O Inesquecível Banquete dos Deuses

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Silvia Morgensztern

Durante minha infância, Amaltéia foi a companhia perfeita de todos os dias. Bastava olhar para mim para eu reconhecer no formato do vinco, que se formava ao redor dos seus lábios, o sinal de agrado ou desaprovação. Acredito que não tenha sido por acaso que a escolheram para ser minha ama. Na verdade, por trás da forma como ela brincava comigo, das palavras que usava para conversar ou aconselhar, havia uma educadora me preparando aos poucos para ser o futuro deus dos deuses e dos homens. E, assim, em meio ao carinho de Amaltéia e das outras ninfas, eu cresci até me sentir suficientemente seguro para enfrentar Crono e cumprir meu destino. A história é circular e os fatos tendem sempre a se repetir. Desta vez era eu, o filho caçula do Crono, quem estava no centro dos acontecimentos e chegava para desafiar o governo do mundo. Exatamente como já havia acontecido em outras ocasiões, a mãe se aliava ao filho contra a tirania do pai. – Certa ocasião, já rapaz, vieram me contar sobre Crono. Disseram que eu deveria saber que, por medo de perder o trono, meu pai havia engolido todos os filhos. Não gostei de ouvir que no reinado de Crono dominavam a crueldade e a injustiça e resolvi ir ao seu encontro. Havia chegado a hora de tomar o lugar que me pertencia por direito. – Mais uma vez a Sorte estava do seu lado e você pôde contar com a Judá de Métis, a deusa da sabedoria e da prudência – acrescenta Gaia. – Exatamente. Métis era uma profunda conhecedora das ervas da natureza. Fui procurá-la em busca de conselhos e pedi-lhe que usasse todo o seu conhecimento para preparar uma bebida capaz de fazer com que meu pai devolvesse os filhos havia engolido. Métis pediu um tempo, embrenhou-se na floresta e não tardou a encontrar o que procurava. Com a erva adequada, preparou uma poção mágica. Foi minha mãe quem ofereceu a bebida a Crono, com essas palavras: “Beba, amado esposo. Alguns goles de néctar servirão para revigorá-lo.” Sem desconfiar de nada, Crono sorveu de um só gole todo o conteúdo da taça. Passado um tempo, a poção começou a fazer efeito. Seu enorme corpo começou a se contrair uma dor insuportável. O perverso sentiu sua víscera em convulsões e só conseguiu algum alívio quando regurgitou um a um todos os filhos que mantinha prisioneiros em seu estômago. Fora do ângulo de visão de Crono, eu observava a desenrolar dos acontecimentos. Primeiro surgiu a pedra e, em seguida, vieram todos os meus irmãos e irmãs, do mais jovem ao mais velho, na ordem contrária àquela em que haviam sido engolidos. Réia não continha a emoção e, em cada filho devolvido, crescido e já adulto, ela esfregava néctar e ambrosia até sentir de volta em seus corpos o divino vigor. Conheci Deméter, a deusa de cabelos cor de trigo, Poseidon, de delirantes devaneios, o silencioso Hades, a virginal Héstia e finalmente Hera, que depois viria a ser minha esposa. Quanto à pedra, levei-a ao monte Parnaso e a depositei em Delfos, para ser eternamente lembrada com a marca da nossa liberdade. – Passado o primeiro momento de impacto, dirigi-me a meu pai dizendo que seu reinado havia terminado. Exigi que ele me passasse imediatamente o comando

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