Edésio Passos: 50 anos de advocacia

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BANQUINHO PUBLICAÇÕES CURITIBA 2012



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TÍTULO ORIGINAL Edésio Passos: 50 anos de advocacia 2012 Banquinho Publicações LTDA. Rua Fernandes de Barros, 55 Curitiba - PR - Brasil - 80.050-310 Tel.: +55 41 3082-8783 www.banquinhopublicacoes.com.br COORDENAÇÃO André Passos TEXTO Patrícia Meyer COLABORAÇÃO Andrea Mayumi Maciel Naiady Piva EDIÇÃO Teotônio Souto Maior Gustavo Ferreira Gustavo Machado REVISÃO, PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO Banquinho Publicações

Meyer, Patrícia, 1982Edésio Passos: 50 anos de advocacia / Patrícia Meyer: Banquinho, 2012. 224 p. ISBN: 978-85-65388-01-6 1. Biografias, genealogia e insígnia

1.ª edição


APOIO:


Dedicat贸ria no verso da foto que Ed茅sio entregou a seus pais, na sua formatura em 1962


Para ingressar na advocacia, Edésio solicita inscrição na OAB ainda estudante de Direito, em 1960

Já formado, em 1962 Edésio dá entrada para obter sua inscrição originária


SUMÁRIO 1 | Antes de ser Dr. Edésio | 017 2 | O Silêncio das Rotativas | 021 3 | A faculdade “te abre para o mundo” | 027 4 | O envolvimento com a universidade | 034 5 | Os primeiros anos de advocacia | 039 6 | A militância política | 044 7 | Maringá: mobilização histórica em 1968 | 051 8 | A greve dos bancários de 1968 | 054 9 | O clandestino | 060 10 | Prisões e retomada da advocacia | 062 11 | Em defesa da classe trabalhadora | 074 12 | O assessor sindical | 077 13 | A fundação do Tribunal Regional do Trabalho no Paraná | 083 14 | As escolas Oficina e Oca | 091 15 | A ideia original da Oficina | 099 16 | O fim do AI-5 e a Anistia | 104 17 | A fundação do PT | 108 18 | As primeiras campanhas eleitorais | 126 19 | A fundação da CUT | 129


20 | O escritório “escola” | 133 21 | Era aquilo que a gente queria fazer da vida | 138 22 | A disciplina | 143 23 | Um jeito radical de tratar as coisas | 145 24 | A organização das associações de bairro | 149 25 | A construção da Constituição Cidadã | 158 26 | A atuação do Diap na Constituinte | 162 27 | A solidariedade | 165 28 | O mandato | 170 29 | Um direito transformador | 181 30 | O esforço para a vitória de 2002 | 185 31 | Um agregador na Itaipu | 191 32 | A produção intelectual | 195 33 | Organização de entidades associativas de advogados | 198 34 | Um amigo do tribunal | 204 35 | Uma figura exponencial na advocacia trabalhista | 207 36 | O mestre do Direito Coletivo no Paraná | 212 37 | Novos rumos | 215 38 | Entrevistados | 219



APRESENTAÇÃO Edésio Franco Passos há cinquenta anos é advogado. Nessa frase poderia ser acrescentado um adjetivo como militante ou popular. Poderia ser escolhida outra característica, como socialista, idealista, justo, combativo, técnico, sindical, competente, histórico ou ético. A frase continuaria sempre verdadeira com qualquer adjetivo, porém alguns escolheriam uma qualidade e outros optariam por outra. Para mim, que sou seu filho, escolheria o artigo O, antes da palavra advogado, com a convicção de que a frase também continuaria verdadeira. Por isso, quando se aproximava o cinquentenário de profissão de meu pai, sentia uma enorme vontade de saber e contar a sua história. Foi dessa vontade que surgiu o projeto de regaste da memória profissional e política do Edésio Passos, composto de um livro, um documentário, um site e uma exposição fotográfica. O projeto rapidamente foi transformando-se em uma vontade coletiva, do Escritório Passos&Lunard, da Banquinho Publicações, das entidades sindicais apoiadoras, dos amigos e amigas do Edésio. A estes agradeço em especial, por terem emprestado suas memórias para viabilizar a ideia. A realização dessa empreitada foi à total revelia e desconhecimento do personagem central desta história. Fato que os mais íntimos do Edésio sabem que foi essencial para o sucesso. Contudo, essa condição de projeto secreto possibilitou a liberdade de contarmos as nossas estórias sobre os últimos cinquenta anos. A reconstituição dos fatos que marcaram a vida política e profissional do Edésio foram montados a partir da memória afetiva das pessoas que viveram com ele, foram afetadas e transformadas diretamente pelas suas atitudes nesse meio século. Os próprios personagens — sócios, colegas advogados, juízes, clientes, procuradores, militantes políticos, sindicalistas — através de suas lembranças e emoções construíram esta homenagem. Um dos maiores escritores da nossa época, Gabriel García Márquez, em seu livro de memórias, diz “a vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la”. Essa é a nossa recordação, espero que goste. Parabéns, Edésio, de seu filho advogado. André Passos


Nascido em Tomazina, cidade dos avós maternos, Edésio foi criado em Londrina.

1939

Em 15 de dezembro de 1939 foi lançado o filme “... E o Vento Levou”, romance dramático adaptado do livro de Margaret Mitchell. O longa teve 13 indicações ao Oscar e levou oito prêmios das categorias tradicionais, mais dois especiais - um honorário e um técnico. O elenco contou com Vivien Leigh, como Scarlett O’Hara, Clark Gable como Rhett Butler, Olivia de Havilland como Melanie Hamilton e Leslie Howard como Ashley Wilkes.


ANTES DE SER DR. EDÉSIO Edésio Franco Passos é de Tomazina, norte pioneiro do Paraná, de abril de 1939. É fruto de uma mistura de ascendência italiana, libanesa, portuguesa e indígena, que descreve como “uma confusão mesmo, afinal, o povo brasileiro é assim. Felizmente, o Brasil se tornou um país em que todas as raças se combinam e se ajudam mutuamente. Sou parte disso felizmente, do povo brasileiro”. Conta, com orgulho, que seu pai, Edésio Correia Passos, foi o retrato do trabalhador brasileiro: aquele que cresce e adquire uma formação a partir de muito esforço e força de vontade. Nascido em Paranaguá, sem sequer completar o primário, com apenas 11 anos, teve que buscar seu sustento. Órfão de pai e filho de mãe indígena, sem condições financeiras, aprendeu a ler e escrever e avançou nas ciências exatas, a ponto de se tornar contador. Casou-se quando atuava como funcionário do governo destinado


ANTES DE SER DR. EDÉSIO

a realizar o combate à malária e foi realizar este trabalho na região do Rio das Cinzas, onde conheceu Adel, mãe de Edésio. Posteriormente, foi contratado para ser contador da Caixa Econômica Federal em Londrina, levando a família consigo. Até os 18 anos, Edésio permaneceu em Londrina, vivenciando o processo de expansão da região norte do estado. Em 1957, foi para Curitiba, iniciando a Faculdade de Direito na Universidade Federal do Paraná.

Duas imagens de Edésio ainda criança, ambas em Londrina, nos anos de 1941 e 42.

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1939

Ary Barrozo compõe a música “Aquarela do Brasil”, uma das canções populares nacionais mais famosas de todos os tempos. Numa noite em que não conseguiu sair de casa por causa do mau tempo, ele compôs esta música e também “Três Lágrimas”. Mas “Aquarela do Brasil” só atingiu o grande sucesso e alcançou reconhecimento após ser incluída no filme “Alô, Amigos”, lançado pela Disney em 1942.


HISTÓRIAS

“EM TUDO QUE EDÉSIO SE DEDICAVA, ELE SE SOBRESSAIA” O título acima é uma frase de Zélia Passos, utilizada pela companheira de Edésio O jovem Edésio, na época em que animava bailes como gaiteiro.

por quase quatro décadas para descrever uma postura que o advogado tinha desde estudante, mas que o acompanhou por toda a vida profissional. Edésio não apenas estudou muito ao longo de sua trajetória, mantendo-se sempre atualizado e posicionando-se em relação ao Direito do Trabalho, como sempre foi muito ativo e se envolveu em diversas atividades paralelamente a profissão. Quando jovem “ele não só era muito bom aluno, estudioso e lia demais, como gostava muito de música. Na música ele se encaminhou para o acordeom e foi um virtuoso no instrumento a ponto de animar bailes”, relata Zélia. “Logo depois que se formou e casou, ele parou com o acordeom, o que foi uma pena porque até hoje ele tem noção de ritmo e é muito afinado. Foi realmente uma pena ele ter parado com o desenvolvimento deste dom da música”. Outra atividade que Edésio esteve envolvido na época da faculdade foi um curso de teatro, patrocinado pelo governo estadual. Chegou a encenar algumas peças, o que o influenciou a se tornar tam-

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bém um crítico de teatro e de arte.


“Edésio era o elemento chave do Sindicato dos Jornalistas” Luiz Geraldo Mazza


O SILÊNCIO DAS ROTATIVAS

1961

Yuri Gagarin se torna o primeiro homem a viajar pelo espaço. Em 12 de abril de 1961, o cosmonauta soviético realizou o feito a bordo da nave Vostok I. Ele esteve em órbita durante 108 minutos, dando uma volta completa ao redor do planeta, quando proferiu a sua famosa frase “A Terra é azul”.

O SILÊNCIO DAS ROTATIVAS Antes de se formar em 1961, Edésio Passos atuou como repórter no jornal O Estado do Paraná, experiência que define como uma das mais importantes para consolidar sua visão da sociedade. “O jornalista tem que entender de tudo, participar, estar vivo no processo. Eu não era redator. Eu era repórter. Tinha que estar na rua, vivendo com o povo, e isto foi extremamente importante”. Em sua biografia no site da Câmara constam pelo menos outros cinco veículos de comunicação nos quais Edésio Passos trabalhou como repórter ou colunista: Tribuna do Paraná, Última Hora, Folha do Estado, Diário do Paraná, e revista Panorama. Apesar deste lado profícuo e apaixonante da profissão, Edésio Passos também conheceu suas mazelas. Em entrevista a

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O SILÊNCIO DAS ROTATIVAS

Emerson Castro, disse que “a massa dos jornalistas era mal paga, vivia mal. Por isso, ganhamos a eleição daquela diretoria, por isso a greve acabou acontecendo”. “Os empresários achavam que ser jornalista era formidável e que isto, por si só, já bastava”. Edésio participou da consolidação do Sindicato dos Jornalistas do Paraná fazendo parte da diretoria eleita em 1961, com o presidente Newton Stadler de Souza. Segundo Castro, um momento de muita unidade na categoria, com êxito nas campanhas salariais empreendidas no período. O jornalista Luiz Geraldo Mazza, que também era dirigente nesta gestão,

Edésio (à direita) foi vice-presidente do Centro Acadêmico Hugo Simas (CAHS) da UFPR

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1961

Em janeiro de 1961, os Estados Unidos cortaram relações diplomáticas com Cuba. Em abril, o presidente norte-americano, John F. Kennedy, envia uma força militar contra o governo de Fidel Castro, formada por exilados cubanos, na tentativa de invadir o país pela Baía dos Porcos. A missão foi um fracasso e a relação entre os países só piorou.


O SILÊNCIO DAS ROTATIVAS

Manifestação de Edésio na 5ª Conferência Nacional de Jornalistas Profissionais em Recife, em Setembro de 1962

resgata: “eu vi na história do Sindicato dos Jornalistas do Paraná duas pessoas que tiveram uma linha parecida: batiam o córner e faziam o gol de cabeça: era o Edésio e o Arnaldo Cruz, mais recentemente falecido. E o Edésio era o elemento chave do Sindicato dos Jornalistas na preparação de tudo, elaboração de atas, organização. Tinha senso de logística muito apurado e um

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O SILÊNCIO DAS ROTATIVAS

talento, uma inquietude, uma energia”. Para Mazza a eficiência, a capacidade de organização e a intensidade com que Edésio realizava suas atividades o tornavam “a alma do sindicato”. Destaque para a greve de 1963, em um cenário em que poucas mobilizações dos jornalistas em âmbito nacional haviam obtido êxito. Castro afirma que a greve, embora não faça parte da gestão 1961/1963, pois foi realizada em novembro daquele ano, é continuidade das ações daquele grupo de dirigentes e foi o ponto alto das ações sindicais mais arrojadas no período que antecedeu a intervenção do governo militar. De maneira bem humorada, Mazza se acusa de estopim do movimento grevista. “Eu não me conformei com alguns acordos que estavam em andamento promovidos por algumas pessoas preocupadas em agradar o Ministro do Trabalho. Achei que não valia. Estávamos em assembleia única das duas categorias, dos gráficos e dos jornalistas e não pegava bem querer esse tipo de manipulação. Fui um pouco emocional, fiz um discurso pesado e criamos um problema, porque daí como que vai fazer uma greve? Os jornalistas tinham feito várias greves no Brasil e nenhuma tinha emplacado. Essa nossa foi um sucesso porque nós tiramos de circulação os jornais de Curitiba durante três dias, mas tivemos momentos dramáticos, inclusive à frente do jornal Diário do Paraná”. O Diário do Paraná chegou a ser impresso, mas não saiu da sede do jornal barrado pelos piqueteiros que deitaram na rua impedindo a saída dos carros. Mazza conta que os grevistas re-

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O SILÊNCIO DAS ROTATIVAS

1963

Em março deste ano, Martin Luther King Jr. profere o seu famoso discurso, “Eu tenho um sonho”. Durante a marcha pelo emprego e pela liberdade, em Washington, ele falou sobre a necessidade da convivência harmoniosa entre negros e brancos. Mais de 200 mil pessoas que apoiavam a causa estiveram presentes para ouvir suas palavras.

sistiram à polícia e até impediram a passagem dos bombeiros usando os próprios corpos. Diante do impasse, Mazza foi convidado a agir. “É interessante você fazer um pronunciamento na rádio, no programa ‘Repórter Petrobrás’, da Rádio Independência. Eu fiz um discurso dentro de uma churrascaria”. Quando os policiais chegaram para dissolver o piquete do Diário do Paraná, ele berrou “Milhares de pessoas assistem estarrecidas à mais brutal demonstração de força contra grupos sindicais”. Assim, encheu de gente a rua, vieram os deputados dar solidariedade aos jornalistas e houve uma negociação”. Quando o jornal saiu, foi a vez dos donos de banca entrarem em ação, não realizando a venda da publicação e mostrando solidariedade ao movimento grevista. Por três dias praticamente não houve circulação de jornais em Curitiba (Gazeta do Povo, Última Hora, Diário do Paraná, Diário Popular, O Estado do Paraná, Tribuna do Paraná), exceto a publicação dos grevistas (A Greve). Ao final do movimento, o reajuste obtido ficou na faixa de 75%, uma comissão foi criada para avaliar as condições de trabalho e as funções tiveram uma melhor classificação.

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ANTES DE SER DR. EDÉSIO

A FACULDADE TE ABRE PARA O MUNDO

“Um rapaz fiel às ANO suas próprias ideias e com o pensamento em favor dos pobres” Luiz Fernando Coelho

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Jânio Quadros toma posse da presidência do Brasil em 31 de janeiro de 1961. Ele chegou a ser capa da revista “Time”, mas seu governo durou um curto período de tempo. Pressionado, renunciou ao cargo em 25 de agosto. João Goulart tomou posse como novo presidente do país em 7 de setembro.


A FACULDADE “TE ABRE PARA O MUNDO”

1963

Ieda Maria Vargas se torna a primeira brasileira a conquistar o título de Miss Universo. Aos 18 anos, ela foi coroada no concurso realizado em Miami Beach, nos Estados Unidos. A gaúcha desbancou 49 candidatas de outros países, mas não quis seguir carreira artística após o fim de seu reinado.

A FACULDADE “TE ABRE PARA O MUNDO”

O ingresso na faculdade, o início da militância estudantil e política, e a atuação como jornalista são partes de um momento que Edésio Passos considera um marco em sua trajetória. “Iniciava-se uma segunda etapa muito importante na minha vida. Estudar em uma faculdade de primeira ordem, uma grande faculdade, te abre para o mundo. A universidade é o centro onde você pode discutir tudo”. Luiz Fernando Coelho vivenciou os anos de faculdade junto com Edésio Passos. Foram colegas de sala e o tempo tratou de preservar a amizade, se tornaram vizinhos, e passaram a realizar um revezamento para levar os filhos até a escola. “Sempre

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A FACULDADE “TE ABRE PARA O MUNDO”

fomos amigos e admirei o Edésio em relação à força de caráter, fiel as suas próprias ideias e com o pensamento em favor dos pobres, fracos e oprimidos. Talvez porque ele já trabalhasse como jornalista e conhecesse melhor a realidade brasileira. E também porque logo começou a trabalhar como advogado de sindicato, a favor dos operários, sem trair seus ideais”. Enquanto Edésio era uma liderança nata e estava envolvido com a política estudantil, Coelho preferiu permanecer indiferente. Edésio chegou a concorrer à presidência do Centro Acadêmico Hugo Simas e foi vice-presidente da entidade. Outro colega de turma, Antonio Alves do Prado Filho se recorda da intensa movimentação

Turma da UFPR com destino à Xª Semana Nacional de Estudos Jurídicos em Porto Alegre, em agosto de 1960. Edésio posa para a foto em pé, de óculos e japona

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A FACULDADE “TE ABRE PARA O MUNDO”

da política estudantil nesta época da faculdade. Junto com outros colegas, ele e Edésio eram do Partido Acadêmico Renovador (PAR), que segundo Prado, naquela época, considerado de “esquerda”. “Edésio participava de todos os debates e reuniões do centro acadêmico e também das assembleias gerais, não apenas da Faculdade de Direito, mas também dos principais temas e de-

No CAHS Edésio participou por meio do Partido Acadêmico Renovador (PAR)

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A FACULDADE “TE ABRE PARA O MUNDO”

bates da UPE e do DCE. Era um líder nato, com extensa bagagem e formação cultural — tinha muitas leituras nas áreas de filosofia e literatura, e nossa geração teve a oportunidade de aprender muito com ele”. “Ele sempre foi extremamente inteligente,

Páginas do convite de formatura de Edésio na UFPR


A FACULDADE “TE ABRE PARA O MUNDO”

mais que nós ‘comuns mortais’. Brilhou como aluno e por ser um excelente orador, com ideias claras e coerentes”, afirma Coelho. Foi na época do movimento estudantil que Edésio realizou a sua descoberta das obras de Karl Marx, definiu sua ideologia como socialista e permaneceu convicto no estudo dos clássicos. Outra forte lembrança da faculdade para Luiz Fernando Coelho eram as semanas jurídicas. Eventos que reuniam acadêmicos de direito de todo o país e que permitiam que os estudantes conhecessem diferentes cidades do território nacional, já que o evento recebia muito apoio. “Nós conseguíamos passagens aéreas de graça e até aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) nos levavam. Nós tivemos inclusive uma semana jurídica em Manaus. Todos nós viajamos de avião, mas era uma aventura. Um antigo DC3 que levou aproximadamente umas dez horas pra chegar em Manaus, fazendo escala em diversos aeroportos. O Brasil é muito grande e era maior ainda nessa época”. O colega de Edésio Passos

“Outorgo-lhe o grau de Bacharel em Direito”. Com a formatura Edésio entra efetivamente para a carreira jurídica

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A FACULDADE “TE ABRE PARA O MUNDO”

resgata que ele sempre foi reconhecido por sua inteligência, tanto que recebeu os prêmios “Faculdade de Direito UFPR”, “Desembargador Vieira Cavalcanti”, “Professor Enéas Marques dos Santos” e “Ruy Barbosa”, como melhor aluno da turma de 1961. A capacidade de trabalho e responsabilidade de Edésio é uma característica determinante em sua personalidade. Além de ser primeiro aluno e de produzir trabalhos elogiados em todos os congressos de estudantes do qual participou em seus cinco anos de faculdade, Edésio tinha um intenso envolvimento com o movimento estudantil, trabalhava como secretário na Associação Comercial do Paraná, realizava sua atividade profissional como jornalista e estudava teatro. Zélia Passos enumera as atividades e complementa: “e ainda arrumava tempo para namorar”. O professor da UFPR e atual diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Ricardo Marcelo da Fonseca, enfatiza que a fama de bom aluno de Edésio Passos até hoje “corre pelos corredores da faculdade como uma espécie de lenda, pois o seu índice de rendimento acadêmico foi um dos mais altos da história da faculdade”.

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HISTÓRIAS

Edésio acompanha seus pais na missa de formatura

VOCAÇÃO PARA O DIREITO DO TRABALHO Zélia Passos conta que quando ainda era namorada de Edésio, acompanhou uma atividade da disciplina de Direito Penal, em que ele precisava defender um réu no tribunal. O caso era de homicídio. “Ele vai defender um homem que não tinha recursos e eu, apaixonada e achando tudo maravilhoso, fui assistir esta defesa. Ele defendeu o réu arduamente e enfatizou ‘tanto este homem não tinha intenção de matar, que a faca que usou era sem uso, estava até enferrujada e apenas resvalou, por azar pegou a veia do coração’. Aí o promotor chegou depois que ele terminou e disse: ‘Edésio, você vai dizer que se o cara não morre da facada ia morrer de tétano?”. O fato foi inusitado, mas Edésio era um excelente aluno também em Direito Penal. A área trabalhista, porém, foi uma escolha desde o princípio.


O ENVOLVIMENTO COM A UNIVERSIDADE

O ENVOLVIMENTO COM A UNIVERSIDADE Mesmo após a formatura e com a carreira profissional consolidada, Edésio Passos manteve uma estreita relação com a universidade, se tornou uma espécie de professor informal, quase um consultor ou orientador. Luiz Edson Fachin, professor e Diretor da Faculdade de Direito da UFPR entre 2000 e 2004, destaca que a atuação exemplar de Edésio como estudante e profissional, do ponto de vista de sua coerência política e dedicação aos estudos, faz com que seu nome seja recorrente em documentos e passagens levantados para o resgate do centenário da Universidade Federal do Paraná. “Há depoimentos e referências de professores, grandes mestres que nós tivemos, que registram a singular e positiva, sempre dinâmica, crítica e constante presença

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1964

Em 1964, os militares dão o golpe e iniciam o período de Ditadura no Brasil. No mesmo ano, em 21 de maio, é lançada a revista “Pif Paf”, que fazia uso do humor como uma forma de denunciar o período ditatorial no país. De vida curta, a publicação teve apenas oito edições, e foi fechada devido à censura do regime militar


O ENVOLVIMENTO COM A UNIVERSIDADE

do Edésio na história da faculdade”. Fachin evidencia ainda o envolvimento de Edésio com a universidade na década de 70, em dois sentidos: “na defesa da universidade pública, do ensino público, gratuito e de qualidade; e da universidade como uma instituição provida das suas possibilidades de gestão dos seus legítimos interesses”. Foi necessária uma forte contrapartida da sociedade para evitar que as universidades, na época da ditadura militar, fossem reduzidas a meras reprodutoras de conhecimentos. Todo o esforço do sistema era no sentido de silenciar o debate das questões estruturais, esmagar as lideranças que surgiam, romper com o tripé de pesquisa, extensão e ensino e com a lógica de uma universidade comprometida com seu tempo. Do ponto de vista mais específico, esta perspectiva recaía sobre a autonomia dos cursos, a fim de suprimir um papel, principalmente do curso de Direito, de lutar pela defesa das liberdades. “O Edésio também participou da conquista que tivemos em manter a faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná como um curso que, embora interdependente e evidentemente integrado com os demais cursos e com o próprio sentido da universidade, também preservou a sua autonomia. Isso se revela até hoje no movimento estudantil dentro da faculdade de Direito, organizado em partidos, em correntes, em tendências que são atuantes e todos com uma bandeira única, a defesa de um protagonismo político”. O professor José Antonio Peres Gediel também se recorda de passagens que remetem a intensa participação de Edésio Passos no

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O ENVOLVIMENTO COM A UNIVERSIDADE

Centro Acadêmico Hugo Simas, “em momentos de eventos estudantis em que ele trazia, não só o relato da sua experiência, como a luta contra a ditadura na qualidade de estudante, mas também uma reflexão sobre o presente e o futuro da nação brasileira e a importância que os movimentos sociais têm pra construção desse país”. Outro momento marcante de Edésio na UFPR, segundo Ricardo Marcelo da Fonseca, também professor na universidade, foi quando o salão nobre do curso de Direito foi palco do lançamento de um livro de artigos sobre o Direito de Trabalho organizado pelo desembargador Luiz Eduardo Gunther e pelo professor e advogado Sidnei Machado, em homenagem a Edésio Passos. “Isso mostra a interface que Edésio Passos acabou tendo naturalmente com o âmbito acadêmico de Curitiba, particularmente com a Universidade Federal do Paraná”. Sem esmorecer, Edésio também esteve envolvido na implantação da Universidade de Integração Latino Americana (Unila), por meio de sua atual responsabilidade profissional na Itaipu Binacional. “Hoje a Unila é uma realidade e Edésio foi muito importante, pois abriu as portas da Itaipu para que pudéssemos discutir o projeto e os propósitos da Unila”, comenta o professor Carlos Antunes. O advogado participou da cessão do câmpus ao Instituto Federal de Foz do Iguaçu, localizado na antiga sede do Floresta Clube e, mais recentemente, José Antonio Peres Gediel aponta que Edésio está contribuindo para a construção de um doutorado interinstitucional em Foz do Iguaçu, que tem como promotores parceiros o Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR, a Unioeste e o apoio da Itaipu Binacional.

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HISTÓRIAS

O VELHO SALÃO NOBRE CONTINUA TÃO NOBRE COMO ANTES

Em artigo publicado na coluna “Direito e Justiça” (2011), do jornal O Estado do Paraná, em que revive algumas memórias e presta homenagem aos advogados e professores Vieira Netto e Lamartine Corrêa, Edésio Passos reproduz texto que redigiu para o jornal do Centro Acadêmico Hugo Simas em 1994 e que trata da “estranha sensação de adentrar na faculdade”.

Prédio histórico da UFPR na Santos Andrade, onde até hoje encontra-se o curso de Direito

Sobre sua intensa relação com a UFPR, Edésio afirma: “Como ela se situa nas mesmas condições da minha época (57/61), parece que o tempo não passou. Mas há um fator mais forte que alimenta este misto de mistério/temor. Meu filho é estudante ali, os filhos de meus colegas e amigos também ali estão. Se me ressituo no tempo, querendo equiparar épocas distantes, cometo o erro infantil da identificação pelas aparências. Se refuto a similitude, erro em não prestar atenção à repetição da história. De qualquer modo, o velho salão nobre continua tão nobre como antes, as escadarias ainda sustentam as arcadas, os velhos livros são obrigatórios nas citações clássicas”. Em outro trecho do mesmo texto, Edésio conclui: “E hoje há duas questões centrais: resgatar valores (ética e dignidade) e afirmar cidadania (direitos sociais e humanos). Para um estudante de Direito trata-se de algo vital este resgate e esta afirmação. Se bem assimilados agora, serão projetados no futuro, na tentativa de reequilibrar a instável balança da justiça.”


“Se dedicou profundamente à advocacia, com muito amor. E dela não enriqueceu” Nestor Malvezzi


OS PRIMEIROS ANOS DE ADVOCACIA

1961

Em 13 de agosto de 1961 é iniciada a construção do Muro de Berlim. A barreira dividiu a cidade simbolizando duas ideologias contrárias: a República Federal da Alemanha (RFA), capitalista, e a República Democrática Alemã (RDA), socialista.

OS PRIMEIROS ANOS DE ADVOCACIA

Desde o início do exercício da profissão, Edésio optou pelo Direito do Trabalho e pela defesa dos trabalhadores, em um período em que esta escolha era muito difícil e estes profissionais eram discriminados em uma sociedade conservadora como a curitibana. Zélia Passos resgata que ele atuou como estagiário, no quinto ano de faculdade (1961), no escritório de advocacia de Dante Leonelli, “uma pessoa muito íntegra, filiado ao Partido Comunista e um dos poucos advogados trabalhistas que já exerciam a sua atividade profissional em função de sua ideologia. Ou seja, uma intransigente defesa dos trabalhadores. Isto de certo modo marcou o Edésio, embora ele já tivesse uma convicção muito forte de que queria o Direito do Trabalho e estaria ao lado dos trabalhadores”.

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OS PRIMEIROS ANOS DE ADVOCACIA

Tanto o trabalho como jornalista quanto o envolvimento com os movimentos sindicais fez com que em alguns anos o jovem Edésio Passos e o escritório da Rua XV com a Dr. Muricy fossem conhecidos pelos futuros colegas. O advogado Luiz Salvador recorda que antes de conhecer o companheiro Edésio pessoalmente, “já conhecia seu nome e sua atuação. Ele já era um advogado bem sucedido em Curitiba, era jornalista e advogado de muitas entidades sindicais do Paraná. Isto antes de 64”. O advogado Nestor Malvezzi, que atuou no mesmo reconhecido escritório da Dr. Muricy junto com Edésio Passos, Hélio Camargo, Paulo Cesar Bastos e outros profissionais, recorda do grande volume de trabalho devido ao atendimento de demandas trabalhistas de todo o Paraná. Muitos dos municípios não tinham varas do trabalho e as demandas eram julgadas por juízes cíveis. Em Curitiba, também havia apenas uma junta de conciliação e julgamento. O Tribunal do Trabalho era em São Paulo. Por vezes, a pauta de audiências ocupava todo o dia. “Nós começamos a trabalhar praticamente juntos e isto se estendeu por um longo período. Atendíamos Maringá, Paranavaí, alguma coisa em Londrina e a área portuária — Paranaguá e Antonina. Atendemos aos empregados da Klabin e ficamos vinculados ao Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Gráficas de Curitiba, que depois virou estado do Paraná; eu atendendo nas ações individuais e o Edésio na área coletiva, o que se estendeu até uns dez ou 12 anos atrás”. A correria dos advogados era tamanha que muitas vezes as reuniões e acertos foram realizados nos encontros dos

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1964

“Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, é lançado em 1964. Considerado um marco do cinema novo, o filme foi inspirado na linguagem da literatura de cordel e rodado em vários municípios da Bahia. Foi indicado à Palma de Ouro, do Festival de Cannes do mesmo ano.


OS PRIMEIROS ANOS DE ADVOCACIA

ônibus. “Na parada dos ônibus Curitiba/Paranavaí ou Curitiba/ Maringá fazíamos o acerto financeiro, das ações em andamento, das pautas das audiências. Dividíamos quais eles realizariam e quais cabiam a mim”. Nestor Malvezzi é enfático ao dizer que Edésio Passos é um dos três advogados ‘virgens’ que conheceu, no sentido de exercer o Direito com sensibilidade, honra e profissionalismo. Os outros seriam Paulo Cesar Bastos e José Lamartine Correa de Oliveira Lira. “Viveram para a advocacia e dela não se tornaram ricos, apesar de toda dedicação”.

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HISTÓRIAS

O ENTERRO DE SUPLICY Por volta de 1963, Edésio fez a seleção para professor da Faculdade de Direito da UFPR e passou, entretanto não foi nomeado pelo então reitor Flávio Suplicy de Lacerda. A atitude do engenheiro e professor universitário, que veio depois a ser Minis-

OS DOUTORES 70%

tro da Educação no governo Castelo Branco (1964/1965), foi de retaliação a uma mani-

Havia um juiz de Maringá que tinha “hor-

festação organizada pelo Centro Acadêmico

ror” de Edésio Passos e Nestor Malvezzi. A

Hugo Simas. Zélia Passos relata que Edésio

piada, segundo Malvezzi, é porque os advo-

não apenas participou, como discursou nes-

gados chegavam a ter 40 reclamatórias por

ta manifestação contra um ato do reitor. Na

dia, ocupando toda a pauta de audiências

mobilização, o movimento estudantil reali-

diárias do magistrado. Nestor explica que na

zou o enterro de Flávio Suplicy. Ao receber a

época não havia Vara do Trabalho em Marin-

documentação do professor selecionado para

gá. Segundo dados do TRT-9 a primeira foi

a Faculdade de Direito, Suplicy não teve dú-

criada em 1978. “Nós propúnhamos as ações

vidas e afirmou que não podia assinar aquilo,

nas varas cíveis, porque não existia justiça

afinal estava morto.

especializada. Então, o Dr. Wilson Reback

O site do Centro Acadêmico Hugo Simas

nos tratava como os doutores 70% porque

afirma que na década de 60, a “Lei Suplicy”

nós entrávamos na audiência com o cálculo

extinguiu todas as entidades representativas

mais ou menos feito em relação ao que os tra-

dos estudantes, instituindo outros órgãos de

balhadores tinham direito e ele dizia: ‘Tem

representação estudantil, os diretórios aca-

acordo? 70%?’”. Rindo, Malvezzi recorda do

dêmicos. Embora os estudantes de Direito

apelido. “Ele só nos chamava de Dr. 70%. ‘O

tenham decidido que o Hugo Simas perma-

Dr. 70% tem alguma proposta?’ Acho que ele

neceria como seu legítimo representante, a

chegou a ser desembargador ou componente

entidade reconhecida pela universidade era

do Tribunal de Alçada do Paraná. Era nos-

o diretório acadêmico, e os dois permanece-

so homem em Maringá”. Reback faleceu em

ram paralelamente.

abril de 2011.


“Edésio tem uma grande capacidade de dedicação às suas causas” Cláudio Ribeiro


A MILITÂNCIA POLÍTICA

A MILITÂNCIA POLÍTICA

Em abril de 1964, com a vitória do movimento militar, apoiado pela classe média conservadora que lhe conferiu apoio político e social, o cenário de grande espaço para as manifestações sociais, estudantis e populares foi abruptamente alterado. A partir do Ato Institucional n.º 1 (AI-1), milhares de pessoas tiveram seus direitos atingidos, perdendo o emprego, o direito à mobilização, ao exercício da política e a liberdade. O golpe também foi recebido com alívio pelo governo norte-americano, satisfeito de ver que o Brasil não seguia o mesmo caminho de Cuba. Tanto a Agência Central de Informações (CIA) quanto o embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon, foram os primeiros a reconhecer a nova situação política do país. Sobre este cenário, Edésio lembra que o golpe militar não era algo

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1964

Em abril de 1964, os Rolling Stones lançam o seu primeiro álbum, intitulado simplesmente “The Rolling Stones”. O disco contava com apenas uma composição de Mick Jagger e Keith Richards, “Tell Me”. O álbum ficou doze semanas em primeiro lugar nas paradas inglesas.


A MILITÂNCIA POLÍTICA

esperado. “Nós achávamos que o processo revolucionário estava em andamento porque Cuba e China haviam entrado no processo socialista e a União Soviética estava se desenvolvendo. Pensamos: ‘ é com a gente mesmo, é por aqui mesmo, vamos embora. Vamos transformar isto aqui’. Então o golpe militar talvez tenha recomposto uma realidade que a gente não via. Não foi o golpe militar só do Brasil, foi o golpe militar da Argentina, do Chile e foi assim na América toda. Vieram os Estados Unidos e acabou. A história é outra. ‘Vocês não venham com conversa, pois quem manda aqui somos nós’. E era mesmo. O processo do golpe militar é um processo muito difícil, pois atinge diretamente a juventude, porque quem desenvolvia o processo revolucionário eram os jovens.” De 1961 até 1965, Edésio Passos foi filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB). Em 1961, esteve intensamente envolvido na Campanha da Legalidade, iniciada por Leonel Brizola, que assegurou a posse de João Goulart. Sobre o PSB, Edésio afirma que foi uma experiência sem grandes repercussões, importante pela convivência com nomes como Newton Freire Maia e Vieira Netto. Em 1965 foi editado o AI-2, que além de extinguir os partidos políticos e cancelar seus registros, novamente suspendia as garantias constitucionais, autorizava cassações e intervenções nos estados e municípios, e a decretação de recesso nas casas legislativas. O resultado deste processo foi o surgimento de duas agremiações — com formação autorizada pelo AI-2, a Arena (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento De-

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A MILITÂNCIA POLÍTICA

mocrático Brasileiro). Entre 1966 e 1967, Edésio decidiu ingressar em uma organização revolucionária, a Ação Popular (AP). Edésio Passos, Paulo Gustavo Carvalho e Valmor Marcelino se tornaram dirigentes de expressão da organização regional da AP. No princípio, de acordo com informações coletadas no depoimento que Edésio prestou à Polícia Federal em janeiro de 1972, a atuação dos três dirigentes esteve concentrada no levantamento de áreas em que deveriam ser localizadas as atividades da organização nos movimentos estudantis, operário e camponês. Eram realizadas diversas reuniões para promoção de debates, no sentido de resolver divergências, sanar dúvidas, dar corpo à mobilização e, em paralelo, recrutar pessoas. O intento, segundo Zélia Passos, era o enraizamento da luta contra a ditadura no Paraná, de um modo organizado e clandestino. Foi neste contexto de militância política contra o governo militar que o advogado e dirigente da AP conheceu o jornalista Luiz Manfredini e a advogada Clair da Flora Martins. Edésio é taxativo: “Achei que não tinha outra fórmula. Não havia como combater a ditadura militar a não ser no processo revolucionário. Claro que o MDB exerceu um papel importante, companheiros que não ingressaram nestas organizações foram extremamente importantes. Não estou negando a importância, só estou dizendo que eu pessoalmente considerei que entrar em uma organização revolucionária era o melhor caminho. E foi o que eu fiz. E isto não é nada simples porque muda tudo”.

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1965

Em 6 de abril de 1965 é realizado o I Festival de Música Popular Brasileira, na TV Excelsior. Elis Regina foi a grande revelação do programa, ganhando o primeiro lugar com a música “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. Em segundo lugar ficou Elizete Cardoso, com “Valsa do amor que não vem”, de Baden Powell e Vinicius.


A MILITÂNCIA POLÍTICA

O jornalista Luiz Manfredini, então estudante, lembra de seu encontro com Caio, codinome utilizado por Edésio Passos, no escritório da Dr. Muricy, para ter acesso a alguns contatos da Ação Popular. “Eu ia à Maringá fazer uma série de contatos da AP no movimento secundarista. Ele tinha atuado lá como advogado trabalhista. Eu tinha 17, então ele tinha em torno de 27 anos. Mas eu achava que ele era um senhor, até por ter certa pose e por eu achar a direção da AP os ‘reis da cocada preta’”. Segundo depoimento dado por Edésio Passos à Polícia Federal, outros codinomes como Aníbal e Machado também foram usados em seu período de militância na AP. A advogada Clair da Flora Martins, também estudante nesta época, recorda deste cenário. “Conheci Edésio Passos quando começaram as manifestações estudantis, dos bancários e do movimento popular na luta contra a ditadura implementada no nosso país e pela retomada das liberdades democráticas”. Com o avanço da repressão, a Ação Popular estrategicamente tinha que fortalecer suas relações nas frentes sindical, popular e estudantil. Clair explica que como dirigente Edésio foi essencial neste processo de integrar os militantes no movimento operário e camponês, já que a maioria da organização eram estudantes e bancários — ou seja, setores da pequena burguesia. Clair Martins vê Edésio Passos como uma pessoa essencialmente democrática. “Ele sabia ouvir os militantes. Em nosso partido, a AP, nós tínhamos um processo de centralismo democrático, as pessoas debatiam e aí as conclusões eram assumidas por todos. Posso

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A MILITÂNCIA POLÍTICA

dizer que de vários partidos dos quais participei, a Ação Popular foi um exemplo e com certeza o Edésio influenciou muito aquele tipo de organização que tínhamos num momento muito sério da nossa história, que era a luta contra a ditadura e a repressão”. Manfredini lembra que por ser clandestina, a AP era compartimentada e para proteção de seus integrantes não se sabia em qual frente cada um estava atuando. Ele também foi enviado para esta integração com camponeses e operários, no final de 1968 e antes de partir para Caçador, em Santa Catarina. Novamente, esteve reunido com Edésio Passos, em encontros que se repetiriam no planejamento de outras ações no Paraná. Os deslocamentos foram mais intensos a partir do ano seguinte: uma combinação de linha política da organização com adoção de políticas de segurança. Edésio, junto com sua esposa na época, a professora Zélia, saiu de Curitiba para realizar militância em Maringá, onde desempenhou papel de destaque na rearticulação do movimento sindical. Zélia era recém formada e fez concurso para o magistério do estado. Ao ser aprovada, após uma análise da própria Ação Popular, decidiu-se que seria oportuno que a professora optasse pela vaga de Maringá. “Então, assumi uma cadeira no Instituto de Educação de Maringá e isto era um plano que legalizava a nossa mudança para aquela cidade. O Edésio foi como dirigente da AP e nós estabelecemos ali um ponto avançado da estruturação da AP no Paraná”, contextualiza Zélia Passos. “Já naquela ocasião a Ação Popular propunha que seus militantes integrassem

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A MILITÂNCIA POLÍTICA

1966

Em 1966, Mao Tsétung lança a Revolução Cultural Chinesa. A campanha políticoideológica conseguiu um grande apoio da juventude do país. Mao acreditava que era preciso manter um estado constante de luta e superação, para que a revolução comunista pudesse triunfar.

na vida dos trabalhadores: vivessem, morassem e trabalhassem como eles, porque só estando no meio deles é que poderia de fato vir a organizá-los, mobilizá-los e informá-los sobre as questões da ditadura. A ideia era formar um amplo movimento de massa, cuja vanguarda deveria ser a classe trabalhadora”. Na cidade, Edésio primeiro constituiu escritório e logo foi contratado por sindicatos como da Construção Civil, dos Metalúrgicos e dos Trabalhadores da Indústria da Alimentação. Em campo aberto, portanto, Edésio Passos atuava profissionalmente como advogado trabalhista e assessor jurídico das entidades sindicais. Simultaneamente, organizava os sindicatos e entidades estudantis e, clandestinamente, dirigia as ações da AP. Diante das precárias condições de trabalho, o cenário era de aproximação dos trabalhadores com os sindicatos, ao mesmo tempo em que se buscava a conscientização política contra a Ditadura Militar. “A experiência de Maringá para mim foi extremamente importante porque eu trabalhei como advogado, embora em uma organização revolucionária, mas ainda no processo aberto, e trabalhei junto com alguns sindicatos. Conheci muitos companheiros extremamente valorosos em Maringá, Paranavaí e em outros municípios, e foi ali que a gente fez alguns movimentos relevantes de passeatas e mobilizações, como a greve de primeiro de outubro de 1968, que paralisou a cidade de Maringá”, lembra Edésio.

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“O Edésio tem a virtude de, embora combativo, agir de uma forma absolutamente transparente e ética” Euclides Alcides Rocha


MARINGÁ: MOBILIZAÇÃO HISTÓRICA EM 1968

1968

A missão Apollo 8 decolou em 21 de dezembro de 1968. A bordo estavam os astronautas Frank Borman, James Lovell e William Anders. Embora eles não tenham pousado na Lua, foram os primeiros homens a circum-navegarem o território lunar. A nave retornou à Terra em 27 de dezembro do mesmo ano.

MARINGÁ: MOBILIZAÇÃO HISTÓRICA EM 1968

O jornalista e escritor Láercio Souto Maior, na época acadêmico de Direito, atuou no escritório de Edésio Passos em Maringá como estagiário. “Eu sempre gosto de falar que o pouco que eu sei de direito trabalhista eu aprendi com Dr. Edésio”. Ele recorda que a fase mais amena da ditadura chegava ao fim — anterior ao AI-5, decretado em dezembro de 1968 — e que ao chegar em Maringá, Edésio rapidamente dominou a área da advocacia trabalhista, sendo assessor jurídico de praticamente todas as entidades sindicais do município e região. As primeiras grandes greves após o golpe de 1964 foram realizadas por trabalhadores metalúrgicos em Contagem, em Minas

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MARINGÁ: MOBILIZAÇÃO HISTÓRICA EM 1968

Gerais, e Osasco, em São Paulo, em abril e julho de 1968. Em 1.º de outubro do mesmo ano Edésio liderou, à frente da AP, junto com dirigentes sindicais e outros partidos revolucionários, a tentativa de greve geral em Maringá. O estopim do movimento partiu dos trabalhadores das indústrias alimentícias. Laércio comenta que esta greve foi muito pouco noticiada, embora a paralisação tenha atingido várias indústrias como a Norpa e a Cruzeiro. No decorrer do movimento ocorreu a paralisação dos trabalhadores da construção civil, bancários e professores. “Quando a repressão veio a intervir cercando as fábricas com policiais armados foi o momento em que a Igreja Católica se posicionou a favor do movimento grevista.” Na avaliação de Laércio Souto Maior, apesar de não terem parado 100% das categorias da cidade, o movimento foi importante e sem semelhante no período militar, sendo que até hoje é pouco estudado. “Enquanto as greves anteriores atingiram só os metalúrgicos, o movimento de Maringá conseguiu parar várias empresas e diferentes categorias, inclusive com a participação de estudantes”. Zélia Passos descreve a greve como muito sofrida para os trabalhadores, principalmente para aqueles que acamparam junto com suas famílias em frente a fábrica. “Estavam ali em condições muito precárias, eram barracas de lona e a sociedade civil mais progressista ajudava com algumas doações porque até fome aqueles trabalhadores passavam. Era sofrido, mas ao mesmo tempo uma ação bastante consciente. Eles estavam convencidos de que

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1968

Na França, ocorre o evento conhecido como Maio de 68. A rebelião começou com algumas greves em instituições de ensino, que acabaram culminando em uma greve geral de estudantes, além de greves com ocupações de fábricas, aderidas por dois terços dos trabalhadores franceses. O movimento não ficou restrito a uma camada da população, e sim ultrapassou as barreiras étnicas, de idade e classe.


MARINGÁ: MOBILIZAÇÃO HISTÓRICA EM 1968

era necessária aquela resistência e conseguir uma melhoria nas condições de trabalho e vários outros direitos que estavam sendo burlados”. A mobilização teve reflexos também nos operários da construção civil e trabalhadores em empresas de transporte coletivo. Após três dias, a greve contou com adesão da categoria bancária. A greve geral em Maringá foi um rico exemplo de articulação dos movimentos de trabalhadores e as organizações de esquerda, mostrando resistência ao cenário político de repressão.

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A GREVE DOS BANCÁRIOS EM 1968

A GREVE DOS BANCÁRIOS DE 1968

No movimento grevista de outubro de 1968, segundo Claudio Ribeiro, então parte do Comando Geral da Greve, o advogado Edésio Passos não teve uma participação específica, pois os dirigentes bancários eram provenientes de diversas organizações de esquerda e não apenas da Ação Popular. Isto não significa que o advogado não auxiliou na organização do movimento grevista, como destaca Luiz Salvador. A mobilização movimentou a cidade de Curitiba e contou com a solidariedade dos estudantes. A Delegacia do Trabalho, ao lado dos banqueiros, buscava aplicar a Lei de Segurança Nacional considerando a greve ilegal, ameaçando a suspensão de salários e processos criminais na tentativa de desarticular o movimento paredista. Também garantiu o reforço da Polícia Militar nas ruas e acionou o Dops na tentativa de

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1968

A peça “Roda Viva”, de Chico Buarque, era vista como um símbolo de resistência à ditadura militar. Em 18 de julho de 1968, um grupo de cerca de cem pessoas do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiu o Teatro Galpão, em São Paulo. O cenário foi depredado e os artistas, espancados.


A GREVE DOS BANCÁRIOS EM 1968

Em 1968, jornais de todo o mundo estampavam manifestações. A greve dos bancários de Curitiba durou um dia e teve apoio de mais de 80% da categoria

manter a “ordem” e restabelecer a “normalidade”. Luiz Salvador afirma que o movimento obteve êxito, pois conquistou 30% de aumento, estabeleceu o anuênio para os trabalhadores e nenhuma punição aos grevistas. Já Claudio Ribeiro recorda a dificuldade de defender o fim da paralisação junto aos companheiros do Comando Geral da Greve. “Lutei para parar porque já havíamos chegado onde era possível. Naquele cenário não poderíamos transformar uma luta por aumento de salário, de repente, em uma guerrilha contra o Império Americano. Éramos um grupo de militantes saudáveis, dedicados, maravilhosos, que empenhavam a própria vida nesse trabalho”. Era evidente a proximidade entre Edésio e o movimento

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A GREVE DOS BANCÁRIOS EM 1968

sindical bancário, em que a AP tinha forte base e ambiente em que floresceram amizades e parcerias profissionais com o próprio Claudio Ribeiro, Olimpio e Luiz Salvador, todos bancários e parte do escritório formado no fim da década de 70. “A AP cresceu demais no estado a partir dos bancários. Ela teve dezenas de militantes do Paraná e grande parte destes militantes eram provenientes de lutas bancárias”, reitera Cláudio Ribeiro. Após a greve, a chapa de oposição, com Salvador e Ribeiro em posições de destaque, assumiu a direção do Sindicato dos Bancários em junho de 1969 e contratou Edésio como assessor jurídico. A atividade de assessoria jurídica aos sindicatos ficava cada vez mais comprometida com as sucessivas intervenções após o AI-5. Nestor Malvezzi recorda que o general Adalberto Massa

Destaque publicado pela “Tribuna do Paraná” sobre as negociações da greve de 1968.

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1969

O Movimento Revolucionário 8 de Outubro sequestra o embaixador americano no Brasil, Charles Burke Elbrick, em 4 de setembro de 1969. Ele foi liberado no dia 7 do mesmo mês, em troca da libertação de 15 presos, que receberam asilo político no México.


A GREVE DOS BANCÁRIOS EM 1968

Greve dos bancários foi destaque na capa da Tribuna do Paraná em 3 de outubro de 1968

exerceu o cargo de Delegado Regional do Trabalho e impunha a saída de quem a ele conviesse. “Tentaram me tirar de alguns sindicatos, mas não conseguiram porque eu tinha estabilidade contratual, aprovada pela diretoria e referendada pela assembleia geral. Todos que não rezavam pela cartilha da revolução, o Massa excluía. Ele fez a limpa em todos os sindicatos do Paraná”. O advogado Geraldo Vaz também é franco em enfatizar a atuação de Massa na obstrução do trabalho dos advogados em prol da defesa dos trabalhadores neste período: “era uma figura que

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A GREVE DOS BANCÁRIOS EM 1968

contribuía bastante para dificultar, entre tantas outras coisas, os caminhos, as portas e o trabalho na cidade.” A repressão fazia com que estudantes e profissionais vivenciassem verdadeiras cenas de filme policial. Clair lembra de um episódio específico, após a edição do AI-5, em que os membros da AP, dentre eles Edésio Passos, articulavam junto aos trabalhadores os eventos do primeiro de maio em Maringá e Londrina. “Quando estávamos fazendo uma pichação em uma praça, um slogan contra a ditadura, a polícia veio em nosso alcance. Estávamos com vários sprays no carro e logicamente tivemos que fugir para não ser presos. Edésio dirigia um fusca com mais três militantes e saímos em fuga em direção à Londrina. Durante a perseguição jogamos os sprays pra fora do veículo. A polícia parou pra ver o que era e nós seguimos em frente”. Edésio também resgata as grandes dificuldades vividas neste período e sua previsão de que a repressão seria cada vez mais violenta foi o que o levou a decidir pela clandestinidade. “Então eu e minha mulher deixamos todos os bens que nós tínhamos e fomos para a clandestinidade e se iniciou a etapa mais difícil e profunda do golpe militar. É difícil porque você simplesmente deixa todas as amarras que se tem, de família, profissão e dinheiro, ficando na pobreza absoluta. Dependendo da ajuda material dos companheiros. Por um lado é uma escola, mas a gente sofre muito”.

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1970

A nona edição da Copa do Mundo aconteceu entre 31 de maio e 21 de junho de 1970, no México. Com uma equipe repleta de estrelas, o Brasil se consagrou o campeão, vencendo a Itália por 4 a 1 na final. A seleção foi a primeira a ser tricampeã mundial, e a vitória acabou servindo de propaganda política pela ditadura militar.


Para enfrentar a forte repress達o, movimento sindical tinha que ser forte na Ditadura Militar

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O CLANDESTINO

O CLANDESTINO

O destino de Edésio Passos foi a região operária da cidade de Belo Horizonte. Sua esposa pediu exoneração do emprego como professora em Maringá e mudou para o Rio de Janeiro, onde trabalhou por alguns anos como operária da fábrica GE. Zélia não esteve com Edésio nesta vida clandestina fora do Paraná, mas por meio de relatos e também do que vivenciou, sabe que foi um período muito difícil para ambos. O clima era de muita insegurança. A cada companheiro preso era necessário desmontar toda a estrutura de vida, mudar de casa e de trabalho, pois o risco de delação era iminente. As condições de vida também eram muito precárias. “Não posso dizer que o Edésio passou fome. Mas deve ter se alimentado mal e vivia em um quartinho insalubre, pequeno e pouco ventilado. Nossa perspectiva era de luta. Vivia-se com tal paixão a luta contra a ditadura, que a sua vida estava a serviço da revolução. A sua perspectiva, o seu horizonte, era de dificuldades e de muita luta,

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1970

A eleição presidencial do Chile de 1970 acabou dando vitória a Salvador Allende, candidato do Partido Socialista. Ele foi o primeiro chefe de estado marxista a ser eleito democraticamente na América Latina, e ficou no governo até 1973, quando foi deposto por um golpe de estado.


O CLANDESTINO

1971

Carlos Lamarca, um dos líderes da oposição armada à ditadura militar, foi morto em 17 de setembro de 1971. Anteriormente como um dos comandantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), naquele ano ele se desligou da organização e ingressou no MR-8. Lamarca foi perseguido, localizado e morto a tiros no interior da Bahia, aos 33 anos.

mas era tão triste a situação do Brasil com a falta de liberdade, a pobreza aumentando, o endividamento do país e o próprio engano da população com o milagre econômico. Você observava na população uma alienação total. Era quase uma profissão de fé que você tinha que se dedicar para mudar aquela situação de vida, com muita convicção de que tudo aquilo era necessário”. Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo, Zélia Passos comenta que a repressão era muito violenta. “Na ocasião, minha filha, Ana Beatriz, tinha 5 anos. Foi um período difícil, sobretudo no aspecto emocional”. O advogado Geraldo Vaz enfatiza as dificuldades deste período em que Edésio viveu na clandestinidade. O apoio dos amigos era importante para se desfazer dos livros e demais bens, e gerar recursos que seriam revertidos para a luta política.

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1970

Paul McCartney anunciou oficialmente o fim dos Beatles em 10 de abril de 1970. John Lennon já havia falado ao grupo sobre sua saída em 20 de setembro do ano anterior, mas o assunto ainda não havia sido levado ao público enquanto as questões jurídicas não eram resolvidas.

Foto na ficha do DOPS. Como tantos outros militantes de esquerda, Edésio foi considerado um criminoso


PRISÕES E RETOMADA DA ADVOCACIA A repressão era muito violenta em 1970. A cada prisão, desaparecimento ou morte, a pressão emocional aumentava. Com as campanhas que denunciavam a prática de tortura pelo governo federal, os militantes da AP foram ainda mais perseguidos. “A Ação Popular foi pura e simplesmente desmontada. Todos foram presos, uma grande parte foi pro exterior, outra parte foi morta, assassinada. Ao desmontar, a gente tinha as seguintes opções: ir para exterior — a maioria estava fazendo isto, para o exílio; continuar na clandestinidade — muitos fi zeram isso também, ou então voltar. Era tentar de uma maneira ou outra retornar. Evidentemente o caminho de voltar era de ser preso. Não tinha muito que achar, ia acontecer. Eu resolvi voltar, recompor a minha vida pessoal e imediatamente fui preso”, relembra Edésio Passos. “A situação de precariedade dos militantes da Ação Popular chegou a tal ponto que


PRISÕES E RETOMADA DA ADVOCACIA

a defesa da própria vida começou a ser uma questão para a organização”, lembra Zélia Passos. “Aquelas pessoas que tinham uma possibilidade, alguma retaguarda, e que podiam voltar e com isto diminuir os problemas da própria Ação Popular, começaram a regressar, porque não era mais uma pessoa para a AP garantir a sobrevivência. De forma geral, este movimento de voltar aos locais de origem ocorreu em todo o país. Se você viveu por um período clandestino, você saiu do seu lugar, ninguém mais tinha notícia sua. Ao retornar, não se conhecia o tipo de vida que você tinha levado e nem se isto se constituía crime ou não. Coube a polícia, ela sim, investigar tudo isso com base nos depoimentos dos torturados e armar um quebra-cabeças onde ela podia incriminar as pessoas”. Zélia voltou do Rio em abril e Edésio em torno de oito meses depois. Durante as prisões em 1971, ele não estava na cidade, mas Zélia foi presa devido a sua atuação na Ação Popular em Maringá, no Rio e em Curitiba. “Soubemos que ele queria se entregar”, lembra Manfredini. Esta decisão de Edésio Passos foi alvo de muita discussão entre os companheiros. “Nós éramos contra, mas ele acabou se apresentando. Coisa de advogado. Legalista”. O jornalista destaca ainda outro ponto de divergência. “Depois que fomos soltos, já em 72, quando preparávamos nossa defesa para a auditoria militar, reunimos este grupo que foi preso. Aí debatemos esse problema. A questão era: vamos nos declarar culpados ou não? Vamos admitir, o artigo era o 43, que era tentar reorganizar partido extinto ou coisa assim. Vamos afirmar que

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Depoimento de Edésio após cair em Belo Horizonte, em 1962, preencheu oito páginas do DOPS


PRISÕES E RETOMADA DA ADVOCACIA

fomos da Ação Popular ou não? Só o Edésio achava que devíamos admitir. Mas, admitir era ser condenado. A maioria achou que era bobagem e no fim não admitimos e fomos absolvidos”. Na avaliação de Edésio Passos, ao ser preso na legalidade se criava certa vantagem. “As pessoas sabiam que você havia sido preso”. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) iriam denunciar, dentro dos limites do que era possível denunciar. “Então eu tive a prisão e por outro lado tive a ajuda dos companheiros que lutavam contra a ditadura”, destaca. Sobre a postura e caráter de Edésio Passos, o advogado Luiz Salvador observa: “Ele nunca teve o costume de mentir, de dar

Lista de militantes da Ação Popular no Paraná e seus codinomes, mapeados pelo DOPS

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PRISÕES E RETOMADA DA ADVOCACIA

1973

Brasil e Paraguai assinam o Tratado de Itaipu em 26 de abril de 1973. O acordo sobre o aproveitamento hidrelétrico do Rio Paraná foi firmado em Brasília. Cada um dos países teria direito de usar 50% da energia gerada pela usina mas como o Paraguai utiliza apenas 5% de sua cota, ele vende o restante para o Brasil.

golpe, de criar situações. Sempre foi um cara muito aberto, transparente, objetivo. Sempre com uma formação no sentido de ajudar a esclarecer e a contribuir para uma construção coletiva do melhor no mundo de inclusão social”. Edésio foi preso e transferido para o Rio de Janeiro e depois para Minas Gerais, mais precisamente para Juiz de Fora. Respondia processos militares simultaneamente nestes dois estados e também no Paraná. Zélia Passos faz algumas considerações que refletem toda a dificuldade vivenciada neste período, em que mais uma vez a vida profissional de Edésio foi abruptamente interrompida. “Em Minas, ele está sozinho, não tem ninguém da família. Ele fica completamente a mercê do próprio exército. Quando você é preso em lugar em que você é conhecido, o tratamento é outro. O próprio respeito que você tem dos que estão te prendendo também é de outra natureza. Agora, você sozinho, em um lugar estranho e que ninguém te conhece, a pessoa fica completamente a mercê. Esta sensação de ficar sem autonomia, sabendo que a qualquer hora eles podem dispor de você até mesmo para te incomodar no teu sono, esta é uma das sensações piores da própria prisão. Você perde a sua liberdade mais íntima, porque você é constantemente violado, não só com os interrogatórios, mas você está ali e qualquer coisa pode acontecer. Pode ser levado para qualquer lugar e as ameaças não faltam. Não sei detalhes de como foi com o Edésio, mas provavelmente devem ser muito mais fortes do que foram comigo, pelo seu papel de dirigente”. Segundo Zélia, o advogado estava preso em Minas

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PRISÕES E RETOMADA DA ADVOCACIA

Órgãos da repressão mapeiam orientação ideológica da Ação Popular

Gerais quando conseguiu, depois de inúmeras tentativas, uma transferência para o Paraná. Em seguida, como Edésio conseguiu a absolvição em um processo anterior, graças ao conhecimento legal que detinha, ele fez com que esta decisão prevalecesse sobre a pena imputada em Minas e também foi absolvido, embora já tivesse cumprido os dois anos de pena. Por volta de 1973, depois da prisão, Edésio volta a recompor a carreira profissional. “Naquela época, eu era quartanista de Direito e o Edésio retomou a advocacia”, conta Luiz Salvador. “Ele alugou uma sala, onde antigamente tinha o escritório, e eu passei a ser o estagiário dele. Tudo que eu aprendi na profissão

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PRISÕES E RETOMADA DA ADVOCACIA

1973

Em 27 de janeiro de 1973, é assinado o Acordo de Paris para o Fim da Guerra e Restauração da Paz no Vietnam. Com isso, houve fim da intervenção direta das Forças Armadas dos Estados Unidos, além do surgimento de uma trégua temporária entre o norte e o sul do país.

eu devo ao Edésio. Eu fazia as peças e ele as corrigia, orientava, rascunhava, me devolvia e eu refazia”. Além da gratidão pelas orientações, é nítida a admiração que o então estudante de advocacia Luiz Salvador construía por Edésio Passos. “Ele era um monstro para trabalhar. Naquela época, eu chegava ao escritório às sete horas da manhã. Quando chegava, o Edésio já estava no escritório desde às seis e até dez horas da noite. Quinta à noite o Edésio trabalhava das seis horas até por volta das oito da noite, quando ia para rodoviária. Pegava o ônibus para dar o atendimento no escritório de Maringá, cujo sócio era o Laércio Souto Maior. Então, o Edésio chegava na sexta de manhã em Maringá, trabalhava o dia todo, e ainda no final de semana fazia reuniões com entidades, trabalhadores e agricultores. No domingo à noite, o Edésio pegava de volta o ônibus e, novamente, às seis horas da manhã de segunda ele estava de volta no escritório”. A dedicação ao trabalho era tamanha que Luiz Salvador não se recorda de saídas de Edésio Passos para lazer. “Nas viagens programadas ele deixava sua agenda acertada repleta de encontros com pessoas com intuito de conhecer novas experiências e realidades. Esse sempre foi o Edésio que conheci, um homem de trabalho, preocupações e de uma produção enorme, vastíssima”. Era um momento difícil para os advogados militantes, não havia muito espaço para que estes profissionais exercessem o Direito. Em 1975, Luiz Salvador e Edésio Passos trabalharam juntos com o advogado Antonio Alves do Prado Filho. Prado conta que tinha escritório com o professor José Rodrigues Viei-

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PRISÕES E RETOMADA DA ADVOCACIA

ra Neto até o seu falecimento em 1973. Certa vez, conversando com o colega de turma Edésio, decidiram unir forças em suas atividades profissionais. “Edésio veio trabalhar aqui no edifício da Marechal Deodoro, no mesmo andar do meu escritório, e passamos a atender uma advocacia especializada, eu em Direito Empresarial e Civil e ele em Direito do Trabalho e Sindical. Foi uma fase muito rica de nosso relacionamento”. Claudio Ribeiro, Olimpio Paulo Filho e Geraldo Vaz foram para o sudoeste do Paraná, para Pato Branco, advogar com o apoio do deputado estadual Jacinto Simões, que foi cassado na década de 70 pela ditadura militar. Simões era uma porta aberta e dava um grande suporte para o trabalho dos advogados. “O Jacinto abriu o escritório dele para que pudéssemos atuar profissionalmente. Ele tinha compromissos com a oposição, mas não tinha militância política voltada pra revolução, não defendia a proposta socialista, nada disso”, recorda Claudio Ribeiro. “Nós nos deslocamos pra lá, eu, Geraldo e Olimpio. Ficamos algum tempo lá, até mais ou menos 1976. Lá a advocacia era mais geral do que propriamente uma advocacia do trabalho, pois não havia muita demanda específica a ser feita e a nossa ideia era efetivamente concentrar o trabalho profissional no Direito do Trabalho”. Edésio iria também para Pato Branco, desenvolver uma advocacia agrária para defender trabalhadores rurais, mas permaneceu em Curitiba enfrentando mais um processo e decorrente prisão. “O projeto então acabou não vingando, pois com sua prisão, a intenção de fincar raízes no interior do estado teve

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1976

A empresa Apple é fundada em 1.º de abril de 1976, por Steve Jobs, Steve Wozniac e Ronald Wayne, em Cupertino, na Califórnia. Conhecida por seu design e inovação, a empresa é responsável por produtos como computadores pessoais, reprodutores de mídia portáteis, celulares e sistemas operacionais.


PRISÕES E RETOMADA DA ADVOCACIA

1976

Em 24 de março de 1976, Isabelita Péron é deposta da presidência da Argentina por um golpe de estado. Ela foi acusada por uma junta militar de malversação de fundos e posta em prisão militar. Isabelita foi a primeira mulher presidente do país, assumindo o posto após a morte do marido, em 1.º de julho de 1974.

de ser revista”, conta Olimpio. Mesmo preso, o advogado não deixou de atuar. Olimpio conta que, apesar de recolhido no quartel, o juiz auditor da época tinha um perfil um pouco mais liberal e permitiu que Edésio pudesse fazer alguns trabalhos dentro do presídio “com uma máquina portátil Olivetti que ele tinha. Algumas causas que nós julgávamos mais importantes nós levávamos até o presídio e de lá, em pouco tempo, ele dava uma olhada e nos entregava a petição já pronta. Ele tinha e tem uma capacidade simples e fantástica. Naqueles curtos períodos, ele produzia verdadeiras obras jurídicas. Durante um bom tempo a gente levou serviço pra ele no presídio”. O advogado seria novamente preso em 1978, devido ao episódio da escola Oficina, junto com outras dez pessoas, por mais um período de sete dias.

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“Foi significativo ter figuras deste porte, que saíam de uma prisão, entravam em outra, mas continuavam na luta” Nelton Friedrich


HISTÓRIAS

A VENDA DE LIVROS Pouco podia ser feito pelos companheiros na época em que Edésio Passos estava na clandestinidade, mas Geraldo Vaz lembra ao menos de uma situação em que por ser um amigo de confiança e também estar na militância, embora estudantil, pôde colaborar de alguma maneira. “Lembro de uma ocasião em que o Edésio esteve lá em casa. Possivelmente já não tivesse muitas alternativas aqui na cidade, e minha casa no Jardim das Amé-

ESCRITOR DE CONTOS

ricas deve ter servido durante algumas horas para ele rever pessoas, para jantar e poder dormir. Uma boa parte dos livros jurídicos do Edésio ficaram comigo. Sua orientação era de que os vendesse para que transformasse

Preso, Edésio tinha acesso à bibliote-

aqueles livros em dinheiro que se destinaria

ca e leu muito naquela ocasião. Zélia Passos

ao partido e à luta contra a ditadura militar.

se recorda que ele chegou a elogiar o acervo

Naquela ocasião, era o pouco que se podia fa-

da sede do Exército em Juiz de Fora, onde o

zer. No mais, mantínhamos as questões mais

advogado esteve preso. “Ele leu e escreveu.

importantes fora de informação. Eu não sabia

Uma veia pouco conhecida do Edésio é a de

por exemplo se o Edésio estava em Minas, em

escritor de ficção. Ele redige alguns contos e

São Paulo ou na Bahia. Ele estava integrado

até hoje tem planos de retomar esta veia e es-

na luta em um nível de direção que eu apenas

crever ficção novamente”.

fazia vaga ideia”.


EM DEFESA DA CLASSE TRABALHADORA

EM DEFESA DA CLASSE TRABALHADORA

Simultaneamente, o grupo de advogados articulados por Passos evoluía a ideia de construir um forte escritório voltado para a defesa dos trabalhadores. Ribeiro recorda que o projeto inicial já era ousado: criar quatro escritórios idênticos em Curitiba, Londrina, Maringá e Pato Branco. Edésio Passos, Luiz Salvador, Geraldo Vaz, Wilson Teixeira, Claudio Ribeiro e Clair da Flora Martins fizeram parte deste projeto, focado em defender a classe trabalhadora. O escritório se tornaria um marco no exercício do Direito do Trabalho no Paraná e um dos mais respeitados escritórios da região sul do país. “Nós ficamos muitos anos juntos e fomos nós que abrimos todo campo de assessoria jurídica para sindicatos, para criação de novas entidades sindicais e enfren-

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EM DEFESA DA CLASSE TRABALHADORA

tamos todas as barreiras possíveis. O Edésio tinha também o envolvimento com os movimentos populares, atividade na qual ele era extremamente dedicado, principalmente em ocupações em terrenos baldios em Curitiba, para moradia das pessoas mais pobres. Enfim, ele sempre foi um militante fiel ao que ele sempre se propôs na vida. Concomitantemente a gente começou a participar da luta pela anistia ampla, geral e irrestrita e o escritório a tal ponto contribuía com isso que eu fiquei liberado durante quase um ano da profissão pra poder participar ativamente desta luta”, relembra Cláudio Ribeiro. Mais do que um escritório que atendia demandas trabalhistas, o núcleo formado por Passos, Salvador, Vaz, Teixeira, Ribeiro e Clair se tornou uma referência para o movimento sindical, social e popular com o decorrer dos anos. Edésio articulou uma “escola” de profissionais do Direito que acreditavam que o exercício de sua atividade precisava estar integrado a estes movimentos, em uma atuação de advogado militante. Luiz Salvador defende esta visão de que mais do que um mero técnico, o advogado necessita aplicar o direito para fazer avançar a jurisprudência a favor dos avanços sociais e da dignidade do trabalhador. “Essa é uma marca do Edésio. Foi ele que construiu no Paraná este formato de advogado trabalhista que é dirigente e não apenas preocupado com o exercício da profissão, mas também em ser um agente social transformador. Ele formou uma geração de advogados com esse tipo de preocupação”. Salvador atribui a Passos sua

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EM DEFESA DA CLASSE TRABALHADORA

convicção de que “tudo o que sabemos é devido um esforço pessoal, mas também porque a sociedade permitiu que tivéssemos condições de estudar na faculdade e com bons professores. Consequentemente temos um dever com a sociedade no sentido de dar nossa contribuição para ajudar a melhorar a vida de todos”.

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O ASSESSOR SINDICAL

O ASSESSOR SINDICAL

Mesmo no auge da Ditadura Militar, após retornar da clandestinidade, em que poucas eram as oportunidades para exercer o Direito do Trabalho e o momento era de enfrentar os depoimentos, processos e prisões, Edésio Passos nunca deixou de estabelecer contatos no meio sindical. “Havia poucas portas abertas, então o Edésio, que tinha deixado a cidade e que tinha permanecido fora algum tempo, retomou alguns poucos contatos. O conjunto da situação era muito ruim. Predominavam realmente dirigentes sindicais muito pelegos. O Edésio tinha contatos da sua vivência anterior e ele teve algumas portas que foram vagarosamente sendo abertas, com resistência e dificuldade”, lembra o advogado Geraldo Vaz. Era momento de paciência e cautela. E Vaz lembra que Edésio precisou de toda sua habilidade e capacidade de articulação para conseguir,

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O ASSESSOR SINDICAL

apesar deste cenário, voltar a atuar em Curitiba. “O Edésio era uma pessoa muito respeitada e também muito ponderada. Ele permaneceu aqui e o trabalho foi pouco a pouco evoluindo. Anos depois, quando retornei do Sudoeste, já de mudança em Curitiba, fizemos uma viagem juntos e conheci o sindicato dos mineiros em Santa Catarina na área de extração do carvão na região de Criciúma”. A atuação sindical de Edésio Passos e do escritório de advocacia não se restringiu ao Paraná. Com a instalação do Tribunal Regional do Trabalho na capital do estado, em 1976, abrangendo também Santa Catarina, parte do trabalho do escritório recém concebido consistia em atender as demandas dos trabalhadores catarinenses que tinham suas ações julgadas no Paraná em segunda instância. E em cada cidade eram tantos outros fazendo o que Edésio fazia. A casa do jornalista londrinense Ayoub Hanna Ayoub era a pousada de Edésio em Londrina. Ele conta que “era todo mundo viajando e ninguém tinha dinheiro para nada. Até o Lula quando fez o comício em 29 de maio de 1982 ficou na casa de uma companheira nossa em Cambé, enquanto o Edésio novamente dormia lá em casa”. O desembargador federal do trabalho Luiz Eduardo Gunther conheceu Edésio neste contexto. Havia concluído o curso de Direito em Curitiba, porém advogava no estado vizinho. “O Dr. Edésio tinha uma atividade junto aos sindicatos e federações muito intensa em Santa Catarina. Eu o conheci lá, no final da década de 70, na defesa das entidades sindicais, sempre com um comportamento voltado a esse princípio básico de melhoria das condições dos trabalhadores, discussão de negociação coletiva e dissídio coletivo.

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1977

O ano de 1977 foi de despedida de dois grandes artistas. Elvis Presley, o Rei do Rock, foi encontrado morto em 16 de agosto, por sua namorada, após sofrer uma arritmia cardíaca. Já Charlie Chaplin, famoso por seu personagem Carlitos, morreu em 25 de dezembro, aos 88 anos, devido a um derrame cerebral.


O ASSESSOR SINDICAL

1977

Em 25 de maio de 1977 é lançado o primeiro filme da série “Star Wars”, de George Lucas. A obra tornou-se um fenômeno cultural mundial, sendo acompanhada de duas sequências, lançadas em intervalos de três anos. Dezesseis anos depois foi lançada uma nova trilogia, que mostrava fatos ocorridos antes dos três filmes iniciais.

Com essa preocupação em disseminar informações, ouvir as pessoas”. Assim como Luiz Salvador, o desembargador Gunther destaca o lado “professoral” de Edésio Passos. “Embora não tenha sido um professor formal, ele sempre foi um professor nosso informalmente. Todas as leis que saiam relacionadas aos reajustes salariais ou que tratassem dos problemas dos trabalhadores, ele informava imediatamente ao sindicato de quais os direitos que tinham, como é que poderiam postular isso perante a Justiça do Trabalho, sempre com essa preocupação didática”, relembra Gunther. Ao descrever a participação de Edésio em assembleias ou reuniões com dirigentes sindicais, Luiz Salvador se lembra da cautela do advogado, da responsabilidade e do zelo e preocupação, para que a legislação fosse compreendida e cumprida na deflagração do movimento. “Eu assisti a participação do Edésio em diversas assembleias e em todas elas presenciei que se ele era convocado a se manifestar, levantava os aspectos jurídicos, os cuidados no sentido de cumprir a legislação, para que as pessoas decidindo pela deflagração tivessem consciência daquilo que estavam fazendo. Porque, como sabemos, em toda deflagração de movimento sempre se geram conflitos, interesses contrariados e aí até demissões e pressões”. Não apenas este cuidado de Edésio Passos é uma característica marcante em sua atuação como assessor sindical, mas também a confiança de que o debate é o melhor caminho para qualquer decisão. “Neste trabalho de assessoria sindical no qual o Edésio dedicou grande parte da sua vida, uma das coisas que eu sempre respeitei e admirei é que o Edésio quando é chamado para atuar em um sindi-

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O ASSESSOR SINDICAL

cato para fazer um planejamento de campanha ou de gestão, ele faz o estudo e apresenta para a diretoria, mas nunca impõe a sua ideia. Ele deixa liberdade total para que os dirigentes sindicais discutam, debatam e cheguem às suas próprias conclusões. Se chegarem a aprovar algumas das iniciativas, estas serão implementadas por deliberação própria. Imposição é uma questão que não se enquadra com o que eu aprendi com o Edésio. É o dirigente sindical, aquele que foi eleito pelo trabalhador, que tem que crescer, evoluir e ser o agente da transformação da mudança e não ser um teleguiado”. O advogado e professor da UFPR Sandro Lunard também aprendeu muito com Edésio Passos neste aspecto. Desde estudante, Lunard, que era dirigente sindical bancário, queria se dedicar ao Direito do Trabalho, com interesse especial para o Direito Coletivo. Sua aproximação com Edésio Passos se deu ainda no movimento estudantil realizado na Faculdade de Direito Curitiba, com intuito de levar o debate de ideias de esquerda para dentro da universidade. Entretanto, por ser um ambiente muito conservador, Lunard ansiava por uma personalidade que tivesse estofo jurídico e político. Foi assim que conheceu Edésio Passos e futuramente integrou seu escritório com Olimpio e Salvador. Diante da vontade do recém formado de ingressar na assessoria sindical, Edésio pediu cautela e orientou que Lunard primeiro se aprimorasse nas demandas individuais do Direito do Trabalho. Com o passar do tempo, os conselhos de Edésio foram ainda mais essenciais. “Aprendi a duras penas a ser assessor jurídico e não dirigente sindical”, conta Sandro Lunard.

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O ASSESSOR SINDICAL

1978

A Argentina, paíssede, vence a sua primeira Copa do Mundo em 1978. O jogo final foi disputado contra a Holanda e decidido na prorrogação, com o placar de 3 a 1 para os donos da casa. Foi a última vez em que o torneio contou com 16 seleções. No mundial disputado na Espanha, em 1982, já foram 22 países.

Salvador credita à postura democrática grande parte do respeito que Edésio conquistou no movimento sindical, além de seus posicionamentos de vanguarda. Quando era dirigente sindical dos bancários, Luiz Salvador teve Edésio Passos como braço direito nas demandas jurídicas, atuando como consultor. Ele destaca que desde aquele momento, no final da década de 60, a atuação de Passos era muito marcante em nível nacional, realizando conexões com dirigentes sindicais combativos de outros estados brasileiros como Minas Gerais e Rio de Janeiro. “Estávamos trabalhando em uma espécie de intersindical, trocando ideias, informações e fazendo projetos. Naquela época, nós lutávamos contra a política do governo que não permitia que em uma negociação coletiva se negociasse salário, pois era tudo fixado por decreto e lei. Lutávamos contra esse sistema, por liberdade e autonomia sindical. Chegamos a fazer teses sobre liberdade do sindicalismo e por causa desta atuação houve uma intervenção no Sindicato dos Bancários de Curitiba por ordem do ministro do Trabalho. Naquela época, para tudo que a gente fazia era necessário prestar contas para a Delegacia Regional do Trabalho e não para a assembleia dos trabalhadores como é hoje. Isto gerou a cassação. Todos estes ideários pelos quais lutávamos na época foram acolhidos pela constituição de 1988. Hoje os sindicatos têm liberdade e autonomia sindical e só devem prestação dos seus atos à assembleia geral, questões para as quais sempre lutamos e que sempre defendemos, mas, que naquela época, eram coisas de comunista”.

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HISTÓRIAS

O SEU PROBLEMA É MEU TAMBÉM É a partir de uma reflexão muito simples que Geraldo Ranthum, presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil e do Mobiliário do Estado do Paraná (Fetraconspar), descreve o tipo de relacionamento que Edésio Passos estabelece com os trabalhadores. “É importante dizer que às vezes você chega para pedir um favor para uma pessoa e ela lhe pergunta o que você vai fazer em troca. Às vezes isso é normal. Ou não é normal, mas acaba acontecendo. Com o Edésio Passos qualquer trabalhador que te-

pontos positivos e negativos, pensando nos

lefonasse para o escritório dele ou dirigente

trabalhadores, no movimento sindical, na

sindical que chegasse com um problema, ele

sociedade e também pensando na classe em-

não perguntava, quanto que a pessoa ia pagar

presarial. Nós fizemos, protocolamos na Casa

ou questionava se ia contratar. Ele pegava o

Civil e a partir disto saiu a lei estadual”.

problema para ele. Tamanha era a sensibili-

Epitácio Antonio dos Santos destaca que

dade. ‘Se você tem um problema, o proble-

Edésio Passos foi determinante na redação da

ma é meu também e vamos tentar resolvê-lo

lei e na sua sustentação política. “Essa é uma

juntos’”.

coisa que poucas pessoas que eu conheço têm

Geraldo conta que teve a oportunidade,

habilidade para fazer, redigir um documento,

por exemplo, de discutir junto com Edésio

assim na hora, de imediato”, afirma. “Seus

Passos o projeto que deu origem ao salário

contatos políticos também foram fundamen-

mínimo regional no Paraná. “Edésio elabo-

tais, além de sua facilidade de dar entrevistas

rou um pré-projeto de lei e discutiu aberta-

em rádio, televisão e jornal, auxiliando na

mente este boneco conosco, apresentando os

divulgação do salário mínimo regional”


A FUNDAÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO NO PARANÁ

1975

A morte de Vladimir Herzog, em 25 de outubro de 1975, causou grande impacto junto à opinião pública contra os abusos cometidos pela ditadura militar. O jornalista havia sido convocado pelo Exército para prestar depoimento sobre as ligações que mantinha com o PCB. Após o comparecimento, ele foi encontrado enforcado com a própria gravata.

A FUNDAÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO NO PARANÁ Em 17 de setembro de 1976 foi instalado o Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região (TRT-9), com sede em Curitiba, abrangendo os estados do Paraná e de Santa Catarina. O TRT-9 foi criado pela Lei nº 6.241 de 22 de setembro de 1975, que o tornou independente do TRT da 2.ª Região, de São Paulo. Já Santa Catarina, até então, fazia parte da 4.ª Região, com sede em Porto Alegre. A primeira sede foi na rua 24 de Maio, 118. Santa Catarina só conquistou seu próprio tribunal em 1981 (TRT-12).

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A FUNDAÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO NO PARANÁ

A instituição do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região foi uma ideia (sou tentado a dizer, a princípio, foi quase apenas um sentimento) que se desenvolveu em fluxos e refluxos, consoante a maior ou menor sensibilidade do poder público à reivindicação dos paranaenses. Se preferirmos outras palavras, direi que a evolução da campanha em prol deste Tribunal se processou em linha quebrada, mas ascendente, em que os eventuais recuos eram uma tomada de fôlego para nova investida. Tantos foram, que não podemos lembrar, neste momento, do nome de todos aqueles que, de diferentes maneiras, em horas distintas e em diversos níveis emprestaram sua valiosa

Primeira sessão do TRTPR, após o tribunal ter se desmembrado de São Paulo

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1975

Em 1975, Chico Buarque e Paulo Pontes escrevem a peça “Gota d’Água”, que foi publicada no mesmo ano pela editora Civilização Brasileira. A história, como os próprios autores definiram, é uma “tragédia da tragédia brasileira”, e foi uma adaptação da peça grega “Medeia”, de Eurípedes.


A FUNDAÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO NO PARANÁ

1976

O filme “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, baseado na obra homônima de Jorge Amado, é lançado em 1976. Com Sônia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça, o longa foi recorde de público no cinema brasileiro por 34 anos. Ele passou dos 10 milhões de espectadores, mas perdeu o posto em 2010, para o filme “Tropa de Elite 2”.

colaboração à iniciativa que hoje se transforma em realidade. Líderes sindicais, homens de Estado, professores universitários — entre estes, principalmente, o saudoso Professor Milton Viana —, parlamentares, advogados e estudantes lutaram, fortemente, por este Tribunal. A força comunitária do empreendimento deu-lhe a justa medida e faz com que esse fato histórico a que assistimos e participamos, represente antes de tudo, uma vitória do Paraná e dos paranaenses.

Trecho do discurso do magistrado Alcides Nunes Guimarães, na instalação do TRT da 9ª Região em 17 de setembro de 1976.

Inauguração da primeira sede do TRT-PR em 1976

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A FUNDAÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO NO PARANÁ

Em sua origem, o TRT-PR tinha oito juízes. O magistrado Euclides Alcides Rocha, que presidiu o TRT-9 entre 1991 e 1994, conhece Edésio Passos desde a fundação do tribunal. “Conheço o Dr. Edésio desde 1976, justamente na época em que o Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região foi instalado em Curitiba. Nessa época, eu fui atuar durante três anos como assessor de juiz no TRT da 9.ª Região e o Dr. Edésio liderava o escritório de advocacia juntamente com outros profissionais como Geraldo Vaz e Luiz Salvador. Eles desenvolviam uma advocacia exclusivamente trabalhista e em defesa dos interesses dos trabalhadores. Minha convivência com Edésio resulta desta atuação muito intensa que ele desenvolvia desde o início do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região”, resgata. O desembargador Gunther também enfatiza a importância de Edésio Passos neste cenário de instalação do TRT-9. “Quando o tribunal foi criado, foram se consolidando alguns escritórios e advogados do nosso estado e o Dr. Edésio formou um grande escritório de advocacia e de defesa dos trabalhadores, que teve uma grande contribuição. O fato é que ele foi um nome que criou princípios no exercício de advocacia, pela defesa intransigente do trabalhador. Penso que a influência que ele teve na criação do tribunal, foi não só ter contribuído politicamente e no sentido de que o tribunal fosse criado, mas ter esse espírito ético e ideológico, que ele sempre teve. Isso foi fundamental para que o tribunal avançasse e chegasse aqui onde chegou. Não só o tribunal em si, mas pelos trabalhos nos dissídios coletivos,

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A FUNDAÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO NO PARANÁ

Primeira turma de funcionários do TRT-PR

pelas ações individuais, e também na formação dos advogados que depois passaram a atuar aqui. O escritório dele sempre foi um escritório de formação. Ou seja, são muitos os advogados que começaram a carreira no escritório dele, e, a partir daí, adquiriram princípios e motivação suficiente para serem advogados brilhantes e competentes.”

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HISTÓRIAS

A PRIMEIRA SUSTENTAÇÃO ORAL NO TRT-9 Nestor Malvezzi, Edésio Passos ou Carlos Roberto Ribas Santiago. Há uma polêmica sobre quem realizou a primeira sustentação oral no Tribunal Regional do Trabalho no Paraná. Discussão que interessa mais a quem estava em busca de uma resposta, do que aos personagens desta situação histórica. “Não me lembro se a primeira sustentação oral no TRT foi minha ou do Edésio. A gente não apenas se inscrevia como assinava um livro, então tinha o nome do advogado, o número do processo e o seu visto na sequência. Esse livro de protocolo para sustentação existiu. Pode ser que o Tribunal não o tenha mais, mas ele existiu durante muitos anos e foi assim que funcionou. Talvez o Edésio saiba melhor do que eu”, conta entre uma gargalhada e outra o advogado Nestor Malvezzi, nem um pouco preocupado em fazer parte desta cena histórica. Seguimos intrigados e fomos questionar ao próximo personagem. Afinal, a pergunta não cabia ao homenageado que pouco gosta de falar de si mesmo — esclareceu um dos entrevistados em outra oportunidade. Carlos

Roberto Ribas Santiago também não confiou em sua memória. “Eu confesso a você que não tenho uma informação muito precisa. Não me recordo exatamente disso. Lembro que nós fomos os primeiros, as primeiras pessoas que compareceram no primeiro momento da sustentação. Lembro que foi o Dr. Barranco, o Edésio, eu, mas eu não me lembro quem fez a primeira sustentação”. O Dr. Santiago, portanto, além de incluir novo personagem, ainda não esclareceu a questão. E ainda de maneira amistosa, complementou: “posso dizer com toda a sinceridade e desprendimento. Eu gostaria muito que tivesse sido o Edésio, porque ele merece essa homenagem”. Mesmo após algumas consultas ao setor de memória do TRT-9, não foi possível conseguir uma resposta conclusiva para esta questão. Entretanto, os desembargadores Ney José de Freitas e Rosamarie Pimpão, presidente do TRT-9 entre 2009 e 2011 e atual presidente do Tribunal, respectivamente, afirmam que Edésio Passos certamente foi um dos primeiros advogados a realizar sustentação oral no TRT-9.


“Todos o respeitam por ser um cidadão equilibrado nas suas ponderações” Luiz Eduardo Gunther


HISTÓRIAS

A JUSTIÇA DO TRABALHO E A DITADURA Durante a Ditadura Militar, Edésio define a sua atuação como frágil, devido às prisões e à ausência de uma maior estrutura das varas e do Tribunal. Edésio Passos defende que durante o regime, embora os juízes não tenham expressado um posicionamento avançado, não seguiram a cartilha da ditadura. “No fundamental, a Justiça do Trabalho se manteve como instituição democrática, sem discriminar advogados ou sindicalistas”. Edésio desconhece episódios de perseguição neste período ou de sentenças elogiosas ou favoráveis proferidas à dita-

de que entre 10 e 12 mil mineiros entrassem

dura. Por outro lado, Edésio recorda de um

em greve. Apenas uma das empresas estava

episódio marcante para o Tribunal, quando

cumprindo a determinação do TRT de um

antes de 1979, o TRT teve uma postura ex-

reajuste de 60% nos salários dos trabalha-

tremante democrática e quebrou, por um

dores, o que significava 17% acima do índice

julgamento, a lei salarial imposta pela dita-

oficial. As demais, apoiadas em recurso da

dura militar. “Em uma greve que nós fize-

União que suspendia temporariamente a

mos e orientamos em Criciúma, dos traba-

determinação do TRT, apenas queriam apli-

lhadores das minas de carvão, o TRT julgou

car 43% de reajuste. Reuniões envolvendo o

favorável aos trabalhadores e rompeu a lei

então governador de Santa Catarina, Jorge

salarial da ditadura”. A imprensa repercutiu

Bornhausen, representantes dos mineiros,

o movimento dos trabalhadores das minas

empresários e o ministro do Trabalho Muri-

de carvão. Em abril de 79, o jornal O Estado

lo de Macedo foram realizadas com intenção

de S. Paulo informou sobre a possibilidade

de resolver o impasse e evitar a greve.


AS ESCOLAS OFICINA E OCA

1978

Depois de 15 anos de pontificado, morre em 6 de agosto de 1978 o Papa Paulo VI. No dia 26, o cardeal Albino Luciani se torna o Papa João Paulo I. Entretanto, ele vem a falecer 33 dias depois. Por fim, em 16 de outubro, o cardeal Karol Józef Wojtyla é eleito Papa João Paulo II.

AS ESCOLAS OFICINA E OCA Uma situação ridícula, maluca e um motivo para gozação nacional. É desta forma que o jornalista Luis Manfredini define o episódio das prisões relacionadas às escolas Oficina e Oca, em março de 1978. No final da tarde de uma sexta-feira, a professora e estudante de jornalismo Juracilda da Veiga foi agarrada por três homens armados e jogada dentro de um carro com placa fria de São Paulo. Ela acabara de sair do colégio católico em que lecionava. No dia seguinte, já nas primeiras horas da manhã, a Polícia Federal iniciou as prisões de pessoas ligadas às escolas. A notícia rapidamente repercutiu na imprensa e em setores da Igreja Católica. O jornalista descreve a conjuntura que levou às prisões como um momento de tensão política entre os setores mais conservadores dos militares, contrários a abertura política, e àqueles

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AS ESCOLAS OFICINA E OCA

Artigo de Carlos Eduardo Novaes publicado nos jornais em 23 de março de 1978 ironiza a postura da Ditadura Militar frente às prisões das escolas Oca e Oficina

mais moderados, que viam a abertura lenta, gradual e segura como única chance para o sistema. “Havia um setor dos militares que achava isso prematuro. Considerava que não poderia abrir, porque a esquerda estava ainda atuante. Abrir, segundo eles, era bobagem, era entregar o ouro aos ‘bandidos’. Foi este setor que fez uma investida em 1978 realizando estas prisões. Eles prenderam elementos das duas escolas: a Oficina e a Oca, com a tese de que os comunistas estavam presentes, ensinando crianças. Então, pegaram ali algumas pessoas das escolas para demonstrar isso e algumas pessoas que tinham a ficha corrida. A presidente da oficina, por exemplo, não foi presa. Eu fui. Não

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AS ESCOLAS OFICINA E OCA

tinha nada a ver, mas eles achavam que eu poderia ajudar a comprovar essa tese”, explica Manfredini. Alguns dias antes, Manfredini havia entrevistado, pelo Jornal do Brasil, o tenente-coronel Tarcisio Nunes Ferreira, que criticou os rumos do regime militar. “O coronel comandava o 13.º Batalhão de Infantaria Blindada de Ponta Grossa, que era a unidade mais poderosa da Quinta Região Militar, ou seja, o Paraná e Santa Catarina. Ele concedeu uma longa entrevista dizendo que o regime tinha se perdido, que tinha que mudar, que às vezes justificava você quebrar a hierarquia, como eles haviam

Gazeta do Povo de 28 de março de 1978 publica foto de Valmor Marcelino, Edésio Passos e Luiz Manfredini, últimos liberados da prisão

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AS ESCOLAS OFICINA E OCA

quebrado a legalidade em 64, um negócio maluco lá. Resultado, o coronel foi preso e eu também. Além disso, o cara que é da escola foi entrevistar o coronel, por isso eles têm conexão. Foi um negócio difícil de acreditar, que ensinam marxismo para crianças de cinco anos”. Na época, a nota oficial da Polícia Federal atribuía as prisões ao fato de que as escolas estavam doutrinando as crianças dentro de princípios marxistas, incutindo nelas a negação de valores como religião, família e tradição histórica. Boatos circularam pelas redações dos jornais curitibanos que seriam feitas novas

Folha de S. Paulo de 25 de março de 1978: imprensa local e nacional condenaram ação extremista da polícia em momento de abrandamento da Ditadura

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Arcebispo defende no Diário do Paraná de 23 de março de 1978 o ensino do marxismo nas escolas para possibilitar às crianças o discernimento ideológico


AS ESCOLAS OFICINA E OCA

prisões. A capital paranaense virou foco de atenção de todo o país. Segundo o jornalista Silvestre Duarte, que escreveu sobre o tema quando o evento completou 32 anos, foram onze os detidos, que permaneceram incomunicáveis por vários dias, com base no artigo 59 da Lei de Segurança Nacional. Dentre eles os jornalistas Luis Alberto Manfredini e Walmor Marcelino; publicitários Reinoldo Atem e Sueli Atem; professor Léo Kessel; engenheiro Paulo de Albuquerque Sá Brito; o advogado Edésio Passos, além de sociólogos, pedagogos, funcionários e ex-funcionários do Ipardes e Ippuc.

Os presos políticos de 78 eram liberados da delegacia e muitas vezes iam direto para uma coletiva de imprensa, para tentar chamar a atenção da sociedade para a situação. Fotos são da Tribuna do Paraná de 25 de março de 1978

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AS ESCOLAS OFICINA E OCA

Diário do Paraná de 22 de março de 1978 entrevistou o comandante de 5ª Região Militar, general Ruy de Paula Couto

Uma intensa mobilização de diferentes setores da sociedade cobrou esclarecimentos e a liberdade de Juracilda e dos detidos. Houve inclusive pronunciamentos na Assembleia Legislativa do Estado e no Congresso Nacional condenando as prisões e considerando-as um retrocesso no diálogo e na abertura. “Nós fomos presos sábado. Já no domingo de manhã, em 106 paróquias de Curitiba foi erguido um manifesto da Igreja contra as prisões. Aí chegaram aqui oito mil telegramas do mundo inteiro via Anistia Internacional, em protesto. A mulher da Anistia (a inglesa Patrícia Feeney, coordenadora do Departamento de Pesquisa Internacional para a América Latina) veio aqui; a imprensa, a mídia toda mandou aqui correspondentes. Aquilo criou uma confusão enorme. Primeiro não houve violência física nas prisões, o que a gente imaginava que podia haver. E já no terceiro dia o pessoal

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AS ESCOLAS OFICINA E OCA

começou a ser solto. Os mais ‘perigosos’ ficaram para o fim. Fomos soltos no domingo seguinte. Eu e o Edésio ficamos lá uma semana presos”, relata Manfredini sobre a repercussão das prisões. Juracilda também só foi libertada uma semana depois, nas proximidades de Registro, São Paulo. “O processo foi arquivado por absoluta inconsistência. Nem foi feita a denúncia, nada”, resgata Manfredini. “Eles iam denunciar o que? Em entrevista ao Jornal do Brasil, logo que saímos da prisão, o Edésio chegou a anunciar a disposição de processar a Polícia Federal”.

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HISTÓRIAS

NA PRISÃO “Quanto estava preso, o Edésio foi o primeiro a organizar o esquema da ginástica”, conta Manfredini. “Uma cela, com três caras e um banheiro aberto. O que você vai fazer? Você não pode ficar conversando o dia inteiro, senão ninguém aguenta. Você não vai poder dormir o dia inteiro, porque isso começa a te dar uma prostração física. Você Na Folha de S. Paulo de 28 de março de 1978, reportagem sobre denúncia de Edésio das prisões à OAB

tem que reagir. Eu e o Edésio começamos a ginástica. Uns 40 minutos, pois ninguém aguentava fazer mais que isso”. Manfredini lembra ainda uma mobilização dos presos. Ele não se recorda bem, mas acredita que a reivindicação partiu de Edésio Passos. “Quando fomos presos não sabíamos o que ia acontecer, então ninguém foi preparado. Não tinha escova ou pasta de dente, não tinha nada. Então teve um protesto, que eu acho que o Edésio começou. O que me surpreendeu foi que o Edésio sempre foi um cara muito controlado, a meu ver até excessivamente controlado. Ele começou a bater nas grades exigindo essas coisas mínimas. Ele não estava descontrolado, mas agressivo sim. Isso foi uma coisa interessante, me surpreendi. A gente conversava, dormia muito também, conversava sobre a circunstância, o que ia acontecer e jogávamos xadrez”.


A IDEIA ORIGINAL DA OFICINA

A IDEIA ORIGINAL DA OFICINA

A escola Oficina foi fundada em 1973, em Curitiba. Os mantenedores eram um grupo de famílias que se organizavam em uma associação sem fins lucrativos. A escola não tinha intenções comerciais. Os pais cuidavam desde as atividades pedagógicas, até da manutenção financeira e ações extracurriculares. Mesmo com o crescimento e necessidade de profissionalização e contratação de professores e funcionários, os pais não se afastaram da gestão da escola, repassando a todos o teor dos debates para que a linha teórica não se perdesse. Zélia Passos conta que a ideia de criar a escola surgiu da necessidade de ter um local para deixar as crianças, já que estes casais fundadores da Oficina eram pais que trabalhavam fora. Também porque eram poucas as pré-escolas disponíveis em Curitiba e as

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A IDEIA ORIGINAL DA OFICINA

existentes tinham uma linha muito rígida e disciplinadora. “Nós queríamos para nossos filhos uma condição onde eles pudessem errar e tivessem muitas atividades, principalmente físicas. Não queríamos uma educação rígida ou moralista, que determinasse que a criança podia isso ou não podia aquilo porque não ficava bem, era mais uma questão se ela corria algum risco e em caso contrário ela tinha que experimentar”. Entretanto, o que inicialmente era o projeto de alugar uma sala ou garagem e dividir as atividades de cuidado e orientação das crianças entre alguns poucos pais amigos da época da Ação Popular mostrou-se o anseio de muitos casais. Foi necessário alugar uma casa na Vila das Oficinas, o que originou o nome da iniciativa. “Oficina é onde se faz, cria, aperfeiçoa”. Quando André Passos tinha em torno de seis meses, portanto no começo de 1973, Zélia foi para a escola no período da manhã. “Eu cuidaria do André nenezinho e de mais três. Uma das mães pegava as crianças e levava para a escola, outra mãe preparava o lanche, outro pai cuidava dos maiorzinhos. Nós ficamos quase doidos e não dávamos conta de tudo”. Os pais então decidiram contratar professores e outros funcionários para trabalhar diretamente com as crianças, mas se mantinham na gestão da escola por meio de comissões. A comissão pedagógica, por exemplo, por muito tempo foi de responsabilidade de Zélia Passos. Além da crítica em relação ao caráter disciplinador e acrítico dos estabelecimentos de ensino pré-escolares existentes, a Escola Oficina propunha a integração entre casa e escola. Os

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1973

Em 24 de janeiro de 1973, estreia “O Bem-Amado”, a primeira telenovela em cores do Brasil. Com direção de Régis Cardoso e supervisão de Daniel Filho, ficou no ar até 9 de outubro. Ainda naquele ano, estrearam na Rede Globo a primeira versão de “Mulheres de Areia” e os programas “Globo Repórter”, “Esporte Espetacular” e “Fantástico”.


A IDEIA ORIGINAL DA OFICINA

Antes da libertação dos presos, Zélia Passos aparece na Folha de S. Paulo de 20 de março de 1978 explicando os métodos pedagógicos das escolas

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A IDEIA ORIGINAL DA OFICINA

alunos realizavam várias atividades em conjunto como acampamentos e passeios pela cidade com acompanhamento de alguns pais voluntários e mesmo passeios particulares e familiares eram estendidos a alguns colegas da escola, intensificando ainda mais a convivência entre as crianças. A amizade dos pais, construída antes e também na gestão da escola, propiciava um forte laço entre as crianças, que viviam uma atividade muito rica de experimentação, de convivência e cooperação. Outro foco da Oficina era trabalhar a coerência nos valores e a liberdade de ideias. A maioria dos alunos eram filhos de profissionais liberais e da classe média intelectualizada como jornalistas, professores, arquitetos ou sociólogos. O advogado Claudio Ribeiro e o professor Carlos Antunes participaram ativamente da construção da escola junto com suas esposas e a família Passos. “Foi uma escola que nós criamos para educação dos nossos filhos, mas não com a finalidade de transmitir pra eles uma educação que fosse, como mais tarde foi, acusada como marxista”, enfatiza Ribeiro. “Era uma escola melhor que as outras, pois as crianças aprendiam a ser livres, tanto é que meus dois filhos não pensam como eu. Acho que isso é sinal de que aquela escola deu pra eles uma educação fantástica como ser humano, com dignidade e honestidade, com um caráter forte e jamais com uma conotação ideológica que levasse a ser um comunista, marxista, essas coisas todas. O André Passos também estava nesta escola junto com meus filhos, eles são companheiros até hoje, eles são muito unidos e pensam, cada

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A IDEIA ORIGINAL DA OFICINA

qual, com sua maneira de viver”. Antunes lembra que a proposta da escola Oficina era muito avançada para a época e não se tratava apenas de uma discussão pedagógica. A escola movimentava um debate de conjuntura social, econômica e política que unia as famílias. “Nós discutíamos a sociedade em um período muito difícil e crucial da ditadura militar. Formamos um grupo de pessoas que exatamente participavam desse processo de debate, de resistência pelas causas democráticas, em busca da abertura política. Nós nos sentíamos protegidos por todos e estávamos em busca de uma sociedade melhor, em que se eliminassem as desigualdades. Neste processo em que estávamos envolvidos, a figura do Edésio, junto com os outros colegas, foi muito importante, não só pelo conhecimento, pelo aprendizado que o Edésio trazia, ou por sua conscientização política. Eu diria que foi um ‘aprender’, um momento importante para nossa própria formação”. Em 1975 surgiu a escola Oca de uma dissidência surgida no interior da Oficina. Os dissidentes acusavam a escola de ter estar fugindo de seus propósitos originais e “aburguesando a sua linha pedagógica”, afirma Zélia Passos. A escola Oca se manteve por aproximadamente cinco anos enquanto a Oficina durou até 1986, porém, a falta de tempo dos associados para se dedicar ao gerenciamento da escola — que dependia de intenso envolvimento, e as dificuldades de gestão financeira, acirradas com a dissidência entre Oficina e Oca, e com o cenário econômico do país, provocaram o fim da escola cooperativa.

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O FIM DO AI-5 E A ANISTIA

1979

Em 1979, foi sancionada a Lei da Anistia no Brasil. Com isso, foi permitida a volta ao país de pessoas que tiveram os direitos cassados com base em atos institucionais. Leonel Brizola e Miguel Arraes retornaram ao país naquele ano.

O FIM DO AI-5 E A ANISTIA Das várias lutas políticas traçadas pelo professor e advogado Luiz Edson Fachin, desde a época de estudante da Faculdade de Direito da UFPR, algumas foram ao lado de Edésio Passos. Um exemplo foi a luta pela plena anistia. “Com a anistia em 1979 se dá um fato de maior relevância que é a volta dos grandes líderes políticos que estavam fora e voltam para recompor os partidos”, destaca Edésio Passos. O advogado e então deputado estadual pelo MDB Nelton Friedrich conta que na década de 70 se proliferaram no país os comitês em defesa da Anistia. “Esta mobilização foi se ampliando, porque junto com o movimento da anistia aconteciam encontros muito significativos em um espaço cedido junto a antiga rodoviária, na Igreja do Guadalupe, que era um dos

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O FIM DO AI-5 E A ANISTIA

Edésio Passos e Aluízio Palmar recebem o Certificado de Anistiado Político das mãos do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo

palcos das manifestações contra a ditadura. Simultaneamente estavam ocorrendo outros movimentos como o Movimento contra a Carestia (MCC), outros que começaram a aflorar pela reabertura política e da união nacional dos estudantes. Era a

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O FIM DO AI-5 E A ANISTIA

riqueza de estar vivendo de um lado a repressão e a violência, em um período absolutamente triste da história recente do Brasil, mas também de muita força e luta cívica. E um dos homens que ombreavam e que tinham esta firmeza de posição e que para nós era exemplar era Edésio Passos”. Claudio Ribeiro conta que depois que a Anistia foi anunciada, em 28 de agosto de 1979, a equipe mergulhou ainda mais nos trabalhos profissionais, fazendo com que o escritório crescesse muito.

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“Edésio sempre foi uma pessoa com uma formação, uma cultura, por um mundo novo de inclusão social” Luiz Salvador


A FUNDAÇÃO DO PT

A suspensão do Ato Institucional n.º 5 e a Lei da Anistia não diminuíam o descontentamento da população brasileira com a ditadura militar, especialmente em um cenário de crise econômica. Por isto, com intenção de enfraquecer a oposição ao regime e evitar o crescimento do MDB nas eleições, o governo optou por extinguir o bipartidarismo, que vigorava no país desde o AI-2. Para isso, foi instituída a lei que restabelecia o pluripartidarismo, permitindo a criação de novos partidos políticos, aprovada em 20 de dezembro de 1979. Claudio Ribeiro lembra que antes de partir para a criação de um novo partido, a ideia dos companheiros do escritório era integrar o MDB. “Esta tática não deu resultados porque evidentemente o MDB naquela época já estava loteado de frações de coronéis paranaenses. Com a intenção de alargar a militância política nós abraça-



A FUNDAÇÃO DO PT

mos a ideia de criar o Partido dos Trabalhadores, ou seja, isto foi um avanço significativo e nós desenvolvemos também a ideia de criar uma central sindical. Tudo isto, evidentemente, dentro de um processo com militantes de outros estados. Estas coisas acontecem, pois quando as pessoas pensam, olhando pro mesmo horizonte, elas acabam contextualizando as mesmas soluções. Você acaba se encontrando nestas propostas, porque você raciocinou e extraiu ensinamentos de forma correta. Nisso, o Edésio foi um mestre, não só como advogado, mas como pessoa e militante político”.

1979

“Bye bye Brasil”, filme de Cacá Diegues, é lançado em 1979. A história de artistas mambembes contava com José Wilker, Betty Faria e Fábio Júnior no elenco, e é considerada uma das mais importantes produções da década. Foi indicado à Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1980.

Edésio fala em atividade da campanha a prefeito de Curitiba em 1984, ao lado do candidato a vice Lafaiete Neves

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A FUNDAÇÃO DO PT

Devido a aproximação do MDB com o movimento popular de organização das associações de moradores, Edésio e um grupo de militantes foram convidados para ingressar no partido, com o intuito de renovar o MDB. Chegaram a preencher a ficha de filiação, sem se entusiasmar muito com o fato, e acreditando que era interessante ter representatividade política. As filiações foram negadas e logo em seguida aconteceu em São Paulo a primeira grande assembleia de lançamento da ideia do Partido dos Trabalhadores e este grupo que participava dos trabalhos da associação de moradores se interessou por isso. No Paraná, portanto, a origem do PT estava neste grupo de intelectuais e católicos que atuou junto aos trabalhadores de áreas faveladas, mas principalmente, nos pró-

Edésio (no canto direito) oberva Hélio Bicudo (ao centro) em debate sobre a Lei de Segurança Nacional em 18 de maio de 1983

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A FUNDAÇÃO DO PT

prios trabalhadores. O Partido dos Trabalhadores (PT) foi criado a partir deste cenário de intensa mobilização política e principalmente a partir da articulação das lideranças sindicais que surgiram com o fim do AI-5 na região do Grande ABC, em São Paulo. Fundado em fevereiro de 1980, o PT foi oficialmente reconhecido como partido político pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral no dia 11 de fevereiro de 1982. “Desde 1976 ou 1977 há um grande movimento dos trabalhadores metalúrgicos da região ABC. Não havia até então no Brasil um pólo sindical e operário tão forte como tinha no ABC. Na história do sindicalismo brasileiro é o fato mais importante que se possa ter. O surgimento do sindicalismo operário do ABC, das grandes greves, mobilizações e dos líderes é o fato sindical mais significativo que o país já teve. Eu pude participar disto como advogado. Eu fui muitas vezes no ABC e foi lá que eu conheci o Lula e outros companheiros fundamentais neste processo. Lá surgiu a ideia de formar um Partido dos Trabalhadores”, conta Edésio. Ele lembra que o nome original do partido não era este. Quando Lula mencionou um partido dos trabalhadores, o fez genericamente, falando da necessidade que o país tivesse um partido representativo para esta classe. Entretanto, foi isto que ficou na mente das pessoas. Segundo Luziano Pereira Mendes de Lima (2009), desde 1972 já se registravam alguns movimentos por aumentos salariais acima dos índices impostos pelo governo no estado de São Paulo, onde se concentrava o maior contingente operário do Brasil. O

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1982

A Copa do Mundo de 1982, realizada na Espanha, foi a primeira a contar com 24 seleções. Na segunda fase, o Brasil, favorito ao título, perdeu a sua chance de chegar para a semifinal ao perder para a Itália, por 2 a 3. A Azzurra acabou se tornando a vencedora daquele ano, após vencer a Alemanha Ocidental por 3 a 1.


A FUNDAÇÃO DO PT

autor salienta, porém, que foi com “a campanha pela reposição da perda de 34,1% em 1977, devido à descoberta da manipulação do índice de inflação em 1973, que o movimento ganhou maior visibilidade social”. Oliveira (1987) aponta que entre maio e junho de 1978 se registraram 129 greves, envolvendo mais de 150 mil trabalhadores — mobilizações que foram fundamentais na organização e fortalecimento do movimento operário e sindical. Outra questão que enriquece a história de fundação do Partido dos Trabalhadores é o fato de que o Brasil nunca tinha conseguido, segundo Edésio Passos, unir tendências tão diferentes

Vitório Sorotiuk, Edésio Passos, Manoel Izaías de Santana e Lula no palanque em comício na Praça Rui Barbosa, em Curitiba, em 1982

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A FUNDAÇÃO DO PT

sob o mesmo partido. “O PT uniu grandes líderes sindicalistas e operários, a esquerda católica, os intelectuais de esquerda e pessoas vinculadas a vários movimentos partidários e de esquerda. Esta heterogeneidade conseguiu uma homogeneidade. Das diferenças se conseguiu uma unidade. Nós precisávamos de um partido de esquerda, socialista e dos trabalhadores, e quem determinava o centro que possibilitava a estabilidade política era o Lula. Ele que ditava, como grande líder”, explica Edésio Passos. Na opinião do advogado Wilson Ramos Filho, o escritório de Edésio Passos e dos demais companheiros nada mais era do que mais um destes coletivos que compunha o Partido dos Trabalhadores em nível local e regional. “Como o PT foi formado por vários coletivos, desde militantes ligados à Igreja Católica, inspirados pela filosofia da libertação; militantes que vinham da

Edésio no I Enclat Paraná, em debate para reorganizar o movimento sindical no estado

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1982

É lançado o filme “E.T - O Extraterrestre”, dirigido por Steven Spielberg. Vencedor de quatro estatuetas do Oscar, foi a maior bilheteria da história do cinema por onze anos até ser derrubado por “Jurassic Park” em 1993.

esquerda, clandestina ou não; pessoas que estavam voltando do exílio, vindo pra se somar a essa luta de fundação do partido; profissionais liberais com consciência social, etc. O partido tinha diversas tendências. Tendências como o PCDR, dos quais o Mauro Goulart foi expoente, grupos como o MEP e nós éramos vistos como o ‘escritório’, como se fôssemos um desses coletivos que estava atuando nessa estrutura partidária”. De fato, Edésio participou desde o princípio do PT. Ele foi o fundador do partido em Curitiba e convidou todos do escritório para integrar esta luta. “Eu ajudei no sudoeste do Paraná, a partir de Pato Branco”, conta Olimpio. Ele não esqueceu da dificuldade para fazer o PT existir legalmente. “A gente marcava as reuniões do partido com os trabalhadores para formar ata, as vezes o pessoal não estava presente. Então tinha que correr na casa de cada um, conversar, passar as informações, arregimentar as assinaturas”. Embora não tenha participado deste período, Jorge Samek também destaca o trabalho realizado por estes pioneiros na construção do Partido dos Trabalhadores. “Não sou da fase inicial do PT. Cheguei depois. Mas acompanhei e vi aqueles primeiros passos e que tempos difíceis. O Edésio pegava ônibus no fim de semana e um dia estava em Pato Branco, outro dia no norte pioneiro, fim de semana estava em Londrina, tendo que aliar isto tudo com seu trabalho profissional e sua sustentação, porque os órgãos de governo queriam liquidar esta oposição que se formava. Então ele não tinha tempo, não tinha hora. Viajava, ficava na casa dos companheiros, dormia de qualquer jeito, comia

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A FUNDAÇÃO DO PT

sanduiche e sempre motivando e organizando os movimentos sociais e o PT. Foi assim que iniciou toda essa luta. Hoje o PT está bonito, na avenida, larga, florida, mas quem abriu a picada, quem fez o começo são exatamente estas pessoas”.

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Candidato ao governo do estado, Edésio abraça Manoel Izaías de Santana, candidato ao Senado no Encontro Estadual do PT/PR em 1982


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Crente na importância do movimento sindical, Edésio não auxiliou apenas a retomada de sindicatos que estavam ao lado da ditadura, mas também na fundação de novas entidades de classe. “Hoje eu sou presidente do Sindicato dos Jornalistas do Norte do Paraná e eu costumo dizer que o nosso sindicato só existe graças ao Edésio” conta o jornalista Ayoub Hanna Ayoub. Além de dar conselhos jurídicos e políticos ao grupo, auxiliou com dinheiro para ajudar a pagar e as viagens a Curitiba durante o processo de legalização. Luiz Salvador se recorda do encantamento de Edésio com a proposta de criação de um partido dos trabalhadores. “Então

Edésio em debate organizado por estudantes na campanha ao governo do estado, em 1982


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saímos pelo Paraná, por diversas cidades, tentando criar as estruturas locais, criar os diretórios, porque o governo resolveu criar um regramento eleitoral no sentido de que para viabilizar o partido não bastava ter as suas inscrições, seus diretórios municipais: era preciso lançar candidatos em todos os níveis, partido por partido. Assim o PT precisava ter candidaturas locais de prefeito, vereador, deputado estadual, senador, governador. Para viabilizar o partido foi preciso buscar nomes para poder concorrer às eleições, não com a perspectiva de ganhar, mas se não enfrentasse aquele processo de sair candidato em todos os níveis, todo aquele ideário de se construir um partido de trabalhadores para poder defender os interesses da classe trabalhadora ia por água abaixo”. Edésio destaca que a regra era “vamos lá, vamos fazer”, o que significa que não se ficava refletindo sobre as possibilidades ou chances do projeto dar ou não certo. Mesmo em um cenário de condições adversas, eles tinham “a certeza e a vontade de que daria certo e foi isto que construiu o partido”. Em 1982, Edésio Passos foi candidato ao governo do Paraná pelo PT. Eram candidaturas realizadas por convicção, para consolidar o partido, pois não havia nomes de destaque e ele era considerado o grande nome do partido. Para Edésio, embora existissem outros companheiros com condições de concorrer ao pleito, a sua indicação era natural devido a alguns fatores: seu passado político, o fato de conhecer muitas pessoas em todo Paraná — portanto tinha muita mobilidade—, ter estreito relacionamento com o movimento sindical, e a representatividade e

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A FUNDAÇÃO DO PT

respeitabilidade que seu nome significava. O slogan era: “Trabalhador vota em trabalhador: trabalho, terra e liberdade”. O trabalho de estruturação do partido era intenso. Olimpio lembra que para ter existência legal, o PT precisava ter representações em vários estados da federação. “Quando nós fundamos o partido, nós partimos efetivamente atrás da classe trabalhadora, dos trabalhadores humildes. Era a massa que integrava o nosso partido e os candidatos de então eram pessoas desdentadas, pedreiros e carpinteiros. Não se elegeu ninguém nessa primeira oportunidade, mas se fincou as raízes do partido”. Salvador resgata que no mesmo ano que Edésio saiu candidato ao governo do estado, Zélia Passos se candidatou à Assembleia Legislativa, ele mesmo para uma vaga na Câmara Federal e o ex-boia-fria Ma-

Edésio discursa com a bandeira da UNE ao fundo, em 1982

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A FUNDAÇÃO DO PT

nuel de Santana saiu para o Senado. Os discursos de todos enfatizavam a ideia de defesa dos interesses dos trabalhadores. “Eu lembro que o Manuel dizia ‘sou boia-fria, pai de 20 e não sei quantos filhos’, e o pessoal respondia que o trabalhador quando vê boia-fria pedindo votos, acha que ele quer sair da miséria e aí não vai ter voto. Isso de fato aconteceu, porque essa questão eleitoral é muito complexa, uma questão cultural muito antiga e para haver mudanças é preciso uma transformação educacional. Nessa primeira eleição não conseguimos eleger ninguém, mas conseguimos ajudar a construir o PT e a viabilizar o partido em nível de Brasil”, resgata Luiz Salvador. Em 1985, Edésio foi candidato à Prefeitura de Curitiba e no ano seguinte a deputado federal constituinte, enquanto Salvador se lançou a deputado estadual. “Eu posso dizer que o PT nasceu na minha casa”, destaca Zélia Passos. A casa ampla do casal serviu como sede para as reuniões do partido, tanto aquelas reduzidas, apenas com participação dos membros da Comissão Provisória — que definiam as estratégias para legalização do PT no estado —, como as assembleias que reuniam muitos membros. Zélia também se recorda que as regras impostas pela lei eleitoral eram muito rígidas para um partido que se consolidava a partir dos trabalhadores, pessoas que dispunham de poucos recursos, e que não tinha uma sólida infraestrutura. “Eram poucas pessoas que tinham carro. Nós tínhamos, então este nosso carro correu o estado. Embora muita gente fosse apresentar o partido de ônibus mesmo. Viajava

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1985

A votação da proposta da Emenda Constitucional Dante de Oliveira, que possibilitaria as eleições diretas para presidente da República, foi rejeitada pelo Congresso, frustrando a sociedade brasileira, que reivindicou o direito com o movimento das Diretas Já. Mesmo assim, pelo voto indireto, Tancredo Neves foi eleito presidente do Brasil. Ele morreu antes de ser empossado, em 1985, e José Sarney acabou assumindo o mandato.


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Edésio agita a base da militância petista na corrida à prefeitura de Curitiba, em 1985

toda a noite, chegava na cidade e procurava um conhecido, um primo, e ia se tentando criar esta comissão municipal provisória e depois a árdua luta de filiar pessoas”. Sobre a candidatura ao governo do estado, Zélia recorda que a eleição polarizou entre o candidato do PMDB, José Richa, e do PDS, Saul Raiz. “Só que al-

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A FUNDAÇÃO DO PT

guém que queria votar no Richa, não podia votar no vereador ou deputado de outro partido. Tinha que ser todo mundo do PMDB. Com isso o PT no Paraná, em sua primeira eleição, teve menos votos do que número de filiados. Tínhamos uns 12 mil filiados no estado, coisa parecida, e tivemos 11 mil votos, uma coisa assim. Foi um vexame total, e o pior que muita gente acreditava que seria eleito e depois foi aquela frustração, uma debandada geral. Muita gente quis se desfiliar, mas o importante foi que conseguimos legalizar o PT”. Depois da eleição de 1982, o PT precisou ser reestruturado no Paraná. Não mais com uma Comissão Provisória, mas como um Diretório Regional do PT. Edésio continuou a frente do partido com secretário geral e intensificou o trabalho de formação política. Na eleição de 1985 para prefeitura de Curitiba, há uma disputa interna no partido entre Edésio e Lafaiete Neves. Depois de várias discussões, chega-se a um acordo: Edésio encabeça a chapa e o Lafaiete sai candidato a vice. “Aquele era um momento muito importante para divulgar o partido”, lembra Zélia Passos. “Não tínhamos condições financeiras. Havia a consciência de que a possibilidade de ganho na eleição era bastante remota, mas o PT estava mais maduro e melhor estruturado. Então a campanha serve mais para esta questão, de divulgar as ideias do partido e propor a expansão do PT”. Naquela eleição é eleito o primeiro prefeito do PT no Paraná, em São João do Triunfo. Láercio Souto Maior gosta de enfatizar que quem vê o PT hoje dominando o cenário político do país, completando uma década

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A FUNDAÇÃO DO PT

1985

Na União Soviética, Mikhail Gorbachev é eleito secretário geral do Partido Comunista, em 11 de março de 1985. Ele ficou no cargo até 1991 e, neste período, implementou a Perestroika e a Glasnost, reformas que contribuiram para o fim da URSS.

a frente da Presidência, um partido “grande, poderoso e moderno”, não pode esquecer que Edésio Passos teve papel essencial na fundação e organização do partido no Paraná. “Havia outras lideranças, mas a grande liderança era o Dr. Edésio. Ele que sempre partia para o sacrifício com as candidaturas, enfrentando os medalhões, as grandes raposas políticas, com todo poderio econômico da mídia. Candidato para que? Para ajudar o partido a se organizar, a tomar pé e a devagarzinho se encorpar até chegar ao ponto atual, o que custou muito trabalho e sacrifício do Dr. Edésio. Eu sei, tenho certeza, que de segunda a sexta ele se dedicava ao escritório, sempre foi uma pessoa responsável. É uma grande responsabilidade atender sindicatos, federações de trabalhadores, não só no Paraná como em Santa Catarina. E o final de semana era para fazer política”. O advogado Vitório Sorotiuk também trabalhou com Edésio na construção do PT do Paraná. “Lembro que voltei ao Brasil no dia 31 de agosto de 1979 e já no primeiro final de semana, não se passaram nem cinco dias, o Edésio passou em casa e fui com ele para os bairros de Curitiba, para as vilas. Começamos uma militância em um grande bairro e a construção do PT”. O conhecimento sobre o trabalhador era um diferencial de Edésio Passos neste momento. “Se nós tínhamos o ânimo ou a determinação intelectual, o Edésio tinha uma vantagem sobre nós porque ele tinha um aprendizado da relação do dia-a-dia com o trabalhador. Sabia conversar com ele, aquela prática trabalhista, e isso nos ajudou muito no processo organizacional do PT no

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A FUNDAÇÃO DO PT

Paraná”. O desafio, segundo Sorotiuk, era construir com aquele “punhado de gente” e poucos recursos, enfrentando boicotes e uma forte determinação contrária, o Partido dos Trabalhadores no Paraná. Ele destaca que foi especialmente difícil no Paraná, onde sempre existiu um monopólio do jogo político que tornou muito complicada a entrada em cena do PT. “Eu ainda terminava o curso de direito e o Edésio já tinha a sua ‘banca’ de advocacia. Nós passamos todo esse período de construção do PT nos vendo e nos falando todos os dias. Ele tinha ficado secretário geral e eu primeiro secretário e nós trabalhamos assim de uma forma muito harmoniosa e profissional. Rompemos com as dificuldades e fizemos com que o PT fosse um dos partidos registrados no nível nacional, embora existisse muita torcida contra”. Na frente Edésio, candidato a Deputado Federal Constituinte e Luiz Salvador, a Deputado Estadual. Sindicalistas ao fundo na campanha de 1986

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“Com o Edésio, tão severo em sua conduta pessoal, realizei um acabamento à minha pessoa como profissional” Maurício Ramos


AS PRIMEIRAS CAMPANHAS ELEITORAIS

AS PRIMEIRAS CAMPANHAS ELEITORAIS

O publicitário Maurício Ramos foi responsável pelas campanhas de Edésio, André e Zelia Passos desde o princípio do PT. Naquela época, um garoto de 17 anos, que sequer tinha ingressado na faculdade, lembra que as campanhas eram realizadas sem recursos financeiros, mas com muita vontade, ou seja: verdadeiras aventuras. “As gravações para televisão eram todas ao vivo. Na época não se levava uma fita beta pronta como é hoje, e entrava no ar ao vivo. Alguns até podiam levar algumas gravações, mas nós do PT não tínhamos recursos pra isso. Nós tínhamos o Edésio Passos”. Segundo Maurício, o advogado ensaiava até três vezes o discurso e falava em um cenário simples, com uma bandeira pendurada por trás. Os erros eram comuns. O discurso terminava antes do tempo estipulado ou

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AS PRIMEIRAS CAMPANHAS ELEITORAIS

cortado no meio, “muito mais por erro da nossa informação do que do Edésio, que errava poucas vezes”. “Muitas vezes eu escrevia algo, mostrava pra ele, ele balançava a cabeça assim ‘aham, aham’. Na hora que ele entrava, eu via se estava tudo certo no cenário e ficava junto com ele. Quando ele ia falar, o texto estava absolutamente diferente daquele. Mas é isso aí, o Edésio sempre teve uma capacidade de inclusão muito grande. Sou grato a ele”. Para Maurício, o nome Edésio Passos sempre fez da atuação em suas campanhas uma grade responsabilidade. “O Edésio sempre concentrou a minha ajuda e de diferentes publicitários e todos nunca brigaram. Todos conseguiam trabalhar juntos em prol dele. Pela capacidade dele mesmo de articulação, de pensamento, sempre deixou todo mundo à vontade”.

Lafaiete Neves e Edésio Passos na campanha à prefeitura de Curitiba em 1985, em atividade na Câmara de Vereadores

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HISTÓRIAS

OPORTUNIDADE PARA EXPERIMENTAR “Há 29 anos eu conheci o Edésio, acho que eu ti-

ser uma das campanhas eleitorais das quais Edé-

nha 17 anos. Incrível como pouca gente participava

sio Passos participou, havia algumas pessoas que

do PT na época e todo mundo que aparecia era ab-

discutiam quais seriam as bandeiras para o pes-

solutamente bem vindo. Até um moleque como eu

soal das vilas, outros falavam que não poderiam

que tinha habilidade nas artes gráficas na época. Eu

esquecer o pessoal da área cultural e outro grupo

não tinha sequer entrado na universidade, mas já

destacava que precisava dar destaque na proposta

tinha atração pela propaganda e comunicação”. O

para as mulheres. Enfim “deu uma confusão dana-

depoimento é do publicitário Maurício Ramos, pro-

da e percebemos que eram vários grupos diferen-

prietário da Getz e responsável pelas campanhas

tes. Eu propus que fizéssemos a campanha dividida

eleitorais de Edésio Passos. “Todas aquelas pessoas

em várias linguagens”. A proposta de Maurício era

da formação do PT me deram as primeiras oportu-

ter duas formas de comunicar: uma voltada para as

nidades de me experimentar como profissional e

vilas e para as fábricas — com discurso e uma apre-

entender como funciona a relação da causa e efeito

sentação gráfica mais simples — e outro material

da comunicação. Foi uma fase riquíssima da minha

para o pessoal da cultura, das universidades. Ou

vida. Talvez, enquanto meus amigos estivessem em

seja, materiais diferentes. “O Edésio me deu uma

festas, eu estava tendo uma experiência ainda mais

bronca no meio dessa turma pela esquizofrenia que

louca, participando da construção de um partido.

seria essa campanha por tratar os seres humanos

Estava me divertindo de outra maneira, na casa do

de forma tão diferente. Porque daria para a classe

Edésio e da Zélia, participando de reuniões, fazen-

trabalhadora, o pessoal das vilas um tratamento

do as estrelinhas que nós comprávamos pra fazer

simplório, mantendo as pessoas naquela condição

os bottons do PT. Um período bonito da história,

de simples, enquanto pensava no pessoal da cultu-

de jovens tentando se compreender em um espaço

ra com mais capricho, com mais inteligência e cui-

político e o Edésio foi um grande orientador de va-

dado. Levei uma bronca pública em uma reunião

lores e de como seguir nesse caminho”. Para Mau-

com trinta pessoas. Aquilo me fez nunca mais pen-

rício, conviver com Edésio Passos — “uma criatura

sar em me comunicar com as pessoas de maneiras

tão dura e severa em relação à conduta pessoal, tão

diferentes. Mesmo hoje, com o boom da comuni-

sério em suas crenças com a política e as relações

cação dirigida, as pessoas falam só pra quem torce

entre os seres humanos” — foi um acabamento na

pra determinado time, de tal sexo, tal idade. Não.

sua pessoa como profissional.

Mesmo assim eu acredito que a comunicação tem

Maurício Ramos conta que, no meio de uma reunião com vários partidários sobre como deveria

que ser igualitária — isso é palavra do Edésio. Isso me moldou como profissional”.


A FUNCAÇÃO DA CUT

A FUNDAÇÃO DA CUT A Central Única dos Trabalhadores (CUT) foi fundada em 28 de agosto de 1983, na cidade de São Bernardo do Campo, em São Paulo, durante o 1º Congresso Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat). Como o escritório tinha o entendimento de que a atuação política era absolutamente necessária e uma atividade incorporada ao cotidiano, foi uma consequência natural que Edésio Passos estivesse envolvido não apenas na fundação do PT como na construção da CUT. Cláudio Ribeiro afirma que o escritório de advocacia em que ambos atuavam sempre se posicionou pela defesa dos trabalhadores, portanto “não seríamos ninguém se nós fossemos apenas advogados. Então o trabalho de construção do PT, o trabalho de construção da CUT, tudo isso foi feito a partir de um escritório aqui no Paraná, que liberava seus profissionais pra atuar e entendia esta atuação como parte da própria estrutura.”.

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A FUNCAÇÃO DA CUT

David Pereira Vasconcelos, do Sindicato da Construção Civil, e que fez parte da primeira executiva estadual da CUT, em 1985, conta que fundou 12 sindicatos da categoria no interior do estado, com o apoio fundamental de Edésio Passos. O atual presidente da CUT/PR, o petroleiro Roni Barbosa, destaca que a grande proximidade entre Edésio e os sindicatos, assim como sua história de militância política, torna sua ligação forte com a Central Única dos Trabalhadores até os dias de hoje. “Ele é uma referência em muitos lugares e categorias. O Dr. Edésio é sempre ouvido em relação a determinados temas e nós sabemos o quanto ele representa para o movimento sindical paranaense”.

1º Conclat funda a CUT em São Bernardo do Campo, em 1983

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HISTÓRIAS

EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE Entre 1983 e 1984, o país vivia a efervescência política dos comícios pelas Diretas Já. Nelton Friedrich destaca o quanto este movimento pelas eleições diretas para presidente da república, embora não tenha obtido êxito em 1985, foi essencial para o Brasil. “Curitiba inaugura este processo, um dos primeiros comícios das Diretas Já foi na capital. Esta empreitada ousada contou com a presença importante de Edésio Passos. Lembro bem da figura dele, quanto de seus filhos, naquela insistência tão digna de ver o país na redemocratização. Todos usávamos aquela camisa: eu quero votar para presidente da república. Isto é um verdadeiro troféu que a gente guarda porque isto nos reporta para os movimentos mais emocionais e ricos das ruas enfrentando toda força da ditadura”.


“O Edésio não foi só um advogado. Ele na verdade fez uma escola.” Vitório Sorotiuk


O ESCRITÓRIO “ESCOLA”

O ESCRITÓRIO “ESCOLA”

Em 25 de maio 1982, o estudante de Direito Prudente José Silveira Mello foi convidado pelo advogado Geraldo Vaz para iniciar um estágio no movimentado escritório de advocacia trabalhista localizado na esquina da rua Marechal Floriano com XV de Novembro, em Curitiba. Era um escritório bastante simples. Cada profissional comprava sua máquina de escrever elétrica, que depois disputava com militantes do Partido dos Trabalhadores. “Companheiro, eu preciso terminar um prazo”, solicitava o jovem estagiário de 22 anos. “Espera aí, companheiro. Estou terminando de bater um manifesto”, ouvia como resposta. O escritório já era uma referência, o centro político daquele momento histórico. “Em 1982 nós estávamos na primeira

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O ESCRITÓRIO “ESCOLA”

campanha eleitoral do PT, debutando. O Edésio era candidato a governador, o Salvador era candidato a deputado, o Olímpio suplente de senador. O escritório era um espaço de circulação política do movimento sindical, popular, estudantil, de forças políticas das mais variadas. Estávamos em um movimento novo, pós-anistia, de abertura política, em um processo de construção, de luta pela democratização. Esse processo era de uma densidade e de uma força. Para quem era jovem e queria ver a transformação política do país, era tudo de bom. Era muito dinâmico e o Edésio era uma figura que sempre manteve essa capacidade de articulação, de coordenação, esse espírito guerreiro de construir e transformar o país”. Depois de dois anos de intensa atuação junto ao escritório em Curitiba, com uma forte inserção no trabalho realizado por Edésio Passos nos movimentos populares, Prudente teve a chance de ir para Florianópolis coordenar as atividades realizadas em Santa Catarina. “O Edésio já vinha de uma atividade desenvolvida junto à Federação dos Comerciários de Santa Catarina, que depois veio a ser a primeira federação a se filiar à Central Única dos Trabalhadores. Produto da inspiração ou da conspiração que Edésio desenvolveu de convencimento dos próprios dirigentes sindicais. Ele foi responsável por esse avanço que eles travaram naquele momento histórico. Nós também tínhamos outras federações de trabalhadores e o Sindicato dos Vendedores Viajantes. Na sequência, viemos a atender o Sindicato dos Médicos

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O ESCRITÓRIO “ESCOLA”

e foi levada uma campanha muito importante de oposição do Sindicato dos Jornalistas no estado de Santa Catarina. Eu saio de Curitiba pra ir pra Florianópolis porque um belo dia, como um dos companheiros que trabalhava no escritório foi pra Bélgica fazer doutorado e outra colega ficou grávida, o Edésio me convida pra tomar uma coalhada, e diz assim: ‘Prudente eu preciso que você vá para Florianópolis por 90 dias’. Eu disse que eu ia. Ele respondeu que eu deveria voltar. ‘Aí são outros ‘quinhentos’. Eu vou, mas eu não pretendo voltar. Pretendo ficar lá, tocar o escritório e coordenar’”. Prudente está até hoje em Florianópolis, onde tem um escritório — com doze advogados e nove funcionários, que é referência na defesa dos Direitos dos Trabalhadores. “É fruto da construção histórica desse escritório constituído inicialmente por Edésio, Clair, Geraldo, Cláudio, Olimpio e Salvador. Então nós demandamos e demos continuidade àquele mesmo espírito guerreiro, àquele mesmo espírito de luta, atendendo só sindicatos e trabalhadores, e lutas operárias dentro de uma expectativa de uma emancipação da classe trabalhadora, pregando justiça e liberdade. Edésio é um amigo, um companheiro, é um segundo pai. Um pai teórico, ideológico, um companheiro que sabe dividir, construir, refletir e ajuda fundamentalmente a se pensar um mundo novo. Nunca podemos deixar de ter essa atuação como combatentes pela luta de transformação, de inclusão daqueles que estão excluídos na sociedade, e essa preocupação foi sempre a marca, a tatuagem que nos marcou”.

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HISTÓRIAS

CONSELHOS QUE VIRAM O JOGO Em 1985, Prudente Mello estava envol-

sindical aconselhou: “Então você faz assim:

vido na mobilização dos motoristas em Flo-

apresenta a contestação da abusividade da

rianópolis. O confronto estava difícil, pois,

greve e o dissídio de natureza jurídica e eco-

segundo o advogado, o sindicato era “pelego”

nômica pedindo todos os direitos referentes,

e o assessor jurídico apresentava certa fra-

que sejam constituídos e julgados no dissí-

gilidade e inconsistência, que fazia com que

dio”. “Eureka!”, a solução entusiasmou o en-

a categoria estivesse passando por cima das

tão jovem advogado Prudente. “Eu apresentei

direções propostas pela entidade sindical. “O

a contestação e disse, ‘nesse ato junto o dis-

advogado foi protocolar o dissídio com um

sídio coletivo de natureza econômica e jurí-

monte de papel nas mãos. Tudo desalinhado,

dica para apreciação de todas as cláusulas’. A

uma bagunça, um horror. Vem e vai tentar

partir daí foi uma sucessão de gols que a gente

protocolar aquilo. Obviamente não conse-

conseguiu marcar nessa partida da greve dos

guiu protocolar. Primeiro porque estava fora

motoristas em 85. O tribunal era pequeno,

do prazo e neste intervalo o patronal entrou

não tinha nem 30 lugares, mas lá fora tinha

com um pedido de ilegalidade da greve e ele

uns 500 ou 600 motoristas que cantavam o

não tinha sequer protocolado o dissídio”.

hino nacional. No plenário os juízes ficavam

Prudente explica que a situação ficou bastan-

com aquela cara apavorada. Fazíamos um

te complicada. Em um sábado pela manhã,

pouco de terrorismo, um terrorismo demo-

ele advogado da federação, com 26 anos, aca-

crático, cantando o hino, todos no plenário

bou sendo nomeado para assumir o processo

com as camisetas da CUT e do PT. Sustentei

judicial e solucionar a questão. A CUT assu-

no tribunal seguindo o diálogo construído a

miu a condução da greve e a categoria, revol-

partir do debate com o Edésio e a gente aca-

tada, queria “jogar o advogado atrapalhado

bou saindo muito bem deste episódio. A ex-

do quinto andar”. Prudente ligou para Edé-

periência, combinada com a audácia, compe-

sio e perguntou: “O que eu faço agora?”. Após

tência e com o processo de engajamento nos

ouvir que os advogados patronais tinham in-

levou a ter esse saldo e, obviamente, essas

gressado com o dissídio pedindo a abusivida-

ações levaram o escritório de Florianópolis a

de da greve, o experiente advogado e assessor

ser referência”.


“Demos continuidade ao espírito guerreiro, atendendo só sindicatos e trabalhadores” Prudente Mello

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ERA AQUILO QUE A GENTE QUERIA FAZER DA VIDA

ERA AQUILO QUE A GENTE QUERIA FAZER DA VIDA

“Logo no começo eu percebi que sim, que era possível ser advogado e decente ao mesmo tempo. A partir daí nós nos definimos profissionalmente, eu e vários outros colegas, que era aquilo que a gente queria fazer na vida”. É desta maneira que Wilson Ramos Filho, o advogado Xixo, um dos sócios do escritório Declatra, resgata seus primeiros anos atuando como advogado trabalhista ao lado de Edésio Passos. Sobre sua dúvida, Xixo esclarece que estava terminando o mestrado em Santa Catarina após ter se graduado em Direito na UFPR. Naquele momento “a última coisa que eu queria fazer na vida seria ser advogado, porque não imaginava nenhuma

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ERA AQUILO QUE A GENTE QUERIA FAZER DA VIDA

possibilidade de ser decente e advogado ao mesmo tempo”. Foi no estado catarinense que conheceu Edésio e recebeu o convite de trabalhar em Curitiba. Também tinha o convite de realizar o doutorado na Bélgica. “Estava em uma encruzilhada vital: seguir a carreira acadêmica ou entrar com todas as minhas energias no movimento social”. Após uma viagem pelo país inteiro, decidiu pelo movimento social e ingressou no escritório. “Nos anos seguintes me dediquei junto com o Edésio a fazer assessoria ao movimento popular, às associações de moradores. Havia muitos conflitos, os bairros estavam totalmente abandonados. Ditadura militar, prefeito Jaime Lerner absolutamente autoritário e naquele momento havia um forte movimento social nos bairros, e a partir deles nós organizávamos os moradores, formávamos associações, juntos organizamos esses trabalhadores. Passamos a fazer o que chamávamos de ‘giro sindical’, a partir das associações de moradores. Tentávamos articular chapas de oposição aos sindicatos que estavam dominados por pelegos, muitos dos quais ainda interventores indicados pelo regime. Nessa oportunidade, fizemos muitas manifestações de rua, atendemos coletivos de trabalhadores, tivemos muito enfrentamento com polícia e a repressão. Foi assim que eu pude optar pela advocacia”. Segundo o advogado não havia movimento social que não passasse pelo escritório, desde movimentos de trabalhadores em prol de reivindicações, outros em busca de melhorias urbanas, até movimentos de reivindicação de reconhecimento como de gênero, homossexuais ou ecológicos. Sempre que havia algum

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ERA AQUILO QUE A GENTE QUERIA FAZER DA VIDA

coletivo em busca de reconhecimento de direito o escritório era acionado. “Fomos formados em uma escola, capitaneados pelo Edésio, de que todas as nossas energias seriam destinadas ao movimento. Trabalhávamos 14 ou 15 horas por dia e todas as noites tínhamos reunião com algum coletivo. No dia seguinte, de manhã, a gente reportava como foi a conversa. Fomos aprendendo a valorizar o povo brasileiro e a classe trabalhadora na sua capacidade de transformação. Então essa foi a escola que marcou toda uma geração”.

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HISTÓRIAS

ADVOGADA OU ATRIZ

PRIMEIRO SOCIALISTAS, DEPOIS ADVOGADOS O advogado trabalhista e professor universitário Wilson Ramos Filho ingressou

Quando ingressou no escritório, Miriam

na carreira por intermédio de Edésio. Ele

Gonçalves dividia-se entre a faculdade de

conta que após um tempo de atuação no re-

Direito, o estágio e um curso de teatro no

nomado escritório, teve uma conversa com

Teatro Guaíra. “Era um curso maravilhoso,

ele em relação a sua decisão de ingressar na

que tinha muito apoio e que recebia pro-

profissão. “Ele perguntou o que eu era, se

fissionais de fora do país para dar aula. Um

eu já me sentia um advogado. Eu respondi

dia, atravessando ali onde era o escritório,

que queria dedicar a minha vida a defender

na Marechal com a XV, o Edésio junto co-

os trabalhadores. Ele me disse assim: “pois

migo disse assim: ‘Miriam, você quer ser

é, a característica do nosso escritório é que

atriz ou você quer ser a minha sócia?’. Foi

nós somos primeiro socialistas, depois ad-

um choque!”. Miriam ri muito ao lembrar do

vogados. Somos socialistas que estamos

convite que fez com que desistisse do cur-

advogados para auxiliar os trabalhadores,

so — pois era impossível seguir com as duas

sem nunca substituí-los. Porque a transfor-

atividades simultaneamente. “Eu me senti

mação da sociedade será obra dos próprios

muito importante. Não tinha como recusar

trabalhadores. Nós podemos auxiliar, orga-

um convite do Edésio. Era o escritório mais

nizar, articular, mas transformação social é

reconhecido do sul do país. O Edésio era um

sempre um processo de mobilização social

ícone pra todo mundo que trabalhava contra

dos próprios trabalhadores que sofrem de

aquela ditadura. Enfim, não existe nada de

modo mais agudo as contradições do modo

que eu me arrependa naquele período”.

de produção capitalista”.


“O Edésio tem um lugar na história deste país, na história do Direito do Trabalho, dos trabalhadores” Miriam Gonçalves


A DISCIPLINA

A DISCIPLINA

Os advogados Wilson Ramos Filho, Miriam Gonçalves e Prudente Mello, que ingressaram no escritório na década de 80, apontam, de forma unânime, a disciplina como a principal característica do escritório. As reuniões eram diárias, iniciadas às 7h30 para definição das tarefas do dia. Já nas sextas, começavam no mesmo horário e preenchiam toda a manhã, com intuito de debater temas da sociedade e formação política. “O Edésio tinha a cada dia uma citação diferente de Mao Tsé Tung e também algumas histórias de resistência para contar. Nós fomos sendo forjados em uma compreensão do que era o mundo, de qual era o nosso papel, sempre com o compromisso de transformação na sociedade”. Wilson enfatiza também que os atrasos eram mal vistos, o que para Miriam era um caos. “Era difícil, mas eu entendia que o rigor era necessário. Trabalhamos juntos em uma época muito

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A DISCIPLINA

difícil e essa disciplina do Edésio fazia parte do sucesso do próprio escritório e do movimento sindical”. A advogada lembra que a dificuldade muitas vezes provinha da resistência dos próprios juízes. “Logo após a fundação do PT nós íamos trabalhar com a estrelinha no peito. Alguns juízes exigiam que a gente tirasse ou saísse da sala de audiência, para iniciar os trabalhos. A gente nunca tirou. Pegava brigas homéricas ali, mas sempre apoiados pelo Edésio. Nós éramos muito jovens — eu tinha 20 anos, mas ele sempre nos apoiou muito e isso era importante”.

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UM JEITO RADICAL DE TRATAR AS COISAS

UM JEITO RADICAL DE TRATAR AS COISAS

Evidentemente, o entendimento jurídico que se tem hoje sobre as questões relacionadas ao Direito de Trabalho, mais especificamente em relação às reivindicações dos trabalhadores, é resultante dos avanços trazidos pela Constituição de 1988. Os debates travados na Justiça entre advogados patronais e sindicais, sob o olhar e a arbitragem dos magistrados, também têm forte influência na evolução do entendimento das questões relacionadas ao trabalho e ao trabalhador. “Nós travávamos uma luta que, embora aparentemente estivesse perdida, paulatinamente estávamos desconstruindo o velho para construir o novo, matando o velho para que o novo surgisse”, explica Prudente

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UM JEITO RADICAL DE TRATAR AS COISAS

Mello. As pautas de reivindicações dos trabalhadores presentes nos dissídios coletivos, desenvolvidas pelas categorias assessoradas pelo escritório incluíam questões que pareciam irreais para um contexto de ditadura militar, em que a greve, por exemplo, era considerada ilegal. “Nós conflitávamos constantemente contra as decisões que fossem autoritárias. Que apesar de legais, eram injustas. Nós lutávamos contra a legalidade que era, na verdade, uma legalidade que não encontrava respaldo dentro do que se poderia imaginar de princípios de justiça, direitos humanos, constituição ou um modelo que tivesse amparo nas classes populares. De fato as decisões do tribunal estavam distantes e colidiam com o que a própria sociedade sinalizava como esperança”, destaca Prudente. Embora os advogados tivessem em relação à Justiça do Trabalho um comportamento bastante respeitoso, havia uma atitude de confrontação. O posicionamento do tribunal era conservador, e diante do propósito de se construir um Estado democrático e por fim ao governo ditatorial, o conflito era inevitável. Miriam também enfatiza que vivenciou no escritório um período em que fazer greve era uma declaração de guerra. “Embora nem faça tanto tempo assim, a gente não consegue — nem nós que passamos por isso — dimensionar ou lembrar exatamente como esta época foi. Quando vejo fotos, eu choro”. Para Miriam, isto gerou um aprendizado, fruto também da convivência com Edésio, de ter uma forma de enfrentamento mais radical. “As pessoas até fazem piada disso. Com certeza vem do Edésio. Ten-

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UM JEITO RADICAL DE TRATAR AS COISAS

tamos passar isto para esta nova geração de advogados. Há pessoas com este perfil, mas é cada vez mais difícil, porque é muito fora da realidade deles”. Por volta de 1986, os jovens advogados criaram o escritório Declatra, com sede em Curitiba e Florianópolis. Alguns anos depois, os fundadores do renomado escritório também construíram suas próprias estruturas, cada um com seu escritório de advocacia e Olimpio e Luiz Salvador juntos. Em 1995, o Declatra também realizou uma cisão e ficou como escritórios autônomos nas capitais, embora parceiros.

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“Quando a maioria não tinha voz, ele era a voz destes que não podiam falar” Jorge Samek


A ORGANIZAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE BAIRRO

1978

Nelson Piquet estreia oficialmente na Fórmula 1, no Grande Prêmio da Alemanha, em Hockenheim. Na ocasião, ele usou um carro alugado da Ensing. No mesmo ano, ainda disputou outros três GPs com o McLaren da BS Fabrications, e disputou sua última corrida do ano com a equipe Brabham.

A ORGANIZAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE BAIRRO Edésio Passos e os advogados do escritório também realizaram um importante trabalho de organização das primeiras associações de moradores de Curitiba. A atuação era direta nos bairros, com intuito de ajudar a população a se organizar, apresentar e defender suas reivindicações, e, ao mesmo tempo, compreender e se posicionar no momento político e repressivo pelo qual o país estava passando. Segundo Zélia Passos, este trabalho de organização dos moradores que viviam em áreas de favela começou muito antes, na gestão de Saul Raiz (1975-1979) e, de certa forma, foi a verdadeira origem do PT no Paraná. “O movimento de

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A ORGANIZAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE BAIRRO

organização dos moradores ganhou vulto na gestão Raiz. Ele tinha uma política habitacional bastante contraditória porque ele retirou os moradores de algumas favelas — principalmente das áreas que ficavam muito visíveis na cidade — e os realocou em áreas já urbanizadas. Por exemplo: se havia meia quadra vazia em determinado bairro e naquela área iam caberia 30 moradias, ele fazia aquelas habitações e as pessoas eram realocadas para lá, onde já tinha ônibus e escola. Então a família estava integrada e em condições

Edésio em debate entre os candidatos à Prefeitura de Curitiba em 1985 organizado pela Asmuc, que tinha como presidente Dr. Rosinha


A ORGANIZAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE BAIRRO

Edésio em comício na Ferrovila em 1992

melhores do que estava antes. A prefeitura subsidiou quase 100% o pagamento destas casas e propôs por troca de trabalho. O membro da família tirava um dia por semana e prestava um serviço para a prefeitura. Ficou viável e as pessoas não se endividavam. Ele fez vários conjuntos habitacionais que hoje você não distingue na cidade. Mas, se por um lado ele tinha esta política de subvenção habitacional e de melhoria nas condições de habitação, por outro lado ele tinha uma política violenta nas outras áreas faveladas. Havia uma equipe de fiscais orientados a retirar e demolir os barracos se eles

151


A ORGANIZAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE BAIRRO

fizessem alguma melhoria. Se tivesse uma tábua ou telhado novo, eles tinham a ordem de derrubar aquele barraco, porque a política era devolver esta população para o interior do estado com a deterioração da condição da sua moradia. Além de outras favelas que foram criadas pela própria prefeitura. Eles despejavam os moradores em locais longe da cidade. Zélia se recorda que o conflito chegou ao ápice quando os moradores da Vila Formosa foram cercados pela prefeitura para que não fossem instalados novos barracos naquela área, e também porque havia um litígio em relação ao terreno. Os moradores, já extremamente acuados pela política dos fiscais, buscaram ajuda de Edésio Passos. “Um dos moradores, Jairo Graminho, procurou o Edésio como advogado e relatou toda aquela situação. Eles estavam cercados como gado na favela. O Edésio, junto com seu Jairo e outras pessoas, algumas pessoas do próprio escritório dele, procuraram alguns políticos, como Euclides Scalco, que era do MDB. Eles foram em um domingo pela manhã até a favela e junto com os moradores de lá cortaram os arames e fizeram uma espécie de vigília para ver o que aconteceria. Em menos de uma semana não havia mais arame farpado. Os moradores tiraram tudo e começou ali um trabalho de organização e apoio destes moradores”. Como as condições da favela eram muito precárias, profissionais como arquitetos, engenheiros e advogados começaram a se envolver voluntariamente com os moradores. As atividades e reuniões se tornaram frequentes e começou a

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1981

Em 6 de outubro de 1981, Anwar Al Sadat, presidente do Egito, é assassinado por membros da Johad. Governou o país por 11 anos, e recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1978. Seu vice, Hosni Mubarak, assumiu o posto e ficou no poder até 11 de fevereiro de 2011, renunciando após uma série de protestos.


A ORGANIZAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE BAIRRO

1981

Em 1981, é lançado o filme “Pixote, a Lei do Mais Fraco”, de Hector Babenco, eleito por diversos críticos estrangeiros como o melhor filme do ano. Também foi exibido em diversos festivais de cinema pelo mundo. Na obra, é mostrada a realidade das crianças nas ruas de São Paulo, onde são expostas a violência, crimes, drogas e prostituição.

se trabalhar para que eles tivessem uma representação legal. “Em decorrência deste trabalho de organização dos moradores para garantir o seu direito de moradia, como todos são trabalhadores, começam a se organizar as oposições sindicais em que o Edésio tem um papel fundamental. Graças a este trabalho muitos sindicatos que estavam nas mãos de pelegos tiveram uma renovação”, destaca Zélia Passos. Posteriormente, em meados da década de 80, o conhecimento e as relações estabelecidas por Edésio Passos no trabalho de organização dos moradores foram essenciais para o trabalho de regularização fundiária realizado pelo advogado José Antonio Peres Gediel. “Na condição de assessor fundiário do município eu tive oportunidade de contar com o apoio, com a colaboração do Edésio não mais só como um militante na área dos direitos dos trabalhadores, mas também como alguém que contava com experiência, que conhecia em detalhes a situação jurídica de todas as áreas. E eu, trabalhando em um governo do PMDB e ele como um dos lideres do PT local, mas sempre me acompanhava e dizia a todos os membros da comunidade que estavam na assembleia: ‘Olha, vocês podem confiar que o Dr. Gediel não vai fazer nenhuma coisa que venha a prejudicá-los e nem está aqui pra fazer política rasteira, ele está aqui como um servidor público para tentar resolver a situação da regularização fundiária nessas áreas’. É muito difícil alguém se despir dos seus interesses políticos partidários, das suas questões locais, e das dispu-

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A ORGANIZAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE BAIRRO

tas partidárias e colocar o interesse dos trabalhadores, o interesse dos movimentos sociais acima dessas questões e isso foi exatamente o que o Edésio sempre fez. Todas as vezes que eu precisava dele em determinada área, eu ligava: ‘Edésio, estou indo lá domingo. Você pode ir lá me acompanhar?’ Ele ia. Isso pra mim é absolutamente inusitado, porque nós estávamos num momento de disputa eleitoral e partidária. Não é fácil alguém conseguir superar isso”.

1981

Ocorre no Brasil o atentado do Riocentro, um dos episódios que marcam a decadência da ditadura. A ideia era realizar um ataque a bomba no Pavilhão Riocentro, na noite de 30 de abril, durante show comemorativo do Dia do Trabalhador. Entretanto, uma das bombas explodiu dentro do carro em que estavam o sargento Guilherme Pereira do Rosário, que acabou morrendo, e o capitão Wilson Dias Machado, que ficou gravemente ferido.

Edésio fala no II Encontro de Movimentos Populares de Curitiba e Região Metropolitana em 1992, que contou com a presença de Luiza Erundina, então prefeita de São Paulo

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HISTÓRIAS

TODOS IGUAIS E CUMPRINDO AS MESMAS FUNÇÕES VOCÊ É DOUTOR NAQUILO QUE FAZ

O escritório de advocacia tinha a participação de duas mulheres: Clair e Miriam, mas isto não fazia a menor diferença, segundo

O sindicalista David Pereira Vasconce-

Miriam Gonçalves. “Éramos todos iguais;

los encontrou Edésio pela primeira vez em

fazendo e cumprindo as mesmas funções”.

uma reunião de associações de moradores

Ela lembra que durante uma reunião no final

em 15 de abril de 1978. “Era uma reunião da

de semana, tocou o telefone de Edésio. Era

Associação de Moradores da Vila São Carlos

de um associação de moradores que o estava

que estava ameaçada de despejo pelo prefeito

chamando porque a polícia havia cercado a

Jaime Lerner e fomos para lá em várias asso-

sede pra retirá-los dali. “Ele olhou pra mim

ciações, entre elas, a da minha comunidade

e disse: ‘Miriam, vai!’ (risos). Era um susto

estava presente com cerca de cem pessoas.

porque eu nem sabia onde ficava o bairro,

Lembro que ele me disse ‘não precisa me

e eu ia sozinha, não tinha ninguém para ir

chamar de doutor’ e me perguntou o que eu

junto. Mas imagina se eu ousava reclamar

fazia — eu disse que era carpinteiro. Ele per-

ou discordar de uma decisão ou orientação

guntou o que eu utilizava para ser carpin-

dele”. Em sua avaliação, isto foi essencial

teiro e eu disse que era enxada, X, Y, Z e ele

para consolidar seu perfil político e profis-

respondeu ‘então, se você me der isso tudo na

sional. “Neste episódio em específico, se a

mão eu não vou saber nada, então você tam-

imprensa não tivesse chegado, nós teríamos

bém é doutor naquilo que você faz’”.

apanhado muito da polícia”.


HISTÓRIAS

CHEGOU A CAVALARIA, CHEGOU O SUPER HERÓI Miriam Gonçalves lembra de um episódio em que Ângelo Vanhoni era candidato a vereador e era proibida a colagem de cartazes em Curitiba. “Fazíamos isso de madrugada. Era o que dava pra fazer. O próprio Ângelo ia ajudar, dirigia um fusquinha, levava duas pessoas e tal. Uma vez, a Polícia Federal os surpreendeu e prendeu o Vanhoni e mais duas ou três pessoas que estavam com ele. Recebi o telefonema e fui pra delegacia”. Miriam ainda era muito jovem e o delegado de polícia era uma fera, bastante agressivo na maneira de tratar as pessoas. “Me lembro que era uma mesa, não tinha cadeira pra quem estava conversando com ele. Só a cadeira dele. Ele abusava da ironia e nos tratava muito mal. Estava difícil fazer essa liberação. De repente aparece o Edésio. Chegou a cavalaria, chegou o super herói!”. Miriam conta rindo a sensação de alívio com a chegada do companheiro. “Aí ele chegou, foi lá, enfrentou o delegado. Tratou de igual pra igual e quando nós vimos, estava todo mundo solto. Muito legal isso”, lembra rindo.


“Edésio fez com que muita jurisprudência fosse alterada em favor da dignidade do trabalho humano” Wanda Santi Cardoso da Silva


A CONTRUÇÃO DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ

A CONSTRUÇÃO DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ

Em 1986, Edésio Passos foi candidato a deputado federal constituinte pelo Partido dos Trabalhadores. Na mesma eleição, três advogados do escritório lançaram candidatura a deputado estadual: Wilson Ramos Filho, Luiz Salvador e Clair da Flora Martins. Neste ano, pela primeira vez no Paraná, um candidato do PT foi eleito deputado estadual, o agricultor Pedro Tonelli. De modo que a disposição dos demais candidatos em compor a legenda mínima foi fundamental para que a soma dos votos do PT alcançasse o coeficiente eleitoral necessário. Apesar de não ter sido eleito, Edésio foi essencial na construção da Constituição de 1988. Sobre a década de 80, o advogado analisa que se trata de um momento ímpar para o país, no qual finalmente se derrotou a ditadura militar e em que o povo bra-

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A CONTRUÇÃO DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ

1988

sileiro desencadeou parte de seu processo de afirmação política. “Durante todo o processo da ditadura, o povo brasileiro vem em uma construção de afirmação política por vários meios e modos. Se você pegar a história política brasileira, não há história semelhante no mundo. Ou a história é de levantes armados insurrecionais ou é uma história de acertos. Não. No Brasil, o período de ditadura é uma história, ao mesmo tempo, de luta armada — que teve companheiros de grande valor que atuaram,

As negociações para a formação do Mercosul têm início em 1988, com Brasil, Argentina e Paraguai. Em 29 de novembro daquele ano, é assinado o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, entre Brasil e Argentina. A meta era fixar prazos para o estabelecimento de um mercado comum entre os dois países.

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Lula, então deputado federal, em debate na Assembleia Constituinte de 1988


A CONTRUÇÃO DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ

de luta das massas, com o movimento operário e com o movimento intelectual — essencial na construção de uma identidade nacional —, de uma cultura popular. O surgimento dos artistas, de diferentes origens, foi extremamente importante e construiu um país diferente. A Constituição de 1988 é o resultado da somatória destes aspectos que confluem pra se ter um documento democrático e exemplar, talvez um das melhores do mundo”. Na época, a homologação do texto da carta magna não foi plenamente aceita pelo PT, o que hoje Edésio considera que foi uma atitude excessivamente radical. A justificativa é de que o PT não aprovava o mandato de cinco anos de José Sarney, o caráter de transição conservadora instituído pela Constituição, a manutenção do papel das Forças Armadas, a sacralização da propriedade privada e do poder dos monopólios privados. Por outro lado, eram inegáveis os avanços para os trabalhadores e em relação aos direitos civis. A subcomissão do Direito dos Trabalhadores e Servidores Públicos, dentre todas as instituídas durante a Constituinte, foi a única em que a esquerda conseguiu aprovar a maioria de suas propostas e também a que recebeu mais sugestões. Edésio reafirma, hoje, estes avanços. Ele analisa a Constituição apontando que esta “apresenta o artigo dos direitos fundamentais do homem — que é sensacional —, o artigo do direito dos trabalhadores, (...) a constituição dos partidos políticos e toda a questão da institucionalidade de uma democracia tradicional, além dos termos tradicionais da divisão dos poderes, de

160

1989

Estudantes chineses fazem uma série de manifestações no país em 1989. O conhecido Protesto na Praça da Paz Celestial se tornou emblemático por um caso ocorrido em 5 de junho. Um jovem desarmado faz parar uma fileira de tanques, e a foto tirada por Jeff Widener no momento foi parar em diversos jornais do mundo.


A CONTRUÇÃO DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ

dirigir, legislar e de julgar. Então me parece que este processo de construção durante a ditadura na história política do mundo é uma das coisas mais espetaculares que se possa ter. A Constituição de 1988 é um novo caminho. É quando o país entra no processo de democratização que vem até hoje”. É indiscutível que a pressão dos movimentos populares com o empenho por coleta de assinaturas para emendas populares, protestos nas galerias do Congresso, mobilização das associações de moradores e sindicatos, foram essenciais para que a Constituição adquirisse um caráter social. O PT foi decisivo no processo. Apesar de ter uma participação muito pequena no Congresso Constituinte — eram apenas 16 deputados, dentre eles Luiz Inácio Lula da Silva —, a elaboração de um projeto para a Constituição que defendia, entre outros itens, a luta contra o arrocho salarial, a revogação da Lei de Segurança Nacional e da Lei de Greve, a autonomia sindical, a reforma agrária e a convocação imediata das eleições diretas demonstrou a capacidade de organização e consistência do partido.

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A ATUAÇÃO DO DIAP NA CONSTITUINTE

A ATUAÇÃO DO DIAP NA CONSTITUINTE A fundação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) é anterior a Constituinte, de 1988. Sua organização se dá entre os anos de 1981 e 1983, com intuito de dar suporte aos interesses da classe trabalhadora no Congresso. Desde o princípio, como um dos mais respeitados assessores sindicais do país, Edésio Franco Passos fez parte do corpo técnico da entidade. O Diap tanto sistematizou propostas do movimento sindical para a Constituinte quanto realizou a cobertura jornalística do evento, com intuito de dar ampla divulgação. Depois, de forma permanente, preparou documentos para defender propostas favoráveis aos trabalhadores junto aos parlamentares constituintes. Foi o Diap, por exemplo, que apresentou a

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A ATUAÇÃO DO DIAP NA CONSTITUINTE

1988

Chico Mendes, seringueiro, sindicalista e ativista ambiental foi morto em 22 de dezembro de 1988, aos 44 anos. Devido a sua intensa luta pela preservação da Amazônia, foi perseguido e chegou a pedir proteção. Ele foi assassinado em sua própria casa, com tiros de escopeta no peito.

proposta, convertida em Emenda Popular, aprovada pela subcomissão do Direito dos Trabalhadores. Nelton Friedrich, que foi eleito deputado constituinte, destaca a atuação do Diap e de Edésio Passos neste contexto. Para ele, Edésio foi um dos porta-vozes mais atuantes e expressivos dos movimentos sociais e sindicais na Constituinte. Também o Diap foi uma grande voz, que se fez ouvida nas comissões e na elaboração do texto constitucional. Ele descreve a Constituinte como uma das fortes e ricas manifestações da sociedade brasileira. “A Assembleia Constituinte foi um marco em minha vida. Foi um mergulho profundo nas entranhas da nação brasileira com todos os conflitos, as injustiças, as diferenças,

Ulisses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, empunha a Constituição Federal de 1988

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A ATUAÇÃO DO DIAP NA CONSTITUINTE

as divisões absolutamente fortes tanto social, política, quanto regionalmente. Isto fez da Assembleia Nacional Constituinte, ao mesmo tempo, uma espécie de palco de chegada e de encontro destas lutas todas e principalmente porque isso foi possível mesmo com a correlação de forças não apresentando, na época, vantagem para os setores mais progressistas. Mas a grande articulação, a estratégia que foi construída através das forças mais progressistas fez com nós que alcançássemos determinadas conquistas que eram inimagináveis e isto fez com que tivéssemos uma constituição que é acima de tudo cidadã, uma constituição que tem pontos tão positivos que até hoje não foram aplicados em sua integralidade”. Até hoje Edésio Passos faz parte do corpo técnico do Diap.

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1988

Os Jogos Olímpicos de Seul foram realizados entre 17 de setembro e 2 de outubro de 1988. Participaram, ao todo, 159 países da competição. O fato mais marcante foi o escândalo envolvendo o canadense Ben Johnson, que foi pego no exame antidoping e perdeu sua medalha de ouro e o recorde mundial na prova dos 100 metros rasos.

Congresso Nacional em festa com o encerramento da Assembleia Nacional Constituinte de 1988


A SOLIDARIEDADE

A SOLIDARIEDADE

Algumas palavras são recorrentes quando a personalidade em foco é Edésio Franco Passos, independente do período de sua vida. Uma das mais comuns é solidariedade. Laércio Souto Maior lembra que a maioria dos presos políticos na época da Ditadura Militar, depois de ter saído da prisão, não queria se aproximar de um presídio. “Logo após ter passado a fase das torturas, que todos nós sofremos, uns mais e outros menos, veio a chamada fase da legalidade da ditadura e nós tivemos direito a visitas. Fora meus familiares, os dois únicos conhecidos, companheiros nossos que foram nos visitar no Presídio do Ahú, e iam sempre que podiam, foram Edésio Franco Passos e Luiz Salvador. Estavam sempre solidários e Edésio estava em liberdade mas respondia a processo na época. Ele tem grande coragem e sempre estava bem humorado, ia nos levar ânimo”. O advogado Victorio Sorotiuk recebeu o mesmo

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A SOLIDARIEDADE

tipo de solidariedade de Edésio. “Depois que fui preso, e eu estive na prisão durante muitos anos — mais de três —, eu lembro que saí da prisão e eu ia pela Rua XV e tinha pessoas que fugiam de mim ou passavam para o outro lado. Eu não sabia quem visitar. Entre umas dez pessoas com quem eu me relacionava, uma delas que me recebia e eu estive em sua casa, foi o Edésio”. Em outros momentos, com outros amigos, Edésio também mostrou sua coragem e solidariedade. Dirigente na década de 60 do Sindicato dos Bancários e membro do Fórum Sindical de Paranaguá, Vitor Horácio Costa, resgata que ele o representou em uma causa trabalhista contra o Banco do Brasil. “Fui o único funcionário do Banco do Brasil que foi preso e por isso demitido aqui no Paraná. Naquela época era preciso ter muita coragem para defender presos políticos. Havia grandes riscos, quantos foram perseguidos só por causa disso”. Vitor passou por inúmeros percalços perante a Justiça com seu processo, episódios de declinação de competência, morosidade e má vontade perante sua causa. “Apenas quando a ditadura estava um pouco mais moderada, se é que podemos dizer que há ditadura moderada, cheguei ainda a um final feliz. Retornei ao Banco do Brasil em 8 de dezembro de 1985, no Dia da Justiça, por coincidência, e Edésio foi muito fiel comigo, muito solidário, até o final me acompanhou. Sempre esteve atento, colaborou comigo e sou muito grato à pessoa dele. É um homem de muito valor”. Claudio Ribeiro costuma dizer que no campo da militância se desenvolve fortemente o sentimento de solidariedade, “eu

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1985

Dez anos depois de ser proibida pela censura, a novela “Roque Santeiro” finalmente é exibida na Rede Globo. Escrita por Dias Gomes e Aguinaldo Silva, o primeiro capítulo foi ao ar em 24 de junho de 1985. Os papéis centrais ficaram por conta de José Wilker, Lima Duarte, Regina Duarte e Armando Bógus.


A SOLIDARIEDADE

sei que mesmo afastado do Edésio há três ou cinco anos, se um dia eu precisar dele, ele estará ali; e ele também sabe que se ele precisar de mim, estou aqui. E o Edésio é um sujeito absolutamente solidário”. Claudio conta que em 1989, quando estava ajudando na campanha à presidência de Lula, estava voltando de Pato Branco e sofreu um acidente de trânsito. “Apenas tive condições de contatar algumas pessoas. Duas horas depois o Edésio estava lá”.

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HISTÓRIAS

APOIO AO FUTURO MINISTRO José Oreste Dalazen destaca também que a solidariedade de Edésio Passos lhe abriu portas na Câmara dos Deputados antes de sua nomeação como Ministro do TST. “Tive o prazer de decidir muitos litígios trabalhistas em que atuou o Dr. Edésio e sei da combatividade, da seriedade e do empenho com que ele sempre conduziu as causas em favor dos trabalhadores. Como parlamentar, Edésio foi firme e coerente. Quando dele necessitei, sempre tive o apoio necessário. Lembro-me que era candidato ao cargo de Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, e ele, deputado federal pelo PT do Paraná. Como é da sua natureza, com a sua amizade fraterna, franqueou-me o seu gabinete na Câmara dos Deputados, abriu-me as portas junto aos seus colegas, deputados federais, para que todos me prestigiassem, coletou assinaturas e auxiliou para que toda a bancada federal prestigiasse o meu nome. É um homem marcado pela solidariedade e pela coerência; não é um integrante da esquerda raivosa e inconsequente, é um integrante da esquerda progressista, democrática, construtiva e solidária”.


“Edésio é homem de muitas faces: advogado, político, militante de lutas sociais” Ney José de Freitas


Edésio Passos discursa na Câmara dos Deputados

1990

A Guerra do Golfo teve início em 2 de agosto de 1990, quando o Kuwait foi invadido por tropas do Iraque. Saddam Hussein queria controlar os vastos campos de petróleo da região. A comunidade internacional reagiu à situação e a guerra só terminou em 28 de fevereiro do ano seguinte, depois que a liberdade do Kuwait havia sido reconquistada.

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O MANDATO O advogado Luiz Salvador lembra que embora não tenha sido eleito em 1986, quatro anos depois, Edésio Passos tentou novamente uma vaga na Câmara Federal. Desta vez, Edésio foi eleito e cumpriu mandato entre 1990 e 1994. Os outros deputados eleitos pelo PT Paraná foram os sindicalistas Pedro Tonneli e Paulo Bernardo. De acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), neste período a bancada paranaense, composta de 30 deputados, teve renovação superior a 80%, apenas cinco dos 14 deputados que tentaram a reeleição conseguiram. O Diap (1990) fez a seguinte análise da bancada do Paraná eleita para o mandato 1990/1994: “Saída de uma campanha muito disputada, especialmente para os cargos majoritários, a bancada federal do Paraná é muito conservadora. À exceção de cinco deputados — 3 do PT, 1 do PDT e 1 do PSDB — o restante foi eleito com forte poder econômico”. Em Brasília, Edésio integrou a Comis-


O MANDATO

são de Constituição e Justiça e a Comissão de Trabalho e Administração Pública da Câmara. Participou do movimento pelo impeachment de Fernando Collor de Mello. Também relatou o processo que eliminou um dos deputados federais corruptos no escândalo dos “Anões do Orçamento” e foi coautor da Lei 8906/94 - Estatuto da Advocacia e da OAB. “O Edésio sempre teve uma postura de, no sentido de ser contra corrupção, fazer com que as bandeiras do partido relacionadas à construção de uma nova sociedade de inclusão social tivessem efetividade. Em seus quatro anos de mandato, o Edésio trabalhou nessa vertente. Ele foi um grande articulador político, se relacionava bem com todos os setores e partidos, sempre

Deputado Edésio ao lado de Paulo Bernardo, em manifestação em Brasília do movimento “Fora Collor”

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1990

Em 1990, é implantado no Brasil o Plano Collor, um conjunto de reformas econômicas e iniciativas que acabaram trazendo grandes problemas e gerando revolta na população. Encabeçada pela ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, a primeira fase do plano foi marcada pelo “congelamento” de contas correntes e cadernetas de poupança.


O MANDATO

no sentido de fazer com que as propostas relacionadas com um ideário de melhoria, progresso, transformação da sociedade e de uma postura favorável aos cidadãos fossem efetivas”, destaca Luiz Salvador, que assessorou Edésio em Brasília durante o mandato. Como deputado, em 1992, ao realizar seus discursos, Edésio fazia questão de convocar a mobilização popular e os movi-

Edésio no palanque com Lula, em São João do Triunfo, no ano de 1992

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O MANDATO

mentos populares e sindicais contra as arbitrariedades da política. Também registrava o apoio de associações, movimentos e entidades e as manifestações contra a corrupção e favoráveis ao impeachment do então presidente Collor. Em seu ponto de vista, embora fosse possível compreender a não eleição de Lula em 1989, devido a um cenário de restrições e discriminações, Collor ter sido eleito na primeira eleição direta após o período de Ditadura Militar foi um choque. Por outro lado, a reação popular ao esquema de corrupção estava sendo exemplar e demonstrava consciência popular. Ele era taxativo: “entendo que é fundamental organizarmos neste país uma grande caminhada em direção à Brasília, uma greve geral em todo o país, exigindo

Edésio pronuncia voto favorável ao impeachment do presidente Collor e encerra declarando “sem medo de ser feliz!”

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O MANDATO

1990

Nelson Mandela, cuja imagem era fortemente associada à oposição ao apartheid, estava preso desde 1962 e foi finalmente libertado em 1990. Graças à campanha do Congresso Nacional Africano e à pressão internacional, ele alcançou a liberdade em 11 de fevereiro. No mesmo ano, Mandela recebeu o Prêmio Internacional AlGaddafi de Direitos Humanos.

a retirada de Collor da Presidência da República pois agora não há mais desculpas”, afirmou no Congresso Nacional em agosto de 1992. Dois anos depois, em 30 de novembro de 1994, Edésio também em discurso no parlamento afirmou: “Em 1989, a grande tragédia se chamou Collor de Mello. Mas o chefe da quadrilha teve pouco fôlego e não chegou ao fim de seu mandato, expulso do templo pelas multidões dos caras pintadas”. No caso dos “Anões do Orçamento”, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) descobriu um esquema envolvendo deputados federais que recebiam propinas de três origens: dos prefeitos

José Maria Tardin (primeiro prefeito do PT/PR, em São João do Triunfo), Edésio e Lula no Paraná em 16 de fevereiro de 1992

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O MANDATO

para que os parlamentares incluíssem obras no Orçamento ou conseguissem liberação de verbas; das empreiteiras, para inclusão de obras ou liberação de recursos junto aos ministérios; ou ainda com a aprovação de subvenções sociais dos ministérios para entidades “fantasmas” registradas no Conselho Nacional do Serviço Social, controladas pelos próprios parlamentares, que serviam para financiar campanhas políticas. Para lavar o dinheiro, o então deputado João Alves jogava na loteria. Ele renunciou, mas outros seis deputados foram cassados: Ibsen Pinheiro (RS), Carlos Benevides (CE), Fábio Raunheitti (RJ), Feres Nader (suplente, RJ), Raquel Cândido (RO) e José Geraldo Ribeiro (MG).

Edésio debate em atividade do movimento “Fora Collor” no plenarinho da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná

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1990

A Copa do Mundo de 1990 foi realizada entre 8 de junho e 8 de julho, na Itália. 24 seleções participaram da competição, sendo três estreantes: Costa Rica, Emirados Árabes e Irlanda. O Brasil caiu nas oitavas-definal, perdendo para a Argentina, por 1 a 0. Quem levantou a taça foi a Alemanha, que acabou vencendo os argentinos por 1 a 0.


O MANDATO

1994

O Grande Prêmio de San Marino de 1994 foi responsável por um dos momentos mais trágicos do automobilismo. Em 1.º de maio, Ayrton Senna se envolveu em um grave acidente, atingindo o muro a 210 km/h. O piloto foi levado de helicóptero ao Hospital Maggiore, perto de Bolonha, mas sua morte foi anunciada no mesmo dia.

Sobre este episódio, Edésio Passos defendeu, em abril de 1994, após a cassação de Benevides — da qual foi relator, e Nader, que a ratificação do Plenário da Câmara do parecer emitido pela Comissão de Constituição e Justiça, que implicou na perda de mandato dos deputados, mostrava a seriedade com que a Câmara estava apurando os fatos, dando oportunidade de defesa aos deputados e tomando decisões com base em provas. Alguns meses antes da conclusão do parecer, Edésio já tinha sido taxativo: “a melhor conduta de todos os investigados seria que se afastassem dos trabalhos parlamentares. O quadro político atual determina que se enfatize o início das mobilizações populares

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Cartilha “Os justos e os poderosos” lançada pelo mandato Edésio Passos em 1993


O MANDATO

contra a corrupção, a retomada do movimento da ética na política, conjugadas com todas as lutas por melhores condições de vida, trabalho e salário”. Para Edésio, a pressão do movimento popular era essencial para realizar o acompanhamento da CPI do Orçamento e exigir a apuração e penalização dos envolvidos no esquema de corrupção. Naquele momento, defendia ainda, publicamente, providências mais severas da CPI como a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico de todos os citados. A defesa dos interesses dos trabalhadores também era uma constante. Prestes a deixar o mandato, em um de seus últimos discursos, Edésio se pronunciou cobrando o reajuste do salário mínimo. “Quero reforçar a posição do meu partido, o Partido dos Trabalhadores, de se votar hoje o salário mínimo, porque na medida que foi definido o aumento salarial do Presidente da República, do Vice-presidente, dos Ministros de Estado, dos Deputados Federais e Senadores, temos de votar também o aumento do salário mínimo. O reajuste de R$ 100 é o mínimo, entretanto, necessário, porque milhões de brasileiros vivem desta remuneração”. Em novembro de 1994, em outro trecho de discurso disponível no site da Câmara dos Deputados, Edésio Passos fez as seguintes considerações sobre seu mandato que encerrava: “Minha atividade parlamentar não foi apenas obra de meu esforço e combatividade, mas da presença constante de milhares de pessoas que contribuíram para a sustentação de uma linha política democrática, na defesa dos interesses de todos os setores explo-

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O MANDATO

1991

Em 1991, Freddie Mercury confirmou os rumores de que estava com AIDS. O músico, líder do Queen, veio a falecer em 24 de novembro daquele ano, em sua casa. O corpo do artista foi cremado e suas cinzas espalhadas nas margens do Lago Genebra, na Suíça.

Material de campanha da candidatura de Edésio a Deputado Federal em 1994

rados e oprimidos. Foi uma legislatura na qual nos defrontamos com as forças retrógradas que mantêm o domínio do aparelho estatal, mas num confronto em que tivemos muitas vitórias. O presidente corrupto foi afastado, deputados corruptos foram cassados, medidas contrárias aos interesses populares e nacionais foram obstruídas. E mesmo sendo minoria, a bancada do PT conseguiu viabilizar decisões legislativas que puderam favorecer a grande maioria do nosso povo. Ter participado deste esforço conjunto durante quatro anos e de um momento histórico ímpar para a nossa nação foi um privilégio. Em especial porque a marca da dignidade foi impressa nas ações políticas como condição exigida pela coletividade. Posicionando-se com firmeza em todos os momentos e sempre nossa conduta foi balizada pelos princípios da democracia e da liberdade”.


HISTÓRIAS

“UMA RECEPTIVIDADE CONTAGIANTE”

“Eram deputados com menos expressão e capacidade”. Os representantes da federação haviam ido algumas vezes para Brasília, sem conseguir um retorno sobre suas dúvidas em relação a determinado

O presidente da Fetraconspar, Geraldo Ranthum,

projeto que incidia sobre os salários. Mesmo acanha-

conta que a primeira vez que viu Edésio Passos, ele es-

dos, resolveram buscar Edésio Passos. “Edésio, você

tava na federação apresentando a candidatura da pro-

não é nosso deputado, não foi eleito por nós, não te

fessora Zélia. Devido às pessoas cercando Edésio e pe-

demos dinheiro, não te demos votos, não fizemos

dindo orientações que foi impossível se aproximar do

nada. Mas estamos aqui pedindo para ti. ‘Martini,

advogado. “Apesar da simplicidade dele, era necessário

que frescura é essa?’. Com aquele jeito simples, ele

praticamente entrar na fila para falar com ele”, comen-

disse que sempre estaria ao nosso lado. O gabinete

ta. A oportunidade surgiu quando Edésio era parlamen-

era pequeno e estávamos em seis de Santa Catarina.

tar entre 1991 e 1992. “Eu havia assistido a um discurso

Ele até estava de saída para o plenário. Mesmo assim

muito convincente dele sobre o salário mínimo. Interes-

entramos, ele nos atendeu, serviu café. Nos recebeu

sante que como advogado trabalhista, eu não consegui

como se fossemos eleitores dele, ou até melhor. O

falar com ele, mas como deputado federal eu falei. Eu

Edésio sempre foi um bom parlamentar”.

lembro que estava passando no corredor do Congresso

A presença de Edésio Passos na Câmara Federal

Nacional e vinha vindo ele e um deputado federal de

não foi importante apenas para manter as portas

Santa Catarina e mais um colega nosso. Nós sentamos

abertas para os trabalhadores, mas também para

e conversamos. Fui no gabinete dele e pra minha sur-

alertá-los sobre como funcionava o jogo político e

presa, ele foi de uma receptividade contagiante. Depois

de como deveriam defender seus interesses junto aos

desta data eu procurei sempre me aconselhar com ele e

parlamentares. João Batista da Silva, do Sindicato

ele nunca se negou a dar uma orientação”.

dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de

Outro que recorda a receptividade de Edésio Pas-

Londrina (Sinttrol), se recorda de uma breve conver-

sos durante o mandato é Idemar Antônio Martini da

sa com Edésio em que ele dizia “João, todos os dias

Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Santa

recebo em meu gabinete três ou quatro telegramas

Catarina. Edésio havia assessorado a federação e sido

de empresários, enquanto apenas recebo uma ou

fundamental no processo em que a oposição chegou a

duas correspondências por mês partindo dos sindi-

direção da entidade anos antes. “Quando ele foi parla-

catos de trabalhadores”. Para o sindicalista, Edésio

mentar em Brasília, foi por quem? Pelo Paraná. Quem

foi um “verdadeiro porta-voz dos trabalhadores”,

éramos nós, de Santa Catarina, para pedir apoio e

essencial no processo de esclarecimento e conscien-

apresentar projeto para ele?”. Martini se recorda que os

tização em relação ao fenômeno do lobby que ocor-

deputados eleitos por seu estado não se identificavam

re no congresso e no qual o grupo empresarial está

com as reivindicações dos trabalhadores na indústria.

muito mais presente e coeso do que os trabalhadores.


UM DIREITO TRANSFORMADOR

UM DIREITO TRANSFORMADOR Luiz Salvador lembra que Edésio tentou a reeleição, mas não logrou sucesso. Exercendo ou não um mandato político, Salvador pontua a coerência do companheiro. “Manteve uma postura em sua vida pessoal e profissional, sempre trabalhando no sentido de ajudar na construção de um ideário de um país melhor para todos, de inclusão social. Colocou sua força e energia na construção desse ideário, coisa que faz até hoje, tanto que tudo que a gente vê, lê nos seus artigose trabalhos tem essa vertente da prevalência do social contra os abusos e discriminações”. O advogado Sandro Lunard destaca que esta retomada profissional, após o mandato como deputado federal, teve duas características fundamentais. Uma relacionada ao momento político que o país vivia, de aprofundamento do neoliberalismo e de ameaça de flexibilização das leis trabalhistas, o que elevava ainda mais a importância do trabalho de assessoria

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UM DIREITO TRANSFORMADOR

sindical realizado por Edésio Passos. A atuação do escritório se concentrava nas categorias dos trabalhadores de construção civil e mobiliário (Fetraconspar) e rodoviários (Fetropar). O outro elemento é pessoal. Edésio retomava a profissão fortalecido por sua experiência na Câmara, ainda mais qualificado em suas análises jurídicas, políticas e técnicas. Operacionalmente, Edésio se concentrou na assessoria jurídica e na produção de artigos para o jornal O Estado do Paraná, em que abordava temas fundamentais para a comunidade jurídica e também as atividades sindicais, construindo uma memória do movimento sindical paranaense. Em seguida, Edésio se lançou em nova candidatura, desta vez ao Senado. Lunard avalia que desde o princípio, a vontade de levar o nome Edésio Passos novamente ao Congresso teve um aspecto bastante positivo: resgatou um grupo de jovens advogados, movimentou uma rede de profissionais do Direito, que tinham um compromisso com o Direito como um elemento transformador da sociedade, trazendo realmente melhorias para a vida das pessoas, a concretude da Constituição e não apenas para a manutenção do status quo.

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HISTÓRIAS

SEM RECEBER UM TOSTÃO Tanto Epitácio Antonio dos Santos (Fetropar) quanto João Batista da Silva (Sinttrol) mencionam que Edésio Passos já advogou para entidades por nada ou muito pouco. “Ele não é um advogado, é um idealista e um parceiro de luta. Já chegou a advogar para nosso sindicato meses a fio, sem receber um tostão,

UMA VIOLÊNCIA EMPRESARIAL

um centavo de salário, honorário ou remuneração”, destaca João. Epitácio se recorda que em determinada

“Quando assumimos o sindicato dos

oportunidade, por volta de 2001, assumiu a presidên-

telefônicos, em 1999, encaramos uma dis-

cia da Federação e foi necessário reduzir em 40% o

pensa massiva de quase 700 trabalhado-

valor pago ao escritório de Edésio Passos pela asses-

res”, conta Sandro Lunard. Todos estavam

soria jurídica prestada à entidade. Era um momento

muito preocupados, pensando em como

em que a Fetropar enfrentava uma delicada situação

agir perante a situação. A empresa estava

financeira. “Procurei o Edésio pra explicar a situação

despedindo devido ao processo de privati-

financeira da federação e que não poderia arcar com

zação da Telepar e Edésio “com sua peculiar

aquele valor. Queria que ele decidisse se continuaria

sapiência, tranquilidade e paciência estava

a nos assessorar. Para minha surpresa, ele falou que

nos orientando e dando diretrizes. Eu era

aceitaria essa redução porque acreditava muito na

recém-formado e estava encarando aquele

nova diretoria e na federação. Ele disse que a Fetropar

desafio tão grande de uma dispensa coletiva

seria uma grande federação. Fiquei emocionado com

e ele calmo, porém, duro e claro nas assem-

a situação, isto demonstrou mais uma vez a questão

bleias. Duro para expor a realidade exis-

de militância, de defesa dos trabalhadores. Mantemos

tente, da violência empresarial perpetrada

esse vínculo até hoje por meio do escritório Passos

contra os trabalhadores, mas tendo muita

e Lunard, já que Edésio está na diretoria da Itaipu”.

cautela nos encaminhamentos que a assem-

Para Epitácio, o diferencial da atuação do advogado

bleia dos trabalhadores daria e também na

Edésio Passos como assessor sindical parte de seu in-

estratégia jurídica de atendimento àqueles

tenso envolvimento com as entidades e com os tra-

trabalhadores. Foi um momento de dureza

balhadores representados, fruto do seu compromisso

e dificuldade para aquela imensidão de fa-

ideológico com a classe. Entretanto não se restringe a

mílias jogadas ao desemprego, e pudemos

este fator. Há o componente político, o bom relacio-

ver a tranquilidade do Edésio em orientar os

namento com o Ministério Público do Trabalho, Jus-

dirigentes e jovens advogados que o acom-

tiça e Tribunal Regional do Trabalho.

panhavam naquela jornada”.


“Edésio conquistou o respeito inclusive daqueles que não compartilham de suas convicções partidárias” Rosemarie Diedrichs Pimpão


O ESFORÇO PARA A VITÓRIA DE 2002

2002

Chico Xavier, famoso médium e um dos mais importantes divulgadores do espiritismo no Brasil, morreu em 30 de junho de 2002. Aos 92 anos de idade, ele sofreu uma parada cardiorrespiratória. Em sua vida, psicografou 451 livros, sendo que 39 foram publicados após a sua morte.

O ESFORÇO PARA A VITÓRIA DE 2002 Em 2002, Edésio Passos se lançou em nova corrida eleitoral, desta vez ao Senado. Após contribuir de maneira decisiva na luta pela ética em dois episódios que marcaram a história política recente do país: o impeachment de Collor e cassação dos anões do orçamento; Edésio tinha como novo desafio envolver-se em nova campanha eleitoral para contribuir para o avanço da democracia, do Partido dos Trabalhadores e para eleição de Lula como presidente. Na época, Edésio justificava sua candidatura, além de ser um momento político decisivo para o PT, com base em sua ampla experiência e no compromisso com a construção de uma sociedade mais igualitária. “No Senado Federal pretendo retomar minha experiência parlamentar, que somada à minha experiência pro-

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O ESFORÇO PARA A VITÓRIA DE 2002

fissional como advogado por 41 anos, poderá ser fundamental nos debates e atividades parlamentares na defesa dos interesses do país e do Paraná. Além disso, os segmentos sociais organizados dos trabalhadores e dos empresários ligados ao capital produtivo paranaense terão um representante comprometido com suas reivindicações e proposições”. A principal intenção de Edésio no Senado Federal era dar sustentação política e partidária ao governo do PT, fortalecer a representação paranaense no cenário nacional com indicação para organismos federais, ministérios, agências e demais órgãos da administração, apoio a projetos de geração empregos, defesa dos

Edésio abraça Lula em comício na campanha de 2002

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2002

A Copa do Mundo de 2002 foi realizada entre 31 de maio e 30 de junho, no Japão e Coreia do Sul. Foi a primeira vez que dois países dividiram a sede do evento, que também foi o primeiro a não ser disputado na Europa ou América. Na final, o Brasil conquistou o seu quinto título, ao vencer a Alemanha por 2 a 0.


O ESFORÇO PARA A VITÓRIA DE 2002

direitos constitucionais e legais dos trabalhadores, mais recursos para as varas na Justiça do Trabalho, entre outras. Em sua campanha, Edésio angariou o apoio de vários sindicatos dos trabalhadores. Utilizou uma estratégia concentrada no corpo-a-corpo com os eleitores, realizando visitas aos municípios — principalmente aqueles sob administração do PT, participação em encontros, manifestações e comícios, além de ações de distribuição de materiais de campanha nas portas de fábricas, sindicatos e escolas. Edésio também acompanhou as agendas dos candidatos Lula e Padre Roque. Os sindicalistas José Aparecido Faleiros e Epitácio Antonio dos

Dr. Rosinha, Lula, Padre Roque, Edésio e Angelo Vanhoni em comício no 2º turno da campanha em 2002

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O ESFORÇO PARA A VITÓRIA DE 2002

Santos, da categoria dos trabalhadores em transportes rodoviários, participaram da campanha de Edésio ao Senado. “Rodamos o Paraná juntos”, comenta Faleiros. “O sindicato me cedeu para as viagens para o interior. O que me deixou muito feliz foi a receptividade das pessoas, elas reconheciam o trabalho do Dr. Edésio. Não vi ninguém rejeitar sua candidatura”. Epitácio comenta que todo o movimento sindical, especialmente os rodoviários, se empenhou de forma muito incisiva na campanha eleitoral. “Por isto a votação foi tão expressiva. Não foi eleito, mas a diferença foi pequena”. Além disso, Edésio tinha consciência de que participava de um momento ímpar na história do Partido dos Trabalhadores. Ainda em 1994, após Lula ter perdido seu segundo pleito à pre-

Edésio em campanha ao Senado em 2002 com a presença de sua irmã Doroteia, sua filha Ana, seu filho André e de Hélio Bicudo

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2002

O jornalista Tim Lopes desapareceu em 2 de junho de 2002, enquanto realizava uma reportagem no Complexo do Alemão, para mostrar a exploração sexual de adolescentes em bailes funk promovidos por traficantes. Depoimentos indicaram que ele foi morto naquele mesmo dia, após ter sido torturado.


O ESFORÇO PARA A VITÓRIA DE 2002

sidência, Passos realizou a seguinte análise: em 1989, Lula teve 16% dos votos no primeiro turno, em 1994 foram 27%. Edésio pontuou também o aumento da bancada do PT no Congresso e a consolidação do PT, naquele ano (1994), como quarta força política do país, atrás de PMDB, PSDB e PFL. Ele concluía que se tratava de um avanço significativo. Em 1998, Lula alcançaria 32% dos votos no primeiro turno e em 2002, 46%. O advogado viu, não apenas acompanhou, como projetou e vivenciou passo a passo, a chegada do Partido dos Trabalhadores ao governo do Brasil. Em 2002, ele afirmava para o jornal Gazeta do Povo: “O poder é o grande teste para qualquer partido. Ou se consolida ou se destrói. Acredito que o PT vai se consolidar” Apesar dos quase um milhão de votos (958.874), o que significou 10,38% dos votos, e o quarto lugar na eleição, Edésio não se elegeu ao Senado Federal, o que não foi motivo para sentimento de derrota por diversos fatores. O primeiro fator foi a resposta dada nas urnas em relação a campanha eleitoral. Em agosto, Passos tinha 1% das intenções de voto, em outubro já eram 9%. O outro candidato do PT, Flávio Arns, no mesmo período foi de 2% para 22% de intenções de voto. Detalhe: disputava diretamente com um dos mais tradicionais nomes da política do Paraná. Portanto, além da expressiva votação conquistada por Edésio Passos e a eleição do outro candidato do PT que concorria ao Senado, a ida de Lula ao segundo turno com reais chances de ser presidente comprovavam o visível crescimento do partido no cenário paranaense e do país.

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Edésio em seu trabalho na Itaipu

2003

Luiz Inácio Lula da Silva assume a Presidência do Brasil em 1.º de janeiro de 2003, após ter derrotado o candidato do PSDB, José Serra, no segundo turno, com 61,27% dos votos. Lula conseguiu a maioria dos votos em 25 estados do Brasil, mais o Distrito Federal, sendo que Serra obteve maior votação apenas em Alagoas.

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UM AGREGADOR NA ITAIPU A amizade e o respeito entre Luiz Inácio Lula da Silva e Edésio Passos se originou da intensa convivência da campanha eleitoral de 1982, em que Edésio pleiteava o governo do Paraná e Lula o de São Paulo. Com o forte envolvimento de Edésio na criação e consolidação do PT no estado, o envolvimento apenas se intensificou. Era comum que Lula e outros dirigentes do partido se hospedassem na casa de Edésio Passos quando estavam no Paraná. Na análise de Edésio Passos, a eleição de Lula à presidência vinha se desenhando e determinou não apenas um cenário de estabilidade econômica e política, como uma visão diferenciada do país no exterior. Em 2003, Edésio Passos e Jorge Samek foram convocados pelo presidente Lula para compor a equipe administrativa da Itaipu Binacional. Samek conta que o convite para que Edésio compusesse o Conselho de Administração considerou a competência e também o fato de que o advogado sempre esteve ao


UM AGREGADOR NA ITAIPU

lado do Partido dos Trabalhadores. “Fomos conversar com o Dr. Edésio e ele com aquele jeito dele estava negando. ‘Eu tenho muito que fazer, meu escritório, meus clientes e os sindicatos’, ‘Dr. Edésio, está na hora de também dar sua colaboração para o conjunto do país. As suas ideias, o seu trabalho são essenciais e temos uma grande relação a ser feita com nosso próprio sindicato lá da Itaipu, os vários sindicatos que compõem esta relação. É importante sua presença, sua experiência, seu acúmulo’. Com isso, conseguimos fazer com que o Edésio aceitasse vir a compor o Conselho de Administração e assim foi por aproximadamente dois anos e meio”. Em seguida, novo convite. Desta vez, para a diretoria de administração da empresa. Samek relata que o nome de Edésio foi uma unanimidade. “Ele é um agregador, fez uma revolução do ponto de vista da atuação capital e trabalho, das relações de trabalho, criou um ambiente extraordinário interno na empresa. Este trabalho fantástico realizado com nossos sócios irmãos paraguaios, tudo isto tem a marca digital, a impressão digital, a presença do Edésio Passos”. Com bom humor, Edésio lembra que teve que prestar contas por ter “mudado de lado”. Para alguém que sempre procurou “expressar em sua atividade profissional o que pensa da vida” e foi reconhecido por fazer advocacia para trabalhadores e para sindicatos dos trabalhadores, assumir uma posição de gestor em uma importante empresa como a Itaipu poderia ser uma contradição. “Tomei uma decisão importante que foi

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UM AGREGADOR NA ITAIPU

2003

Gilberto Gil foi nomeado Ministro da Cultura por Lula, em janeiro de 2003, e ficou no cargo até 30 de julho de 2008. Em setembro daquele ano, realizou um concerto na sede da ONU, no qual Kofi Annan tocou bongo, em homenagem aos mortos no Iraque. Ainda em 2003, o cantor recebeu o prêmio Grammy Latino de Personalidade do Ano, em Miami.

de aceitar ser diretor da Itaipu. Ao aceitar eu tenho poderes de mando sobre os trabalhadores, ainda mais como diretor administrativo. Quando eu entrei na Itaipu, eu liguei para o presidente do principal sindicato, que é amigo meu e tinha sido meu cabo eleitoral durante várias oportunidades e era filiado ao PT. Liguei dizendo que estava tomando posse e que estava à disposição, evidentemente ele não poderia deixar de dizer o que disse. ‘Ah, quer dizer que trocou de lado, né?’ Ele tinha que dizer isso, ele não podia perder a chance de falar isto. Eu respondi: ‘aqui represento o povo brasileiro, portanto cuide-se’. Ou seja, estou a serviço de um governo popular, que quer honrar a classe trabalhadora. Tenho feito uma política de favorecer os interesses do povo brasileiro. Uma política que beneficie os trabalhadores da empresa, então estou com a consciência absolutamente tranquila”. A atuação de Edésio Passos na Itaipu, de certo ponto de vista, fecha um ciclo. Edésio trabalhou de forma decisiva e pesadamente na construção do Partido dos Trabalhadores, sem deixar de lado sua atuação como advogado trabalhista, perante o Poder Judiciário. Depois, contribuiu como parlamentar, exercendo seu mandato no Poder Legislativo como deputado federal. E hoje, está no Executivo, na administração de Itaipu. “A Itaipu tem esta possibilidade enorme de colocar em prática uma série de questões que foram a razão da constituição do partido”, analisa Jorge Samek. Ele resgata que os primeiros documentos da formação do partido falavam de democracia, par-

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UM AGREGADOR NA ITAIPU

ticipação, distribuição de renda, oportunidades para todas as pessoas, trabalho focado na educação, na saúde, no cuidado com os mais idosos e com as crianças. “Hoje temos a oportunidade de operar isto, de sair das ideias e propostas para ir para execução. E o Edésio traz consigo toda esta bagagem e conhecimento, que tanto facilita o trabalho que realizamos. Sua experiência acumulada ao longo da vida o faz esta pessoa de uma visão tão larga, que sabe fazer as análises, uma leitura precisa por onde devemos caminhar, como caminhar, com quem caminhar e sempre de forma justa, fraterna e igualitária”.

2003

Em 20 de março de 2003 foi iniciada a invasão do Iraque, por uma aliança conhecida como Coalizão, formada por Estados Unidos, Reino Unido e outras nações. Com o pretexto inicial de achar armas de destruição em massa, o presidente dos EUA, George W. Bush, depois muda de discurso e afirma que a atitude é em prol da libertação dos países e a promoção da democracia e da paz.

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A PRODUÇÃO INTELECTUAL

A PRODUÇÃO INTELECTUAL Edésio Passos continua escrevendo — embora diga que se dedica mais a projetos de livros do que aos livros propriamente ditos. Segundo ele, escrever exige muito tempo, e com a militância e tantas outras atividades que desenvolveu ao longo da vida, a escrita ficou em segundo plano. A sua produção como jornalista, voltada para a cobertura do cotidiano, foi intensa entre 1957 e 1965, somada à produção de artigos sobre o combativo teatro brasileiro desta época. De 1965 até 1979, a produção foi escassa, voltando a ser intensa na retomada da profissão, com artigos jurídicos e publicação de oito livros, principalmente sobre o Direito do Trabalho e Sindical. São eles: Decreto-Lei 2065. Análise da Nova Legislação Salarial; Novos direitos constitucionais dos trabalhadores: a Constituição de

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A PRODUÇÃO INTELECTUAL

1988; A Greve em serviços essenciais e os direitos da população; Mercosul: integração latino-americana e os trabalhadores; Sindicalismo: do confronto à participação; A proteção jurídica do trabalhador; e Relações do Trabalho & Transformação social e Impactos da Globalização. Entre 1997 e 2008, também escreveu todos os domingos, sobre política e sindicalismo, para o jornal O Estado do Paraná. Advogados como Ricardo Bruel — do Ministério Público do Trabalho — e José Affonso Dallegrave Neto, e o sindicalista Geraldo Ranthum se diziam leitores assíduos da coluna. “Pessoalmente sinto falta da coluna “Direito e Justiça” que ele mantinha no jornal O Estado do Paraná, que tratava de questões trabalhistas com bastante profundidade e com um cunho também jornalístico. Acho que também nesse aspecto o Dr. Edésio deu grande contribuição à comunidade jurídica aqui do Paraná”, afirma Bruel. Para a desembargadora Rosemarie Diedrichs Pimpão, atual presidente do TRT-9, Edésio “é um produtor científico referencial, com publicações doutrinárias e artigos em jornais de grande circulação, mas para ele nem é preciso, pois basta a referência em seu nome que todos já sabem que vem de uma fonte segura e fértil”.

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2008

Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos em 4 de novembro de 2008. Com 69,4 milhões de votos, se tornou o segundo presidente mais votado do mundo, e o primeiro dos EUA. Além disso, entrou para a história por ser o primeiro negro a ocupar a Casa Branca.


“Edésio é exemplo de doação ao próximo e preocupação com o interesse de uma coletividade” Jefferson Calaça


ORGANIZAÇÃO DE ENTIDADES ASSOCIATIVAS DE ADVOGADOS

ORGANIZAÇÃO DE ENTIDADES ASSOCIATIVAS DE ADVOGADOS

O compromisso de Edésio Passos com a organização de entidades sindicais não se limitou as categorias para as quais prestou serviço, ou para os jornalistas — da qual participou na década de 50. Edésio também contribuiu para a consolidação do sindicato e da Associação dos Advogados. O companheiro Luiz Salvador participou ativamente destes dois processos e conta como foi a criação destas estruturas. “Edésio sempre esteve envolvido na organização e mobilização dos trabalhadores em uma perspectiva de transformação. Assim ele criou no Paraná o Sindicato dos Advogados e foi seu primeiro presidente, além de ser um dos fundadores

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ORGANIZAÇÃO DE ENTIDADES ASSOCIATIVAS DE ADVOGADOS

da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado do Paraná e também de Santa Catarina”. José Lúcio Glomb, presidente da OAB Paraná, destaca que naquela época existiam poucas faculdades de Direito em Curitiba, portanto “tínhamos uma roda de poucos advogados, muito diferente de hoje em que temos mais de 90 faculdades no estado do Paraná. Na época a situação era muito mais restrita, nós tínhamos menos pessoas, menos advogados e nos conhecíamos de forma mais próxima. Não é à toa que fizemos aqui, juntos a Associação dos Advogados Trabalhistas, fundada no

Edésio no XV Congresso Nacional de Advogados Trabalhistas em Gramado/RS, de 27 a 30 de outubro de 1992

O início de uma era: I Encontro Nacional de Advogados Trabalhistas, de 5 a 7 de julho de 1978 no Rio Grande do Sul

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ORGANIZAÇÃO DE ENTIDADES ASSOCIATIVAS DE ADVOGADOS

auditório do Sindicato dos Metalúrgicos, do qual o Edésio era o advogado, nas imediações da Avenida Iguaçu. Naquela época a associação era do Paraná e de Santa Catarina porque o nosso tribunal também tinha esta jurisdição”, lembra. Os pioneiros do escritório também participaram do processo de incentivar a criação de associações de advogados trabalhistas em outros estados, e em uma reunião nacional, realizada em Porto Alegre, foi plantada a ideia da criação da Abrat — Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas. “A perspectiva era de que a Abrat se transformasse em uma ferramenta que ajudasse nesse ideário de melhoria das relações entre o ca-

Em debate no III Encontro Nacional de Advogados Trabalhistas, de 20 a 24 de outubro de 1980 em Salvador/BA

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ORGANIZAÇÃO DE ENTIDADES ASSOCIATIVAS DE ADVOGADOS

pital e o trabalho, do Direito do Trabalho como direito protetor, porque sabidamente existe uma desigualdade entre o trabalho e o capital”, destaca Luiz Salvador. O atual presidente da Abrat, o advogado Jeferson Calaça, destaca que a entidade deve muito a Edésio por “sua atuação destacada na organização da entidade, por estar conosco em nossas lutas e bandeiras”.

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Edésio expõe sua opinião no I Encontro Nacional de Advogados Trabalhistas


HISTÓRIAS

ETERNOS ADVERSÁRIOS Carlos Roberto Ribas Santiago e Edésio Passos formaram uma dupla, porém atuando em lados opostos. Enquanto Santiago defendia os empresários, Passos sempre esteve ao lado dos trabalhadores. Uma divergência profissional que não os afastou, ao contrário, consolidou uma admiração profissional. Os advogados dividem momentos históricos como a participação na criação do TRT-9, da Associação dos Advogados Trabalhistas e a Abrat. Sem ser modesto, Santiago afirma: “Para se ter uma relação com seu adversário, como nós tivemos, é preciso alguns predicados: ter conhecimento, respeito, dignidade e seriedade. São condições que levam a um relacionamento, ainda que em lados opostos, com absoluto sucesso, com chance de que esse relacionamento sirva como meio e instrumento para resolver aquele litígio que a gente está debatendo. O Edésio foi sempre isso, um adversário absolutamente leal, mais do que leal, um adversário doce de se tratar, um adversário que sempre correspondeu as expectativas de todas as pessoas. Quando o Edésio dizia A, era A, quando o Edésio dizia sim, era sim, quando dizia não, era não, e essa também foi uma lição que aprendi com ele. Na verdade, é um momento que a gente tem que dizer sim ou não, e isso precisa ser um momento tão importante que a outra parte entenda que é sim e não, ou seja, estabelece nessa relação uma credibilidade tal que as palavras são absolutamente verdadeiras, elas não dizem nada mais do que elas próprias querem revelar”.


“Edésio fez nascer uma geração de novos advogados comprometidos com a construção de um mundo livre” Cezar Britto


UM AMIGO DO TRIBUNAL

UM AMIGO DO TRIBUNAL O mesmo homem que nunca se furtou a ouvir o problema e prestar auxílio a um trabalhador, manteve seu gabinete e seus contatos a serviço do Tribunal do Trabalho da 9.° região. O desembargador Ney José Freitas esclarece que todos os parlamentares estabelecem uma relação com o tribunal, mas obviamente, que esta relação com Edésio sempre foi mais simples e direta, já que ele tinha uma vasta experiência no exercício da advocacia trabalhista, o que fazia com que conhecesse as demandas do tribunal. O desembargador, porém, evidencia que Edésio embora tenha sido um companheiro extremamente útil no que o tribunal precisou, nunca perdeu sua combatividade, independência e condição de advogado, portando-se verdadeiramente como um amigo do tribunal. “É o tipo do advogado que faz exatamente a diferença entre prestar uma espécie de apoio, sem perder sua condição de advogado. São advogados amigos do tribunal e não são amigos eventualmente, porque querem qualquer tipo de

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UM AMIGO DO TRIBUNAL

interesse. Não, são amigos porque veem no tribunal uma instituição que presta justiça à classe dos empregadores e dos trabalhadores, portanto um auxílio completamente desvinculado de qualquer interesse profissional. É isto que o grande advogado faz, exerce um papel não só de advogado nas causas de seus clientes, mas também um advogado com compromisso social”. O mesmo se aplica ao servidores do tribunal. Célia Cezar Vaz da Silva, do Sindicato dos Servidores da Justiça do Trabalho (Sinjutra) e que foi servidora do TRT-9, destaca que Edésio é um profissional reconhecido por sua integridade e elegância no trato com os servidores. Sempre foi respeitado, elogiado e reconhecido pela defesa empreendida no direito dos trabalhadores. Ainda hoje ele continua apoiando os servidores do TRT, utilizando seus contatos políticos em prol das reivindicações do Sinjutra.

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“Edésio tem o principal diploma que um ser humano pode levar da face dessa Terra: que é o da coerência” Luiz Edson Fachin


UMA FIGURA EXPONENCIAL NA ADVOCACIA TRABALHISTA

UMA FIGURA EXPONENCIAL NA ADVOCACIA TRABALHISTA Ao descrever o colega de profissão Edésio Passos, desembargadores, servidores do TRT e advogados trabalhistas destacam a combatividade — sem perder a gentileza, a coerência, qualidade técnica do trabalho e a capacidade de negociação como algumas de suas características mais determinantes. O desembargador Luiz Eduardo Gunther vai um pouco mais longe. Ele compara Edésio Passos a um professor informal, diante de sua preocupação em disseminar informações, ouvir as pessoas e orientar os trabalhadores, coletiva ou individualmente, sobre quais direitos tinham e como buscar estes direitos. Apesar desta atuação incisiva, diante de trabalhadores, colegas advo-

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UMA FIGURA EXPONENCIAL NA ADVOCACIA TRABALHISTA

gados ou magistrados, Edésio mantinha um comportamento discreto, ético e firme. “Juízes e advogados, todos o respeitam exatamente por causa dessa circunstância de ele ser um cidadão equilibrado nas suas ponderações, nos seus pedidos e no respeito que ele tem em relação ao outro. Ele é um exemplo, pois tem uma advocacia de princípio, uma advocacia de causa, uma advocacia ideológica, preocupada com o coletivo e em trazer melhoria as condições dos trabalhadores e fazer com que o sindicato tivesse um papel atuante na sociedade”, completa Gunther. O ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Fernando Eizo Ono, se recorda da figura de Edésio especialmente no período em que foi vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho e tinha a incumbência de fazer a instrução dos dissídios coletivos. “Desta época, o que eu tenho de lembrança é que o Dr. Edésio a par de toda uma preparação intelectual para a área trabalhista, era uma pessoa muito talhada para o exercício desta atividade pela sua serenidade e equilíbrio, sem deixar de lutar insistentemente para uma causa que ele sempre acreditou que é a melhoria das condições de trabalho para os brasileiros”. Outra vívida recordação de Fernando Eizo Ono foi a indicação de Edésio Franco Passos para compor o Tribunal Regional do Trabalho, em 2001, a partir da lista de membros da classe dos advogados encaminhada pela OAB. Ono explica que a lista provinha da entidade com seis nomes e no plenário os desembargadores deveriam reduzí-la, a partir de votação secreta,

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UMA FIGURA EXPONENCIAL NA ADVOCACIA TRABALHISTA

para três. “Ele foi incluído nesta lista por votação unânime, todos os magistrados presentes naquela sessão indicaram seu nome, o que acredito que nos registros históricos da 9.ª região não temos precedentes. Isto é extraordinário, mesmo para um candidato bem quisto, e mostra como o Dr. Edésio é respeitado e admirado como militante da advocacia trabalhista. Ele estava presente no plenário e no término da votação eu o cumprimentei, o parabenizei duplamente pela unanimidade”. A Presidência da República, então ocupada por Fernando Henrique Cardoso, e responsável pela indicação do novo integrante do Tribunal, nomeou Sérgio Murilo Rodrigues Lemos para o cargo. Cinco anos depois, o TRT prestou oficialmente uma homenagem a Edésio Passos, por indicação de seus pares, na ocasião em que completou 30 anos. Wanda Santi Cardoso da Silva presidia o Tribunal neste período, entre 2005 e 2007. “O TRT reverencia a importância do Doutor Edésio para o direito do trabalho, que é o nosso material de atuação. Diante das transformações que o mundo do trabalho sofre, muitas vezes deixando o trabalhador em uma posição fragilizada, de perda dos direitos conquistados, temos profissionais como Edésio Passos resgatando a situação da classe trabalhadora diante das transformações que ocorrem nesse mundo do trabalho globalizado”, disse. Em determinadas situações, Edésio trazia ao tribunal teses novas, buscando demonstrar que as novas formas de produção do capitalismo estavam trazendo precarização para o trabalho. Eram teses inovadoras, exatamente porque, como

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UMA FIGURA EXPONENCIAL NA ADVOCACIA TRABALHISTA

afirma a atual presidente do TRT-9, desembargadora Rosamarie Pimpão, “todo magistrado aprende com os advogados, assim como os advogados devem também aurir determinadas lições dos magistrados. É um aprendizado recíproco”. Neste sentido, Edésio trazia a realidade vivenciada pelos trabalhadores para dentro do tribunal, para as mesas dos desembargadores. “O Judiciário se movimenta a partir do impulso da advocacia. Cito uma situação em Telêmaco Borba, quando uma empresa terceirizou parte do seu plantio e o Dr. Edésio imediatamente entrou com uma tese arrojada, demonstrando que era uma terceirização irregular e que abolia os direitos dos trabalhadores. Ele impulsionava o Judiciário do Paraná com essas teses novas. E não só o Judiciário do Paraná, porque muitos desses processos foram ao Tribunal Superior do Trabalho”, explica Wanda. “Então, o Dr. Edésio foi um dos atores que fez com que muita jurisprudência fosse alterada em favor da dignidade do trabalho humano, da valorização do trabalhador, da melhoria das condições de vida da classe trabalhadora”. O advogado Luiz Salvador reitera a ilegalidade das terceirizações como uma bandeira defendida por ele, Edésio e outros companheiros que geraram enorme repercussão e um posicionamento do Poder Judiciário. “A polêmica criada em torno do tema fez com que o Tribunal Superior do Trabalho editasse o enunciado 256, depois reformado pelo 331, mas que naquele momento significou grande avanço social pois proibiu as terceirizações em atividades fins da empresa, permitindo apenas

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UMA FIGURA EXPONENCIAL NA ADVOCACIA TRABALHISTA

em condições previstas em lei, como vigilância e limpeza. No mais, o vínculo empregatício se formava com a empresa tomadora e o cliente”.

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O MESTRE DO DIREITO COLETIVO NO PARANÁ

O MESTRE DO DIREITO COLETIVO NO PARANÁ Nas mãos de Edésio Passos, o dissídio coletivo se tornou um instrumento de resistência da classe trabalhadora, uma forma de avançar em suas reivindicações, mesmo em um cenário econômico ou político adverso. Tanto Wanda Santi Cardoso da Silva como Rosamarie Pimpão e Ricardo Bruel reconhecem em Edésio um pioneirismo em relação ao Direito Coletivo. Todos afirmam que em relação a esta temática, o advogado é um mestre e sábio orientador, com muito mérito em relação a evolução das negociações coletivas. O advogado Cezar Britto, presidente da OAB nacional entre 2007 e 2010, enfatiza que “como forma de afastar o livre-pensador do apontado conflito capital-trabalho, o Direito do

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O MESTRE DO DIREITO COLETIVO NO PARANÁ

Trabalho, o Direito Sindical, a Justiça do Trabalho, além dos advogados trabalhistas, eram apresentados, pejorativa e respectivamente, como o ‘direito-menor’, o ‘direito subversivo’, a ‘feira’ e os ‘profissionais de porta-de-fábrica’. O Direito Coletivo do Trabalho, como reforço da política de alheamento, sequer consta da grade curricular das instituições de ensino. Este vácuo somente fora preenchido por vários advogados que resolveram integrar as assessorias sindicais. Eles se tornaram os verdadeiros mestres do Direito Coletivo, desmistificaram preconceitos, escreveram novas doutrinas e apontaram rumos para novos advogados. O assessor jurídico sindical Edésio Passos é um desses precursores que ousaram quebrar a lógica da alienação”. Outro que destaca a importância da atuação de Edésio Passos perante o Direito Coletivo é o advogado Euclides Alcides Rocha, que presidiu o TRT-9 entre 1991 e 1994. Para o magistrado, a grande contribuição está na elaboração das pautas de reivindicações junto aos sindicatos, das chamadas convenções coletivas. “A elaboração técnica desse trabalho na base, a sua discussão em assembleias de trabalhadores, e na sequência no processo judicial, é uma enorme contribuição técnica que Edésio Passos nos prestou”. O magistrado explica que ao trazer para o Poder Judiciário um documento adaptado aos anseios e a realidade das categorias “não estamos mais falando de uma roupa feita que deve servir pra todo mundo, que é o caso da Consolidação das Leis de Trabalho. A convenção coletiva é

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O MESTRE DO DIREITO COLETIVO NO PARANÁ

uma roupa sob medida para a categoria, porque os membros da categoria, os trabalhadores e empresários de um determinado ramo de atividade é que conhecem de fato a sua realidade, a realidade do trabalho, as suas necessidade e, portanto, estão habilitadas a melhor construir uma norma que vá servir para reger as relações de trabalho entre elas. Nesse aspecto de direito coletivo do trabalho não só pelo o que escreveu — como eventualmente doutrinador em artigos, em publicações a respeito —, mas principalmente pela profícua atuação que o Dr. Edésio desempenhou na elaboração desses instrumentos voltados ao chamado Direito Coletivo, eu confiro enorme importância ao trabalho do Dr. Edésio”.

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NOVOS RUMOS

NOVOS RUMOS É marcante a contribuição do advogado Edésio Passos em relação a diversas frentes do Direito do Trabalho. Há o aspecto humano, evidenciado nos fortes laços de amizade e de reconhecimento profissional estabelecidos com colegas advogados, servidores e magistrados das diferentes instâncias que acompanharam seu exercício profissional exercendo suas funções nos tribunais. Também existe o aspecto acadêmico, presente no desenvolvimento de peças jurídicas que servem como sustentação e aprendizado para outros colegas, na produção de artigos e reflexões sobre as questões trabalhistas, divulgadas no extinto jornal O Estado do Paraná, em livros ou sites, na participação ativa em eventos e encontros promovidos por estudantes, sindicatos ou entidades associativas. Há a orientação ao trabalhador e aos sindicatos. A presença firme e ao mesmo tempo cativante de quem sempre lutou pela dignidade do trabalhador e melhorias para a categoria, mas

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NOVOS RUMOS

exigia um “plano de voo”, uma estratégia coerente e seriedade nos posicionamentos dos dirigentes sindicais. A mesma postura era adotada perante os movimentos sociais e populares. Também muito do que existe hoje consolidado no Direito do Trabalho, especialmente no Direito Coletivo, é fruto de ideias e ideais que Edésio Passos defendeu ao longo de sua vida, em sua trajetória de advogado militante. Uma atuação que nunca se restringiu ao escritório ou aos tribunais, mas que foi até as ruas, aos bairros e palanques. Formou um partido, chegou até o Congresso Nacional e auxiliou a eleger um líder sindical na presidência por oito anos. A reconhecida força produtiva de Edésio Passos se pauta agora em novos desafios. Com a mesma vivacidade de seus 50 anos de exercício da advocacia e de militância política, Edésio está retomando sua veia artística em paralelo a atividade diretiva na Itaipu Binacional. “Escuta como nasce a aurora” é o livro de quatro contos lançado em 2012 pelo Edésio escritor de ficção. A partir de uma homenagem a Pablo Neruda — a citação de um poema inspira o título e também as ações dos personagens, Edésio exercita uma faceta conhecida pelos mais próximos, mas que apenas se torna pública neste momento. De certa maneira, a obra recupera um pouco do Edésio ator, músico e crítico de arte enquanto, simultaneamente, enfatiza a vivência do tempo de luta e o ideal de transformação social. Um novo cenário, novas páginas que compõem sua trajetó-

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NOVOS RUMOS

ria, sem esquecer os valores de justiça, solidariedade e democracia que sempre o “subjugaram”. Uma submissão no sentido de que, por esta convicção e ideal de construção de uma sociedade mais igualitária, toda sua energia foi e continua destinada para este fim, na arte e na vida.

Capa do livro “Escuta como Nasce a Aurora”, de 2012



ENTREVISTADOS

ANTONIO ALVES DO PRADO FILHO

Cezar Britto

é advogado formado na turma de 1961 pela UFPR; mestre

é advogado de entidades sindicais, movimentos populares

em Direito Civil; foi professor de Direito Civil da UFPR e

e organizações não governamentais; Conselheiro do Con-

desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná; presi-

selho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES;

dente da OAB Seccional Paraná (1985/1987).

presidente da Comissão Nacional de Relações Internacionais da OAB e membro da comissão de juristas nomeada

AYOUB HANNA AYOUB

pelo Senado da República constituída para elaborar pro-

é jornalista, presidente do Sindicato dos Jornalistas Pro-

jeto de novo Código Eleitoral.

fissionais do Norte do Paraná. Clair da Flora Martins CARLOS ROBERTO ANTUNES DOS SANTOS

é advogada, integrou o movimento estudantil em Curiti-

é professor do departamento de História da UFPR, ten-

ba em 1968 e, posteriormente, a organização de esquerda

do sido reitor da instituição (1998/2002); além de secre-

Ação Popular (AP). Foi presidente do Sindicato dos Advo-

tário de Educação Superior do MEC-SESU (2003/2004);

gados do Paraná e Conselheira da OAB Seccional Paraná.

membro do Conselho Nacional de Educação (2003/2004)

Presidente da Abrat (1998/2000), vereadora em Curitiba e

e membro da comissão designada pelo Ministério da Edu-

deputada federal pelo Paraná.

cação para a elaboração do regimento e estatuto da Unila Cláudio Antonio Ribeiro

em 2008.

é advogado trabalhista, fundador do PT e da CUT. DiCARLOS ROBERTO RIBAS SANTIAGO

rigente sindical bancário cassado em 1973. Presidente

é advogado trabalhista representante da classe empresa-

da Associação dos Advogados Trabalhistas do Paraná

rial; presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas

(2001/2005).

do Paraná (1978/1980). Davi Pereira Vasconcelos Célia Cézar Vaz da Silva

é sindicalista e foi vice-presidente da Associação de Mora-

foi funcionária do TRT-PR de 1978 a 1995. Atualmente é

dores Nossa Senhora das Graças (1979/1983); no Sindicato

coordenadora do sindicato dos servidores da justiça do

dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de

trabalho (Sinjutra).

Curitiba e Região Metropolitana (Sintracon) foi vice-pre-

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ENTREVISTADOS

sidente entre 1979 e 1983, presidente entre 1986 e 1989, e

Geraldo Roberto Corrêa Vaz da Silva

atualmente é tesoureiro da entidade.

é advogado trabalhista, foi militante da Ação Popular no período da ditadura; presidente da Associação dos Advo-

Epitácio Antonio dos Santos

gados Trabalhistas do Paraná (1982/1984).

é dirigente rodoviário e presidente da Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Pa-

Jefferson Calaça

raná (Fetropar).

é presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (2010/2012).

Euclides Alcides Rocha é bacharel em Direito pela Universidade de Caxias (1969);

João Orestes Dalazen

professor da PUC/PR e juiz do TRT Paraná (1979/1996).

é advogado; presidente das Juntas de Conciliação e Julgamento de Maringá (1982/1983), Guarapuava (1983/1986) e

Fernando Eizo Ono

4ª de Curitiba (1986/1993), corregedor geral da Justiça do

é bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Lon-

Trabalho (2007/2009), membro nato do Conselho Superior

drina, presidente do TRT Paraná (2003) e ministro do Tri-

da Justiça do Trabalho e presidente do Tribunal Superior

bunal Superior do Trabalho.

do Trabalho (2011/2013).

Geraldo Ramthun

João Batista da Silva

é presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indús-

é presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transpor-

trias da Construção Civil e do Mobiliário do Estado do

tes Rodoviários de Londrina (Sinttrol) e vice-presidente

Paraná (Fetraconspar), secretário de Finanças do Sindi-

da Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviá-

cato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e

rios do Estado do Paraná (Fetropar).

do Mobiliário de União da Vitória (Sticmuva) e 3º vicepresidente nacional da Nova Central Sindical de Traba-

Jorge Miguel Samek

lhadores (NCST).

é diretor-geral brasileiro da Itaipu desde o ano de 2003; foi secretário Municipal de Abastecimento de Curitiba e pre-

220


ENTREVISTADOS

sidente das Centrais de Abastecimento do Paraná – CE-

José Ildefonso Martini

ASA/PR (1986-1988); foi eleito vereador de Curitiba pelo

é presidente da Federação dos Trabalhadores das Indús-

PMDB em 1988, reelegeu-se vereador pelo PT três vezes,

trias do Estado de Santa Catarina (Fetiesc).

entre 1992 e 1998, e deputado federal pelo PT em 2002. Foi presidente estadual do PT e membro do Diretório Nacional

José Lúcio Glomb

do partido (1995/1997).

é bacharel em Direito pela UFPR; presidente do Instituto dos Advogados do Paraná (2009) e presidente da OAB Sec-

José Affonso Dallegrave Neto

cional Paraná (2010/2012).

é doutor em Direito pela UFPR; professor da Faculdade de Direito de Curitiba desde 1988 e professor da Escola da

Laércio Souto Maior

Magistratura Trabalhista do Paraná. Também é autor de

é jornalista, escritor e advogado; idealizador da Universi-

livros e artigos publicados sobre Direito.

dade Popular do Trabalho (UPT), das Brigadas do Trabalho e do Arquivo Manoel Jacinto Correia - Centro de Pesquisa

José Antonio Peres Gediel

e Documentação Social, da Secretaria do Trabalho, Em-

é procurador do estado do Paraná; professor titular de Di-

prego e Economia Solidária do Paraná. Autor dos livros

reito Civil da Faculdade de Direito da UFPR e coordena-

Luiz Carlos Prestes na Poesia e São os Nordestinos uma

dor do Programa de Pós-graduação em Direito da UFPR

Minoria Racial?, dentre outros.

(2009/2012). Luiz Edson Fachin José Aparecido Faleiros

é professor da Faculdade de Direito da UFPR; pós-doutor

é sindicalista rodoviário; vice-presidente do Sindicato

no Canadá pela Faculty Research Program in Brazil, Mi-

dos Trabalhadores Rodoviários de Londrina (Sinttrol) e

nistério das Relações Exteriores do Canadá; integrou a co-

secretário de Negociações Coletivas e Jurídico da Fede-

missão do Ministério da Justiça sobre a reforma do Poder

ração dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do

Judiciário e atuou como colaborador no Senado Federal na

Estado do Paraná (Fetropar).

elaboração do novo Código Civil Brasileiro.

221


ENTREVISTADOS

Luiz Eduardo Gunther

Iniciou sua vida política em Curitiba, em 1966, como mili-

é doutor em Direito pela UFPR, professor titular da Uni-

tante da Ação Popular (AP).

curitiba e desembargador do Tribunal Regional do TrabaLuiz Salvador

lho do Paraná.

é advogado, presidente da Associação Brasileira de AdLuiz Fernando Coelho

vogados Trabalhistas (Abrat) (2006/2010), presidente da

é bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná

Associacion Latinoamericana de Abogados Laboristas

(turma de 1958-1961) e presidente da Associação Brasilei-

(ALAL) e membro da Comissão de Relações Internacionais

ra de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito - Abrafi,

da OAB Nacional.

desde 2000. Foi assistente jurídico do MEC (1984-1988), procurador da Fazenda Nacional no Paraná (1993-2009) e

Mirian A. Gonçalves

professor da UFPR e PUC-PR.

é assessora jurídica de entidades sindicais, dentre elas o Sindicato dos Bancários de Curitiba; mestre em Direito

Luiz Geraldo Mazza

das Relações Sociais pela UFPR e pós-graduada em Direi-

é jornalista há 60 anos, com experiência em vários os ve-

tos Humanos em Huelva, Espanha.

ículos de Curitiba, membro da Academia Paranaense de Letras na cadeira 20. Atualmente é comentarista na Rádio

Maurício Ramos

CBN e colunista no jornal Folha de Londrina. Foi diretor

é publicitário e fundador da agência Getz Comunicação.

do Sindicato dos Jornalistas na greve de 1963. Nelton Miguel Friedrich Luiz Manfredini

é formado em Direito e especialista em desenvolvimento

é jornalista e escritor, autor de As Moças de Minas e Me-

sustentável; diretor de Coordenação e Meio Ambiente da

mória de Neblina. Dirigente do Partido Comunista do

Itaipu Binacional; presidente da Fundação Alberto Pas-

Brasil (PCdoB) no Paraná, é colunista do portal “Verme-

qualini. Exerceu os cargos de deputado estadual (1979-82)

lho”, membro do conselho editorial da revista Princí-

e deputado federal constituinte (1986-90) e foi secretário

pios e representa no Paraná a Fundação Maurício Grabois.

de estado em Meio Ambiente, Saneamento, Energia, Habi-

222


ENTREVISTADOS

tação Popular e Controle de Erosão (1983/1986).

Desenvolvimento” pela Universidad Pablo de Olavid, em Sevilha na Espanha; diretor presidente do Complexo de

Nestor Malvezzi

Ensino Superior de Santa Catarina – Cesusc e conselheiro

é advogado trabalhista; conselheiro da Ordem dos Advo-

da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

gados do Brasil e conselheiro da Associação Nacional dos Ricardo Bruel da Silveira

Advogados Trabalhistas.

é advogado e membro do Ministério Público do Trabalho Ney José de Freitas

desde 1998, secretário-geral da Associação Nacional dos

é ministro conselheiro do Conselho Nacional de Justiça

Procuradores do Trabalho (2004/2006) e procurador-

- CNJ (2011/2013); professor nos cursos de especialização

chefe da Procuradoria Regional do Trabalho do Paraná

em Direito da PUC-PR, UniCuritiba e outras instituições.

(2009/2013).

Em 1998 recebeu do TST a Ordem do Mérito Judiciário no grau de comendador. Foi diretor da Escola de Adminis-

Ricardo Marcelo Fonseca

tração Judiciária do TRT-PR no biênio 2006/2007 e eleito

é doutor em Direito pela UFPR e diretor do setor de Ciên-

presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região

cias Jurídicas da mesma universidade. Atua nas áreas de

para o biênio 2009/2011.

história do direito, teoria do estado e filosofia do direito.

Olimpio Paulo Filho

Roni Barbosa

atua na área da advocacia desde 1974. É pós-graduado em

formou-se pela Faculdade de Direito de Curitiba em

Docência do Ensino Superior pela Faculdade Dr. Leocádio

2002. É funcionário da Petrobras desde 1994 e atua no

José Correia (2006), e membro efetivo do Instituto dos Ad-

sindicato da categoria, o Sindipetro, onde chegou a

vogados Brasileiros (IAB).

ocupar a presidência, em 2002. Atualmente ocupa a secretaria-geral, acumulada com o cargo de presidente da

Prudente José Silveira Mello

Central Única dos Trabalhadores do Paraná (CUT-PR).

é advogado trabalhista de entidades sindicais de traba-

Também é o secretário sindical do Partido dos Traba-

lhadores desde 1984; doutorando em “Direitos Humanos e

lhadores (PT) no Paraná.

223


ENTREVISTADOS

Rosemarie Diedrichs Pimpão

Wanda Santi Cardoso da Silva

é bacharel em Direito pela UFPR. Desde 1982 está na ma-

trabalhou no TST no gabinete do Ministro Rezende Tuech;

gistratura e é desembargadora do TRT Paraná desde 1996;

ingressou no Ministério Público do Trabalho em 1983, as-

vice-presidente (2009/2011) e presidente (2011/2013) do

sumindo o MPT no Paraná. Foi professora da Faculdade de

TRT Paraná.

Direito de Curitiba (1990/1993); corregedora da 9.ª Região (Paraná) da Justiça do Trabalho (2001/2003); vice-presi-

Sandro Lunard

dente do TRT paranaense (2003/2005) e presidente entre

é advogado trabalhista, sócio-fundador do escritório

2005 e 2007.

Passos & Lunard, membro da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado do Paraná, mestre em Direito Co-

Wilson Ramos Filho

operativo e Cidadania e professor do Núcleo de Práticas

é advogado, doutor em Direito do Trabalho pela UFPR,

Jurídicas da Faculdade de Direito da UFPR.

professor de Direito do Trabalho da UFPR, diretor da Unibrasil; assessor jurídico da CUT/PR e membro do Conselho

ViCTOR HORÁCIO COSTA

Jurídico da CUT Nacional.

foi presidente do Sindicato dos Bancários de Paranaguá e do Fórum Sindical de Paranaguá. Foi o único dirigente

Zélia de Oliveira Passos

sindical demitido no Banco do Brasil no Paraná durante a

foi casada com Edésio de 1962 até 2006. Foi militante da

Ditadura Militar.

Ação Popular de 1967 a 2002. Fez concurso para UFPR e foi demitida da instituição por razões políticas em 1972,

Vitorio Sorotiuk

sendo reintegrada com a anistia aos servidores. Funda-

é professor de Direito Ambiental e Urbanístico da Facul-

dora do PT no Paraná, foi candidata a deputada estadual

dade de Direito Tuiuti e professor de Direito Ambiental no

em 1982, ao Senado em 1986 e a vereadora de Curitiba em

curso de especialização em Direito Ambiental da PUC-

1988. Atuou como vereadora de 1990 a 1992.

-PR. Foi 1.º secretário e vice-presidente do PT no Paraná (1981/84); membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama (1991/1992).

224



Esta obra foi composta em Leitura e Gotham e impressa em ofsete pela Posigraf em papel offset 90 gm para a Banquinho Publicaçþes em 2012.



Este livro faz parte do projeto “Edésio Passos: 50 anos de advocacia”, idealizado e coordenado por André Passos, e que conta também com um documentário, uma exposição fotográfica e um site em homenagem à consagrada carreira do advogado em defesa dos trabalhadores.


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