretanto, isso não impediu que o jornal O Globo publicasse um caderno especial sobre sua realização. Os organizadores da feira celebraram o crescimento da “demanda gerada pelos eventos esportivos globais marcados para o Brasil, e a expansão dos desembolsos em segurança pública em ações de combate à criminalidade”. Em outras palavras, comemoraram o crescimento de receita em decorrência do aumento no uso de armamentos no Rio de Janeiro, cujas consequências são fartamente conhecidas da sociedade brasileira. A respeito da campanha por desarmamento no país, e a eventual realização de referendo sobre a venda de armas,

a indústria bélica não divulga posições. Sabe-se apenas que movimentações intensas estão sendo feitas nos bastidores. O diretor da Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), Alte Saturno Zylberberg, foi cauteloso ao falar da campanha por desarmamento. “Seguimos rigorosamente a lei. Isso é tudo o que posso dizer. Fazemos o que o governo manda”, disse ele, alertando que há, no setor, incerteza e atenção quanto ao que pode acontecer. No estande da fabricante gaúcha de armamentos, a Taurus, os representantes da empresa saíram caminhando, calados, ao ser questionados por este jornal sobre a campanha.

Após Realengo, a feira foi pouco comentada. Mas isso não impediu que o jornal O Globo publicasse um caderno especial sobre sua realização A crítica mais feroz à realização da Feira da Morte veio de Stela Santos, do Comitê de Solidariedade à Luta do Povo Palestino. “A novidade deste ano é o descarado apoio oficial dos governos estadual e municipal e a grave denúncia dos acordos militares milionários entre o Estado brasileiro e o terrorista Estado de Israel, envolvendo a compra de armamentos, equipamentos e aviões não tripulados de empresas comprometidas com o genocídio de povo árabe”, afirmou. Na quinta-feira (14), alguns movimentos sociais aproveitaram-se das atividades relacionadas aos 15 anos do Massacre de Eldorado de Carajás para fazer a denúncia da realização da feira. (LU)


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