Revista Terra Una - Residência 2010

Page 22

Julio Callado

artista convidado 1981, Rio de Janeiro, RJ

A proposição que Terra UNA coloca a todos, que de alguma forma participam de sua experiência, é a aventura do assentamento humano comunitário em um território que vive entre dinâmicas rurais e selvagens. A ideia de se inventar um lugar para viver desde seus elementos mais básicos. Propor a reflexão sobre todas as nossas ações cotidianas, que exercemos na maioria das vezes de modo automático e inconsequente. Experimentar a possibilidade de se reinventar a nossa sociedade. Se vivemos em um mundo onde a mais de um século não existem terras incógnitas e todo o planeta está mapeado por diversos aparelhos tecnológicos que se atualizam quase em tempo real, o grande desafio de nossa era não é mais, como nos tempos das grandes navegações, descobrir e mapear novas terras para se habitar. Para além das especulações astrofísicas, que ainda se mostram essencialmente fictícias, o que se impõe à contemporaneidade como vanguarda territorial, a explorar os limites do espaço humano, é o desafio de descobrir novos modos de se habitar territórios que já conhecemos. Reciclar espaços. No sentido inverso dos movimentos exploratórios tradicionais, que se dirigem sempre para fora, as iniciativas atuais que buscam estratégias alternativas para a ocupação humana sobre a Terra, se voltam para dentro de territórios preestabelecidos, no sentido de “pôr-se a desfiar os dispositivos e diagramas que modulam os tempos e espaços chamados nossos, abrindo, por fim, os mapas tidos como prontos nas tristes postulações atuais do fim da história”1. Esse é, de um modo geral, o projeto das ecovilas espalhadas hoje por todo o globo. O que Terra UNA traz de particular em sua trajetória é o uso que tem feito de processos artísticos como instrumentos colaborativos para a construção deste assentamento, desde suas instalações físicas até os conceitos que organizam e regulam a comunidade. A realização de residências coletivas, onde artistas de diversas regiões do país e de diversas linguagens, convivem e produzem dentro de uma rotina comunitária, promove uma série de desdobramentos onde as subjetividades envolvidas vão interagindo entre si e com o ambiente, criando uma teia de relações, propostas e ideias que contribuem muito para a estruturação da ecovila. Da mesma forma, as contribuições também são muitas para as poéticas de cada artista.

ARTEAVENTURA Eu, da Raça dos Descobridores, desprezo o que seja menos que descobrir um Novo Mundo! Ultimatum, Álvaro de Campos, 1917.

42

O projeto Interações Florestais se difere de outros projetos de residência por dois aspectos básicos. Primeiro, pelo fato do isolamento local que promove uma vivência imersiva, onde os artistas se veem obrigados a abrir mão de muitos recursos e rotinas dos grandes centros urbanos, onde a maioria vive. Segundo, pelo fato de ser uma proposta comunitária, onde cada um, além de realizar seu projeto individual, deve participar de todas as atividades que dizem respeito ao funcionamento da ecovila. Plantar, colher, cozinhar, limpar, tudo deve ser compartilhado por todos. Deste modo, os processos artísticos desenvolvidos durante as residências se constroem sob uma ótica da convivência, onde as poéticas individuais vão dialogando e compondo relações de troca. Vivenciamos assim, uma maior permeabilidade das individualidades e dos processos individuais, promovendo frequentemente trabalhos coletivos ou de autoria compartilhada. Dentro desta dinâmica, percebemos também, que os processos artísticos passam a desenvolver fortes relações com as práticas domésticas e cotidianas da ecovila, se interpenetrando mutuamente e muitas vezes se confundindo. Arte vida. O que os artistas experimentam ao se colocarem e se perceberem no ambiente da residência é um movimento de constante reposicionamento de suas relações com tempo, espaço, cotidiano, com o seu trabalho, com o outro e com o universo da arte. Assim, o que se coloca aqui, é o que poderíamos chamar de “uma poética da geografia – ou, no fim das contas, uma metodologia da estrangeridade: aquele ato de, justamente no movimento e no encontro, criar o procedimento de estranhar a si mesmo e ao mundo”2.

43


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.