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Dezembro e Janeiro, 2013

tivados, com projetos não só interessantes, como também diversificados, com grande abertura e com uma cultura notável para um curso de pós-graduação ainda recente. Isso é extremamente encorajador. Foi uma grande satisfação a possibilidade de estabelecer diálogo e interlocução com esses jovens, uma experiência positiva e reveladora da grande motivação em cada um deles. Para não falar dos professores, com os quais tive a oportunidade de conviver mais de perto. Todas essas experiências são extremamente encorajadoras e, certamente, este projeto vai se consolidar com o acúmulo de novos conhecimentos.

Interdisciplinaridade A comunicação é uma área relativamente recente em nível universitário. Podemos dizer que ela tem, atrás de si, uma pré-história muito longa, que remonta aos gregos, de onde vamos buscar, muitas vezes, inspiração para aulas e artigos, assim como na lógica medieval. Então, como em qualquer ciência, temos uma pré-história longa. Em termos institucionais acadêmicos, podemos dizer que a Comunicação se consolida no século XX. É, portanto, muito recente. Atualmente, estamos retomando uma articulação interdisciplinar forte, com paradigmas que vêm de várias disciplinas e, aqui, na Região Amazônica, vejo uma articulação muito interessante da Comunicação com os estudos ecológicos. Isso vem retomar uma tradição nos estudos da Comunicação, que remonta ao princípio do século XX, com a Escola de Chicago ou o Colégio Invisível, de Gregory Bateson, da Escola de Palo Alto. Há um retomar desta via, eu diria numa perspectiva interacional da comunicação, sobretudo no Brasil, depois de uma época em que os estudos da comunicação se voltaram mais

para uma profissionalização com vista a uma mobilização em torno de projetos políticos e culturais do País. Hoje, percebo essa mudança em que se valorizam os estudos interacionais, a busca por uma lógica comunicacional entre indivíduos, comunidades e culturas. Não sei se me engano, mas é essa perspectiva que começo a pressentir, um pouco, nas margens dos grupos de pesquisa, que estão cada vez mais a tomar um terreno que acho muito promissor, positivo e importante.

“A pós-graduação abre novos caminhos para a compreensão do mundo.” Resistência Em todos os meus trabalhos, venho buscando incentivar o diálogo das equipes de Comunicação com antropólogos, sociólogos, historiadores, economistas e linguistas, pois entendo que é fundamental a interação entre equipes e disciplinas. Infelizmente, as universidades nem sempre apoiam a iniciativa. Embora, no plano do discurso, favoreçam a interação, na prática, torna-se muito difícil aprovar projetos interdisciplinares. E por que é difícil? Porque é bastante complexa a constituição de equipes de avaliação e de equipes interdisciplinares. No entanto é impensável elaborar um projeto de investigação em Comunicação que prescinda de pessoas experientes de áreas disciplinares diferentes. Em

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relação aos pesquisadores, no entanto, se quisermos ser realistas, infelizmente, nem sempre eles estão abertos à experiência interdisciplinar. Ainda persiste uma espécie de rivalidade, jeitos próprios de as equipes se defenderem. No entanto, à medida que o número de professores titulares se torne suficiente, essa concorrência, digamos, profissional deixará de estar em jogo, então, a interação interdisciplinar dará frutos. Se a comunicação der esse salto, penso que se firmará como ciência, experiência, saber, investigação e projeto.

racionalizar e para encontrar a razão de ser das coisas.

Senso comum

Inclusão linguística

Um dos aspectos mais interessantes na pesquisa em Comunicação é a capacidade que temos, hoje, de valorizar o senso comum, aquilo que eu chamaria conjunto de conhecimentos partilhados por uma comunidade. Durante muito tempo, as ciências positivas viveram a demarcação em relação ao senso comum. Hoje, se há coisas que os estudos da Comunicação podem trazer de novo à discussão é a atenção aos mecanismos de construção do senso comum. Este, talvez, seja o ponto central da mudança de paradigma que está a ocorrer na Comunicação no século XXI: fazer os cientistas se preocuparem não em descobrir as coisas nas costas das pessoas, mas formular aquilo que elas sabem sobre as suas experiências. Costumo dizer aos meus alunos que não existe nada que eles não saibam já. Eles já sabem sob a forma inconsciente, implícita. O que os cientistas fazem é explicitar as leis que regulam os fenômenos. E este aspecto é, talvez, o ponto mais importante que a Comunicação pode dar, hoje, ao meio científico: a descoberta da humildade do cientista perante o homem comum, do qual ele recebe as condições para pensar, para

Constantemente, estamos variando os registros da fala. Costumo distinguir as coisas, uma coisa é o discurso, outra coisa é a gramática. São domínios diferentes. Claro que eu utilizo a gramática para formular discursos, mas o discurso nem sempre é feito de frases gramaticais. Quando atendo ao telefone, digo “alô”, que não vem na gramática, mas é uma forma discursiva indicativa de que estou disponível para falar. Não me passa pela cabeça perguntar para um gramático se “alô” está gramaticalmente bem construído ou não. É uma forma discursiva. Quando falamos, não formulamos frases, dizemos enunciados, fazemos coisas, formulamos pedidos e nunca da mesma maneira. Costumo dizer que só um estrangeiro fala gramaticalmente bem o português. Os nativos estão sempre inventando novas formas e contribuindo para a renovação da língua. Eles adaptam a experiência linguística à situação concreta vivenciada. O estrangeiro, como não domina suficientemente a língua, apoia-se nas regras gramaticais para falar de maneira correta. Mas a língua é algo vivo como o meu coração, que bate todos os dias. n

“O que os cientistas fazem é explicitar as leis que regulam os fenômenos”


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