Colorado A primeira Escola de Samba de Curitiba
Copyright 2009 João Carlos de Freitas Coordenação geral, edição e produção executiva
Teotônio Arruda de Souto Maior Texto
João Carlos de Freitas Pesquisa
João Carlos de Freitas Janaína Moscal Teotônio Arruda de Souto Maior Capa e projeto gráfico
Simon Ducroquet Revisão
Jorge Barbosa Filho Todas as fotos fazem parte do acervo pessoal de Ismael Cordeiro (Maé da Cuíca), exceto as das páginas 37 e 45 (do acervo da Casa da Memória de Curitiba) e as das páginas 91 (em baixo) e 137 (do acervo de Cláudio Ribeiro)
F866
Freitas, João Carlos de, coord. Colorado – a primeira escola de samba de Curitiba/ João Carlos de Freitas -- Curitiba: Edição do autor, 2009. 192 p. : il. ; cm
ISBN: 978-85=910134-0-1 1. Cultura - Curitiba. 2. Carnaval em Curitiba. 3. Escola de Samba Colorado. 4. Negro em Curitiba 5. Maé da Cuíca 6. Samba – Curitiba I. MOSCAL, Janaína II. SOUTO MAIOR, Teotônio Arruda de, coord. geral III. FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA. Projeto: Acabou a Vila Tassi mas não acabou o samba. IV. Título. CDD: 394.25098162
Incentivo
Colorado A primeira Escola de Samba de Curitiba Jo達o Carlos de Freitas
PROJETO
acabou a Vila Tassi mas n達o acabou o samba
Ao Cao (Carlos Eduardo), meu filho querido e companheiro predileto nas rodas de samba, que aprendeu a guardar na alma a paixão pelo Samba. À Márcia, companheira amada, e a seus filhos Raiana, Caetano e Caíque, com amor e carinho. Ao Ney, irmão querido, e companheiro de samba desde nossa infância, com profunda admiração e respeito. À Rose, cunhada muito querida, Leonardo e Elise, estimados sobrinhos, que compõem, todos, a família que pedi a Deus. À Marlise, pela amizade de sempre, e porque é a melhor mãe do mundo para nosso filho Cao. Ao Maé da Cuíca, primeiro grande sambista de Curitiba. Sem ele não existiria a Escola de Samba Colorado; e, na pessoa dele, a todos os sambistas da Escola da Vila Tassi, que deram suor, sangue e, às vezes, a vida, pela primeira Escola de Samba de Curitiba. Ao Mi (Ademir Ramiro dos Santos), caro amigo de infância, com quem tomei muito sereno nas batucadas da vida.
Agradecimentos Ao Professor Dr. Marcos Napolitano, porque esta obra é também fruto de sua segura orientação, na confecção da Monografia apresentada para conclusão da Especialização em Fundamentos da Música Popular Brasileira, da Faculdade de Artes do Paraná, que agora, ampliada, sai editada em livro.
O autor em uma das entrevistas com o mestre Maé da Cuíca
Ao amigo Cláudio Ribeiro, sambista, jornalista, advogado, pesquisador e compositor, integrante por muitos anos da Escola de Samba Colorado, que generosamente colocou-me à disposição um valioso material de pesquisa, inclusive textos de seu livro inédito, que muito me auxiliaram na tarefa, e ao Rafael, pela colaboração na feitura de entrevistas. Ao estimado amigo José Martins, pela inestimável ajuda na formatação gráfica do texto. À Solange, pela colaboração no trabalho de pesquisa, que me foi valiosa na elaboração de um texto o mais preciso possível. Ao jornalista Téo Souto Maior, por associar-se a mim nesta empreitada e ter contribuído, de modo inestimável, para a fixação da memória musical e sonora da Escola de Samba Colorado, ao produzir o valioso CD, que acompanha o livro, com depoimentos e os sambas-enredos da Escola, interpretados por grandes sambistas do passado, e cujas vozes e bateria, podem dar uma idéia, à geração de hoje, do que era essa maravilhosa Escola do mais legítimo Samba jamais produzido em Curitiba.
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Índice Apresentação ............................................ 11 À guisa de esclarecimento ....................... 17 Introdução .................................................... 21
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O negro na sociedade Curitibana .............................................. 25 O Carnaval em Curitiba nos tempos antigos ............................. 39 Escola de samba Colorado 3.1 As origens da Escola ...................... 63 3.2 Os desempenhos da Escola Colorado ...................................... 95 3.3 A batida do samba ........................ 141 Conclusão ................................................. 157 Acabou a Vila Tassi, mas não acabou o samba ................................... 165 Referências bibliográficas ....................181
Da Vila Tassi à Avenida Marechal Dedoro: trajetórias da “ bateria nota dez” entre a memória e o patrimônio imaterial
A memória afetiva de quem ouviu e viu as batidas compassadas e a alegria de negros, mulatos e brancos em plena Avenida Marechal Deodoro, no coração da capital paranaense. Para além da avenida ampla e das cores que enfeitaram as folias de momo que por ali passaram, os ecos de surdos, tamborins, frigideiras e outros instrumentos improvisados fizeram com que João Carlos de Freitas confessasse a paixão antiga através desta pesquisa. Junto a recortes de jornais e revistas, trechos de entrevistas gravadas e conversas 11
impregnadas na lembrança, a vontade de que a “melhor bateria de Escola de Samba de Curitiba” ganhasse seu registro. É a partir deste movimento, que a “cidade que não tem carnaval” (VIACAVA, 2008) traz a público fragmentos dos modos como criou e recriou suas formas de experenciar o ritmo e a festa tidos como símbolos da identidade nacional. A pesquisa de João Carlos de Freitas traz a memória como categoria central, mas não relega a existência da Colorado a algo que já não existe mais, pelo contrário. É nesse remexer das lembranças, nos encontros, nas rodas de samba ou na cerveja do sábado à tarde, que alguns de seus ex-integrantes fazem com que a batida peculiar de sua bateria renasça na memória daqueles que participaram da escola, dos que a viram desfilar e dos que, mesmo sem ter testemunhado seus passos na avenida, ainda sentem o vibrar de sua percussão. A história e parte do patrimônio cultural da Escola de Samba Colorado, estão guardados na memória de Ismael Cordeiro, o Maé da Cuíca, que aos 82 anos ainda mostra porque o toque de seu instrumento – e suas palavras ritmadas – ecoaram até as paragens cariocas, reino das Escolas de Samba (VIANA, 1995). A construção deste reinado, narrada pelo antropólogo Hermano Viana na obra O Mistério do Samba, se fez, principalmen12
te, através do caráter nacionalista dado às escolas durante o Estado Novo. As mediações, como aponta o trabalho de Viana e de outros autores, são neste contexto, pontos chave para a compreensão das identidades nacionais ou locais, como é o caso de Curitiba e sua pretensa inabilidade para o carnaval. Em pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Paraná, Vanessa Viacava traz à tona as relações entre a construção da identidade curitibana e a negação do carnaval. O cenário apresentado pela pesquisadora encontra reforço na memória dos guardiões do samba paranaense, onde “as escolas de samba existem e resistem” (p. 2). O samba, como aponta Viacava, segue quente no asfalto frio1. Deste modo, o contexto apresentado por Freitas traz uma cidade dona de uma unidade cultural tida como europeizada, avessa ao calor e ao suor provocados pelo ritmo tupiniquim. As-
1 Faço referência neste texto à comunicação “Samba quente, asfalta frio: o carnaval curitibano”, apresentado durante a III Semana de Antropologia da Universidade Federal do Paraná. O texto traz as primeiras incursões etnográficas da pesquisadora acerca do tema. Da autora, ainda podem ser encontrados os textos “Em busca de Curitiba perdida: mecanismos de contrução de uma identidade curitibana” e “Carnaval curitibano entre frestas e festas: mediação e políticas públicas” apresentados durante a VII Reunião de Antropologia do Mercosul, realizada em Buenos Aires, em setembro de 2009.
sim, os que não se encaixaram em seu perfil branco permaneceram em suas periferias – com o passar dos anos, cada vez mais afastadas. Essa marginalização, até certo ponto óbvia quando se pensa na história social brasileira, tem peculiaridades contundentes na terra que construiu seu imaginário étnico em torno de imigrantes europeus. Maé, homem de pele clara, toma a frente da bateria nota dez e traz ao centro da cidade sorriso2 o samba cadenciado que, segundo integrantes e admiradores da Escola de Samba, diferenciava-se das outras baterias, inclusive das cariocas. As narrativas aqui apresentadas trazem aspectos outros da cidade sorriso que “não sorriu para o samba” (2007, p. 9). Nessa história, contada através dos trilhos de ferro da antiga Rede Ferroviária, samba e futebol tem encontros e desencontros, traçando a linha de fatos, pessoas e lugares que permaneceram – durante um bom tempo – à margem dos registros oficiais. À margem dos registros, mas muitas vezes ao centro dos acontecimentos sociais da época. A história da Colorado traz à tona as interações entre os diferentes sujeitos que viveram, e ainda vivem, o samba em Curitiba.
Ter integrantes negros, em muitas das conversas e entrevistas realizadas sobre a especificidade do toque da bateria colorada parece ser o segredo revelado da Escola. A ex-passista Maria, moradora da Vila das Torres, em uma conversa sobre as histórias da Colorado, traça o perfil de seus ritmistas “só tinha nego bom! quase não tinha branco”. As relações de parentesco permeiam o discurso sobre a Escola e o modo como moradores e frenquentadores da antiga Vila Tassi e da Vila das Torres viram o samba percorrer suas ruas. Maria fala de Dila e seu irmão, ambos ex-passistas, citando outras pessoas que moraram na Vila e fizeram parte da Colorado: Terezinha (porta-bandeira), Chiquinho, Pê, Julinho, Coco, Paulão (bateria/surdo), Antônio Marcos (conhecido como Nêgo) e outros. Francisca, filha de Maria, também desfilou na Escola, assim como seu irmão Júnior, que era ritmista. Ao chegar, durante a conversa que mantínhamos com sua mãe, Chica, como é conhecida, dispara “vai começar de novo é?”, referindo-se a uma possível volta da Escola de Samba Colorado. Sobre o motivo da conversa e do revirar de lembranças, ela fala com entusiasmo: “eu ia gostar de ver o livro da escola onde eu aprendi!”.
2 O termo “cidade sorriso” tem sido utilizado para identificar Curitiba desde a década de 30. Segundo Viacava a “fabricação” deste sorriso aponta a cidade como “síntese intelectual e moderna do estado do Paraná”.
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Entre a Vila Tassi e a Vila das Torres
começou a ser delineado de maneira mais consistente:
O samba que começou embaixo de três árvores da pequena vila de ferroviários, hoje quase ao centro da cidade, desceu as ruas em direção aos desfiles oficiais, antes formados apenas por irreverentes blocos da elite curitibana. A narrativa, quase em tom mítico, é repetida por Maé, que marca o dia em que um bloco de negros, mulatos e brancos – trabalhadores que viviam na periferia da elegante Curitiba dos anos 40 – rumaram ao centro da cidade, entoando seus sambas. A empreitada, ainda temerosa por conta das constantes represálias policiais, funda a trajetória do bloco que, mais tarde, ganharia o estatuto de Escola de Samba.
“ (...) durante muito tempo o foco das políticas de patrimônio esteve voltado aos grandes monumentos. Ou seja, até pouco tempo atrás, salvo algumas experiências, o que era passível de ser “protegido” e guardado em uma acervo de nossas memórias culturais eram referências que abrangiam determinados grupos de nossa sociedade. Na seleção do que deveria ou não ser preservado não se contemplava a pluralidade e diversidade característica tão cara da cultura brasileira” (MARTINS, 2008, p. 05)
A construção deste narrar, os fatos e personagens em comuns, são pontos na linha de uma memória histórica que traz à tona outros pontos de vista sobre as relações sociais e a cultura de Curitiba. A Colorado, assim como a Avenida Marechal Deodoro, integram o cenário onde estas relações mantinham-se, ao menos uma vez ao ano, no centro das atenções. É este entrelaçar de narrativas que torna possível aproximar o imaginário em torno da Escola de Samba Colorado da noção de patrimônio imaterial. Discussão iniciada somente a partir dos anos 70, com a ampliação da noção de patrimônio proposta pela Unesco, o conceito de patrimônio imaterial 14
Embora alvo de muitas polêmicas, principalmente no que tange os debates antropológicos, disciplina que vem contribuindo para a constituição do conceito, este debate tem referendado diversas ações e políticas públicas, trazendo perspectivas e resultados outros aos processos de patrimonialização. O registro, ação própria ao patrimônio imaterial, enfrenta então o que é imanente à cultura: a sua dinâmica. Dinâmica esta que torna o registro algo que necessita de constante atualização: não bastam as marcas memoriais das expressões e formas de saber e fazer, se faz contingente que estas sejam revisitadas e repensadas de tempos em tempos. Os ecos
de uma memória oral juntam-se assim ao registro que descreve, por meio da etnografia e da história, movimentos destas experiências. É sobre esta dimensão simbólica da cultura que antropólogos e historiadores, propostos a refletir acerca do tema, têm se debruçado. À falta de uma circunscrição exata, os bens culturais analisados a partir da perspectiva do patrimônio imaterial, expressam sua articulação com diversos outros, escapando à visões deterministas de tempo ou espaço. Há uma fluidez que permite que estas expressões ganhem vida em diferentes momentos históricos, contextos geográficos ou sócioeconômicos. É o que podemos perceber na construção do imaginário acerca da Colorado, onde diferentes grupos sociais se articulam, contando a história da escola de diferentes perspectivas. É a atualização dessa história, as comparações com o samba “que já não é mais o mesmo” e um carnaval “que já não é mais carnaval”, que faz com que cada indivíduo traga a Colorado para o momento presente, fazendo ecoar o nome de seus ritmistas e passistas, cantores e compositores, no ritmo que construiu a “bateria nota 10”. Em conversas informais, entramos em contato com ex-integrantes, que nos trouxeram diferentes narrativas sobre a escola. Sílvia Carneiro, mais conhecida como Bica, tem 53 anos e nos conta que foi
passista dos 15 aos 20 anos. “Dançava no quadradinho, samba no pé (...) era comissão de frente”. Ela cita algumas pessoas que participaram da Colorado: Soninha, Dirceu, Toninho, Lizete, Sílvio, Adir. “Aqui nem tem Escola mais! Nós só perdia pra Escola lá no Rio de Janeiro!”. A ex-passista lembra da Colorado em seus tempos áureos, “até um ano antes do acidente da Sônia”, episódio narrado de maneira emocionada por Maé da Cuíca. Ela lembra ainda de outros passistas como Divinão Preto e Gerson (que era policial). Cita espaços de ensaio: o Campo do Colorado, a Universal, o Sindicato dos Ensacadores. Diz ainda que, em épocas de carnaval, “ficava semanas fora”, pois o pessoal da escola “pagava tudo”. Sobre as festas e ensaios da Colorado, Bica comenta, “na verdade a Colorado não precisava de ensaio”. Ela cita o bar do Japonês, onde acontecia a concentração da Escola, três ou quatro horas antes do desfile. Outros nomes ainda vêm à memória: Laura, Célia, Luis Preto, Rogério (filho), Trapo, Toninho, Jorge e Laude, que foi rainha da bateria. A memória de uma escola com poucos recursos, mas munida de muita criatividade, suíngue e samba no pé, permeia as histórias sobre a Colorado. Não houve na cidade, segundo seus exintegrantes, uma agremiação que se aproximasse tanto da vivacidade e da autenticidade legada às escolas cariocas. Vide a narrativa, em tons míticos, 15
da participação de Maé e outros ritimistas no Festival de Compositores da Mangueira, quando Cartola e outros personagens do samba carioca, foram seduzidos pela bateria curitibana. Estes e outros episódios vêm à tona neste projeto, que se rende ao colorido das lembranças para problematizar a pluralidade da identidade e da cultura curitibana. Janaina Moscal é jornalista, mestranda em
Antropologia Social pela Universidade Federal do Paraná.
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À guisa de esclarecimento Há alguns anos atrás, conversando com alguns amigos ligados ao samba em Curitiba, manifestei a vontade de escrever sobre as Escolas de samba daqui. A primeira reação foi de aplauso e apoio, mas mesmo estimulado pela amizade e o carinho desses amigos, que volta e meia perguntavam sobre o projeto, fui adiando, por falta de tempo e por pressentir a dificuldade de levar avante o tentame. Isso em razão da conhecida escassez de escritos em Curitiba sobre cultura popular de um modo geral, e principalmente sobre a história deste evento sócio-cultural. Até que em 2002, surgiu a oportunidade de fazer um curso de Especialização sobre “Os Fundamentos da Música Popular Brasileira”, na Faculdade de 17
Artes do Paraná, no qual, para sua conclusão apresentei a monografia intitulada , “Escola de Samba Colorado – A primeira escola de samba de Curitiba”. Este trabalho de pesquisa desenvolvido à época serviu-me como um bom aprendizado de iniciação acadêmica e pareceu-me, à época, que poderia ser um ensaio prévio para a tentativa de, mais tarde, quando me fosse pródigo o tempo, tentar escrever uma História das Escolas Samba de Curitiba. Mas por que alguém que não é jornalista de profissão, nem escritor ou pesquisador acadêmico, e nem se pode afirmar militante profissional da música popular brasileira, tocando quando muito, e com paixão, isto sim, a sua cuíca quando convidado pelos amigos músicos para dar uma “canja”, se atreveria a escrever sobre este difícil tema, tão pouco explorado, mesmo pelos poucos que escrevem sobre música brasileira, especialmente sobre o Samba, área da cultura popular que ficou órfã depois que morreu o maior jornalista e estudioso de MPB de Curitiba, o saudoso Aramis Millarch. A esta indagação lançada com certo espanto, talvez por muitos, eu respondo que a minha ligação com o samba é antiga. Atávica, eu diria. Talvez por reminiscências de vida passada, na ótica kardecista, ou mesmo platônica, na perspectiva da rememoração das ideias, do filósofo idealista. A paixão pelo Samba, ao que me parece, veio ou foi revivida, pelo estímulo de 18
um gosto precoce de ouvir rádio. Em minhas lembranças mais remotas do período infantil, está indelevelmente marcada a sonoridade da caixinha de conversa, como diria Adelzon Alves ou Cláudio Ribeiro. Apesar de haver passado muito tempo, nunca esquecerei da alegria que bateu lá em casa por volta de 1954 quando – tinha eu quatro anos de idade – papai chegou com um pesado embrulho debaixo do braço e anunciou feliz que tinha comprado um rádio, usado, explicou, mas em bom funcionamento, e para ser pago em prestações. Para ouvi-lo, ainda demoramos uns três dias, porque antes era preciso instalar uma tomada para ligá-lo, e papai precisava fazer uma pequena prateleira, dessas que quem tem mais de 50 anos, lembra muito bem, que foi pregada bem no alto da parede, onde colocado o rádio ficava bem longe das nossas curiosas mãos tão ávidas por tocá-lo, apalpá-lo, investigálo para descobrir o processo mágico que trazia até nós, misteriosamente, sons, música e vozes. O rádio, no entanto, que fora comprado para trazer alegria ao reduto familiar, acabou, infortunadamente, provocando as primeiras lágrimas, das poucas que vi em minha vida rolarem dos olhos de meu pai. Isto porque sua estreia, enchendo de tristeza nossa casa, trazia pela voz de Eron Domingues, no Repórter Esso, a infausta notícia da morte do grande Presidente Getúlio Vargas. Triste, papai desligou o rádio, e ficamos alguns dias sem ouvi-lo, até que por bondosa ação intercessória de
mamãe, Francisca, que com ternura e carinho sempre demovia papai de suas posições tomadas como irredutíveis, novamente o rádio foi ligado. Daí para cá nunca mais parei de ouvilo, crescendo com os ouvidos feridos sempre pelo som da Radio Nacional do Rio de Janeiro, onde ouvi todos os sambas do mundo. E da Rádio Bandeirantes de São Paulo, onde Moraes Sarmento despontava com seu “Almoço a Brasileira”, e mais tarde saboreando os imperdíveis programas do Cláudio Ribeiro, nas rádios de Curitiba, que sempre contavam e cantavam a História do Samba da nossa terra. O gosto pelo samba nascido na escuta do rádio, levou-me logo a buscar o som do batuque bem desde cedo, também. E foi na Vila Guaíra, no primeiro reduto de amigos negros que tive, casa do Mi (Ademir Ramiro dos Santos), que começamos, eu, no pandeiro, meu irmão Ney Freitas (hoje Desembargador Federal do Tribunal Regional do Trabalho da 9a Região), exímio tocador de frigideira, Zé Bueno, no surdo, Tuto (Nilson Geremias da Silva), Zé Bigode (José Maria da Silveira), no tamborim, e mais Nego Magro, Nego Gordo, Pedrinho Polaco, Tio Mirto, Antoninho Carijó, Budango, e outros, a batucar em latinhas e latões para produzir um arremedo de sons que a gente chamava de samba. Sempre estimulado pela paciência franciscana de seu Geraldino, negro, pai do Mi, homem de grande bondade, que não só ouvia sem reclamar a nossa batucada, mas ainda se dava ao traba-
lho de tentar construir os nossos instrumentos, como a cuíca, que me fez de uma pequena lata de leite, de onde tirei os primeiros mugidos no samba. Depois de algum tempo, o reduto da casa do Mi, mudou-se para a dos Negros Magro e Gordo, e aí sob as bênçãos da querida de Dona Inês, mãe desses amigos, curtíamos todo o fim de semana o nosso samba. E foi num destes sambas que lá pelas tantas um molequinho, de uns onze ou doze anos, que a tudo assistia embevecido e extasiado, criou coragem e entrou na roda pedindo para cantar um samba. Sem muita expectativa de que o moleque entendesse do riscado, foi-lhe dado espaço para que cantasse, e quando o garoto abriu a boca e cantou com voz maviosa, afinada e no ritmo, ficamos todos maravilhados, e não deixamos mais o pequeno sambista sair da roda, o que me levou a dizer-lhe que, no futuro, ele seria um dos maiores sambistas de Curitiba: nascia ali o grande sambista Ciro Morais, um dos maiores nomes na atualidade, do samba curitibano. Por esse tempo também um dos locais onde a gente se reunia para o samba, para assistir aos mestres, era no antigo campo de futebol do Triunfo Esporte Clube, na Vila Guairá, que recebia vez por outra para embates esportivos, a equipe do Café do Paraná, sempre acompanhada esta por um sensacional grupo de sambistas e batuqueiros, cujos integrantes pertenciam à Escola 19
de Samba Colorado, os quais davam verdadeiro show de samba, como Dico, na sua frigideira cromada, Darci, exímio tocador de Cuíca, Pelé, segurando o ritmo no surdo, e muitos outros mais. Aqui nasceu minha paixão pela Escola de Samba de Samba Colorado. Mais tarde, por volta de 1965, a paixão pelo samba levou-me, juntamente com Mi, a procurar os ensaios da Escola de Samba Colorado para ver se éramos admitidos em sua bateria e assim desfilar na minha Escola de coração. Infelizmente fomos reprovados no teste pelo Maé. Eu no pandeiro e o Mi, no tamborim. E o Maé com isso ganhou um concorrente, porque percebendo que “não dava no couro” no pandeiro, passei depois disso a tocar cuíca, meu instrumento preferido e que amadorística e apaixonadamente até hoje desempenho nas rodas de samba, quando convidado para uma canja pelos queridos amigos sambistas de Curitiba. Esta convivência apaixonada com o samba, que se tornou minha religião, provocou em mim uma vontade de no futuro escrever sobre essa briosa e valorosa gente da Vila Capanema, que com amor, lágrimas, suor, e às vezes o custo da vida, escreveu a história da primeira escola de samba de Curitiba, a Colorado. Foi o que fiz na especialização de MPB, na Faculdade de Artes do Paraná, e que valeu-me de ensaio para o presente trabalho, revisto, ampliado e acrescido de uma vasta 20
memória fotográfica, além de um CD com os sambas enredos da escola, interpretado por integrantes dessa primeira academia de samba de Curitiba, e que defendiam suas cores naqueles períodos memoráveis. Acho que essa paixão doentia pelo samba, se não me faz o mais gabaritado para escrever sobre escola de samba de Curitiba, me faz pelo menos autorizado, com esta atrevida empreitada amadora, a provocar os mais sábios e profissionais da área, a se debruçarem sobre este importante tema da nossa cultura, no âmbito da Cidade. Com esse intuito, é que damos a público este modesto trabalho, na esperança de que ele instigue outros escritores de maior quilate a gravarem de modo indelével, na história do samba curitibano, a epopeia dessa brava gente do povo, quase sempre pobre e de cor, que faz todo ano, “das tripas coração”, para colocar a sua escola na Avenida, ofertando à comunidade essa rica arte popular que é o carnaval. Espero que a vida me dispense tempo, em breve, para escrever outra obra abrangendo a história de todas as escolas de samba de Curitiba.
Introdução
O
carnaval em Curitiba sempre foi motivo de muitas histórias pejorativas, algumas por vezes injustificadas, que impuseram às Escolas de Samba da cidade um caráter negativo. Entre as afirmações mais presentes, está a de que “Curitiba não tem carnaval”. Chega-se a afirmar que o povo de Curitiba, por causa do seu gene de colonização, não tem gingado, tem a cintura dura, e em verdade, pelo seu perfil conservador e elitista, não gosta do carnaval, cujo caráter de festa genuinamente popular não se desenvolveu aqui, como em outras regiões do Brasil. Em parte, isto pode ser considerado verdade. A capital paranaense, diferente do Rio de Janeiro, por exemplo, onde o carnaval vem de uma tradição com mais de um século, não possui o 21
mesmo caráter de formação social, a mesma estratificação que permitisse dar a esta festa não somente um número maior de participantes como um valor folclórico mais representativo.
carnaval, redargüiu, dizendo louvar o trabalho da equipe, mas que estava com alguns amigos em casa que queriam ouvir ópera, o que justificaria a mudança da programação. (Jornal o Estado do Paraná, 06/12/1981, p.6)
A cidade, repetem alguns, sempre teve uma inclinação para a cultura europeia, daí o gosto pela música clássica, pelo teatro, por espetáculos que sempre buscaram atender o consumo das classes mais abastadas, demonstrando um certo descaso para com a produção cultural oriunda das camadas mais populares da cidade. Para exemplificar o que acima afirmamos, citemos um fato ocorrido há alguns anos. A Assessoria Cultural de um prefeito tentava convencê-lo de que não existia Carnaval em Curitiba e que por isso as subvenções para as festas momescas deveriam ser canceladas, transformando-se a cidade no período carnavalesco em estação de repouso, com concertos de música erudita, apresentação de peças teatrais. (Jornal o Estado do Paraná, 06/12/1981, p.6)
O folclore também registrou uma história que bem dá a dimensão da pouca afeição dos curitibanos pelo carnaval. Conta-se que o dono de uma Rádio de Curitiba (Emissora Paranaense), o Dr. Nagib Chede, ao ouvir sua rádio transmitindo desfiles e bailes, ligou para a emissora e pediu gentilmente ao funcionário se não poderia programar algumas árias de ópera, e diante da explicação do programador de que era 22
Folclore ou não, a pouca importância que o curitibano atribui ao carnaval, o fato é que, embora dentro de outras dimensões, a cidade permitiu no decorrer dos anos a criação e a manutenção de grupos carnavalescos, tanto no interior dos clubes, sociedades e agremiações como dos Blocos de Rua. Dentre os grupos mais destacados na história do Carnaval de Curitiba, temos a “Embaixadores da Alegria”, fundada em 1948, apontada nos anos 50/60 como uma Escola da elite em razão de sua ligação com o tradicional Clube Sociedade Thália, cujos freqüentadores pertenciam à classe média curitibana; e a Escola de Samba Não Agite, fundada em 1949, ligada ao Coritiba Football Clube. De extração mais popular é a Escola de Samba Colorado, objeto desta pesquisa, fundada em 1946. Dentre estas, a Escola Colorado se destacou por ser uma Escola que não só esteve presente nos bailes populares da comunidade do Capanema, donde se originou (bairro de proletários principalmente trabalhadores qualificados como ferroviários, ligados à antiga RFFSA), participando das festas organizadas nas ruas da
cidade e nos bairros da periferia, mas diferenciando-se principalmente por ser acentuada nesta a participação do negro, que representava mais de 90% dos integrantes da Escola, participação que acabou imprimindo à Colorado caracteres de timbre, ritmos peculiares, próprios e singulares que a matizam como uma escola completamente diferente de suas congêneres em Curitiba. A Escola de Samba Colorado foi escolhida para esse trabalho, principalmente pelo modo como ela foi concebida pelos seus organizadores e como foi recebida pelo público curitibano durante os anos em que esteve em atividade. A Escola nasceu da necessidade de integração da comunidade e buscava possibilidade de oferecer às pessoas humildes do bairro a oportunidade de participarem das festas carnavalescas, considerando que em meados dos anos 40 o carnaval em Curitiba era basicamente de salão. Realizavam-se os bailes nos clubes mais ricos da cidade, freqüentados, portanto, por pessoas de maior poder aquisitivo onde evidentemente os menos favorecidos não tinham acesso. O fato de ter sido fundada por grupo de pessoas pertencentes às classes menos favorecidas, sendo em sua maioria negros, parece ter sido importante para estabelecer o perfil da Escola como a única, naquela época, de extração eminentemente popu-
lar e com características de timbres sonoros e musicais completamente singulares, que a diferenciavam das agremiações carnavalescas existentes até então em Curitiba. A tese que se avançará no presente trabalho é a de que a Colorado foi desde a sua fundação uma Escola diferente das suas congêneres de Curitiba, sendo dois os fatores que determinaram essa configuração: sua origem proletária e sua composição essencialmente negra que gerou uma batida rítmica singular, diferente das demais Escolas. Na memória de muitos cultivadores do Samba ainda está gravado o som da bateria da escola, o ritmo, a marcação de surdo e contra-surdos e o repicar dos tamborins, além da presença constante de cuícas, que a tornaram a mais aclamada da cidade, chamada, por seus desempenhos sensacionais nos desfiles, de bateria nota 10. Tudo isso marcou definitivamente o perfil da agremiação como uma Escola diferente das demais Escolas de Samba de Curitiba. Este trabalho tem por objeto resgatar a história de uma das mais importantes instituições do Carnaval de Curitiba, a Escola de Samba Colorado.
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1 O negro na sociedade curitibana
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Q
uando procuramos entender a questão do negro na sociedade curitibana, temos a consciência de que isso não é possível sem que antes nos detenhamos no aspecto que antecede à própria condição do negro no Brasil e sua inserção na sociedade paranaense. Nesta senda, convém desde logo, fazer referência ao trabalho do professor Fernando Henrique Cardoso que propõe pensarmos a questão do negro, ou que se entende por negro ou escravo no Brasil, levando-se em conta que “num processo de racionalização coletiva, o que havia sido resultado da exploração escravocrata e o que era a forma possível de reação humana do ex-escravo passava a ser atributo negativo inerente ao negro”. (CARDOSO, 1962, p. 280)
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Dessa forma, o quadro que se vai formando para Curitiba, como de resto acontece em todo o Brasil, é bastante desfavorável ao elemento da raça negra, no qual encontramos muitos desses “atributos” amplamente divulgados especialmente pela imprensa e pelos pensadores sobre o Paraná, onde o negro é cidadão de última categoria, “responsável pelo que é ruim em nossa sociedade”, portanto, deve ser combatida a sua presença não só através da Imprensa, mas também do processo social excludente, fato que acaba jogando-os na marginalidade, na periferia, no desemprego, ou seja, naquilo que pode haver de pior na sociedade. A sociedade curitibana ao longo de sua história sempre negou, escondeu o elemento negro de sua paisagem e sua memória e, mesmo na atualidade, como também foi observado nas entrevistas e relatos de grupos de consciência negra, este tipo de atitude continua permeando o pensamento de nossa sociedade, como testemunha uma líder do Movimento Negro em Curitiba, que foi convidada para participar de uma celebração paralela, por ocasião dos festejos comemorativos dos 300 anos de Curitiba, já que da celebração oficial o negro foi excluído. Eis o seu depoimento: No geral, tudo bem com as mães que estavam ali representando as várias etnias, mas as pessoas que estavam atrás protestavam muito: “É o fim” (ter negro aqui) 28
– elas colocavam – ‘é o fim, agora até isso’, numa expressão europeia muito forte. Mas eu fiquei na minha, eu estava lá, tinha uma cadeira que era minha... Mas é muito difícil ficar ouvindo. Realmente o que eles colocam é para perder a linha, mas como eu já sei que é para isso, eu ouvi muitas coisas desagradáveis, num momento que poderia ser agradável... Não foi uma coisa pública e gritada, mas uma coisa sussurrada para mim que estava na frente ouvir: ‘É o fim do mundo’, quer dizer, ‘Curitiba já se apresenta assim’. “Aí a gente percebe o porquê da presença de negros na história de Curitiba”. (SANCHES, 1997) Quando se procura abordar aspectos da presença do elemento negro na construção do paranaense, a primeira dificuldade surge “inafastável”: a ausência de fontes. Rara a messe bibliográfica respeitante ao tema. Não se encontra nenhum livro específico tratando da história do negro em Curitiba. Nem mesmo em coletâneas de ensaios. Mesmo matérias jornalísticas são poucas e superficiais, baixando a imprensa seus holofotes sobre o negro somente no reinado de Momo. Desconhece-se, por isso, uma memória produzida para resguardar os valores da cultura negra. Essa questão, no entanto, não é gratuita, é fruto de um fazer histórico.
O aspecto minimizado da inserção do negro na sociedade paranaense tem em seus intelectuais e interlocutores a sagração de um Paraná sem a presença dos negros, de um Estado que mesmo tendo um dos principais portos do País e onde se deram acontecimentos como o incidente “Cormorant” nega a presença do negro em suas plagas. Para o professor Carlos Roberto Antunes dos Santos em seu trabalho “Nem loiro nem diferente: o Paraná Provincial”, dentre as questões que permeiam essa ideia de um Estado sem o elemento negro está uma espécie de sonho de branqueamento das elites intelectuais paranaenses. Reflexo do discurso oficial nacional, uma vez que a sociedade paranaense foi marcada pela escravidão e ainda que essa mesma sociedade prefira utilizar-se continuamente da relação de trabalho e sociabilidade a partir da perspectiva dos imigrantes europeus que se fixaram em suas terras, é incontestável a presença do negro no processo econômico do Estado do Paraná. A professora Altiva Balhana assevera que: ...a utilização do trabalho escravo estendeu-se a todos os setores produtivos da comunidade paranaense, desde a mineração à agricultura de subsistência, pecuária, aos afazeres domésticos, diferentes artesanatos, ofícios rurais,
urbanos e mesmo às funções de administração, conforme fontes documentais existentes”. (BALHANA, 1969, v. 1, p. 122)
Ora, embora haja um esforço dos intelectuais formadores de opinião que teimam em negar a importância do negro na cultura paranaense, temos uma sociedade onde o negro também foi um dos elementos construtores, embora sua atuação e relações sociais sejam continuamente negadas, numa prática que pretende fazê-los desaparecer do cenário paranaense e curitibano. O século XX representa um momento crucial na construção das significações básicas do negro no Brasil. Uma destas, diz respeito à revalorização do trabalho humano, tendo como mote a desconstrução, ao menos no discurso do que tinha sido até bem pouco tempo o trabalho escravo, em razão logicamente de uma nova concepção de mundo do trabalho, que estava presente para o século e conjuntamente com esse discurso a questão referente ao mito da democracia racial brasileira. No primeiro caso, a revalorização do trabalho se deparara com a integração dos imigrantes no processo de trabalho e na necessidade de uma redefinição ideológica do trabalho. Nesse processo, no entanto, o elemento negro também tem o seu papel redefinido, mas sempre numa senda de negatividade, através da construção 29
histórica que se pauta por uma carga inigualável de preconceito contra o negro, que se dá a fim de solidificar a hierarquia dos grupos sociais. Contribuem para isso mitos, que vão sendo criados como sendo inerentes aos negros, onde há grande desprezo pela sua trajetória de escravidão e marginalização social. Dentre estes, cita-se a pecha tão propalada, a qual atribui ao negro uma suposta natureza preguiçosa, um caráter acomodado que o leva a só atuar para adquirir o mínimo para sua subsistência. O outro aspecto criado para ocultar o preconceito da sociedade contra o negro, reside na criação do “mito da democracia racial brasileira”. Este mascara em letras grandes, através dos periódicos da capital paranaense, o que realmente se pensa a respeito do negro (lendo as entrelinhas), o que se pretendia e o que se construiu efetivamente a partir do discurso da democracia racial, tendo ainda em conta que, para os paranaenses e especialmente os curitibanos, esse discurso era visitado continuamente pelo que se observava nas ruas, nas colônias, na sociedade: um contingente europeu branco sendo levantado como ícone do trabalho e da prosperidade no qual todos deveriam se mirar, e através do qual a sociedade brasileira iria chegar à perfeição. A perfeição sem os negros, a perfeição mais clara possível. Veja-se através do trabalho do professor Ianni, o que os periódicos de 30
Curitiba dizem a respeito do negro habitante dessa cidade modelo para o Brasil. Eis o seu magistério: Não é somente ao escravo de ontem que compete regozijar-se pela redenção da sua raça, e sim a todos os brasileiros para quem a escravização de irmãos constituía indelével mácula da qual não tem de se envergonhar o negro na sua condição de vitima. Pois essa fatalidade congênita da cor da epiderme não deve moralmente rebaixar ninguém à condição de escravo. (IANNI, 1972, p.72)
Dessa maneira, tanto o negro como os brancos precisam redefinir-se perante a sociedade. Uma sociedade que dá voz àquele que se identifica com ela: uma sociedade branca. A política de disseminação da ideia de que somos europeus – desse sentimento de europeidade, avalizada por historiadores ilustres como Romário Martins e Wilson Martins – que resultou mais modernamente em mote político afirmativo desse mito, como canta a propaganda laudatória que afirma: “aqui é o Brasil que deu certo como produto do trabalho do branco europeu” – foi introjetada principalmente na mente do curitibano, de tal modo que se chega ao extremo de se asseverar que não há nem nunca houve negros no Paraná, conforme frase recolhida por Otávio Ianni em obra
clássica, que mostrou, neste valioso trababalho sobre o assunto, uma tendência da população em não reconhecer que existem negros em Curitiba e no Paraná. (IANNI, 1978, p.)
cês que visitou várias fazendas no Paraná e que, em seu empreendimento de registrar nossa fauna e flora registrou também nossos hábitos e habitantes afirmou que a “presença do negro era visível em nosso Estado.” (SAINT-HILARE,
Diante da constatação do sociólogo da USP, considerando que esta situação é fruto da história, cabe a indagação: havia negros no Paraná no passado?
1964, p. 25)
Um passar de olhos pela produção historiográfica, que não é farta, mostra, ao contrário do que pensam os paranaenses, que houve desde as primeiras ondas migratórias, forte presença do elemento negro no Paraná e em Curitiba. O próprio Wilson Martins, que em sua obra “Um Brasil Diferente” escreve que não houve escravidão no Paraná (IANNI, 1978 p.) reconhece, em 1853, na composição da população, 40% de mulatos, negros, e pardos. Embora, logo adiante, este enorme contingente de negros suma de seus alfarrábios e tornem-se invisíveis para o ensaísta, que parece embevecido pela teoria ariana ao citar discurso de Trajano Reis, onde se afirma que “... a bela raça paranaense inteligente, viçosa, empreendedora, forma-se do cruzamento do anglo-saxão, do latino, do eslavo”, excluindo o negro da formação do homem paranaense.” (MARTINS, 1978, p. 130)
Neste ponto não é possível furtar-se a um comentário que parece passou despercebido pelos historiadores da terra. Um consagrado naturalista fran-
A verdade é que o negro sempre esteve presente na história do Paraná, registrando-se um número expressivo de 647 negros para uma população livre de 3.283, em Curitiba, em 1798. (CHAFF, 1799, p.)
A obra do Professor Otávio Ianni, já citada, bem nos dá conta do número significativo de negros na formação das classes sociais no Paraná, afirmando que “... a sociedade constituída em Nossa Senhora da Luz de Curitiba, a partir de 1654, é uma sociedade escravocrata fundada na utilização do trabalho de índios e africanos ou seus descendentes e mestiços.” (IANNI, 1978, p. 22) O retrato de Curitiba era, pois, o do restante do Brasil, onde predominava uma economia que tinha como seu principal motor a mão de obra escrava. Ainda que por estes arraiais fosse menor o contingente africano, era expressivo o seu número. Ainda é Ianni quem nos informa que “... os negros e os mulatos se tornavam numerosos (...); e na região do planalto, cuja vila principal é Curitiba, eles alcançam 34% do total dos habitantes”. (IANNI, 1978, p. 30), “... sendo que em 31
1854, 30% da população de Curitiba era formada por negros e mulatos.” (IANNI, 1978, p. 82)
Mesmo tendo diminuído a presença dos negros com a chegada do imigrante europeu, sempre foi significativa na composição da população, atingindo 25% de mulatos e 10% de negros em 1872. (IANNI, 1978, p. 95) Há também uma anotação que merece ser feita. Não se pode esquecer que os setores mercantilizados absorviam os cativos de forma gradual, mas absorviam-nos, sendo forte a presença do negro na indústria nascente no começo do século no Paraná.á. Há, ainda, um outro aspecto fartamente documentado especialmente nos inventários do período escravista, que atesta a presença destes, onde mesmo aquelas famílias de poucas posses em muitos casos apresentavam escravos como seu bem melhor avaliado, pois além do próprio valor, o que estava agregado na posse de escravos era o prestígio social inerente à condição de proprietário. Em “Raças e Classes Sociais no Brasil”, o Prof. Ianni nos informa acerca da realidade que antecede o 13 de maio de 1888, quando a libertação dos escravos já havia encontrado um grupo deles de posse da sua liberdade e em condições diversas de integração com a sociedade em sua volta. Nesse caso diz o sociólogo paulista: 32
Pouco a pouco o sistema econômico foi reabsorvendo esse contingente. As condições básicas que estavam operando no nível das forças produtivas, mesmo que em lento desenvolvimento, eram suficientemente vigorosas e decisivas para incorporar tanto a população negra como o excedente de origem europeia, que continuava a crescer com a imigração, além disso, ao lado dos componentes dinâmicos do sistema econômico, estava em operação um processo de redefinição do negro como trabalhador e como pessoa. (IANNI, Octavio, 1972, p. 66)
Após a Abolição, porém, essa redefinição estava permeada por um duplo sentido, segundo o professor Fernando H. Cardoso, que afirma: ...não só formalmente, cor e condição social não correspondiam mais à mesma e irremissível situação de casta dos escravos, como o negro livre passou a frustrar mais generalizadamente as expectativas dos brancos e, mais tarde a ameaçar a exclusividade das posições sociais por eles mantidas. A partir desse momento, começa realmente, o ‘problema negro’: o preconceito muda de conteúdo significativo e de funções sociais. (CARDOSO, 1962, p. 281)
Aparece o preconceito de cor e de raça, e junto com ele, mais tarde, é forjado um discurso de branqueamento apoiado por essa sociedade que se pretende branca, ainda que esbarre em si mesma todos os dias em preto e branco. Mas, se nas origens a presença do negro, numericamente, era significativa, por que a sua contribuição cultural é negada e afirmada como pouco importante na formação da história do Paraná? Uma tese defendida por alguns, é a de que houve um trabalho das elites dominantes de tornar o negro invisível historicamente, que pode ser apontado como base do mito da inexistência de negro em Curitiba. Na adoção deste processo está presente a tese do necessário “embranquecimento” da raça como meio de se chegar ao ápice do processo civilizatório, conforme defendido por Nina Rodrigues e Oliveira Vianna. (Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais nº 01, 1986)
Esta atitude da sociedade brasileira foi estimulada pelo governo republicano que mandou queimar toda a documentação sobre a escravidão e retirou do recenseamento de 1900 a pergunta sobre a cor. Fato repetido em 1920 e em 1970. Em 1950, o recenseamento deixou a cargo do recenseado a declaração da cor, já que isto no entender dos elaboradores da pesquisa daria maior precisão aos resultados da pes-
quisa. Para eles, a questão dessa forma colocada permitiria a caracterização da distribuição dos negros e mulatos na estrutura social. Não é necessário dizer que as avaliações pessoais interferiam na veracidade das anotações advindas dessa coleta de dados, no que diz respeito aos negros na sociedade paranaense, o que acabou por aniquilar a história do negro no Brasil, reduzindo-o a um estado de “invisibilidade” que se faz presente, de certo modo, até hoje em nossa sociedade. (IANNI,1972,p. 84-85)
Todavia, não se pode esquecer que, o que aparece no comportamento tanto do negro na sociedade paranaense, quanto dessa sociedade em relação ao negro culmina, no século XX, com a elevação do negro ao pódio central do carnaval. Porém, a sociedade paranaense teve em sua formação, a participação econômica e social do elemento negro que esteve presente de forma significativa na formação do efetivo populacional paranaense, embora se tenha visto claramente a presença de nossos intelectuais na formação da mentalidade paranaense intervindo de todas as formas para formar uma sociedade branca e europeia, onde o elemento negro é branqueado ou simplesmente deixa de existir, uma sociedade que assumiu para si a tese do “branqueamento” de forma sistemática e contundente. Em Curitiba, este processo acabou por retirar do negro a possibilidade de se 33
tornar ator importante no processo cultural da Cidade. Diferentemente de outras partes do Brasil, onde a sua presença na produção da cultura popular sempre foi marcante, principalmente no Rio de Janeiro, onde o Samba se tornou o dono da gente e acabou por ser o grande signo da identidade nacional. Para a construção do processo de invisibilidade do negro na cultura curitibana, vários aspectos contribuíram. Quando dizemos isto, é importante entender que o que acontece não é resultado de uma coisa nova, mas que esse processo foi sendo historicamente construído pela sociedade, pelos seus membros como um todo, no sentido de dar a característica que melhor lhe conviesse para dado momento histórico e, ao longo do tempo vai revelando suas raízes mais perniciosas e maléficas para alguns segmentos que também são parte dessa mesma sociedade.
proporcionada pela Constituição de 1891, o que fez crescer a importância da capital do Estado do Paraná, o crescimento demográfico da cidade, proporcionado pelo fator extraordinário representado pela imigração de europeus, o aumento paulatino e continuo da produção de erva mate em consequência da evolução do consumo nos mercados do Prata, transformação progressiva das atividades extrativas e de comercialização da madeira, um setor cada vez mais ponderável da economia, a criação de capitais nos núcleos colônias concentradas na área de Curitiba dedicados a atividades agropecuárias, industrias e comerciais. (IANNI, 1972, p. 52)
Aqui encontramos a configuração dada pelo professor Ianni quanto à estrutura na qual se baseou a sociedade paranaense, e especialmente a sociedade curitibana, que afirma:
Em Curitiba, o negro, historicamente invisível, nunca foi chamado ao centro do palco social em razão do racismo velado, mas forte demais para permitir sua integração na construção de uma possível identidade curitibana.
Tanto diversificaram a configuração da estrutura econômica da área como também tornaram mais complexa a divisão social do trabalho. Nesse sentido, devem ser ressaltados fenômenos tais como – a descentralização do poder político-administrativo
Essa configuração da cidade possui um aspecto que não pode ser desprezado: o do branqueamento da população, fato que traz conseqüências reais para a população negra, conforme já se afirmou, especialmente em relação ao mercado de trabalho, pois é através deste que o homem é medido, que o negro é medido.
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E para este o que sobrou foi o metro do preconceito que conduz o negro ao subemprego, conforme se constata em J. Mio, onde os negros ficaram relegados à ocupação de postos secundários de trabalho, uma vez que os brancos europeus, imigrantes, ocuparam não só pelo trabalho como também pela própria fala e construção da mentalidade paranaense um lugar privilegiado. O Prof. Ianni assevera que: A valorização social do trabalho executado por brancos, muitas vezes por representantes do próprio grupo ao qual pertencia o empregador, possibilitou e facilitou a expulsão dos negros e mulatos de certos ofícios. Parte deste grupo foi levada a um nível de sobrevivência ajustado a mínimos vitais, ou então foi levado ao estado de anomia. (IANNI, 1972, 58-59)
Não podemos esquecer que estamos trabalhando com um grupo inserido numa sociedade de classes que trabalha para forjar uma identidade de classe que constrói e mantém um modelo social que lhe é próprio. No caso de Curitiba, prima por assumir ares de europeidade, que afasta de imediato a participação negro. Desde o final do século passado até as décadas de 30 e 40, a presença do negro é nula em todos os setores sociais. Se há uma forma bastante interessante de olharmos a questão do negro na
sociedade paranaense, é através de sua relação com o trabalho. Primeiramente a escravidão com a sua marca marginalizadora e estigmatizadora. Num momento posterior, a sociedade paranaense insere-se em um de seus ciclos mais importantes para o seu desenvolvimento e novamente encontramos o elemento negro inserido no trabalho, agora na economia do mate: num primeiro momento desse ciclo tanto o trabalho escravo quanto o trabalho livre atuaram conjuntamente, tanto nas fases iniciais do trabalho quanto no transporte da erva-mate. E o mate que aglutina o maior coeficiente de trabalho e meios de produção, uma vez que abastece não só o mercado local mais também o regional, é também consumido no mercado platino. Em Curitiba, quando sobe o preço do mate há razão para júbilo, é como um sopro de prosperidade, o comércio se agita, as construções suntuosas se erguem na cidade, mas dentro dos engenhos o negro constrói com seu sangue e suor a riqueza das elites ervateiras. J. Mio nos leva a visualizar como se dava não só o trabalho nos engenhos como também quem eram os sujeitos participantes desse trabalho e sob quais condições. Diz o citado autor: ...o horário dos engenhos era das 6 às 6, com uma hora de folga para o almoço, os operários 35
seminus, cobertos de pó verde do mate, sendo eles na maioria gente de cor, pareciam demônios movimentando-se naquele turbilhão de pó e barulho ensurdecedor de pilões e do rodar de peneiras. (MIO, 1951, p. 57) Porém, com o fim dos ciclos agrários e o início do incipiente processo de industrialização, grande número de negros vem para a cidade, e neste espaço é preciso ter absoluto controle sobre eles. É necessário ver o negro mais de perto, o negro, acima de tudo, para essa sociedade, precisa ser ressocializado, a sociedade curitibana em transformação precisa também transformar a imagem do negro. Um meio eficaz de tratar dessa questão no meio urbano, é a avaliação da participação no trabalho, onde os negros e mulatos aparecem inseridos na camada proletária, distribuídos pelas diversas áreas do sistema econômico e social, sendo assalariados ou subempregados, ajustados às camadas inferiores da sociedade. Embora a sociedade seja atraída pelo fazer artístico e cultural do negro, ainda assim é preciso mantê-lo longe da intimidade social, bem por isso se pode entender a sua alocação na periferia. Isto porque os bairros, muitas vezes antigas colônias, não eram apropriados para os negros, restandolhes dirigir-se para os subúrbios mais afastados da cidade, onde se alojava 36
a massa de trabalhadores mais despojados de sua identidade, enquanto participantes tanto do mercado de trabalho, quanto de suas condições de atuação na sociedade, dando lugar a comentários mesquinhos ainda sobre a preguiça e a ambigüidade do negro na sociedade curitibana. É-lhes vedado, entre tantas coisas, o acesso à educação, à cidadania e à informação que poderiam lhe facultar a possibilidade de ao menos saber o quê essa mesma sociedade diz a respeito dele. Essa sociedade curitibana branca, com o discurso do branqueamento, continuava isolando certos aspectos do comportamento dos negros e colocando-os como sendo atributos invariáveis da “natureza humana” dos negros. Dessa forma, ao que nos parece, pelos próprios periódicos e discursos elaborados, esta sociedade sentia-se protegida para agir em relação aos negros. Ação essa que visava branqueálos ou deixá-los invisível a si própria. Na ocupação dos empregos, o elemento negro estava sempre alocado na condição de serviçal humílimo. Nos bancos escolares sua presença ainda era insignificante. Tudo isto sem nenhum problema, porque em Curitiba o negro sabe onde é o seu lugar, ou seja, seu espaço social, que historicamente fica na periferia de Curitiba. Assim é, e tem sido ao longo dos tempos. Em Curitiba o negro que se veste de branco só pode
ser padeiro, açougueiro, enfermeiro ou qualquer outra profissão humilde. Ele nunca pôde ocupar uma posição elevada do estamento social. Esta realidade faz com que desde o começo do século os negros sejam obrigados a viver na periferia, longe do centro da cena do carnaval.
çavam a galgar devagar os degraus da escada que os levariam à passarela da Avenida Marechal Deodoro e aos clubes mais ricos da cidade, onde Maé e seus batuqueiros dariam verdadeiros shows de samba.
Porém, nas décadas de 30 e 40, no Brasil, começa, no entanto, a sedimentarse um novo papel para o negro, dando continuidade a um processo que já vinha desde o início do século XX e que começava a trazê-lo, após muita luta, para o centro do palco no papel de grande construtor da identidade nacional. Em Curitiba, também, ao influxo do que ocorre em todo o Brasil, começa a formar-se um novo quadro social onde a questão do negro é colocada de maneira mais visível para a sociedade curitibana, principalmente no que diz respeito aos processos de produção de cultura popular, com os sambistas começando a ganhar seus espaços para mostrar a sua produção musical. É neste quadro que, não nos esqueçamos, nesta mesma década nasce a Escola de Samba Colorado e os negros da Cidade começam a ter oportunidade de mostrar todo o seu talento, a sua arte, a sua ginga, encantando a conservadora sociedade curitibana que já se permite nos fins de semana dirigir seus carros até a Vila Tassi para gozar com o “samba de preto”. Assim, come37
2 O carnaval em Curitiba nos tempos antigos
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ara se entender o carnaval nos tempos antigos tal qual o vemos hoje, é necessário antes compreender sua significação enquanto apropriação e realização do homem através dos tempos. Trabalho nem sempre muito fácil, uma vez que remonta à própria origem do homem, de sua relação com a natureza, consigo mesmo e com os demais componentes de sua comunidade. Para se falar no carnaval em Curitiba, é necessário antes falar do surgimento do Carnaval na história da humanidade e principalmente de sua chegada ao Rio de Janeiro. Segundo consenso entre os pesquisadores, o Carnaval, desde os seus primórdios se caracterizou por ser uma festa popular coletiva, cuja transmissão oral é feita há séculos, como herança das festas pagãs realizadas em 41
17 de dezembro (Saturnais – em honra ao deus Saturno na mitologia grega) e 15 de fevereiro (Lupercais – em honra ao Deus Pã, na Roma Antiga) Ao certo, não se sabe a origem exata do carnaval, como também a origem do nome, que continua envolta em nuvens de polêmica. Para alguns estudiosos, a comemoração do carnaval estaria radicada em festas primitivas orgiásticas celebradas com o intuito de reverenciar o ressurgimento da primavera. É verdade que, como demonstra a história, em certos rituais agrários da Antigüidade, por volta de 10 mil anos a. C, homens e mulheres cobriam seus corpos e rostos e deixavam-se enlevar pela dança, pela embriaguez e pela festa. Para outros a raiz do carnaval teria tido início nas alegres festas do Egito, das quais se pode mencionar o culto a Ísis há 2000 anos a.C. Em Roma, realizavam-se danças em homenagem a Deus Pã (as chamadas Lupercais) e a Baco (ou Dionísio para os gregos). Rituais Dionisíacos ou Bacanais. Com o surgimento da era Cristã, a Igreja deu novo contorno a essas festividades, e os abusos passaram a ser severamente punidos. Entretanto, se o Catolicismo não adotou o carnaval, suportou-o com certa tolerância, já que a fixação do período momesco gira em torno de datas predeterminadas pela própria Igreja. Há indícios de que houve, por este período, a anexação do carnaval ao calendário religioso, pois a festa antecede a 42
Quaresma. É uma festa de características pagãs que termina em penitência, na dor de Quarta-Feira de Cinzas. Em 25 de dezembro, originariamente, os cristãos começavam as comemorações do carnaval que abrangiam os festejos do Natal, do Ano Novo e de Reis, onde predominavam jogos e disfarces. Diante dos excessos, na Gália, Roma o proibiu por muito tempo. O Papa Paulo II, no século XV, foi um dos mais tolerantes, permitindo que se realizassem comemorações na Via Lata, rua próxima ao seu palácio. Já no carnaval romano, viam-se corridas de cavalo, desfiles de carros alegóricos, brigas de confetes, corridas de corcundas, lançamentos de ovos e outros divertimentos. O baile de máscaras, introduzido pelo papa Paulo II, adquiriu força nos séculos XV e XVI, por influência da Commedia dell’arte. Era sucesso na Corte de Carlos VI. Ironicamente, esse rei foi assassinado numa dessas festas fantasiado de urso. As máscaras também eram confeccionadas para as festas religiosas como a Epifania (Dia de Reis). Em Veneza e Florença, no século XVIII, as damas elegantes da nobreza utilizavam-nas como elemento sedutor. Na França, o carnaval resistiu até mesmo à Revolução Francesa e voltou a renascer com vigor na época do Romantismo, entre 1830 e 1850. Manifestação artística onde prevalecia a ordem e a elegância, com seus bailes e desfiles alegóricos, o carnaval
europeu iria desaparecer aos poucos na Europa, em fins do século XIX e começo do século XX. Há que se registrar, entretanto, que as tradições momescas ainda mantêm-se vivas em algumas cidades europeias, como Nice, Veneza e Munique. Assim como a origem do carnaval, as raízes do termo também têm se constituído em objeto de discussão. Dizem alguns que o vocábulo vem da expressão latina “carrum novalis” (carro naval), uma espécie de carro alegórico em forma de barco, com o qual os romanos inauguravam suas comemorações. Apesar de ser foneticamente aceitável, a expressão é refutada por diversos pesquisadores, sob a alegação de que esta não possui fundamento histórico. Para outros, a palavra seria derivada da expressão do latim “carnem levare”, modificada depois para “carne, vale!” (adeus, carne!), palavra originada entre os séculos XI e XII que designava a Quarta-Feira de Cinzas e anunciava a supressão da carne devido à Quaresma. Provavelmente vem também daí a denominação “Dias Gordos”, onde a ordem é transgredida e os abusos tolerados, em contraposição ao jejum e à abstenção total do período vindouro, dias magros da Quaresma. O carnaval traz a criação de alguns personagens que irão fazer parte do imaginário popular em várias partes do mundo. Primeiro, a Colombina – como o Pierrô e o Arlequim, é um personagem da Comédia Italiana. Uma
companhia de atores que se instalou na França entre os séculos XVI e XVIII para difundir a Comedia dell´arte, forma um teatro original com tipos regionais e textos improvisados. Colombina era uma criada de quarto esperta, sedutora e volúvel, amante do Arlequim, às vezes vestia-se como arlequineta, em trajes de cores variadas, como os de seu amante. Arlequim – rival de Pierrô pelo amor de Colombina, usava traje feito a partir de retalhos triangulares de várias cores. Representa o palhaço, o farsante, o cômico. Pierrô – personagem sentimental tem como uma de suas principais características a ingenuidade. Momo – personagem que personifica o carnaval brasileiro. Sua figura foi inspirada no bufo, ator de proveniência portuguesa que representava pequenas comédias teatrais que tanto divertiam os nobres. Ao contrário do que se pensa, a origem do carnaval brasileiro é totalmente europeia. Segundo Maria Isaura Pereira de Queiroz, a comemoração carnavalesca data do início da colonização, sendo uma herança do entrudo português e das mascaradas italianas. Somente muitos anos mais tarde, no início do século XX, foram acrescentados os elementos africanos, que contribuíram de forma definitiva para o seu desenvolvimento e originalidade. Em 1641, foi, portanto, graças a Portugal que o entrudo desembarcou na cidade do Rio de Janeiro. O termo, de43
rivado do latim “introitus” significava “entrada”, “começo”, nome com o qual a Igreja denominava o começo das solenidades da Quaresma. No entanto, segundo a mesma autora, as festividades do entrudo já existiam bem antes do Cristianismo, eram comemoradas na mesma época do ano e serviam para celebrar o início da primavera. Com o advento da Era Cristã e a supremacia da Igreja Católica, passou a fazer parte do calendário religioso. O carnaval que desenvolveu-se em Portugal e no Brasil não assemelhava de forma alguma aos festejos da Itália Renascentista. Era uma brincadeira de rua muitas vezes violenta, onde se cometia todo tipo de abusos e atrocidades. Os escravos molhavam-se uns aos outros, usando ovos, farinha de trigo, polvilho, cal, goma, laranja podre, restos de comida, enquanto as famílias brancas divertiam-se em suas casas derramando baldes de água suja em passantes desavisados, “num clima de quebra consentida da extrema rigidez da família patriarcal”. Assim, mais ou menos selvagem, esse carnaval desembarcou no Brasil com as primeiras caravelas portuguesas e os primeiros foliões. Ao correr dos anos, em razão dos protestos, o entrudo civilizou-se, adquiriu maior graça e leveza, substituindo as substâncias nitidamente grosseiras por outras menos comprometedoras, 44
como os limões de cheiro (pequenas esferas de cera cheias de água perfumada) ou como os frascos de borracha ou bisnagas cheias de vinho, vinagre ou groselha. Estas últimas foram as precursoras dos lança-perfumes introduzidos em 1885. No início do carnaval tudo era muito precário, em relação à música, o entrudo não possuía um ritmo ou melodia que o simbolizasse. Apenas a partir da primeira metade do século XIX, com a chegada dos bailes de máscaras nos moldes europeus, pôde-se notar um desenvolvimento mais sofisticado. A partir de 1834, o gosto pelas máscaras se acentuou no País. De procedência francesa, eram confeccionadas em cera muito fina ou em papelão, simulando caras de animais, caretas, entre outros. As fantasias apareceram logo após o surgimento das máscaras, dando mais vida, charme e colorido ao carnaval, tanto nos salões como nas ruas. No Brasil, o primeiro baile de máscaras de que se tem notícia foi realizado no Hotel Itália (Largo do Rocio, RJ) em 1840, por iniciativa dos próprios proprietários italianos, empolgados pelo sucesso dos grandes bailes de máscaras da Europa. Foi tamanha a repercussão que muitos outros se seguiram a este, marcando também através do carnaval as diferenças sociais que atingiam a sociedade brasileira: de um lado, a festa de rua, ao ar livre e
popular; do outro, o carnaval de salão que agradava, sobretudo, à classe media emergente no país. Mais tarde, os bailes transferiram-se dos salões aos teatros, animados principalmente pelo ritmo da polca – primeiro gênero a ser adotado como música carnavalesca no Brasil – e depois, envolvidos pelo som da quadrilha, da “habanera”, da valsa, do tango, do lundu, “charleston” e do maxixe. Até então, esses ritmos eram executados apenas em versão instrumental. Somente por volta de 1880 os bailes passaram a incluir a versão cantada, entoada pelos coros. Dando início às famosas matinês, foi realizado em 1907 o primeiro baile infantil. As novidades não pararam por aí e as modalidades se multiplicavam, como as festas em casas de família, bailes ao ar livre, bailes infantis e até mesmo bailes em circo. Em 1909 surge o primeiro concurso, premiando a mais bela mulher, a fantasia mais bonita e a melhor dança. Os prêmios eram joias valiosas e somente os homens tinham direito a voto. Enfim, o carnaval crescia a cada ano, passando a fazer parte da realidade cultural do país, enquanto na Europa já se notava a sua decadência. Neste tempo, a classe média preparava-se para invadir as ruas com outra novidade europeia: os desfiles de carros alegóricos. O pioneiro da ideia foi o romancista José de Alencar, um dos fundadores de uma Sociedade denominada “Sumidades Carnavalescas”.
Os cortejos carnavalescos das chamadas “sociedades” predominavam no carnaval carioca até o surgimento das primeiras escolas de samba. O primeiro clube a desfilar, em 1855, chamava-se Congresso das Sumidades Carnavalescas, mencionado acima. As sociedades eram clubes ou agremiações que, com suas alegorias e sátiras ao governo, encontraram uma forma saudável de competição. Em 1856, outra sociedade tomou as ruas: a União Veneziana. Era a coqueluche do Império. Com o tempo, as ruas viam se multiplicar o número de sociedades, tais como a Euterpe Comercia e os Zuavos Carnavalescos. Muitas competições e dissidências aconteceram até surgirem três grandes Sociedades que se consolidaram no carnaval da época: Tenentes, Democráticos e Fenianos. A grande revolução do carnaval carioca se deu em 1846: o aparecimento do “Zé Pereira” (tocador de bumbo). Para alguns estudiosos, esse era o nome ou apelido dado ao cidadão português José Nogueira de Azevedo Paredes, supostamente o introdutor no Brasil do hábito português de animar a folia carnavalesca ao som de bumbos, zabumbas e tambores, anarquicamente tocados pelas ruas. A tradição se espalhou rapidamente e o sucesso do “Zé Pereira” foi tão grande que, 50 anos mais tarde, uma companhia teatral resolveu representá-lo numa paródia da peça “Les pompiers de Nanterre”, intitulada “Zé Pereira Carnavalesco”, na qual o comediante Francisco Correia 45
Vasquez cantaria com melodia francesa a quadrinha que se tornaria famosa: “E viva o Zé Pereira, pois que ninguém faz mal/Viva a bebedeira, nos dias de carnaval”. Extinto no começo deste século, o Zé Pereira deixou como sucessores a cuíca, o tamborim, o reco-reco, o pandeiro e a frigideira, instrumentos que acompanhavam os “Blocos de Sujos” e que hoje animam as nossas Escolas de Samba. Apesar de estrondoso sucesso dos bailes de salão, foi na esfera popular que o carnaval adquiriu formas genuinamente autênticas e brasileiras. Com a constante repressão ao entrudo, o povo viu-se obrigado a disciplinar as brincadeiras de rua, passando a utilizar a organização das procissões religiosas para a comemoração do carnaval. Apareciam então os blocos e cordões, grupos que originariam mais tarde as escolas de samba. Formados por negros, mulatos e brancos de origem humilde, os cordões animavam as ruas ao som dos instrumentos de percussão. Sofreram forte influência dos rituais festivos e religiosos trazidos da África, legando para as gerações seguintes o costume de se fantasiar no carnaval. Os cordões possuíam música própria, desfilavam com estandarte e eram comandados pelo apito de um mestre. Daí a importância que tiveram para formação das futuras escolas de samba.
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O primeiro cordão surgiu em 1885 e denominava-se Flor de São Lourenço. Depois deste, outros ocuparam as ruas e assim sucessivamente, atingindo o auge de sua popularidade nos primeiros anos do século XX. O rancho era uma agremiação carnavalesca modesta, composta por pessoas humildes, assim como o cordão. Fez a sua primeira aparição no carnaval carioca em 1873. Os ranchos já existiam na cidade antes dessa data por influência nitidamente religiosa. Desfilavam em comemoração aos festejos natalinos no dia 6 de janeiro (Dia de Reis). Fantasiados de pastores e pastoras que rumavam a Belém, o grupo percorria a cidade cantando e pedindo agasalhos em casas de família. Por possuir letra e música próprias, acabaram por criar um gênero musical cadenciado, com grande riqueza melódica: a marcha-rancho. Por volta de 1920, com a evolução das escolas de samba, os ranchos entraram em declínio, deixando para a posteridade as figuras do mestre-sala, da porta-estandarte e das pastoras ricamente adornadas. O corso, lançado em fins da década de 1900, era um desfile de caminhões ou carros sem capota, adornados, que conduziam famílias ou grupos de carnavalescos dispostos a brincar com os pedestres ou com os ocupantes de outros veículos. O confete, a serpentina e o lança-perfume eram
Desfile de carro alegórico durante o carnaval de 1916. A foto registra a passagem dos foliões pela rua XV de Novembro, em frente ao edifício da Associação Comercial, vendo-se à direita os fundos do edifício da Universidade Federal do Paraná
muito utilizados pelos animados foliões. A Avenida Central, hoje Rio Branco, inteiramente congestionada por esses automóveis, que circulavam em marcha reduzida, era um dos trechos principais do cortejo. Quando as filhas do então Presidente Afonso Pena, em 1907, fizeram um passeio no automóvel presidencial pela via carnavalesca, de ponta a ponta, estacionando depois defronte à porta de um edifício, de onde apreciaram a festa, fizeram moda. Fascinados pela ideia, os fo-
liões que tinham carro começaram a desfilar pela avenida, realizando calorosos duelos com outros veículos. Há quem afirme que o corso desapareceu com a modernização dos automóveis, quando os veículos de capota alta foram substituídos pelos de linha mais simples. É bem provável que a popularização dos automóveis tenha de fato afastado os foliões das classes alta e média. A verdade desta afirmativa é parcial: muitos foram os motivos para o desaparecimento do corso: a dificuldade 47
do tráfego, que já em 1925 amedrontava os foliões, o custo da gasolina e a descentralização do carnaval, tudo isto fez com que a população fosse buscar outros tipos de manifestação para poder comemorar os festejos de Momo. O carnaval trouxe também uma série de objetos que passaram a ser comercializados durante a temporada das festas momescas. O lança-perfume – bisnaga de vidro ou metal, que continha éter perfumado. De origem francesa, chegou ao Brasil em 1903. A serpentina também originária da França chegou ao Brasil em 1892. O confete, procedente da Espanha, surgiu no Brasil também em 1892. A marcha “Ó abre alas”, da maestrina Chiquinha Gonzaga, composta em 1899 e inspirada na cadência rítmica dos ranchos e cordões, foram a primeira música feita exclusivamente para o carnaval, constituindo-se, portanto, num marco para a história cultural brasileira. Esta marcha animou carnaval carioca por três anos consecutivos e é até hoje conhecida pelo grande público. A partir de então, as marchas, também conhecidas como marchinhas, caíram no gosto popular. De compasso binário, com acento no tempo forte (primeiro tempo), eram inicialmente mais lentas para que seus dançarinos marchassem em seu ritmo, mas com o passar do tempo tiveram seu andamento ace48
lerado por influência das “Jazz Bands”; daí serem conhecidas também como marchinhas. Da música “Ó abre alas” aos sucessos carnavalescos de hoje, muitos foram os caminhos percorridos pelos gêneros musicais, até predominarem definitivamente o samba e a marchinha como ritmos prediletos: tango-chulo, polca, marcha-rancho, fado brasileiro, marcha-portuguesa, toada, canção, toada-sertaneja, valsa, maxixe, cateretê, chula à moda baiana e marcha-batuque, entre outros. As marchinhas de carnaval marcaram época, reinaram ao longo de muitos anos e assim foram transmitidas de geração em geração, tendo como principais aliados à divulgação radiofônica, os bailes de salão e as próprias ruas. Muitos foram os fatores que contribuíram para o seu declínio, mas sem dúvida, a supremacia da música estrangeira e de outros gêneros carnavalescos (como, por exemplo, o samba-enredo), fizeram com que as gravadoras (multinacionais em sua maioria) mudassem de rumo. Pelas décadas de 30 e 40, o custo de produção de um disco era baixo e a sua difusão gratuita, o que permitia às gravadoras obterem lucros vantajosos. Com a sofisticação da técnica e o desenvolvimento da indústria fonográfica, houve melhoria na qualidade, mas os custos de produção encareceram substancialmente, dificultando o acesso e a penetração de nossas marchas.
A chegada dos anos 60 afastou os investimentos das gravadoras deste gênero. Apesar de algumas tentativas isoladas (principalmente de Braguinha e do apresentador Sílvio Santos), a canção carnavalesca passou a ser considerada um investimento sem retorno; as multinacionais preferiam incrementar os lançamentos de música estrangeira, utilizando os tapes originais, vindo de suas matrizes, com custos muito reduzidos. O lucro fácil passou a imperar no mercado e com isso os nossos artistas foram perdendo o espaço e o entusiasmo.
com isso as escolas de samba obtiveram amplo destaque na mídia eletrônica. Para os organizadores, o “show” rendia (e rende) tanto através da venda dos ingressos – destinados aos turistas, em sua maioria – quanto das transmissões televisivas. Sem entrar profundamente no mérito da questão – a participação cada vez menor do povo no carnaval – o fato é que, para a glória das escolas, o samba-enredo pediu e ganhou passagem e vem, ao lado das marchinhas que ainda resistem no salão, assegurando a nossa tradição carnavalesca.
Decretava-se dessa maneira o declínio do gênero carnavalesco, que perdendo apoio da indústria fonográfica e, consequentemente, dos meios de comunicação, acabaria não tendo mais condições de sobrevivência. Restavam aos foliões, além dos velhos clássicos, os chamados sambas-enredo e sambas de quadra que, graças ao prestígio crescente das escolas de samba, não dependiam do disco para se popularizar.
Embora o Rio de Janeiro tenha sido o Estado onde o carnaval brasileiro melhor se desenvolveu, a festa momesca foi acolhida com entusiasmo em todo o Brasil.
De fato, o prestígio das escolas de samba aumentava a cada ano e, se não sensibilizou o mercado do disco, acabou atraindo um outro meio de comunicação bem mais sedutor: a própria televisão. No início dos anos 70, com a chegada da transmissão em cores, o carnaval passou a ser encarado como um espetáculo (bastante vantajoso por sinal) e
Por isso, conquanto nosso tema seja o Carnaval de Curitiba, repassaremos muito rapidamente o carnaval em algumas cidades brasileiras. Em Salvador, o carnaval começa efetivamente em dezembro, com a abertura dos festejos pela festa da Conceição da Praia. São celebrações que remetem umas às outras, adquirindo sempre, ao final, um estatuto carnavalesco. A grande atração do carnaval baiano são os trios elétricos: músicos que percorrem as ruas em cima de caminhões equipados com potentes alto-falantes executando sucessos carnavalescos para o povo dançar. Ao que tudo indica, o trio elétrico surgiu em 1950, com Dodô e Osmar. 49
Já em Pernambuco, destaca-se outro grande carnaval brasileiro, o de Olinda e de Recife. Nesse Estado surgiu um dos ritmos mais alucinantes da festa momesca: o envolvente e contagiante frevo. “E a multidão dançando, fica a ‘ferver’...” Daí o surgimento da palavra “frevo”. Paralelamente, existe o maracatu, cortejo de origem africana, altamente expressivo. O berço dos maracatus foram às senzalas, quando os negros prestavam homenagem aos seus antigos reis africanos. Mesmo com o fim da escravidão os cortejos continuaram. Daí o maracatu ganhou as ruas, tornando-se uma das peças essenciais do carnaval pernambucano. Em São Paulo, o carnaval, que era uma festa restrita aos salões, começou a ser praticado nas ruas, nos moldes do carnaval do Rio de Janeiro, repetindo o estilo das grandes escolas cariocas e enfatizando o luxo das fantasias e alegorias. Nos outros Estados, geralmente aparecem traços peculiares, maneiras diferentes de celebrar a folia momesca. Mas a grande tendência registrada no Brasil inteiro é a do carnaval se homogeneizar segundo a fórmula carioca: de um lado, o carnaval de salão (luxuoso ou popular), do outro, o desfile das escolas de samba. Assim, o carnaval vai se transformando num ritual padronizado em todo o País, inclusive na capital paranaense, que mantém, no entanto, certas peculiaridades, como se verá seguir. 50
A afirmação corrente ainda nos dias de hoje sobre a ausência de carnaval em Curitiba também se aplicava ao tempo do império, quando a diversão máxima dos foliões, por ocasião das festas de momo, na capital do Paraná, era jogar água nos outros, com os rapazes sempre borrifando as damas com água perfumada que saia de suas laranjinhas, ou de modo menos suave despejando latadas de água dos parapeitos sobre qualquer transeunte ou folião que saia às ruas para brincar o carnaval, em verdadeiras batalhas de água. A imprensa marca 1857 como data do primeiro registro do carnaval em Curitiba, quando houve um grande baile no Teatro Curitiba. Naquela época o carnaval de Curitiba era feito por cidadãos mascarados que faziam uma verdadeira guerra de bisnagas de água e laranjinhas. Em 1864, surgem na cidade os Blocos Beduínos e Zuaces, que iam pelas ruas distribuindo panfletos aos foliões. Já havia pela época grande concorrência ao bailes, disputados pelas elites, que afluíam em massa à Sociedade Sete de Setembro. Esta prática carnavalesca em Curitiba, ainda primitiva, na verdade, era mera repetição do que acontecia na Capital da República, Rio de Janeiro, denominada de entrudo, ocorrendo em povoados urbanos já de algum porte e tinha como característica uma certa dose de brutalidade sempre pre-
sente nestas brincadeiras, nas quais quase tudo servia para ser arremessado contra o outro: água, farinha, fuligem, ovos podres, hortaliças, onde todos participavam, em razão do baixo custo. A grande sofisticação era representada pelo uso de limões de cheiro e das laranjinhas. Das possibilidades do conteúdo das bisnagas e de limões de cheiro encontramos: groselha, vinho Bordeaux, vinagre e outros líquidos e perfumes. Apesar dos aborrecimentos e dos muitos pedidos que chegavam à polícia para que ela proibisse o uso desse tipo de divertimento, o entrudo continuou imperando. Apesar de popular o entrudo mantinha as regras do estatuto vigente no que toca à separação de classes sociais que não se comunicavam. Ausente mesmo era o elemento negro, os escravos, que se encontravam alijados desses eventos em razão do sistema escravocrata vigente no Brasil Imperial. Na segunda metade do século XIX o carnaval em Curitiba já se apresenta como algo mais refinado, que retrata, na verdade, uma fase econômica de enriquecimento fruto das grandes safras cafeeiras, propiciando o surgimento do chamado Carnaval Veneziano, representado pela riqueza das fantasias e carros alegóricos, e a realização de grandes bailes de máscara à moda de Paris e Veneza, que procuravam afastar a figura grosseira do entrudo, definitivamente banido em 1850, quando foi decretada a sua proibição no Rio de Janeiro.
Até o começo do século XX, o evento momesco em Curitiba era tipicamente uma festa europeia. O Corso representava o ápice do carnaval de rua, onde carros abertos desfilavam pelas ruas da capital enfeitados por belas mulheres, formando grandes filas que ocupavam toda a extensão da Rua Comendador Araújo até a Estação Rodoviária. Evidentemente não era uma festa promovida pelo povo, mas organizada pelas famílias de classe média, de bom poder aquisitivo que não poupavam a algibeira para por na rua muitos carros puxados por belos cavalos, cabendo ao povo participar na condição de mero espectador. A ausência do povo, das camadas mais populares, das massas e especialmente do negro, no processo de formação do carnaval de Curitiba, de cuja criação não foi ator, não produziu o show e nem assinou a direção, talvez explique a razão de até hoje não existir nesta cidade um carnaval que monopolize a atenção da comunidade, como ocorre na maioria das grandes cidades brasileiras. Nem se argumente que o Sul do país não é campo fértil para o carnaval, porque aqui bem perto, em Florianópolis, realiza-se um dos melhores carnavais do Brasil, com apresentação no sambódromo local de escolas que chegam a colocar na avenida mais de três mil figurantes. Porto Alegre também apresenta um carnaval de grande porte, muito superior ao que se observa em Curitiba. 51
Não é objeto deste trabalho ferir este tema em busca de razões que expliquem a ausência de carnaval na capital do Paraná. Porém, não se pode deixar de anotar que desde os primórdios do carnaval em Curitiba, é patente a ausência do negro nos blocos e escolas de samba, que só irá ter palco para demonstrar seu talento na arte do samba a partir do surgimento da Escola de Samba Colorado, como será demonstrado adiante. Nosso carnaval, dizem os cronistas de jornais da época, começou sovado em bom racismo, e o crioulo, alma do carnaval brasileiro, em fins do século XIX, era proibido de sair às ruas em Curitiba. Era muito comum durante o período momesco surgirem anúncios nos jornais, como por exemplo, o Dezenove de Dezembro, prometendo o pagamento de gordas recompensas pelos negros fujões, que aproveitavam o período para fugir da escravidão (JORNAL DEZENOVE DE DEZEMBRO, 25/11/1854)
O fato é que a sociedade curitibana, representada pelas elites econômicas e culturais, sempre foi refratária ao envolvimento com a festa de Momo. Aliás, algumas pessoas externavam de modo contundente esta ojeriza pelo carnaval, como o fez um cronista ao afirmar sobre a festa: “Cano de esgoto que rebentou na sarjeta do mundo e fede durante três dias”, (LEMOS, 1974, p.55), dando a Curitiba fama de cidade fria, sem di52
versão, taciturna, qualidade negativa que acabou sendo introjetada pelo povo curitibano com mal disfarçado orgulho. Aliás, povo triste é como o define um cronista da década de 20, que dizia “O curitibano é triste, muito triste (...) mas sabe receber sempre com calor, tropicalismo, o Deus Momo.” (RODERJAN, 1974, p. 40) Tudo isso aliado a um Estado repressor contribuiu bastante, segundo parece, para a configuração do carnaval curitibano. Um carnaval diferente, com características próprias, que se permitiu durante as três últimas décadas do século XIX ser animado por bandas militares com estrondoso sucesso, quando as polcas e maxixes substituíam o samba. Tal situação não permitia nem ao menos a reprodução das coisas do imaginário popular que caracterizavam “o malandro”, por exemplo, como se pode ver no edital de baile do Clube Curitibano, do ano de 1938, proibindo terminantemente as fantasias de malandro ou outra coisa qualquer que exigisse o uso de camisas de mangas curtas, macacão, ou outras indumentárias que atentassem contra o decoro. Permitia-se apenas o ingresso com fantasia fina ou traje a rigor. Também restava proibido o uso do instrumento chamado de cuíca, o que talvez explique o fato de decorridas mais de seis décadas não existir em Curitiba mais de meia dúzia de cuiqueiros, um dos quais fundadores da Escola de Samba Colorado, Maé da Cuíca.
Mas ao mesmo tempo em que os elementos culturais do negro são rejeitados pelo conservadorismo da sociedade curitibana, eminentemente branca e europeia, dificultando a incorporação deste segmento racial à esfera pública, certos elementos de suas tradições culturais são requisitados para a formação da cultura e da identidade nacional. Sobre toda resistência da elite impera vigorosa a determinação do rei Momo, que convoca a todos para a grande festa promovida pelo seu reinado onde todos serão iguais, sem nenhuma espécie de discriminação, bastando, como passaporte para ingresso neste reino encantado, que o folião seja portador de muita alegria, proibindo-lhes durante esse período o uso de palavras como dívida, tristeza, crise e economia, anuladas no tempo do carnaval, que cria “uma realidade que não está aqui nem lá; nem fora nem dentro do tempo e do espaço que vivemos e percebemos como real.” (DA
Enquanto tais práticas são vistas como bárbaras e merecem reproche porque não se enquadram nos cânones da sociedade burguesa, ao mesmo tempo são enaltecidas por representarem manifestações de afirmação da identidade nacional.
MATTA,1990, p. 123)
Também em relação ao maxixe, podemos observar uma dupla percepção que aponta, simultaneamente, para a admiração e para a censura (...) Condenada, de um lado, por ser lúbrica e enquadrarse admiravelmente dentro da canalhice bárbara (ARAÚJO, 1974, 162), de outro lado, seria levada à Paris, no começo do século por Duque, membro de uma família baiana abastada, que se celebrizaria juntamente com suas partenaires nos requebros
Se por um lado o tradicionalismo das elites da sociedade curitibana, como já nos referimos anteriormente, afasta qualquer possibilidade de inserção da produção cultural das classes populares no seu seio, paradoxalmente, e ao mesmo tempo, sente-se atraída pelo conteúdo da cultura popular e repete no âmbito local o dilema que é, em verdade, da sociedade brasileira, entremostrado na ambigüidade da conduta das elites nacionais em relação às manifestações populares de raízes negras.
Bom exemplo disso é a tipificação da capoeira como crime pelo Código Penal de 1890. Mas que ao mesmo tempo é vista como uma representação positiva com manifestações favoráveis dos que, vendo nela mais do que uma simples luta , pugnam por que se reconheça o estado de ginástica nacional a esta herança da mestiçagem no conflito de raças. (REIS, 1999, p.4) A autora citada percebe esta situação de aproximação e afastamento das elites em relação à produção cultural das classes populares, também com relação à música e a dança. Eis o seu pensamento:
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de la machiche dança nacional do Brasil. (REIS, 1999, p.4) No caso da música e da dança negras, a mesma atitude ambígua das elites, que oscila entre o elogio e a condenação, corresponderá um modo, também ambíguo, de inserção dos negros no cenário musical da cidade do Rio de Janeiro. À medida que o tempo passa, as classes populares vão ganhando terreno na afirmação da sua hegemonia cultural, que irá em breve compor o signo de nossa brasilidade. A luta foi renhida, mas os negros já começavam dominar a política da sociedade branca, embora isto exigisse “muita habilidade dos negros para ir construindo seu campo de alianças, a partir das concessões possíveis, ao mesmo tempo em que a resistência ocorria em lugares seguros e estratégicos.” (TRAMONTE, 2002, p. 28) Aliás, esta política está bem expressa na voz de um dos maiores lideres negros do samba, Paulo da Portela, que afirma: “Devemos impor a cultura e a arte de nossa raça respeitando e fazendo respeitar as normas e a lei. O samba deve ser responsável e correto, cultivando a união e a não violência.” (ARAÚJO, 1991, p.185), levando a efeito o exercício de uma prática política que a antropóloga Paula Montero Reis, 1997, denominou de “dialética da mandinga”, ao revelar um modelo de sociabili54
dade timbrado por uma certa cumplicidade, que procura sempre amaciar os conflitos. Neste contexto de luta e resistência, de busca de valorização e afirmação da nossa identidade nacional, foi fundada no Rio de Janeiro, no bairro do Estácio de Sá, a primeira escola de samba, a Deixa Falar, em agosto de 1928, por Ismael Silva, Alcebíades Barcelos, Nilton Bastos e outros. Também em Curitiba, surgiram os primeiros blocos carnavalescos que firmaram a presença do samba na capital paranaense e vieram substituir as tradicionais associações que nos carnavais curitibanos saiam em carros alegóricos. Estes blocos eram constituídos de pouco mais de 20 ou 30 pessoas, que entusiastas, buscavam trazer para a capital paranaense o carnaval brasileiro que começava a se tornar a grande festa nacional. Tarefa difícil para esses abnegados que lutavam contra todo o tipo de preconceito reinante numa cidade extremamente conservadora como Curitiba. Um destes Blocos, o Asas da Alegria, surgiu em 1936 no seio do Ícaro Atlético Clube, uma sociedade de classe média de Curitiba, e era composto quase que exclusivamente por elementos da Base Aérea de Curitiba. (JORNAL O ESTADO DO PARANÁ, 23/02/1952, p.1)
Este bloco foi um dos mais antigos surgidos na capital paranaense e du-
rante muitos anos foi um dos poucos que saiam à rua tentando dar brilho às festas de Momo. O primeiro concurso de carnaval de rua em Curitiba promovido em 1942, por iniciativa do jornal Gazeta do Povo, foi vencido pelo Bloco Carnavalesco Asas da Alegria, que recebeu o troféu Rodo, ofertado por uma fábrica de lança-perfume da Capital, sendo também vencedor nos anos de 1950 a 1956. No carnaval de 1959, os “Asas da Alegria” eram vistos pela imprensa como um grande concorrente ao título daquele ano. O jornal Gazeta do Povo, noticiando os preparativos para a tríduo momesco dizia: “Um dos blocos que vem alcançando maior sucesso ultimamente, e que constitui um sério concorrente aos demais é o Asas da Alegria”. Informa ainda o jornal Gazeta do Povo do período, que no desfile pela Avenida João Pessoa o bloco foi o mais ovacionado, o que não era para menos, pois a agremiação contava com 55 figuras, possuindo ainda 4 balizas espetaculares, ficando a batucada do bloco a cargo de 4 surdos, 15 tamborins, 4 cuícas, 3 reco-recos, 3 cabaças, 3 frigideiras, 1 sino, 3 clarins e 3 caixetas. Mais adiante noticia que o Bloco, chefiado pelo Sr. Lauro de Carvalho Chaves, visitou a cidade de Ponta Grossa onde fez misérias e foi aplaudido calorosamente pelo povo da Cidade, fazendo também uma exibição na Rádio PRJ 2, para um bom número de espectadores.
Os festejos carnavalescos naquela época eram muito mais autênticos do que hoje, diria em 1984 Lauro de Carvalho Chaves, presidente do Ícaro Atlético Clube, que participou daquela conquista, acompanhando o “Asas da Alegria” em seu tricampeonato e também quando obteve o título de “Campeão do Centenário” ao lado de grandes foliões curitibanos como Alaor Costa, Jubal Azevedo (presidente da Escola de Samba D. Pedro II, em 1984) Cirineu de Moraes, Antônio Gouveia, Gideon e outros tantos foliões. (JORNAL GAZETA DO POVO, 24/02/1984)
Nesta entrevista o veterano folião lembrou saudoso a época em que o Carnaval de Curitiba acontecia na rua XV de Novembro e do primeiro título alcançado pelo Asas da Alegria. A redação e oficinas do Jornal Gazeta do Povo – explica – eram na Rua XV de Novembro, entre Mal. Floriano e Monsenhor Celso, sendo que o carnaval, que também passava pelo mesmo local estimulou os jornalistas Wandick de Freitas, Raul e Hermógenes Reis e Loreto Martins, filho do historiador Romário Martins a promoverem um concurso, sob o comando de Rubens Amazonas Lima e do então diretor De Plácido e Silva. (JORNAL GAZETA DO POVO, 24/02/1984)
E continua o folião o relato sobre o carnaval daquele tempo na rua XV. A disputa foi acirrada – continua – entre os blocos daquele tempo, como o 55
Vira lata, formado por estudantes da UFPR, Calanga do Japão, Colorado, Bola Preta, Vassourinha do Carnaval e outros, mas mesmo assim o Azas da Alegria conseguiu vencer, seguido pelo Bloco Vira-latas que ficou em 2° lugar. (JORNAL GAZETA DO POVO, 24/02/1984)
Havia no carnaval curitibano daquele tempo muita vibração, conta que recebia todos os anos a visita do Bloco Tupinanjês, de Antonina, que vinha brincar aqui o carnaval. Por essa época surgiram alguns blocos que depois se transformaram em Escolas do primeiro escalão, como a Colorado, Embaixadores da Alegria, a própria Mocidade Azul, que seria continuadora do Asas da Alegria, posteriormente transformado no Bloco Carnavalesco Dom Pedro II. No carnaval, naquele tempo, segundo Lauro, os desfiles começavam às 5 horas da tarde, permitindo que todos aproveitassem os festejos, desde velhos até mulheres e crianças, e a cidade preparava-se com entusiasmo para o reinado de Momo, com muita gente nas ruas que amanheciam coloridas por confetes, serpentinas e pela decoração que jamais foi esquecida, animando ainda mais nosso carnaval. Naquele tempo os Prefeitos davam estímulo ao carnaval curitibano. Podemos destacar Amâncio Moro, José Luiz Guerra Rego, Iberê de Matos e Erasto Gaertner, que na década de 40 instituiu pela primeira vez uma verba 56
oficial de estímulo às Escolas e Blocos Carnavalescos. Nesta entrevista, em 1984, o atuante Diretor do Ícaro Atlético, Sr. Lauro de Carvalho Chaves – que depois foi Vereador em Curitiba, e faleceu em 2003 – lamentava que para os festejos de Momo daquele ano a Comissão de Carnaval tenha sido entregue a pessoas que nada entendiam do assunto, e que, a exemplo das festas natalinas, as ruas de Curitiba estivessem nuas sem qualquer decoração, afastando ainda mais o espírito carnavalesco e festivo, que foi pujante na capital, em outros tempos. Outro sambista participante ativo do carnaval de Curitiba, pertencente à Escola de Samba Colorado, Pelé, que foi Diretor de Bateria, relembra que nos anos 60, quando começou a participar, o carnaval era bem diferente. Eis trechos de seu depoimento: Pra mim o carnaval de hoje é totalmente diferente, da minha época em 64, quando saía, os elementos da Escola de Samba saíam mais pelo amor pela Escola de Samba. Eu acho que naquela época você trabalhava muito pela Escola, você trabalhava com a comunidade, e todos participavam. Se você tinha 500 componentes que saiam na Escola, todos trabalhavam. A gente não tinha, por exemplo, horário para terminar ensaio; tinha aquele horário, todo mundo
chegava naquele horário. Na época eu comecei a comandar a bateria, eu já vi até horário de mudança do ensaio para mais tempo para melhorar a qualidade da bateria. Na minha época não tinha essa coisa de implorar para eles virem ensaiar, eles vinham com amor. (NELSON (PELÉ) entrevista em 2003)
Também sambista da Colorado, Rubens Cordeiro, mais conhecido como Binho do Surdo, que pelas mãos de seu pai, Maé da Cuíca, começou a sair na escola aos dez anos de idade, lembra num tom saudosista do carnaval de antigamente: O carnaval era totalmente diferente de hoje. Hoje o carnaval teve uma decaída em função do que a praia proporciona ao povo. O povo prefere passar lá o carnaval, pular com o trio elétrico. Eu acho que infelizmente as autoridades nossas não têm hoje a preocupação de fazer um grande carnaval em Curitiba. Prova disso é transferir da Marechal Deodoro para a Cândido de Abreu. Praticamente enterraram o carnaval de Curitiba. Antigamente existia um percurso grande das escolas de samba. Hoje é muito pequeno. Mas infelizmente as autoridades acham que ali é o melhor para fazer o carnaval e nós temos que concordar. Eu espero que um dia
a gente possa estar novamente na avenida com as Escolas de Samba, saindo com mil pessoas. Isso é um sonho meu. Voltar aquele carnaval maravilhoso de antigamente. (RUBENS CORDEIRO, entrevista em 2004)
As mulheres também eram figuras importantes na Colorado. Uma delas, Laude, que desfilava como baiana, depois como porta bandeira, recorda com saudade dos antigos carnavais. Eis seu depoimento: O carnaval de antigamente foi um carnaval sensacional. Hoje não existe carnaval, porque o nosso Prefeito Cássio Taniguchi é anti-carnavalesco. Então jamais, enquanto ele existir como Prefeito, não vai mais ter carnaval. Agora eu acredito que na hora que ele sair vai ter um baita carnaval na avenida. Quando eu comecei a desfilar eu tinha 20 anos, hoje eu vou fazer 61. Então naquela época era um carnaval legal, era um pessoal de respeito, era um pessoal que você podia sair e levar seus filhos, que todo mundo respeitava. Tanto que eu fui a primeira dentro de Curitiba a desfilar de biquíni na avenida. E fui muito bem recebida, fui aplaudida. Isto foi em 74. (LAUDE, entrevista em 2004) Do carnaval de antigamente, Roberto Fonseca, que foi carnavalesco e dire57
tor Colorado, tem boas lembranças. Eis o seu depoimento: Eu me lembro ainda do carnaval da rua XV e da Rua das Flores. Eu era garoto e me lembro do corso, a guerra de serpentina, o lança-perfume, o concurso de danças que tinha coretos públicos, que duravam três dias e as pessoas tinham que dançar os três dias. O último que caísse, o último que ficasse em pé era o vencedor. Posteriormente houve a época dos blocos: “Não Agite”, “Embaixadores da Alegria”, “Verga Mas Não Quebra”, que desfilavam também na Rua XV e eram ligados as Sociedades, normalmente. E havia um concurso, uma disputa. Eles não tinham enredo, eles tinham um tema e desfilavam dentro do tema. A característica é que os blocos saíam e visitavam todas as Sociedades. Eles entravam para fazer visitas, passeavam pelo salão e havia aquela permuta de conhecimentos entre os blocos. Eles não tinham ainda a característica do samba como se conhecia, porque eles estavam muito ligados a nossa formação, dos estrangeiros que vieram para cá. E o corso estaria mais ligado ao carnaval que se fazia na Europa. Posteriormente esses blocos foram crescendo e se formaram grandes blocos. Mudaram nome para Escolas de 58
Samba, embora nos tivéssemos blocos muito inchados, mas de Escolas de Samba, eles ainda não tinham a característica. (FONSECA, entrevista em 2003)
Outro bloco importante foi o “Cevadinhas do Amor”, surgido no final da década de 40, formado por um grupo que “aperitivava” no histórico Bar Stuart, na Praça Osório, composto em sua maioria por estudantes, entre os quais o acadêmico José Cadilhe de Oliveira que se tornaria uma das figuras mais conhecidas e importantes do carnaval de Curitiba. Em 1948, este pontagrossense de nascimento, curitibano por adoção e carnavalesco por vocação, desfilava pela primeira vez na Rua XV, como integrante deste bloco que em razão das fantasias usadas – garrafas de cervejas da Brahma – recebeu o nome de “Cevadinhas do Amor”. No ano seguinte estava fundado os “Embaixadores da Alegria”, que em 1950 tomou forma jurídica, constituindo uma sociedade civil que se mantém até hoje como ativa participante dos desfiles do carnaval de Curitiba e ostenta o título de segunda Escola de Samba mais antiga da capital. A “Embaixadores da Alegria” foi a primeira agremiação carnavalesca a ter uma estrutura legal e diretoria organizada, e durante muitos anos colecionou sempre o segundo lugar, 16 títulos nesta condição.
Este fato parece estar ligado à capacidade de organização das classes mais elevadas do estamento social, que de posse dos signos e rituais do grupo social a que pertencem, aderiram mais cedo às regras do jogo. Na sociedade moderna, onde pessoas só existem se carimbadas na burocracia estatal, o Dr. José Cadilhe, brilhante estudante que era da ciência de Ulpiano, cedo tratou de firmar a existência de sua Escola no mundo jurídico. Aliás, Dr. Cadilhe é um dos poucos que podem falar do carnaval de antigamente, pelo menos de 40 para cá, como testemunha ocular. Eis o que pensa este decano dos carnavalescos de Curitiba: O carnaval de antigamente diferenciava-se muito do atual. Era um carnaval mais espontâneo. Era um carnaval muito mais familiar, vamos dizer, onde se destacavam coisas que hoje não existem mais. O corso, por exemplo, que era um desfile de carros de passeio, carros alegóricos. Até o começo da década de 30, era puxado por animais de tração, depois por caminhões e tudo mais. Isso foi do Rio de Janeiro para o Brasil todo, até que chegamos aos dias atuais.
to passaram a integrar o bloco “Não Agite”, fundado em 1949, vencedor dos carnavais de 1957 a 1961, e que desfilou como bloco até 1967, quando passou a adotar o nome de Escola de Samba. Curioso o fato que deu origem ao nome desta Escola. Reunidos em uma festa de aniversário, os idealizadores do futuro bloco discutiam sua fundação entre um e outro copo de chope, quando alguém pedindo que não sacudissem o copo de chope disse, “não agite”, porque derrama. Estava decidido qual seria o nome da agremiação: “Não Agite’. Estes blocos, além da Escola de Samba Colorado que será objeto do próximo tópico, sobreviveram até o início do século XXI, outros como “Amigos da Onça”, “Bloco do Povo”, “Não Chacoalha”, “Rei da Alegria”, desapareceram, restando pouca lembrança do que representaram para o Carnaval de Curitiba.
(CADILHE, entrevista em 2003)
Outra agremiação carnavalesca surgida nos anos 40 foi o “Vira Lata’, cujos integrantes após o seu desaparecimen59
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3 Escola de samba Colorado
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3.1 As origens da Escola
O
surgimento das Escolas de Samba no Rio de Janeiro, logo depois em outros estados brasileiros, data do final de década de 20 (“Deixa Falar”, 1928) e representa uma vitória importante dos segmentos populares que, impedidos durante muitos anos de participar do carnaval produzido pela burguesia, viram, após muita luta e sacrifício, reconhecido seu talento, a originalidade de seus instrumentos musicais, de suas canções e de suas danças. Em Curitiba, após o esgotamento do Carnaval do Entrudo e do Carnaval de Veneza representado pelos grandes bailes, começou a tomar corpo um tipo de carnaval onde as camadas mais pobres da população passaram a participar ativamente dos eventos momescos. 63
Foi nos anos 30 que o carnaval de Curitiba começou a passar pelas primeiras transformações, com o surgimento de diversos blocos carnavalescos, principalmente “de Índios”. É nesta época que o carnaval começa a tomar a forma pela qual o conhecemos hoje em dia, a partir de primitivas competições de blocos que apresentavam uma incipiente organização. O Rei Momo e a Rainha do Carnaval surgiram neste período.
Estamos na década de 40 e o Samba começa a firmar-se definitivamente em Curitiba, ensejando o surgimento da primeira Escola de Samba formada por elementos oriundos dos extratos mais pobres da população, ou seja, uma Escola eminentemente popular e que tinha além desta, uma outra característica muito peculiar que a diferenciava das outras agremiações carnavalescas de Curitiba, representada pela sua batida, tida por todos como
“Bom de futebol, melhor de samba”. Assim uma jornalista resumiu um pouco das paixões de Ismael Cordeiro, o Maé da Cuica, em um título de reportagem. A foto é da equipe do Clube Atlético Ferroviário campeã do Centenário em 1953, título mais importante do clube
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diferente, sendo vista a sua bateria como a única que produzia uma batida semelhante às das escolas do Rio de Janeiro. A Escola de Samba Colorado começou suas atividades pelos idos de 1945, saída da antiga Vila Tassi, próxima a Rede Ferroviária e ligada ao também antigo Clube Atlético Ferroviário. Sempre teve à frente a presença forte de Ismael Cordeiro, o conhecido Maé da Cuíca, que nascido em Ponta Grossa, em 1927, veio bater com os costados em Curitiba, quando tinha 5 anos de idade, por volta de 1932, graças a uma molecada que lhe custou uma grande dor de barriga e enorme mal estar, decorrente da ingestão de um saboroso cálice de licor, degustado avidamente pelo futuro grande sambista do Paraná. A peraltice na ocasião obrigou o pai de Ismael a correr com o mesmo em busca de socorro médico em Curitiba, de noite, tendo como meio de transporte um vagonete. Aportando em Curitiba, para tratamento de alguns dias, o moleque, logo se recuperou. Seu pai se integrou às fileiras de trabalho do quilometro 108 da Ferrovia (no pátio de manobras de trens anexo à ferroviária) que ganhou novo trabalhador, também ganhando, por conseqüência, Curitiba, com esse fato, um novo filho, que já se prenunciava seria seu primeiro e talvez mais ilustre sambista, porque não bastasse trazer na alma a vocação para o
samba, foi sua família se instalar no primeiro verdadeiro reduto de Samba de Curitiba, a Vila Tassi, que abrigava na época grande número de trabalhadores ferroviários, em grande maioria negros, que cultivavam o Samba como a grande herança de seus ancestrais. Além deste fato pitoresco, em entrevista concedida ao jornalista Cristiano Castilho, publicada na Gazeta do Povo, em 2009, Maé relembra também com emoção os primórdios de sua iniciação no mundo do samba. Eis seu depoimento: “Comecei olhando ali, quietinho, os guris batendo e cantando. Passou o tempo e fui gostando da coisa. Na hora em que eles paravam para tomar um ‘gorózinho’ eu batia no tamborim” Recorda, na mesma oportunidade, da primeira composição que ousou cometer, premido pela necessidade de ter um dinheirinho para ir a um baile nos antigos idos de um sábado de 1944, cuja saída seria a disputa de um concurso da Rádio PRB-2, que estava pagando um prêmio de 20 mil réis para quem apresentasse uma música inédita, cuja composição que elaborou para disputar o certame foi feita durante o percurso de um quilômetro, percorrido de sua casa até a emissora. Dono de uma memória invejável, para quem já viveu 82 anos, o sambista da Vila Tassi, lembra-se do nome da música “Minha Preferida”, e com voz rou65
ca adquirida nos serenos dos sambas e da vida ataca a letra, assim “Ainda me lembro quando eu era pequenino/ você já era um amorzinho. Você cresceu, eu cresci também/ mas hoje para você eu não sou ninguém”. E o aprendizado do samba continuava, exercitado todas as tardes na Vila Tassi, onde hoje funciona o Moinho Anaconda – ao lado da Rodoferroviária de Curitiba. Na casa de Ismael, que por esse tempo já começava a ser conhecido como Maé da Cuíca, graças ao seu eficiente desempenho neste peculiar instrumento do samba, que aprendeu com facilidade, embora nunca tivesse estudado música. Maé relembra com saudade do espírito comunitário que se observava nos sambas diários da Vila Tassi, ora na casa de Dona Maria Pinheiro, ou na de Dona Anacleta, onde cada um contribuía com um pouco, levando pó de café, pão, salame e pinga, que não podia faltar. Nesta época, Maé começou a construir suas próprias cuícas, porque era difícil encontrar este instrumento em Curitiba. Raras as vezes que encontrava nas lojas de Curitiba, o som que o instrumento produzia não era de boa qualidade sonora, daí, em razão da necessidade de produzir um som que lhe satisfizesse, passou a fabricar o seu próprio instrumento, e daí à fundação da Escola de Samba Colorado, não demorou muito. O jornal Diário do Paraná, edição de 66
7 de fevereiro de 1970, traz um relato das origens da Colorado, assim: “Ismael apita nervoso. Um crioulo está saindo da ‘sua’ e não harmoniza com o restante. Este problema, Ismael está resolvendo desde 1946”. Naquele tempo, atrás do Campo do Ferroviário, situava-se a Vila Tassi. A vida da Vila era tipicamente de “maloca”. De dia as mulheres lavavam roupa, os malandros jogando carteado e, à tardinha, se reuniam, à sombra de três árvores que havia num campo próximo, para fazer uma batucada. Isto acontecia todos os dias, e se estendia até a noite. Em 1946, fizeram uma “caixinha” para comprar fantasia e sair na rua para perturbar os outros. Mas agradaram e conseguiram a segunda colocação no desfile. Naquele ano, disputaram com os tradicionais blocos de então: “Calunga”, “Vira-Lata”, “Asas da Alegria” e “Amigo da Onça”. Na primeira apresentação, o sambista mais perturbado era o tesoureiro. E horas antes do desfile, estourou o problema. Ele havia deixado de comprar meia dúzia de fantasias, pois o dinheiro não deu. A fantasia era bem simples, “Malandro”. Simbolizava as cores do Ferroviário, preto e branco. Daí veio a ideia de um dos sambistas. – São todos crioulos. Porque não pintar umas faixas brancas no corpo “dos
nego”? E o resultado foi satisfatório, pois muitos não notaram. (JORNAL DIÁRIO DO PARANÁ, 07/02/1970)
Em entrevista mais recente, Maé relata que, apesar de fundada em 1946, a Escola de Samba Colorado já havia desfilado no ano anterior, com um pequeno grupo de sambistas, fazendo com que mais de 400 pessoas seguissem a Escola, formando uma pequena multidão que subindo a Rua 7 de Setembro, foi até a Estação Ferroviária, alcançou a Rua XV de Novembro e acabou na Boca Maldita. Na volta, pela Rua XV o grupo entrou no antigo Bar Cometa, cujos proprietários comovidos e surpresos com a novidade, mandaram que servissem aos músicos cerveja e sanduíches, em troca da execução de música, o que para Ismael foi uma grande vitória, porque esse fato venceu o preconceito em Curitiba e levou o verdadeiro samba de negros às ruas da cidade. Missão essa de que Ismael muito se orgulha merecidamente, se considerado o contexto da época, porque, confessa o sambista: “Tínhamos medo porque naquela época havia muita coisa. Sambista, preto e pobre eram muito discriminados”. Outro integrante fundador da Escola rememora, mais ou menos, do mesmo modo a história da fundação da Escola. Eis o seu depoimento, quando perguntado se o Samba em Curitiba nasceu na Vila Tassi: Perfeitamente. Ali onde eu já contei anteriormente, onde
tinham umas árvores, ficávamos ali domingo, começava sábado, mas domingo, principalmente, é que vinha aquele pessoal com os carros antigos Chevrolet, Fordinho, e ficavam do outro lado da rua, que não tinha nem asfalto na época, e ficavam assistindo. Tinha gente que ficava em cima dos vagões assistindo. Então o samba ali, todo mundo tinha aquela curiosidade. Políticos vinham assistir a roda de samba que a gente fazia, Depois tinha uma caipirinha, uma cervejinha, uma já trazia uma “ linguiçinha”. E era direto. Só que esquecia até de comer. Queria samba mesmo. Saía aquela turma e já vinha outra e vinha vindo. E foi crescendo. Porque casas na Vila Tassi, acho que tinham umas 20, mas o povo que tinha ali parece que era uma multidão. (NELSON CORDEIRO, 2003)
Em outro ponto de seu depoimento, Nelson Forquilha reafirma que “o berço do samba em Curitiba é a Vila Tassi, onde nasceu a Escola de Samba Colorado, e que ficava onde é o Moinho Anaconda hoje, né. Ali na frente tinha a balança da Rede Ferroviária, que tinha que pesar um vagão, tinha um poço, tinha três árvores e ali nós fazia o samba. Foi ali que nasceu a Escola de Samba Colorado, saía aquele autêntico samba, era aonde vinha gente do outro lado da cidade, do centro, os políticos.” 67
Menção importante de se fazer diz com a presença emblemática da balança, que é um dos signos míticos do nascimento do Samba no Rio de Janeiro, onde os malandros iam sambar, como bem lembrou Cartola em samba antológico, bem como de outro símbolo significativo representado pela árvore que também tem sua função mítica na gênese do samba do Rio de Janeiro, sendo desde sempre reverenciada como nas espécies da mangueira e da jaqueira, cuja lembrança é fortemente evocada no samba “Jaqueira da Portela”, de Zé Keti. A origem romântica da Colorado, segundo o relato de seus fundadores remete ao clima de encantamento e magia sempre presente na descrição da formação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Aponta para um espaço social onde impera um clima de despreocupação, ingenuidade, singeleza, contato direto com a natureza, em oposição ao quadro trazido no bojo do nascente capitalismo brasileiro com as características que lhe são próprias – acumulação, exaltação do trabalho, exclusão social, econômica, transformação da cultura em mercadoria. Maé da Cuíca em entrevista relata que: A gente passava o ano inteiro fazendo samba lá embaixo dos eucaliptos, dumas árvores. E quando chegou em 1945, nós viemos pra cidade, reunimos 68
lá 16 pessoas, vestimos lá uma camisa de futebol lá do bairro e viemos. Viemos, e agradou a cidade, porque a gente temia, né?(,) Porque o povo pobre, o povo meio crioulo, era discriminado em Curitiba. Então a gente veio meio receoso que podia acontecer alguma reação contrária, mas agradou tanto que nós, no ano seguinte, registramos a escola, criamos estatuto, fizemos uma diretoria. (MAÉ DA CUÍCA, entrevista em 2003)
A preocupação de Maé, naquele tempo, parece procedente porque a Escola era formada por negros (ou chamados crioulos) em sua maioria. Este segmento social até bem pouco tempo atrás estava impedido de se reunir e dançar nas ruas e quando ousavam sambar próximo das grandes artérias centrais, desafiando a Polícia, provocavam enormes conflitos que às vezes terminavam em morte e ferimentos. A marginalização do negro nos fins do século XIX e começo do XX era patente e sua ausência de instituições como escolas e fábricas lhe tolhiam o ingresso ao mercado de trabalho. Moniz Sodré anota que além da exclusão sócio-econômico, havia também os reflexos da marginalização cultural incidindo poderoso veto sobre seus costumes, religião, comportamento, arte e a própria característica física racial os colocavam em situação de inferioridade nos processos de inserção social. (TRAMONTE, 2001, p. 20)
Mas a escola de samba sempre foi um reduto muito democrático, onde sem nenhum preconceito de raça ou social, conviveram sempre o preto e o branco, o rico e o pobre, o patrão e o empregado. Segundo o depoimento de alguns de seus fundadores, a Escola Colorado também incorporava o elemento branco desde que este pudesse dar conta da estrutura da Escola, tanto no que se refere à batida do samba, quanto ao aspecto de respeito às regras morais que estavam colocadas nela.
possibilita à diretoria da Escola um completo controle sobre seus componentes, procurando afastar a imagem negativa resultante das acusações de desordem natural e de desregramento, atiradas contra as populações do subúrbio, e demonstrar que uma “eventual tomada de poder pelas massas não traria forçosamente degradação, diminuição de qualidade e abastardamento dos valores coletivos, mas poderia, pelo contrário, significar seu enriquecimento e ampliação.” (QUEIROZ, 1999,p. 107)
Este é um ponto importante no contexto das escolas de samba. Num espaço social que muitos vislumbram como um terreno onde impera total liberdade parece um paradoxo a exigência, de parte de seus integrantes, de adoção irrestrita do código ético posto pela agremiação. Há neste espaço de ação popular a vigência de um código de honra que regula as relações, estabelece limites e elabora normas coletivas. Foi assim desde o surgimento das primeiras Escolas no Rio de Janeiro, quando seus integrantes, egressos na maior parte das camadas inferiores da população, como estratagema para alcançarem a tão almejada aceitação, declaravam uma irrestrita aceitação e submissão ao código comportamental dos brancos. É graças a essa estratégia que o maior espetáculo do mundo se torna possível, como produto do esforço e da disciplina que sabem se impor os próprios participantes, fato que
Ao falarmos nas regras morais, convém anotar que elas eram importantes para o bom andamento da Escola, para a sua aceitação na comunidade, dependendo para tanto do sucesso da colaboração de seus integrantes, que deviam por isso estrita e fiel obediência ao código moral vigente na agremiação. Nesse caso, o integrante que fosse dado ao vício da bebida, provocador de briga ou outras coisas vetadas pelo estatuto moral vigente no mundo do samba, era excluído da Escola. Em contrário, aos que se submetiam às regras morais da entidade, esta oferecia convício social, respeitabilidade e todo um mundo alternativo onde se reinventava valores e invertiase a lógica da sociedade atual. Esta política de valores é que permitia, por exemplo, que prostitutas fossem aceitas no âmbito da Escola Colorado, desde que na convivência exercitada neste espaço social elas obedecessem 69
rigorosamente o código de ética da entidade, o que servia também para propiciar junto a estes segmentos marginais um trabalho de reeducação comportamental. Esta pedagogia dos valores éticos foi estudada pela professora Cristina Tramonte, que em trabalho valioso sobre ação educativa das Escolas de Samba assevera que: A pedagogia dos Valores Éticos e Morais possibilita a educação comportamental de acordo com seus valores e, para isso, oferece um ambiente receptivo que propicia condutas construtivas no Mundo do Samba, dando chances e oportunidades para aqueles que estão excluídos e são rejeitados por uma lógica que tem como premissa máxima o poder econômico. Além do aspecto do comportamento social em sentido mais amplo, também o comportamento sexual é rigidamente controlado, invertendo a aparência que os meios de comunicação de massa exploram no carnaval: na essência deste código ético e moral, não há lugar para exploração sexual no ambiente das Escolas de Samba. (TRAMONTE, texto encontrado na WEB, escrito em 1994)
O local exato onde se originou a Escola remonta ao lugar em que se encontra o Moinho Anaconda. Bucolicamente 70
dizem seus fundadores: “debaixo de três árvores, a gente fazia o samba”, conforme cita Nelson Forquilha. Um dos elementos destacados nesse inicio da formação da Escola é o preconceito que a sociedade curitibana tinha com relação aos negros pobres e ainda sambistas, quando tudo era confundido com briga, cachaça, samba e pobreza. No entanto, nos relatos apresentados observa-se que isso não era realmente verdade, vez que os componentes da Escola ou estavam ligados à Rede ou a outras profissões não reconhecidas socialmente. Em sua comunidade havia costureiras, lavadeiras, passadeiras, trabalhadores em restaurantes e até mesmo jogadores de futebol, que à época não tinham o prestígio nem os ganhos que têm hoje em dia. O próprio Ismael Cordeiro, bem como Rubens e Izaldo pertenceram aos quadros do Clube Atlético Ferroviário, sendo companheiros de clube do jogador Afinho, mais tarde Desembargador da Magistratura do Estado. A Escola de Samba, como legítimo espaço popular abrigava, entre outros, e segundo relatos, até mesmo as moças que se “viravam na noite” pelas ruas de Curitiba, onde eram bem recebidas e respeitadas, a despeito de pertencerem a um segmento social muito malvisto pela sociedade. Fato irrelevante para a comunidade da Escola de Samba, já que o que importava era o que elas faziam pela Escola, que em retribuição lhes conferia certo status
Futebol e samba sempre andaram juntos nas imediações da Vila Tassi. Jogadores do Ferroviário ajudaram a fundar a Colorado e participaram intensamente da vida da Escola. Da esquerda para a direita, os fundadores da Colorado: Ismael Cordeiro, Izaudo e Nelsinho – atletas campeões do Centenário pelo Clube Atlético Ferroviário em 1953
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social, que lhes permitia enfrentar os policiais que as perseguiam, quando no exercício de seu trabalho, mostrando uma carteirinha de integrantes da Escola. Maé contou como se deu o fato acima. Eis seu relato: Até tinha coisa que é meio cômica, tinha umas moças que se viravam aí na noite. Vamos assim dizer, na Rua Riachuelo, Barão do Cerro azul, e a Escola de Samba dava uma carteirinha de identificação pra cada componente. Chegava lá, levava sua fotografia, eu assinava a carteirinha e saía. Mas isso era uma coisa lá na Escola de Samba pra quando chegasse, passar na portaria, por exemplo, né? Mostrar a carteirinha pra mostrar que ela fazia parte, que era componente da Escola. E aí começou o seguinte: começaram a prender as moças na cidade. Elas saiam do ensaio meianoite, uma hora da madrugada, chegavam na rua e a polícia prendia. Aí, nos se reunimos lá com o pessoal da Prefeitura e fomos até a Secretaria de Segurança explicar a situação. Que elas faziam parte da Escola de Samba Colorado e, a polícia estava prendendo, sei lá se com razão ou sem razão. Entrava no bar pra comer um sanduíche, daqui a pouco a polícia estava 72
esperando na porta. Cana. Aí o Secretário deu uma ordem lá que o pessoal da Escola de Samba que apresentasse, que tivesse credenciado, que não era pra mexer. Aí os caras vieram falar comigo, os tiras: “pô, que negócio é esse das carteirinhas aí, a mulherada toda é Colorado. Qual é? Não se pode prender mais ninguém? Do relato de um dos fundadores da Escola ficou bem patente a importância da obediência às regras de conduta vigentes no âmbito da agremiação, que permite a esta, de seu turno, o exercício do papel de mediador das relações sociais com setores que não integram à comunidade, em busca de garantia do equilíbrio interno e externo, entre comunidade e forças externas, negros e brancos, pobres e ricos, reforçando o aspecto comunitário da escola, visando a manutenção da coesão interna e do espírito de solidariedade, que será sempre um elo forte a sustentar a luta das camadas populares em busca de sua afirmação como agentes construtores da cultura. Este começo do samba em Curitiba não foi fácil. Aqui se repetia o mesmo preconceito que envolveu o aparecimento do samba no Rio de janeiro, já que o fato de serem sambistas, portanto não ter profissões reconhecidas, os jogava na marginalidade. Também pela sua cor e local de residência, além de serem “fazedores de samba” numa cidade que
exalava música clássica, teatros e cafés, que era chamada Curitiba, a “Atenas brasileira”. Esta cidade que tinha no footing da Rua XV, nos parquinhos e cinemas e numa onda de reestruturação urbana uma ação para a modernidade. Tudo isso contribuiu assaz para que o Samba fosse colocado junto com seus criadores na margem da cidade e de sua pseudocultura europeia. O carnaval, no tempo em que a Escola de Samba Colorado foi fundada, era representado pela tradição de carros aberto, bonitos, de madames e da altasociedade curitibana, com batalha de confete e serpentina. Segundo o depoimento de um dos fundadores da Escola , em 1946 a agremiação desfilou pela primeira vez. Neste caso, a única fonte que temos provém da memória oral, visto que buscando nos periódicos da época daquele ano e de anos posteriores, até aproximadamente 1950, não encontramos citação jornalística que mostrasse a participação da escola em desfiles em Curitiba, apenas algumas fotos mostrando o Carnaval em seu aspecto geral. Sobre este ponto, há controvérsias, como demonstram documentos produzidos mais tarde, que noticiam como ano de estreia da Escola de Samba Colorado na avenida, o de 1944, conforme se depreende do enredo do carnaval de 1984, que teve por título “Os 40 Anos de Glória e Samba”. Uma alusão aos primeiros tempos da Esco-
la, quando toda a Vila Tassi unia-se em torno da agremiação por ocasião do desfile carnavalesco, data que foi comemorada no carnaval de 1984. (JORNAL GAZETA DO POVO, 03/03/1984, p.3)
Parece-nos, no entanto, do que se extrai da memória oral, que já no início da década de 40, o “Samba de Bamba” se fazia presente na Vila Tassi, sem que houvesse, no entanto, qualquer caráter agremiativo. Um outro fundador da escola, Nelson Cordeiro, mais conhecido por Nelson Forquilha, um dos mais antigos percussionistas da Colorados, pandeirista, assevera: Quando a Escola surgiu, eu tinha onze anos, em 1941, nós já fazíamos aquele samba de roda, onde se reuniam muitos “cobras” dizendo assim sua arte. Os “cobras” são aqueles que entendem do ritmo, e cada um se colocava no seu lugar, “ fazendo uma canja” do seu instrumento. Uma batida diferente, outro também queria imitar, outro já queria superar aquilo e foi onde a Escola cresceu, com todas essas curiosidades e inovações que a escola mostrava por intermédio de seus elementos. (NELSON CORDEIRO, entrevista em 2003)
Outro integrante que defendeu por muitos anos as cores da Escola de Samba Colorado, o compositor, advo73
gado, jornalista e radialista Cláudio Ribeiro, reforça a tese de que já no início da década 40 se fazia samba dos bons na Vila Tassi, onde Maé e os “bambas do samba” da comunidade se exercitavam em torneios de “Partido Alto” e “Samba de Quadra”. (Boletim Informativo da Casa Romário Martins, fevereiro de 1983, p. 25)
Este compositor da Escola de Samba Colorado, que também é pesquisador de Música Brasileira, defende, inclusive, a tese de que a Vila Tassi era, na verdade, um núcleo de resistência da cultura negra em Curitiba, onde os habitantes, na maioria descendentes de escravos, praticavam outras modalidades de dança e canto, como o “Jongo” e a “Congada”. Em livro inédito, a ser editado brevemente, o jornalista e compositor ao estudar as origens da Escola de Samba Colorado, assevera que o negro curitibano, além da desqualificação técnica, operada pela sua sistemática exclusão dos institutos públicos, responsáveis pela formação que o habilitasse ao mercado de trabalho, sofria a chamada desqualificação cultural em razão de sua cor, costumes, modelos de comportamento, religião. Para a sociedade curitibana eram tidos como pontos negativos que lhes impedia ingresso no processo socializante da nascente urbanização da capital paranaense. Eis como o autor aborda o tema da resistência: 74
O preconceito e a discriminação obrigaram o negro a novas táticas de preservação e continuidade de suas manifestações culturais. A velha forma de batuque, que a Câmara Municipal impedia por leis desde 1860, modificavase, vezes para se incorporar às festas populares de origem branca, vezes para se adaptar à vida urbana fria de Curitiba. As músicas e danças africanas transformavam-se, perdendo alguns elementos e adquirindo outros, em função do ambiente social. Aqueles crioulos da Vila Tassi, descendentes de escravos, filhos e funcionários da Rede Ferroviária Federal eram herdeiros legítimos de uma então nascente música urbana brasileira. Sem saber, cultuavam os primeiros acordes da modinha, do maxixe, do lundu, do samba à sombra das velhas árvores da Vila. Além do samba cultivado na Vila, havia naquele reduto outra importante manifestação da cultura popular brasileira – o jongo, canto e dança de grande beleza, que a exemplo do batuque também teria sido proibido por lei municipal curitibana, no século anterior. (RIBEIRO, 2002, sem página)
Este autor defende a tese de que as Escolas de Samba em Curitiba teriam, a exemplo do Rio de Janeiro, origem nas
manifestações coletivas do negros, que pioneiramente realizavam desfiles que se apresentavam em cortejos pelas ruas de Curitiba, indo rezar na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, após passar por várias casas. Eram negros que ainda detinham a condição de cativos, e que dentro de uma atividade religiosa que programavam para a sua coletividade incluíam a congada, que desenharia os moldes dos futuros ranchos e posteriormente das Escolas de Samba. Para Cláudio Ribeiro – que conviveu, a partir de 1970, com os “bambas” da Colorado, tendo sido por quase trinta anos compositor da Escola, além de presidente – a casa de Ismael Cordeiro foi, na verdade, um grande centro irradiador de cultura popular de Curitiba. Era ali no aprisco de seu lar que Maé da Cuíca reunia crianças e adultos da redondeza que deixavam o carteado para, com a aprovação das mulheres, na maioria lavadeiras de madames, se entregarem ao canto de sambas de rara beleza. Eram acompanhados por qualquer instrumento que lhes caíssem nas mãos, que se tornavam musicais, como pratos, pentes, latas, caixas de fósforo, barricas de mate, frigideiras, tocados pelos crioulos que formaram a base de percussão que mais tarde se traduziria na famosa bateria nota 10 da Colorado. A formação original da Escola por negros, sempre fez a diferença que a
Colorado apresentava em relação às outras escolas de samba: a base de sua escola era a bateria, que era formada genuinamente por elementos de cultura negra. O timbre da escola, o ritmo e a melodia eram ditados pela cultura do negro, pela sua memória atávica, sua ancestralidade, sua ginga libertária, e tudo isto tornou a escola diferente das demais. E não era para menos, considerando que, segundo Roberto Fonseca, um dos mais importantes carnavalescos da Colorado e ex-presidente, a Escola era composta por 90% de negros que moravam na Vila Tassi e arredores. Pois foi sustentado no espírito guerreiro e combativo desta gente de cor que, em 1946, Maé contagiou os curitibanos com o ritmo alegre, ligeiro e personalíssimo da recém-fundada Escola de Samba Colorado. Cláudio Ribeiro, indo às fontes descobriu e escreveu que: O objetivo era o de disputar o Carnaval que sempre trazia os tradicionais blocos da sociedade curitibana – “Asas da Alegria”, “Calunga’, “ViraLatas” e “Amigos da Onça’. Desfilaram e conquistaram o segundo lugar, fazendo com que simbolicamente Curitiba tivesse uma outra divisão territorial, 75
rompendo os limites impostos pela divisão social do espaço urbano aos negros paranaenses, em busca de um livre trânsito das intensidades de sentido da cultura dos afro-descendentes. (RIBEIRO, 2002, sem página)
A luta pela imposição da cultura do negro fora do espaço social que a classe dominante lhe reservava não foi fácil, pelo contrário, sempre foi eivada de grande carga de preconceito. Ainda sobre as origens da agremiação, Roberto Fonseca afirma o seguinte: A Colorado sempre foi meio que marginalizada porque ela fazia parte do samba do negro. Ela era o samba do negro. Ele tinha a origem negra no seu sangue e fazia um carnaval diferente. Sua batida, seu andamento era completamente diferente, seu ritmo, tudo era baseado no negro, diferente do que se fazia nos blocos. E ele começou a criar uma escola. Daí que a escola, sendo pobre e nunca podendo apresentar ricas fantasias foi se preocupando somente com a sua bateria. O colorado permaneceu fiel à sua bateria, que era o seu forte, nisto ele não tinha concorrente. Quando se organiza o carnaval em Curitiba, o Colorado sentiu o baque em razão do seu baixo poder aquisitivo. 76
A memória oral produzida revela então, pelos testemunhos, que já no início da década de 40 havia samba na Vila Tassi (Nelson Forquilha, um dos mais antigos integrantes, relembra o ano de 1941). A própria escola propõe o ano de 1944 como o de sua fundação, assim que levou para a avenida, em 1984, um enredo comemorativo dos 40 anos desse evento e Cláudio Ribeiro propõe o ano de 1945 como marco fundador da escola. (RIBEIRO, entrevista, 2003)
O certo é que, a despeito da existência de grupos formados em sua maioria por negros, que praticavam a arte do Samba na Vila Tassi, em reuniões domésticas regadas a cerveja como complemento indispensável da boa comida feita na casa de Maé, para alegria dos participantes das alegres rodas de samba, não existia ainda nesta época um elo associativo, agremiativo, a unir os sambistas da Vila. Não havia um caráter de agremiação que costurasse a reunião dos participantes do grupo. Não havia pelo menos em 1944/1945, a Escola de Samba, em razão da ausência de organização, porque uma Escola é um agrupamento carnavalesco organizado. “Organizou, virou Escola de samba”, como já ensinava em magistério antológico o grande sambista da Estácio, Ismael Silva. (CABRAL, 2000) Parece-nos que a segunda data é a mais precisa, porque lembrada com segurança pelos fundadores mais antigos, os irmãos Maé e Nelson Forquilha, e confirmada por um dos mais
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Uma das fotos mais antigas da Colorado. 1-Ari, 2-Alceu, 3-PelĂŠ, 4-Jaburu, 5-Juquinha e 6-Binho (de bigodinho)
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bem informados jornalistas de Curitiba, o cronista Aramis Millharch. Em sua coluna “Curitiba dia a dia”, do jornal “Última Hora”, publicada em 20 de fevereiro de 1964, o respeitado jornalista aponta a data de fundação da Escola de Samba Colorado como sendo o ano de 1946. Convém também referenciar que a Escola, embora fundada em 1946, somente teve sua formalização jurídica em 1958, conforme se vê no Diário Oficial de 07/03/1958. A verdade é que 1945, segundo relatos, eles vieram para a ‘cidade’ fazer um reconhecimento da área, porque havia certo temor em transpor os limites de seu território, a periferia, e invadir a cidade, o espaço de camadas mais elevadas do estamento social, numa época em que o samba ainda era malvisto como prática marginal e mormente porque feito pelo elemento negro. Segundo Maé da Cuíca, no final da década de 40, começo da década 50, a sociedade curitibana não aceitava um conjunto de samba. Eis o depoimento do sambista: Olha, crioulo não entrava de jeito nenhum. Não tinha. Tanto que no Coritiba Futebol Clube não jogava negro. O primeiro crioulo que entrou lá era o Bananeiro, o Ferreira que entrou lá e jogou. Mas na sede do clube, nos bailes, não entrava, tanto que a partir de um determinado tempo, não sei, o 78
Coritiba começou a ceder espaço pra nós dentro do clube, dentro dos bailes de carnaval, tanto que nós tinha mais prestígio (sic), mais aceitação lá do que a própria escola de samba “Não Agite”. (MAÉ DA CUÍCA, entrevista em 2003)
Convém esclarecer que o entrevistado mistura o tempo, dando a impressão de que a rejeição e aceitação dos conjuntos de samba pelos clubes freqüentados pela classe média curitibana aconteceram em curto espaço de tempo, mas a verdade é que desde o tempo em que o samba era mal visto, começo da década de 30 até fins da década de 40, como disse Maé, até sua aceitação, em fins da década de 40, decorreram mais de 20 anos de luta e resistência. Importante no depoimento de Maé, a revelação de que o grupo formado pelos componentes da Escola de Samba Colorado suplantava em prestígio o “Não Agite”, que era a Escola pertencente Coritiba Futebol Clube, agremiação preferida pelas classes sociais mais elevadas, o que significaria de certo modo o reconhecimento e a consagração da Escola de Samba Colorado pela sociedade curitibana. Portanto, nesta primeira incursão dos sambistas da Vila Tassi pelas hostes citadinas, houve num primeiro momento hesitação, porque o trajeto proposto por Maé despertou desde logo nos integrantes do grupo um grande temor. Era muito forte o medo de passar em frente da Delegacia de Polícia,
porque afinal, negro, samba, sociedade e polícia não combinavam, além de que eles passavam em bares e, como diziam, ‘se alegravam’ e iam pulando o carnaval. O preconceito contra os sambistas na década de 40, em Curitiba, era patente e fortemente introjetado pelos sambistas, que tinham por verdadeira a visão dominante de que a sua condição de negro e de sambista não combinava com sociedade e polícia. O próprio sambista reconhece aqui que há uma distância que o separa da sociedade, que o mantém à margem do processo social. Esta situação pode ser facilmente notada na palavra de um dos fundadores da Escola, que relatando a vinda dos sambistas para a cidade no carnaval de 1945, revela a preocupação com o modo pelo qual seriam recebidos pela comunidade. Diz Maé da Cuíca: Viemos, e agradou a cidade, porque a gente temia, né?, Porque o povo pobre, o povo meio crioulo, era discriminado em Curitiba. Então a gente veio meio receoso que podia acontecer alguma reação contrária, mas agradou tanto que nós, no ano seguinte, registramos a Escola, criamos o estatuto, fizemos uma diretoria. (MAÉ DA CUÍCA, entrevista em 2003)
Assim composta a Escola, em 1946, foi formada a primeira diretoria da qual
fazia parte Ismael Cordeiro, o Maé da Cuíca. A maioria dos integrantes eram jogadores do Clube Atlético Ferroviário. Dentre outros, Maé lembra alguns nomes da primeira Diretoria, como Clemencial Rodrigues, que foi presidente, Isaldo Gomes, que era jogador do Ferroviário, Nelson Gomes, também jogador de futebol na época, do Ferroviário, Mário Cantarelli, Mário Ferreira, Nelson Cordeiro, irmão de Maé, Ivo Cordeiro, Eliseu, Norival. Também é lembrada a figura de Santa, uma bonita mulher que foi uma das primeiras a participar de escola de samba em Curitiba, na Colorado, porque as outras Escolas não admitiam a presença de mulheres nos desfiles. Este depoimento de Maé é importante porque revela a maleabilidade das regras sociais que vigiam no seio das camadas populares que aceitavam sem restrição a presença da mulher na Escola de Samba, comportamento que não teria certamente o aval das camadas mais elevadas no tocante às mulheres de comportamento sério da sociedade curitibana da década de 40. Outros nomes são lembrados pelo fundador da Colorado: Wilson que tocava violão, Jacinto, tamborim, Nininho, Siloe, Arlindo, que depois ocupou o posto de Coronel da Polícia e tocava surdo. Ainda são lembrados Dinor, Mililique e Marron, que veio mais tarde. Barnabé e também Pézinho, que foi um dos maiores pandeiristas da Escola. Formada a diretoria, em 1946 a Es79
cola desfilou com um número maior de integrantes: 80 pessoas vieram à cidade para mostrar a Escola, segundo Maé da Cuíca. Diferentemente do ano anterior, quando havia apenas um agrupamento carnavalesco sem qualquer intuito de agremiação. Agora já havia uma certa organização, pois anteriormente eles vinham da Vila Tassi, juntos, tocando e cantando, passavam pelo circuito do carnaval, mas não era propriamente uma apresentação, era uma passagem de um grupo de pessoas que faziam samba. Nesse ano a escola já veio com alas formadas, havia uma comissão de frente, composta por dois índios, que faziam o papel de abre-alas, havia uma portabandeira, só não havia mulatas, que vieram mais tarde. Nesse período era comum que os jornais da capital promovessem concursos para premiar os blocos carnavalescos, com troféus, dinheiro, etc. No jornal Gazeta do Povo daquela época encontramos a chamada para o Carnaval, que diz: “...cujo o raio de ação se circunscreve à quadra da Rua XV de Novembro, onde se está localizada nossa redação, isto é, entre as Ruas XV de Novembro e 1º de Março.” Alguns anos mais tarde, a prefeitura começou a definir todo o conteúdo do carnaval, desde o local da apresentação, como os jurados e a composição da Escola, além de muitas vezes interferir no tema a ser levado para a Avenida. 80
Por volta dos anos de 1949-1950, a Vila Tassi acabou, e Maé, grande compositor que não perde um bom tema, fez o primeiro “samba de autor” cantado na Avenida, “Vila Tassi”, onde redigiu como ele só: “Quem diria que a Vila Tassi ia se acabar / Quem diria que só três casas iriam ficar”. E se acabou, mesmo. O dono das terras desapropriou a maioria dos moradores, transferindo-se o samba de todas as tardes para um espaço no Estádio Durival Britto. Só restaram três casas. Acabou a Vila Tassi, mas não acabou a Escola, que acolheria grandes sambistas que passaram sempre com brilhantismo pelas suas fileiras, e dos quais, histórias engraçadas e humanas podem ser contadas. O jornalista Cristiano Castilho conclui assim a matéria referida em páginas atrás, sobre o grande sambista Maé da Cuíca: “Ismael Cordeiro foi presidente da Escola por 35 anos, por mais que quisesse só “bater tamborim e tocar cuíca”. A Colorado desfilou pela última vez há quase dez anos e cantou inúmeros “sambas-enredos” feitos pelo Maé. Outros, cerca de 20 “sambas-lamento”, estão na conta do músico, que nas paredes do pequeno apartamento, no edifício Barão do Cerro Azul, em Curitiba, ostentam inúmeros troféus, quadros e outras tantas fotos, de seus três filhos e de seus “quase 30 netos. Lado a lado com cuícas já embaçadas pelo tempo.” A prova de que o grande sambista continua em forma, revela-se no fato
de que aos 82 anos de idade ainda se faz presente em rodas de sambas dos bares da cidade. Ainda desempenha com maestria a sua inseparável cuíca, e produz belíssimos sambas como este feito em 2009, e mostrado ao jornalista Téo Souto Maior, na entrevista referida acima, onde rememora os bons tempos da Vila Tassi, com muita saudade. O título do samba é “Saudade da Vila Tassi”, cuja letra é a seguinte:
do velho, porém, ativo sambista:
Que saudade da Vila Minha Infância Minha Escola Escola da minha vida Vila querida Futebol e namorada Amigos da batucada Quantas madrugadas Mas hoje está tudo mudado Os sambistas estão calados Numa tristeza total Mas o samba que nasceu aqui na Vila Não morreu, ainda respira Está pedindo para voltar Ao longe escuto Tamborins repicando É o samba que está voltando Por que aqui é o seu lugar E o meu povo Em festa está cantando: Se embora tristeza Que a alegria está voltando.
Numa ocasião fui chamado na Delegacia. Aí, o delegado falou pra mim: ‘é essa tua ‘negrada’ aí, todo mundo ‘ ladrãozada’, bandido, maconheiro, e ‘num’ sei o que. Aí eu disse: ‘Ó Doutor, o negócio é o seguinte. Eles podem ser lá o que for, agora lá dentro da Escola não tem. Na rua é com o senhor. Na rua eu não tenho nada a ver. Lá dentro da Escola a ordem é lá. Esses mesmo, se o senhor for lá, vai notar que ‘esses caras’, que são ‘pinta braba’ aqui, são diretor de disciplina lá dentro. Eu já punha mesmo ‘os caras lá para cuidar’, que daí não me incomodava.
E dessa maravilhosa Escola de Samba, Maé fala com saudade e emoção, em entrevista concedida em 2009, ao jornalista Téo Souto Maior. Eis as lembranças
“Graças à Deus a minha Escola de Samba Colorado era uma Escola querida por todo mundo. Era uma ‘negrada’, todo mundo era pobre, mas eles respeitavam. Podia ter ‘mau elemento’ ali, tinha ‘cara’ ali que fazia de tudo. Mas lá dentro da Escola não. Lá era ‘na linha’.
E tinha ‘as mulher que viviam na noite’, né?(.) Aqui na Barão do Serro Azul, na Riachuelo. E elas saiam na Escola. Chegou um tempo que, pô, elas iam ensaiar e polícia prendia e não chegava no ensaio. Ou terminava o ensaio, a polícia encontrava elas depois e iam presas. Aí, 81
eu fui na prefeitura e fiz uma reclamação: Pô, não tenho mais ninguém para ensaiar, porque os ‘ home’ estão assustando. Depois disso, o prefeito entrou em contato com o Secretário de Segurança e entramos num acordo. Eu fiz as carteirinhas para todo mundo da Escola. Fiz ‘pras mulher’, os homem já tinha. Daí o pessoal saía na rua, a polícia ‘vinha pra cima’, eles já metia a mão na carteirinha. Depois fui chamado outra vez na Delegacia, porque daí estavam reclamando que não se podia prender mais ninguém porque estava todo mundo credenciado. Mas a Escola era assim: dois meses de ensaio, às vezes um mês. Tinha vez que a gente começava os ensaio com 25 dias para o Carnaval. Nesse tempo que tinha, aí a cidade ficava mais em paz, porque o que pertencia para o meu lado lá ‘não tinha bronca’. Terminava o ensaio, fazia uma ‘roda de samba’ ali – às vezes tinha mesa lá só com o pessoal da polícia, coronel, major e tudo, que gostava do nosso samba lá. O Major Bruno levava o pessoal, que ele era Boca Negra pra caramba. E a gente cantava samba ali, ficavam aquelas mulatas e coisa e tal. Tinha gente que achava que Escola de Samba era uma 82
coisa muito brava, mas não era verdade. Se eles tinham que brigar, brigavam fora. Teve um dia que um ‘cara’ matou uma passista da Escola de Samba, mas matou lá na rua. Era um dia de paz lá no estádio, na Escola de Samba. Ela estava rodando e sambando e o cara pegou um copo de cerveja e jogou nas pernas dela. Não deu outra. Ela meteu o sapato na cara dele. E a ‘neguinha’ era brava – a Sônia, maior passista que apareceu aqui em Curitiba. Aí, quando terminou, saiu todo mundo do estádio. Uns vieram pela João Negrão para a cidade e ela subiu sózinha para pegar o ônibus dela na Marechal. O cara foi atrás e foi insultando ela. Ele estava bronqueado e queria ver se ela pedia desculpas. Mas a ‘neguinha’ não era de ‘pedir arrego’. Ela enfrentou. O ‘cara’ puxou uma faquinha e deu um cutucãozinho, que só entrou o suficiente para pegar o coração. Eu estava chegando na praça Tiradentes, quando vieram correndo atrás de mim e disseram: Maé, mataram a Sônia. Ai no outro dia, naquele carnaval, ainda ganhamos o carnaval. Era 1975 ou 1976. Ela faleceu um dia antes do carnaval. Nós estávamos trazendo da Lapa um grupo de folclore, de Congada. Consegui um ônibus para trazer o pessoal
para desfilar com nós. Foi a coisa mais triste e ao mesmo tempo bonita, porque na hora do desfile teve cinco minutos de silêncio. Ficou tudo parado. Eu não lembro quem é que era o radialista que estava lá e começou a falar. Ficou todo mundo quietinho. Quando o cara parou, a escola de samba virou, eu apitei e ‘o pau comeu’ outra vez. Ganhamos aquele carnaval. O samba era “Lapa Legendária”. Os jurados acharam que aquela parada não estava lá, pois também foi feita de improviso. A cidade de Curitiba inteira estava sabendo do acontecimento. Daí falamos: vamos fazer uma homenagem”. Mas a Colorado não se fez só de Ismael Cordeiro. Alguns outros personagens da Colorado merecem também ser lembrados, ainda que de modo sumário, como Mamangava tio do “Binho” do Surdo, que era um exímio tocador de frigideira e durante seis anos foi nota 10 como mestre-sala. Era também bom compositor e tinha um grupo que fazia shows de samba onde ele era uma atração. A respeito de Mamangava, existem umas histórias curiosas contadas por Binho. Certa feita foram se apresentar na inauguração de um restaurante de comida baiana e o Mamangava,
muito falante, fazendo tipo, dizia que era baiano e sabia fazer frente a um vatapá. Disto isto, ele se “atracou” na pimenta com Vatapá, e quando foi às quatro da manhã lá estavam com ele no hospital quase em coma. O jornalista e compositor Cláudio Ribeiro sobre este grande sambista da Colorado, diz o seguinte: “Pegamos o Mamangava muito pouco. Ele ainda era do tempo do desfile com as cordas. Havia um momento na história do carnaval em que as escolas saíam e as pessoas saiam segurando uma corda para não deixar invadir o espaço da Escola, e o Mamangava era desse tempo. Eu o conheci, ele era uma pessoa fantástica. Na época em que nós começamos, o mestre sala era o Fininho. Eu me lembro que muitas vezes a gente tinha que ir lá no presídio tirar o Fininho da cadeia pra ele sair desfilar. Aí terminava o desfile, a polícia pegava o Fininho e levava de volta para a cadeia.” Cláudio lembra com saudade de outros personagens da Escola. Eis o seu relato: “Tinha o Chocô, que estava saindo da Colorado quando nós entramos. O Chocolate estava fundando a ‘Ideais do Ritmo’. Mansueden dos Santos Prudente 83
– você não conta a história da Colorado sem falar no nome do Chocolate. Nós pegamos esse finalzinho da passagem desse personagem. Depois veio o Ceguinho, Pelézinho, Saci, Mancha, o Mutum – que usava uma zabumba.
que faltasse com a ética, uma ética e um comportamento estabelecidos pela comunidade, pelas famílias – perdia o espaço na Escola e teria que trazer a sua fantasia, para queima-la naquela roda da fogueira. Era o castigo.
A Colorado tinha uma batida parecida com a da Mangueira, que não tinha resposta, era ‘ bum, bum, bum’. Sem o surdo de resposta. E quem segurava essa batida eram três pessoas fantásticas: o Bira, que jogou futebol, era do Ferroviário, depois do Colorado. O Binho – melhor surdo do mundo que eu conheci e o Mutum, fazendo aquela zabumba. Ele era da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros, se não me engano, e fazia aquela zabumba fantástica.
A linha de frente era o Picolé, Dalvino e Marlene. O ‘Susto’ cantou alguns sambas nossos – não me lembro quais, mas cantou alguns sambas. O ‘Susto’ era um puxador, um cantor que era divulgador da Chantecler e depois da Copacabana Discos. O Picolé também cantava sambas nossos.”
Hoje em dia não tem aquela vivência. Sobre o apito do comando do Maé, nós nos reuníamos ali do lado do estádio do Ferroviário – Dorival de Brito e Silva. O Maé dava um apito, chamava o Binho e a rapaziada. Ali, a primeira providencia era fazer fogueira. Porque o afinar, o apertar o couro dos instrumentos era na fogueira. Não havia o apertar como hoje, era na base da fogueira. E outra particularidade – aquele 84
O compositor Homero Reboli revela: “Picolé era um braço direito da gente. Ajudava nos carros alegóricos, na coordenação e em tudo! O Picolé estava sempre lá. Se era “pinta brava”? Era “brava’. Mas, ele estava sempre ajudando a gente.” Cláudio lembra ainda de “Pernambuco” que dizia: “Estou já com as minhas pernas meio bambas, mas to aqui com a minha peixeira”. Pernambuco era ritmista. Era um cabra famoso com a sua peixeira. Ele tinha um taxi e ai daquele que saísse fora do combinado, daí a peixeira dele “cantava’. Cláudio volta a lembrar do malandro Picolé, dizendo: “O ‘Picola’ era o seguinte: a única coisa que tinha que cuidar era com os microfones. Naque-
Mamangava: figura marcante da Escola é relembrado até hoje por ex-integrantes da Colorado. “Nossa, o Mamangava era um negrão forte, bonito. Sambava muito”, lembra com emoção a expassista Silvia Carneiro (Bica), moradora da Vila Capanema
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Passista Marlene de Angola, esposa de Dalvino
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le tempo os microfones tinham fiação e ele ia cantando e o fio segurava o ‘Picola’. Até que o cunhado do Homero, o grande Odair Darriole, trouxe o microfone sem fio. Aí danou-se, era a festa do ‘Picola’. Não adiantava segurar, que chegava no final ele levava embora o microfone.” Sobre Marlene e Dalvino, Cláudio relembra o seguinte: “Marlene e Dalvino. Duas figuras fantásticas da Colorado. Marlene era uma ritmista, passista, negra, crioula, linda, gostosa, minha amiga. Escrevi algumas crônicas e alguns sambas para ela. Era uma negra muito bonita, reluzente e com uma alma passada e cantada. Linda. E ela era casada com o negro Dalvino. Ela de dois metros de altura e o negro Dalvino mais ou menos isso, só que um ‘pau de virar tripa’ – fino, bem magrinho. Ele tinha muito ciúmes dela e ela saía em trajes sumários. Quantas vezes eu não vi a negra Marlene batendo no Dalvino.” Outra personagem lembrado por Cláudio Ribeiro, é a porta-bandeira Soninha, que, segundo este compositor, teve um triste fim na mão de um homem medroso ou talvez ciumento e violento. Eis o seu relato: ”Ela era porta-bandeira. O engraçado que foi durante a
apresentação de um samba nosso, meu e do Homero, que acabamos fazendo uma homenagem. Eu não sabia – o Maé acabou nos pegando de supetão e no meio do desfile ele parou a Escola com um tempo a mais que um ‘ breque normal. Eu e o Homero estávamos puxando o samba e era para fazer uma homenagem à Soninha. Só o surdão fazendo a marcação e a Escola passou marchando ao invés de sambar e as pessoas não sabiam. A mídia não havia divulgado com precisão o acontecimento, mas nós da Escola sabíamos que era por causa da Soninha, a portabandeira. Foi morta por um namorado. Dizem que ela usava navalha na bolsa e ele matou por medo e ciúmes. Muita gente ia assistir aos nossos ensaios por causa da bateria, por causa da Marlene que era uma fantástica e por causa da Soninha – bonita, linda e que sambava como ninguém. E o cara, acho que ciumento e com medo, foi cobrar dela o fato de que toda hora ela estava dançando com alguém. Daí ela falou: então lá fora eu te pego. E ali ela não podia brigar, porque se brigasse ela não desfilava, pois havia uma rigidez que o Maé colocava. Aí lá fora ela chamou ele para briga e ele ficou com medo e matou a facada. Era a nossa Soninha.” 87
Convém, observar que esta versão do incidente que resultou na morte da passista Soninha, não bate com as apresentadas por Maé e outros integrantes da Escola, sendo razoável que certos detalhes já se tenham evadido da memória dos depoentes em razão do longo tempo decorrido, cabendo ao pesquisador apresentar os vários olhares sobre o assunto. A Colorado tinha ainda “Mutum”, um dos maiores pandeiristas que apareceu em Curitiba. Também tinha “Ceguinho’, que era um “Chocolate”, só que branco. Enxergava muito pouco, por isso usava uns óculos com grossas lentes, daí o apelido de Ceguinho que lhe deu Maé. Tinha ainda o “Zulu” e o Ari, “tamborim de ouro” da Colorado. Mas o malandro mesmo, “o figura’ que vivia de pequenos expedientes ilícitos, que passava gingando, provocando e desafiando, ao modo do personagem de “Lenço no Pescoço”, de Wilson Batista, era o “Picolé”. Figura folclórica, que a despeito da grande admiração que tinha pelo Maé, vivia aprontando confusões. Certa feita o grupo do Maé ia tocar na inauguração de uma casa na Visconde de Guarapuava. Tudo pronto para a entrada em cena veio a notícia: “Picolé” estava em cana. Diante do fato Maé foi falar com o Delegado na tentativa de soltar o sambista para o show. A missão teve êxito graças ao respeito que a figura do veterano sambista da Colorado impunha. Liberto, “Picolé” aguardava na parte de baixo da casa de show a cha88
mada para a sua entrada. De repente, passa o pessoal da Delegacia de Furtos e Roubos, que desconhecendo a liberação de “Picolé” pelo Delegado, leva-o novamente para a cadeia. Maé nessa noite desistiu de apresentar o show de Pandeiro do “Picolé”. A vida irregular de “Picolé” já havia escaldado Maé, que por não poder mais com o comportamento do sambista lhe havia dito: ou você se regenera ou não sai mais na Escola. Picolé jurou que estava regenerado e participou de modo irrepreensível dos ensaios. Maé, aliviado, pensava que finalmente o sambista havia mudado o seu modo de vida. Tudo perfeito, sem brigas e bebedeiras nos ensaios, no dia do desfile lá esta na Avenida, Picolé “puxa” maravilhosamente o samba-enredo para alegria da Colorado e do Maé, em especial. Terminado o desfile, a surpresa: ele sumiu com o microfone e foi vendê-lo na Urca, para o “Alemão”. Não tinha jeito mesmo, o “Picolé” não se emendava. Tinha, ainda, Mário Cantarelli, que para demonstrar a sua paixão pela Escola mostrava sempre um dedo decepado, que dizia ter perdido de tanto tocar reco-reco. A verdade: o dedo havia sido perdido num acidente fora do mundo do samba. Esses e tantos outros componentes anônimos mantiveram a Escola dando alegria ao povo nos 55 anos de existência, sustentando sempre grandes desempenhos, como se verá a seguir. Um personagem é especial na história
No meio de Maé e seus batuqueiros - a bela passista Sonia, cuja morte prematura marcou profundamente a memória coletiva dos integrantes da Colorado e demais moradores da Vila Capanema
da Colorado e do Carnaval de Curitiba, merecendo por isso umas linhas à parte. Com o seu nome próprio, Mansueden dos Santos Prudente, mesmo no mundo do carnaval, onde ele viveu e morreu, passou despercebido. Poucos se atreverão a dizer quem seria este personagem fantástico. Porém, se perguntarem por “Chocolate” ou ‘Chocô’, qualquer pessoa imediatamente recordará dessa figura ímpar na História do Samba e do Carnaval em Curitiba. Natural de Antonina, onde nasceu em 03 de março de 1931, fazendo tipo,
“Chocô” foi por muito tempo carioca, pela ginga, pela fala, pelos ares de malandragem que havia incorporado para desempenhar o importante papel que desempenhou no mundo artístico em Curitiba. Mas descoberto paranaense ele dizia com muito orgulho que era “bacucu”. Mesmo orgulho que iluminava seu alegre e espontâneo sorriso quando contava que tinha recebido nota 9,5 do mestre Cartola, com o samba feito em homenagem a outro grande sambista da Colorado, “Mamangava”, quando conquistou para sua “Escola Ideais do Ritmo”, o tricampeonato. 89
No centro, o malandro Picolé e o famoso microfone dourado que acabou surrupiado no final do desfile
Pudera que não fosse reconhecido o seu talento pelo divino Cartola, pois possuía todas as qualidades para isso. Alegre, divertido, festeiro, poético, guerreiro, enfim “um malandro autêntico e de bom coração”, que era filho de Ogum, guardião da cultura dos orixás e guia de terreiro onde batia atabaques, protegido por “Tio João”, seu guia espiritual que, segundo “Chocô”, ajudava-o em suas composições musicais. Segundo Dona Ilda, o Mestre Chocolate já gostava de música desde os três anos 90
de idade. Quando completou 21 anos, a paixão pelo samba levou-o a fazer um périplo pelo Rio de Janeiro e São Paulo, onde viveu uns tempos, mas acabou voltando para o Paraná, “fincando pé’ em Curitiba, ingressando na Escola de Samba Colorado, onde desfilou por mais de 20 anos. Após isto, resolveu fundar sua própria Escola – “Os ideais do Ritmo”, no Capão da Imbuia, considerado também, como o Capanema, um grande reduto de samba, onde formou jovens sambistas que se tornaram discípulos e amigos. Ali Chocolate ficou o resto de sua
Chocolate e sua companheira de vida e de carnaval, Dona Hilda
vida, organizando a Escola, dirigindo, ensaiando a bateria, fazendo fantasias e lutando contra a pobreza, para colocar todo o ano a sua Escola na Avenida. A vida de Chocolate sempre foi muito humilde e cercada de dificuldades, principalmente financeiras. Morava com Dona Hilda, a sua inseparável companheira, num barraco no Capão da Imbuia, que sempre era visitado por repórteres, por ocasião do carnaval, em busca de novidade, porque havia uma arte na qual o mestre “Chocô” era especialista
consumado: criar fatos novos para chamar a atenção da Prefeitura Municipal com o objetivo de ajudar sua Escola. Sempre dizia: “Eu sou um cara que morde o cão e, às vezes, a Prefeitura.” Chocolate era mestre na arte de criar frases de efeito. Por exemplo, quando levava alguém ao “seu barraco”, como ele chamava sua casa, sempre repleta de pôsteres coloridos, era infalível a frase: “Sou pobre, mas nunca dei vexame.” A respeito de sua atuação como carnavalesco se definia com estilo: “Sou um vendedor de ilusões.” Quando do ocaso do regime militar, o país começando a viver clima de relativa liberdade de opinião, alfinetou os militares, sentenciando: “Querem militarizar o sambista. Mas não vão conseguir.” Sempre, meio ranzinza, reclamou do enorme preconceito existente em Curitiba contra o carnaval, que “os brancos” achavam ser coisa de “preto” e sem-vergonha, por isso dizia não se deve procurar sambista no Country Club. Em 1984, “Choco” recebeu o título de Cidadão Samba, outorgado pela Comissão de Carnaval. Muito doente, não se entregou e ainda sambou na Avenida todas as noites e até mesmo para as crianças nas matinadas. Morreu nesse ano, em 14 de dezembro, vítima de câncer. Embora citado amiúde neste trabalho como fonte de pesquisa, o compositor Cláudio Ribeiro, merece também destaque pela sua atuação na Escola como compositor, diretor, enfim pelo trabalho de longos anos em prol da agremiação da Vila Tassi, sendo talvez depois do in91
superável e lendário mestre Maé, quem mais produziu sambas enredos para a Escola, em parceria sempre com seu companheiro Homero Reboli. Cláudio, homem de múltiplas atividades, jornalista, advogado, comunicador, homem de estro poético inspirado, tendo ao longo de sua carreira composto mais de uma centena de músicas que foram gravadas por vários cantores paranaenses, tem na craveira de suas composições, uma que se destaca pela peculiaridade do fato em torno de seu nascimento. Tratase do samba “Não Vou Subir no Morro”, que tem a seguinte história: convidados por Leci Brandão, Cláudio e Homero inscreveram num certame na Mangueira, duas composições, uma delas, o samba acima mencionado, e com um grupo formado por Maé, Binho, Pelezinho, Jorge, Alceu e Japa foram para o Rio de Janeiro defender a composição que tinha como concorrentes compositores do nível de Mauro Duarte, que inscreveu no certame o belo samba “Lama”, depois gravado por Clara Nunes. No palco presenças consagradas do samba carioca como Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito, Cartola e Carlos Cachaça, o que não intimidou o bravo grupo do Paraná que ao fim saiuse vencedor da disputa, o que lhes valeu o ingresso na ala de compositores da Mangueira, e o nascimento de parceria de Cláudio e Homero com o divino Cartola. A aventura dos Boca Negras para defender o samba de Cláudio e Homero no morro da Mangueira, no Rio de Janeiro, rendeu boas histórias ao gru92
po. Para Cláudio, foi um dos melhores momentos de sua vida. Recentemente o feito inspirou uma composição de Maé da Cuíca, ao qual ele deu o título de Façanha, confira: Subi o morro da Mangueira Estação Primeira para mostrar Que o samba brasileiro não é só Rio de Janeiro Também tem no Paraná Japa no cavaco, Alceu na craviola, Cláudio o compositor, Homero na Viola, Binho marca a cadência, no pandeiro o Pelé, Jorge no agogô, na cuíca o Maé E no final foi aquela emoção Na presença de Cartola, Carlos Cachaça e Leci Brandão Mas que beleza, que emoção O povo aplaudindo em pé Os batuqueiros do Maé Obrigado Mangueira, pela recepção O teu samba, a tua história O teu passado de glória Conquistou o meu coração Hoje és a minha escola Hoje é minha paixão Mas que beleza, que emoção O povo aplaudindo em pé Os batuqueiros do Maé Mas que beleza, que emoção A Mangueira aplaudindo em pé Os batuqueiros do Maé
Passistas da Colorado em ação na avenida
A amizade de Cartola com a dupla de compositores da Colorado, Cláudio Ribeiro e Homero Reboli, rendeu uma excelente parceria e grandes histórias Foto registra passagem de Cartola por Curitiba em 1977. A partir das esquerda: Eliana, Cartola, Nair, Homero e Cláudio
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3.2 Os desempenhos da Escola Colorado
A
pesquisa levada a efeito em jornais de Curitiba cobrindo o período de fundação da agremiação, de 1946 até 1949, não revela muita coisa sobre a Escola de Samba Colorado. Em verdade, não há, nos exemplares veiculados no período de carnaval, qualquer menção sobre esta agremiação carnavalesca. Não se sabe se a Escola desfilou, nem que colocação obteve nos concursos, que à época eram patrocinados por jornais de Curitiba. De outra parte, a memória oral produzida pelos depoimentos de integrantes mais antigos da Escola, é vaga. Seja porque o número de entrevista95
dos é pequeno, a maioria já morreu, seja porque a lembrança das entrevistas sobre as origens da Escola, desfiles e colocações, é bastante imprecisa em razão do largo período de tempo decorrido. O ano de 1946 é lembrado por Maé da Cuíca com alguns detalhes, conforme pedaços pinçados de seu depoimento e mostrados em outro ponto deste trabalho. Os de 1947 e 1948 já fugiram, há algum tempo, da memória do velho sambista da Vila Tassi. O ano de 1949, com algum esforço, é lembrado por Maé, talvez em razão da ocorrência de fato marcante em sua vida, ligado à sua comunidade. Neste ano deixou de existir a Vila Tassi, o grande reduto do samba curitibano, da qual só restaram três casas, fato que ficou inexoravelmente gravado na memória do sambista que até hoje o recorda com profunda emoção. Maé diz que o fim da Vila Tassi foi muito sentido por moradores da comunidade, fato que inspirou a composição do primeiro samba cantado na Avenida, composição de autoria de uma escola de samba de Curitiba. Outra inovação trazida pela Escola que já inovara na bateria, com a criação de uma batida mais acelerada, que anteciparia o samba corrido do Rio de Janeiro na década de 70, além da introdução dos surdos de resposta (de segunda e de terceira). Esta novidade quebrava a tradição vigente nas 96
Escolas de Samba de Curitiba de desfilarem cantando sambas de meio de ano vindos do Rio de Janeiro. Sobre este ponto há uma controvérsia. Maé da Cuíca diz que o carnavalesco Glauco Souza Lobo reivindica a primazia, para sua escola de samba, de ter cantado o primeiro sambaenredo nos desfiles de carnaval de Curitiba, o que não corresponderia à verdade, segundo o sambista da Colorado. Eis sua versão: O samba dele eu não lembro como era, mas ele tem essa teimosia. Eu digo que foi a Colorado, porque em 1949, mais ou menos que acabou a Vila lá onde eu morava, porque tudo acabou, só ficaram três casas lá, a minha e dois vizinhos. Aí acabou e nos fomos ensaiar lá embaixo do Estádio Durival de Brito. (MAÉ DA CUÍCA, entrevista em 2003)
E aí Maé da Cuíca cantou-o falando do fim da Vila Tassi, afirmando que este teria sido o primeiro samba cantado em escola de samba na Avenida, eis a letra do Samba: Quem diria que a Vila Tassi ia se acabar Quem diria que somente três casas Iriam ficar Elas ficaram pra mostrar no carnaval Que o samba lá da Vila
Sempre tem o seu lugar A gente gostava Quando a tardinha chegava Embaixo das três árvores O batuque começava E a cuíca começava a roncar Pra mostrar à vizinhança O que era um samba ao luar Quem diria? A verdade está em parte com Maé. O samba sobre a Vila Tassi foi o primeiro samba cantado na Avenida, em 1949, como produção musical própria da Escola de Samba Colorado. Nos idos da década de 40 não existia samba-enredo propriamente dito, isto foi instituído alguns anos depois, primeiramente por iniciativa das editoras que, na condição de organizadores do Carnaval, instituíam prêmios a serem ofertados aos blocos que saíssem com seus sambas próprios e, mais tarde, com a intervenção da Prefeitura e órgãos do governo que decretavam os requisitos a serem preenchidos pela escola para poder concorrer na Avenida. O samba produzido por essa época era mais espontâneo, diferentemente de hoje, quando tudo está mais organizado, mecanizado, não trazendo mais aquela coisa do coração, inclusive com modificação da batida do samba, conforme observação do sambista Maé da Cuíca. Naquele tempo, enquanto as Escolas durante o carnaval desfilavam apresentando sambas de meio de ano que tocavam nas rádios, a Colorado apresentava pioneiramente em
1949 composição própria, que contava a história do desaparecimento da comunidade que ali vivia. Porém, em rigor, a composição não poderia ser chamado propriamente de samba-enredo, porque a característica deste é descrever o tema apresentado pela Escola na Avenida, cuja história é desenvolvida e contada pelas várias alas e sintetizada no sambaenredo. A Escola não veio no carnaval de 1949 com um enredo versando sobre o desaparecimento da Vila Tassi. Mas simplesmente durante o seu desfile apresentou o samba que narrava aquele fato, até porque, na época não se exigia que as Escolas apresentassem um tema a ser narrado durante a apresentação. Isto a Colorado não fazia no carnaval de 1949, cabendolhe de qualquer sorte a primazia de ir para a cidade desfilar com música de sua autoria, enquanto as outras Escolas quando muito apresentavam paródias (pegavam uma letra conhecida e faziam uma letra atual). A partir de 1950, já é possível tentar traçar a trajetória da Escola, ainda que as notícias veiculadas no jornal sobre carnaval e, em particular, sobre a Colorado, agora, da Vila Capanema, sejam bastante escassas. Convém notar que as notícias sobre o Carnaval em Curitiba, por esta época, são minguadas, não merecendo o reinado de Momo maior atenção da imprensa, que coloca no bojo dos jor97
Maé recebe troféu de campeão do Dr. Marquesi (prefeitura). Na ponta, à direita, o jornalista do canal 12, Oderi Ramos
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nais, espremida entre notícias sobre diversos assuntos, uma nota aqui, outra acolá sobre o Carnaval Curitibano, que tem, desde muito, a fama de ser um carnaval frio e sem animação.
Avenida neste ano de 1950, composição de sua autoria, que tinha por título “Deixa o Moço Falar”, que exaltava o samba da Vila Tassi, cuja letra era a seguinte:
Inseridas neste contexto, as escolas de samba, inclusive a Colorado não são objeto de destaque das matérias jornalísticas, até porque fazem o carnaval das camadas mais pobres da população, destinado a um segmento que mais tarde no jargão jornalístico passou a ser designado de povão.
O Brasil inteiro Fala no Salgueiro Mangueira, Estácio de Sá Mas ninguém sabe que a Vila é O bom do samba no Paraná
O carnaval das Escolas de Samba é espetáculo para apreciação e divertimento do povo, enquanto o carnaval dos Clubes destina-se a atender às necessidades de divertimento das classes média e alta de Curitiba, daí talvez a pouca importância que os jornais dão aos desfiles das agremiações carnavalescas.
Na Vila também se faz o samba Por que nós gostamos de cantar E quando o samba for lá do Capanema Todos tem que respeitar Se você é sambista de verdade Abandona a cidade E vai na Vila mostrar Deixa o moço falar
Sobre o carnaval de 1950, as notícias veiculadas nos jornais são poucas com referência à Escola. O jornal Gazeta do Povo informa o êxito da II Grande Jornada da Alegria, comemora a afluência de público numeroso a aplaudir os magníficos Blocos durante o desfile perante uma comissão julgadora que premiou as seguintes agremiações: “Asas da Alegria”, “Amigos da Onça’, ‘Vira–Lata” e Escola de Samba Colorado, que recebeu um prêmio no valor de CR$ 400,00.
Note-se que nessa época há pouca interferência do Estado na organização dos desfiles carnavalescos, realizados por um jornal – O jornal Gazeta do Povo – que baixa poucas regras para a realização do evento, cuja participação é feita através de inscrição gratuita, sendo admitida a participação de foliões isolados, que também podem concorrer à “Parada da Alegria”, chamada pelo jornal de carnaval em miniatura, cujo raio de exibição se circunscreve a uma quadra da Rua XV.
Maé, dono de uma memória notável, lembra o samba que foi cantado na
Há apontamentos, no noticiário de carnaval, referentes a situações que 99
ocorriam naquele tempo e que hoje ainda se fazem presentes na história do carnaval de Curitiba, tais como: êxodo para as praias, fortes chuvas e mau tempo e grandes bailes nos clubes. O carnaval de 1951 foi completamente esquecido pelas redações dos jornais da época que não trazem qualquer notícia sobre o evento momesco em Curitiba, embora tenha havido desfile dos grupos carnavalescos e grandes bailes carnavalescos. Naquele ano não foi possível estabelecer o desempenho da Colorado, restando tão somente a informação sobre o vencedor do desfile, encontrada no Boletim Informativo da Casa Romário Martins, ano X, n. 70, p. 12, onde está consignado como vencedor dos carnavais de 1950 a 1956 o Bloco Asas da Alegria, que se reunia nas imediações da Base Aérea. A intervenção do poder público começa a surgir, no Carnaval de Curitiba, por volta de 1952. Os jornais da época diziam que “...neste ano ocorrerá um verdadeiro ressurgimento da alegria carnavalesca graças ao apoio da prefeitura de Curitiba”, que determinou o roteiro, o tempo de apresentação e escolheu a Rainha do Carnaval Curitibano mediante o julgamento de uma Comissão Municipal, além de relacionar as músicas que seriam cantadas nos desfiles, entre as quais “Mundo de Zinco”, “Ana Maria”, “Quem chorou fui eu”. (JORNAL O ESTADO DO PARANÁ, 14/02/52, p.1)
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Para aquele desfile, a Comissão Municipal prevendo chuva, decidiu realizar a prova no tablado da Praça Osório. Naquela noite, a Escola de Samba Colorado causou aos jornalistas que cobriam o carnaval excelente impressão. Aqueles profissionais que reconheceram na originalidade da bateria a qualidade de ”infernalíssima”, ficaram também bastante impressionados com os passes do baliza da Colorado, o competente Chocolate – figura importante da Escola da Vila Tassi. Naquele ano, a Colorado, em reconhecimento ao apoio do prefeito da cidade ao carnaval, Dr. Erasto Gaertner, prestoulhe tributo em forma de samba. Os compositores “Meia-Noite”, Mário e Chocolate escreveram um belo samba intitulado “Senhor Prefeito”, mas a homenagem não lhe rendeu o almejado título, a despeito da garra da Escola, dos bons passistas e da ótima bateria, ficando o título de campeão com o também competente Bloco Carnavalesco Asas da Alegria. Os jornais de 1953 noticiaram que não participariam do carnaval desse ano os Blocos que não estivessem acampados no local designado pela Comissão de Festejos do Carnaval do Centenário. O carnaval em Curitiba aos poucos foi perdendo o ar de espontaneidade, nascido da liberdade com que o povo fazia a sua festa sem a interferência do Estado, para ganhar um ar burocrático que acabará por asfixiar uma Escola tão dada à liberdade como a Colorado que começaria a “baquear” exata-
mente quando o poder público passa a editar regras de organização para a realização dos desfiles carnavalescos, como bem lembrou Roberto Fonseca ao falar das origens da Escola. A ingerência do Estado já se fez presente nesse ano de modo mais patente. As agremiações carnavalescas participantes da “Grande Parada da Alegria”, em número de 19, são subvencionadas pela Prefeitura Municipal de Curitiba. Da comissão julgadora, faz parte, como presidente o Prefeito Municipal. Nesse ano há exigência no regulamento, baixado para disciplinar o evento, de que os Blocos apresentem músicas próprias que não poderão ser apenas paródias de outras músicas existentes. O julgamento das músicas seria feito pelo público, mediante aplauso. Os primeiros Blocos a desfilar foram os que apresentaram composição própria. A Colorado estava entre eles. O campeão, de novo, foi o “Asas da Alegria”. Os jornais noticiavam ainda que se chovesse no dia 14 de fevereiro, o desfile seria transferido para o dia seguinte, às 14 horas, na sede do Coritiba Football Clube. Nesta década de 50, surgiria um samba na Vila Tassi, que passaria a ser sempre cantado nos aquecimentos da Colorado, que tinha uma parte coletiva para a qual Maé fez a segunda, cuja história merece ser lembrada. O título era “A Vila Está de Luto”, cuja letra era a seguinte:
A Vila está de luto Só por causa de um rapaz Que depois de beber muito Foi lá para a cidade E não voltou mais Ele foi e não voltou Porque lá se acostumou E diz que foi na Vila Que seu coração ficou Ficou, ficou E na Vila nunca mais voltou Sobre este samba, Maé da Cuíca, em entrevista concedida em 2009, ao jornalista Téo Souto Maior, contou a seguinte história: “Tinha um samba que quando a gente saia da Vila Capanema, da Escola, no dia do desfile, a gente vinha aquecendo até o Correio. Esse samba é interessante. A gente vê cada coisa. Esse samba apareceu na Vila na década de 1950 e a gente cantava a primeira parte. Daí, pediram para nós fazermos a segunda. Passaram anos e de repente o Martinho da Vila apareceu cantando esse samba, cantando a primeira parte como a gente cantava e a segunda. Daí eu não entendi nada. Mas eu penso que é porque tinha o Ferroviário e tinham jogadores de fora que passavam por ali e nos ensaios estavam sempre assistindo e agente fazia essas brincadeiras. 101
Talvez alguém pegou aquela primeira parte e levou para lá. Só mais tarde que eu fiz a segunda. Porque daí, era assim: todo ano falecia alguém na Escola de Samba. Isso aí não dava outra. Em homenagem a esses falecidos, a gente vinha ‘aquecendo’, com todo mundo cantando e ficava bonito pra caramba. E nós vinha aquecendo lá do Capanema até a Marechal Deodoro – que ali o “pau ia comer”. E chegando lá, ‘os neguinho’ lá da Vila, não tinha quem segurasse eles”. Para 1954, em evento a ser patrocinado pela Prefeitura Municipal de Curitiba (administração do Prefeito Guerra Rego), os jornais previam um espetacular desfiles de blocos carnavalescos, que da Rua Barão do Rio Branco desceriam até a Praça Osório, onde estaria instalada a Comissão Julgadora que atribuiria os prêmios ofertados pela Prefeitura Municipal aos Blocos que tendo recebido auxílio oficial, dentre estes a Colorado, ficariam obrigados a participar da “Parada da Alegria”. (JORNAL O ESTADO DO PARANÁ, 26/02/1954, p. 8)
As regras ditadas pela prefeitura são mais abrangentes. Vão desde o tempo a ser cumprido até à proibição de mais de um instrumento de sopro, passando pelo arrolamento de uma série de quesitos, que agora já são exigidos para a apresentação, tais como: fantasia, ritmo, canto, evolução. 102
Os jornais anotam que o Carnaval foi pobre em razão da grave crise que o País atravessava. Convém lembrar que andávamos mergulhados em uma das maiores crises políticas da nossa história e que culminaria com o suicídio do presidente Getúlio Vargas em agosto daquele ano. Apesar disto, o Carnaval de 54, em Curitiba, revestiu-se de sucesso informava o jornal O Estado do Paraná em sua edição de 14/03. p.8, além de tecer comentários encomiásticos à atuação da Prefeitura, que segundo o periódico vinha tomando uma série de medidas para dar mais brilho às festividades momescas. “Asas da Alegria” foi novamente campeã do Carnaval, tendo a Escola de Samba Colorado ficado em 6º lugar. Mas à Colorado restou o consolo de ver que o único baliza classificado pela Comissão pertencia à sua agremiação. Mais uma vez o grande sambista Chocolate brilhava na avenida como baliza de sua escola. Os jornais de Curitiba nada noticiam sobre os desfiles de carnaval de 1955. As poucas notas dão conta apenas de uma ingerência maior do Estado no disciplinamento do tríduo momesco, como dá ideia o regulamento baixado pelo Chefe de Polícia, que proibia: “a participação de menor de 18 anos em baile privado sem acompanhamento dos pais, o uso de lança-perfume”, restando como único fato sensacional,
Animação dos passistas da Colorado em desfile na avenida Marechal Deodoro
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segundo a redação do jornal O Estado do Paraná, a presença da “cabrocha” que resolveu desfilar sem nenhuma peça de roupa, algo inaceitável para a conservadora sociedade curitibana. Sobre o desfile, quem participou, quem ganhou, nada, nem uma nota. Só sabemos que o vencedor foi o “Asa da Alegria”, por outras fontes de informação, conforme anotado nas linhas acima. O Carnaval de 1956, segundo o jornal O Estado do Paraná de 29/02, a não ser a animação dos clubes, nada apresentou. Fracasso em toda linha é a definição do mesmo noticioso para a festa momesca de Curitiba. Diz o periódico que o povo até andou de um lado para outro de nossas artérias em busca de algo que lembrasse o carnaval, mas nada encontrou, além de um ou outro bloco sem muita animação. Mais uma vez não há qualquer comentário sobre o desfile, participantes, resultado, etc. “Asas da Alegria” foi, mais uma vez, Campeã do Carnaval. Em 1957 os desfiles foram organizados pela Sociedade Thália e a Editora O Jornal O Estado do Paraná. Ao Estado coube a tarefa de baixar atos através do Juizado de Menores, impondo diversas restrições à participação de menores nos festejos carnavalescos. (JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ, 26/02/1957, p.1).
A Escola de Samba Colorado para esse desfile veio muito bem fantasiada, diz o jornal O Estado do Paraná de 28/02. p. 07, com seus 25 integrantes apresentando vistosa fantasia de
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paletó xadrez e calça azul, idealizada para caracterização da Escola, que se apresentava como uma das prováveis vencedoras. Outro destaque ficava por conta de sua bateria que na avaliação dos representantes da Editora que presenciaram os ensaios em Vila Capanema, estava afinada, em razão da atuação esmerada de seus percussionistas, As alvíssaras, no entanto, não se materializaram, e o campeão foi o “Não Agite”, com 578 pontos ; em segundo “Embaixadores da Alegria” com 570,5; em terceiro “Asas da Alegria” com 534 e em modesto quarto lugar a Escola de Samba Colorado, com 417 pontos. Nem mesmo o grande sambista Chocolate recebeu o título de melhor baliza que ficou com Sérgio Olaia Pascoal, sem desdouro para o representante da Colorado, porque o campeão vinha de dois grandes êxitos anteriores conquistados no Rio de Janeiro e em Recife. As notícias de jornais referentes ao Carnaval de 1958 davam bem a medida da distância que havia entre a sociedade curitibana e a principal festa do povo brasileiro, o Carnaval. Nem um interesse, principalmente das Rádios, em acompanhar e veicular notícias sobre os desfiles de “Momo”. Mesmo os jornais, que como vimos observando desde 1946, sempre se mantiveram ao largo dos eventos carnavalescos, nesse ano fizeram severas críticas ao comportamento dos Empresários de Rádio. Foram taxados de avaros por conterem os gastos, preferindo du-
rante o período momesco correrem atrás de Distribuidoras de Discos para a realização de suas audições mortas, inexpressivas, sem a participação do público, já que gastos com Escolas de Samba ou Ranchos para programas de auditório seria “horripilante” aos diretores de rádio, de quem o nosso carnaval só poderia esperar desprezo, noticiava o jornal Tribuna do Paraná, de 13/02, p. 3. Os jornais não informam, mas os nomes dos integrantes da Comissão Julgadora, revelando a condição de Jornalistas, indica que o evento foi promovido por empresa jornalística.
xadores da Alegria”, que ao infringir o regulamento pelo uso de instrumentos de sopro foi desclassificada. O Carnaval de 1959 foi novamente promovido pelo Jornal Tribuna do Paraná, com o apoio da Prefeitura Municipal de Curitiba, na gestão do General Iberê de Matos que ao agradecer a outorga do título de amigo número um do carnaval curitibano pelo Jornal Tribuna do Paraná, confessou ter sido em 1929, quando em Curitiba apenas se dançava nos salões, o primeiro a comandar um bloco, levando ao baile do Clube Curitibano o verdadeiro carnaval. (JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ. 07/12/1959, p. 4)
A expectativa em torno da Colorado era muito positiva, segundo O jornal O Estado do Paraná, que descreveu a entrada da Escola na Avenida assim: “...rompendo o caminho com uma batucada bem entrosada, aparecera a Escola de Samba Colorado com ritmos que bem lembram os melhores foliões dos morros cariocas.”(O JORNAL O ESTADO DO PARANÁ, 19/02/1958, p.9)
Pelo que se lê no jornal Tribuna do Paraná (16/02/1958, p. 2), a folia foi boa na Cinelândia, onde se acotovelaram milhares de pessoas para apreciarem o sensacional concurso, que após julgar as evoluções, ritmo e fantasia proclamaram vencedor, novamente, o Bloco Carnavalesco Não Agite, secundado pela “Asas da Alegria”, cabendo à Escola de Samba Colorado o 3º lugar, em razão da desclassificação da “Embai-
A Escola de Samba Colorado, que desfilou para uma incalculável massa humana comprimida em toda a extensão da Rua Barão do Rio Branco, viu mais uma vez o título ser “abiscoitado” pelo “Não Agite”. O Carnaval do ano de 1960, considerado bom pela imprensa, recebeu mínimas notas dos jornais de Curitiba, não sendo nem mesmo veiculado o resultado dos desfiles, que foi vencido pelo “Não Agite”, dele não tendo participado a Colorado. O Jornal Tribuna do Paraná (21/02/1961, p.2), anunciava o Concurso de Blocos como a grande atração do primeiro dia de carnaval de rua, que, no entanto, revelou-se um grande fracasso, prenunciado pelo enorme atraso da apre105
sentação da primeira escola,”Verga Mas Não Quebra”, que pisou na avenida por volta das 23 horas, numa demonstração flagrante de falta de respeito e desorganização dos componentes da comissão da Prefeitura Municipal. O reduzido público foi compensado com a apresentação da Colorado, que impressionou a todos, especialmente pelo desempenho de sua magnífica batucada, sendo muito aplaudida no palanque oficial. O Jornal Tribuna do Paraná (27/02/1961, p.7), informou que os Colorados tiveram presença marcante no carnaval de rua. Sua batucada foi excelente e suas evoluções cheias de graça. Foi quase uma surpresa, pois no ano passado não concorreram e voltaram como se tivesse passado dois anos em ensaios, tão bem se apresentaram. O belo desempenho da Colorado, que ficou em terceiro lugar, não obstou que novamente o Bloco Não Agite ganhasse o desfile, mantendo-se o cetro em suas mãos ao sagrar-se em 1961 penta campeão do carnaval da capital paranaense, ficando com a posse definitiva da Taça Curitibanos. Curiosamente, os carnavais dos anos de 1962 e 1963 passaram despercebidos pelos jornais da época, que não registraram nada sobre a disputa, que teve a D. Pedro II como campeã do carnaval de 1962 e a Não Agite como vencedora de 1963. Finalmente, a tão esperada e ansiada vitória da Escola de Maé da Cuíca, acalentada pela gente humilde e pobre da Vila Tassi, que desde 1946 vinha lu106
tando contra todas as adversidades na busca do sonhado título, aconteceu no ano de 1964. Nem mesmo o luxo da “Não Agite”, neste ano, lhe garantiu o sucesso diante do maravilhoso espetáculo de autenticidade e originalidade que desta Escola pobre em fantasia mais rica em animação, ritmo, samba verdadeiro, de negro, de ginga, de malemolência, O Jornal Tribuna do Paraná (2/02/1964, p.3), averbou: “Embora enfrentando concorrentes de maiores recursos, que se exibiram com caras e vistosas fantasias, ‘Os Colorados’ não se impressionaram e, mediante uma batucada excepcional – idêntica a dos morros cariocas – ganharam, com inteira justiça, o título de melhores do carnaval.” (JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ, 12/02/1964)
Adiante, noticia que o próprio público julgou e deu a vitória aos “Colorados”, aplaudindo entusiasticamente sua batucada ritmada, suas evoluções perfeitas, enfim, sua apresentação muito mais próxima das famosas Escolas de Samba e Blocos do Rio de Janeiro. O Jornal ainda louva a contribuição do “Não Agite” e “Embaixadores da Alegria”, mas diz que “É injustiça, porém, pretender diminuir a insofismável supremacia dos negros do Capanema.” (JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ, 12/02/1964)
O Jornal Tribunal do Paraná (04/3/1965, p. 3), referindo-se ao carnaval de rua de
Curitiba de 1965, noticia que ele pouco ou nada mudou. Põe em destaque a conhecida frieza do curitibano com relação a esta festa popular, informando que embora o número maior de pessoas que a cada ano toma conta das ruas, contudo, como característica própria do curitibano ele não toma parte da animação e limita-se a assistir e a apreciar as evoluções e as demonstrações de ritmo dos blocos. O Jornal Tribuna do Paraná já havia, no dia 03/3/1965, p. 6, tocado no conservadorismo curitibano ao rotular como de mau gosto o desfile de vedetes de maiô no Bloco Asas do Brasil, o que causou, segundo o periódico, péssima impressão ao público assistente e motivou, inclusive, comentários desagradáveis. A Escola de Samba Colorado, embora fazendo um bom desfile, que o jornal qualificou de “show”, não conseguiu sagrar-se campeão, ficou em 3 º luar, e o título foi parar nas mãos da Escola D. Pedro II. A nota triste do Jornal ficou por conta da agressão sofrida por um integrante da Colorado que, enquanto desfilava, foi alvejado com um tiro desfechado do interior de um veículo. O passista ferido foi internado no Pronto Socorro Municipal. Para o carnaval de 1966, convém não esquecer a vigência da Ditadura Militar, cuja intervenção estatal ao ditar as regras para a Folia de Momo foi bem mais rigorosa. Proibiu-se o desfile de traves-
tis, de uso de fantasia atentatória à moral pública, o uso de lança-perfumes, a queima de resíduos de confetes e serpentinas etc. No carnaval de 1966, mais uma vez a bateria da Escola Colorado foi o destaque, dando um show de cuícas, tamborins, bumbos, frigideiras, num desfile demorado que apresentou fantasias de “Charleston” e “Melindrosas” muito pobres, além de uma coreografia muito fraca. Mais uma vez, a despeito de uma batucada tida por espetacular, a Escola amargou um quarto lugar, sagrando-se bicampeã a Escola D. Pedro II. O Carnaval de 1967, que o Jornal Tribuna do Paraná de 01/02/1967, p. 1 vaticinou seria o mais triste dos últimos anos em razão do total descaso das autoridades municipais, que nem ao menos enfeitaram as ruas, trouxe o tri-campeonato para a D. Pedro II que apresentou enredo sobre o Brasil, bem ao gosto da Ditadura Militar, sob um mau tempo (garoa insistente) que historicamente marca presença no Carnaval de Curitiba. A Colorado obteve apenas um modesto 4º lugar, embora, disse o Jornal Tribuna do Paraná (07/3/1967, p. 7), a melhor batucada, que qualificou de fantástica, tenha sido apresentada pela Escola da Vila Capanema, que seria campeã se apenas a bateria viesse para a Avenida. No conjunto, problema histórico da Colorado, a coreografia, fantasia, evoluções 107
não conseguiram se igualar à espetacular performance da bateria nota 10 do Capanema. O tema escolhido “PortaEstandarte”, não foi bem desenvolvido pecando pela falta de unidade que prejudicou bastante a evolução da escola. A nota triste: a Escola desfilou enlutada pelo desaparecimento de um dos seus mais importantes sambistas, Zulu, falecido naquele ano. Os sambas, muito bem cantados pela Colorado, foram “Tristeza e “Vem Chegando a Madrugada”. O show individual ficou por conta do grande Maé da Cuíca, cujo solo saído de seu excepcional instrumento foi bastante aplaudido. Os desfiles do Carnaval de 1968 mostraram o “Não Agite”, com o tema “Samba Maracatu”, quebrando a rotina de títulos da D. Pedro II, que já caminhava para o tetra. O Jornal Tribuna do Paraná de 29/02/1968, p. 05, aponta como elementos obstativos ao desenvolvimento do Carnaval de Curitiba: de um lado, a falta de institucionalização, já que não houve concursos oficiais de Rainha, de Rei Momo, de Bailes Oficiais ou Municipais, nem ao menos decora-se a Cidade; de outro, há o problema genético, resultado da mistura de gringos, principalmente europeus, que por si só são “uns frios”, têm um temperamento inibido, regras morais rígidas, insensíveis ao chamamento do ritmo espontâneo de um bom batuque de samba. 108
Neste ano a Colorado, tida pelo Jornal Tribuna do Paraná como a única Escola de Samba digna deste nome, apesar do reforço recebido de alguns integrantes da Escola de Samba do Salgueiro que desfilaram pela agremiação de Vila Capanema, os “bocas negras” ficaram apenas em 4º lugar, de novo. A Tribuna diz que neste ano o carnaval de Curitiba passou a contar com uma verdadeira escola de samba, os colorados, que levaram para a avenida Marechal Deodoro 230 figurantes, apresentando o enredo “Motivos Brasileiros”. O jornal tece loas aos “bocasnegras”; vale a pena transcrever: Os Colorados são, pelos ensaios, todos comprovam unanimemente, o melhor Bloco Carnavalesco que já apareceu por aqui. E se houvesse recursos, um pouco mais de cultura popular brasileira, a “criolada do Cajuru” (..) seria uma Escola de Samba que não deveria nada aos famosos conjuntos que descem na Avenida Presidente Vargas. (JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ, 29/02/1968)
Maé guardava boa expectativa para o desfile. Eis o a palavra do motor da Colorado: “Nós sempre desfilamos pro povo e não pra comissão. Por isso até agora levamos a pior. Mas agora o negócio vai ser o seguinte: desfilamos pro povo e pra Comissão Julgadora
Maé recebe o troféu de campeão na década de 1970 no Teatro Paiol
que temos fé em ser composta por homens dignos e competentes.” (JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ, 29/02/1968)
A Escola veio bem preparada, com um bom enredo que descrevia pessoas e fatos da história do Brasil ao som de sambas
clássicos como “Navio Negreiro”, “Barracão de Zinco”, “Princesa Isabel”, além de uma música composta pelos sambistas curitibanos intitulada “Maravilha a Marechal Deodoro”, tudo ao som da bateria nota 10 composta, por 40 integrantes comandados por Maé da cuíca. 109
Maé informava que para armar Escola recebeu 180 mil Cruzeiros Novos, mas que nem 5 milhões de Cruzeiros cobririam as despesas do carnaval dos “bocas-negras”. Neste ano a intervenção do Estado, mediante uma portaria do Juiz de Menores, prejudicou a Colorado ao proibir a participação de crianças no desfile carnavalesco, inviabilizando a apresentação da Ala-Mirim, que certamente traria pontos a mais para a Escola. Outro destaque além da bateria foi a Porta-Estandarte Nice, que deu um espetacular show na Avenida, nada devendo às do Rio de Janeiro. Como não poderia deixar de ser, choveu durante o Carnaval. O serviço meteorológico anunciava que o desfile dos Blocos à noite seria realizado sob fortes chuvas. O Carnaval de 1969 foi marcado por uma série de falhas no desfile de blocos como atrasos, interrupção para retirada de crianças que desfilavam pela Escola de Samba Verga Mas Não Quebra. (JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ, 17/02/1969, p.2). Os jornais consideraram o carnaval esse ano um verdadeiro fracasso, graças à desorganização e falta de empenho dos poderes municipais. Tudo foi uma pobreza, encarnada na figura do Rei Momo, que de tão pobre desfilou de sapatos Conga. (JORNAL DIÁRIO POPULAR, 21/03/1969, p. 05)
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A “Colorado”, sempre sob o comando de Maé, veio com o enredo “Samba em Candomblé”, que recebeu calorosos aplausos do público presente. Os jornais disseram que as fantasias estavam de bom gosto, predominando as cores vermelho, preto e branco, sobressaindo-se o virtuosismo individual de seus componentes. A Ala dos Passistas, outro ponto forte da Escola, além da bateria, esteve soberba, com a porta-estandarte Maria Cleusa dando um show particular de dança. O samba “É Berimbau, é Ogunhê” foi cantado por todos os integrantes da Escola durante o desfile, que ficou um pouco comprometido com a inclusão de bailarinas que destoavam na cor e no ritmo, deficiência compensada pela apresentação do maior pandeirista que já apareceu em Curitiba, “Pézinho”, que vivia da profissão de fotógrafo e portava no nos anos 60, como bom malandro que se preza, uma afiada navalha discretamente acomodada no bolso de trás da calça branca de sambista. Bonito o show de frigideiras, a bela evolução e o requebrado das cabrochas que sambavam ao ritmo contagiante da magistral bateria que se apresentou cadenciada, com muita harmonia e ritmo, muitos breques feitos pela rapaziada que sabe fazer samba de verdade. A Escola arrancou muitos aplausos do público, confirmando uma tradição de 28 anos de bom carnaval.
Neste ano, antes do desfile da Colorado, uma cena comovente. O grande sambista Chocolate, após desfilar pelos “Foliões da Mocidade”, para quem compôs o samba-enredo, retorna para rever os amigos, muito desanimado, sem o calor dos aplausos que lhe vem apenas da recordação dos 17 anos de Colorado, onde foi por 6 anos campeão absoluto de baliza. É o passado que não volta mais. Agora, Chocolate mora na Vila Nossa Senhora da Luz, onde o povo pobre, sem ajuda de ninguém, luta ingloriamente para colocar a Escola na rua, sob o comando deste guerreiro que, beijado pela mãe, no rosto suado e cansado, se revigora, agradecendo comovido e de consciência em paz, porque sabe que cumpriu com o seu dever dentro daquilo que é humanamente possível, no âmbito de uma comunidade que não tem às vezes o mínimo para a sobrevivência. Chocolate conta da dificuldade da Escola ao dizer que: “Na última hora o alfaiate não queria entregar as fantasias, mas eu assinei uma promissória mesmo sabendo que não tenho dinheiro para pagar. Ninguém lá na Vila tem.”
e mostravam que a “Roda de Samba” estava disposta a ganhar o campeonato. O público vibrou e o Jornal Tribuna do Paraná de 09/02/1970, p. 5, previa como certo que o terceiro lugar seria da “Colorado”, reconhecendo o favoritismo de “Não Agite” e “Dom Pedro II”, em razão de coreografia, fantasia, figurino. Aliás, como foi reconhecido por Roberto Fonseca, carnavalesco da Escola, em outro tópico deste trabalho, enfrentar a riqueza das outras escolas era o grande problema da “Colorado”, que era uma Escola rica em “samba no pé”, no “gogó”, no batuque, imbatível nestes quesitos, mas que sempre perdia na Avenida para as adversárias vestidas com fantasias e figurinos de luxo, caros, tão ao gosto da sociedade burguesa de Curitiba. A imprensa disse que o carnaval desse ano foi um fracasso. Causas: desorganização e chuva. (DIÁRIO POPULAR, 12/02/1970, p. 03). A Escola de Samba Colorado ficou classificada em 3º lugar, sendo campeã a “Pedro II”, que trouxe para a Avenida o tema “Nosso nordeste, nosso samba, nossa gente”.
(RECORTE DE JORNAL DA ÉPOCA, sem data)
No ano em que completaria 25 anos de vida, a Escola de Samba Colorado só queria de presente o título de Campeã. Muito esforço, muito sangue nas mãos, muitas noites de fatigantes ensaios, tudo em nome da vontade de ganhar o desfile.
Para o Carnaval de 1970, a Colorado trouxe para a Avenida o tema “Uma Roda de Samba em Homenagem à Mangueira”, iniciando os desfiles na Mal. Deodoro sob a cadência acelerada e firme de sua notável bateria. A Escola apresentou bons passistas que sambavam ao ritmo de um “poutpourri” das músicas da Mangueira
A Colorado trazia para a Avenida, por tema, a histórica cidade de Paranaguá, e o bonito samba-enredo como 111
sempre, mais uma vez, foi composto por Maé da Cuíca. A história da composição desse samba ressalta uma qualidade reconhecida sempre em Maé, por todos pertencentes à comunidade de Vila Capanema, a sua generosidade, a ausência de vaidade personalista, o sentido de coletividade, onde o importante é a Escola e não o indivíduo. Convém ouvir Maé, que assim contou a história e cantou o samba, cuja letra citamos abaixo: Foi la na fontinha em paranaguá / Que mataram a sede muitos forasteiros há trezentos anos vindos para cá / Portugueses em navio pra ver brasileiro/ E paranaguá de emoção sorriu / Como hoje ao receber qualquer turista/ Esse dom de paranaguá é parte do rocio/ De nossa senhora, nossa virgem mãe bendita / Paranaguá, um povo ordeiro / Porta de frente desse paraná trigueiro / Paranaguá hospitaleiro/ Aonde a gente se sente mais brasileiro/ Quer na ponta da praia ou na bica/ Ou mesmo no pé da serra do mar / Vê-se a natureza que desfruta / Sua gente alegre e jovem a cantar / E no seu mercado tem artesanato, frutos da terra, frutos do mar / E como é lindo / Aos domingos dar um passeio na ilha do valadar. E a explicação da composição deste samba-enredo foi dada pelo autor: 112
Esse samba foi interessante que eu fiz ele numa época e quando o samba estava praticamente feito dessa maneira que tá aqui, apareceu um pernambucano na Escola de Samba, grandão, muito bacana, muito legal, inteligente, tinha um dom para fazer samba. E aí ele queria fazer o samba-enredo, e eu falei: ‘mas o samba-enredo já esta pronto, pernambucano’. E ele falou: ‘Como tá o samba-enredo?’. E eu cantei pra ele; aí ele arrumou, achou numa lista telefônica uns dados sobre Paranaguá, histórico de Paranaguá, então ele fez, juntou aqui e pôs mais aquele que ele achou lá. Ficou bacana, tanto que nós ganhamos o samba-enredo, né ? A expectativa dos integrantes da Escola de Vila Capanema era confirmada pela Imprensa, que antevia uma grande vitória como justo prêmio no jubileu de prata da Escola que produzia o samba mais autêntico de Curitiba. O Jornal O Estado do Paraná, comentando a atuação da agremiação da Vila, disse que: “Foi, porém, com o aparecimento da Escola Colorado que a plateia despertou de vez em aplausos demorados. Considerada a melhor Escola do ano, apresentou o enredo ‘Paranaguá’ com ótimos passistas e cabrochas, seu ponto forte, porém esteve na harmonia do grupo e na bateria.” (JORNAL O ESTADO DO PARANÁ, 25/02/1971)
Quando tudo caminhava para a conquista do título, conforme já garantia o julgamento da Comissão dos Populares, as Escolas concorrentes anularam o julgamento. O Jornal O Estado do Paraná do período carnavalesco, assim comentou o acontecimento: “Enquanto isso fica sem vencedor o Carnaval de 1971, depois do impasse verificado quando da aferição dos pontos dados por Renan Catellon aos Blocos e Escolas no tocante a coreografia. Quando isso aconteceu, imediatamente houve a intervenção do Dr. José Cadilhe de Oliveira, representante da “Embaixadores da Alegria” que juntamente com os representantes do “Não Agite” e “D. Pedro II”, assinou a petição solicitando a anulação do Concurso. A Imprensa considerou, de fato, a Colorado como campeã do Carnaval de 1971, e o povo também, mas o gosto da vitória assim não foi completo e a festa de aniversário restou um pouco frustrada. “No ano que vem, quem sabe”, pensavam otimistas os crioulos de Vila Capanema. E foi. A Escola veio para a Avenida motivada a repetir o sucesso do ano anterior, quando se considerou moralmente vencedora. O esforço foi recompensado e o Carnaval de 1972 trouxe para a Escola o tão sonhado título de campeã, cujo gosto já começava a ser esquecido, depois que se passaram quase dez anos da primeira vitória em 1964.
Bem que os jornais poderiam ter sido mais generosos com o pessoal da Vila Capanema e estampado grandes manchetes e matérias mais detalhadas sobre o feito, sempre memorável, se consideradas as condições difíceis encontradas todo ano para trazer a Escola para Avenida, como a falta de verba, a falta de apoio oficial, o peso do preconceito a ser carregado por esta brava gente de cor que apesar de tudo não desiste. O jornal Diário Popular de 19/02, p. 04, periódico de pequena circulação, foi o único a noticiar a vitória da Colorado. Eis o comentário que fez: A Escola de Samba Colorado venceu o carnaval curitibano de 1972, conforme apuração feita ontem na Prefeitura, quando foram contadas as notas dadas pela Comissão Julgadora no desfile de Sábado passado (..) A bateria que conseguiu maior nota foi da “Colorado”. No setor de harmonia de bloco, duas escolas conseguiram mais número de pontos, “Colorado” e “Não Agite”. Os dois enredos que conseguiram as notas máximas foram também da “Colorado” e “Não Agite”, ficando com a “Colorado” a nota máxima em samba-enredo. Animada com a grande vitória obtida no ano anterior, para o ano de 1973 a Escola veio muito bem preparada por 113
Neil Monteiro, presidente da Associação das Escolas de Samba de Curitiba, entrega faixa de Cidadão Samba de Curitiba para Maé
seu presidente Ismael Cordeiro e disposta a repetir o feito. O grande presidente garantia que em samba mesmo ninguém superaria a Escola de Vila Capanema, que veio com 135 elementos em suas fileiras, muito bem dispostos a apresentar o tema “Bahia, suas Lendas e seus Costumes”, uma mistura de capoeira, candomblé e rodas de samba. A Escola trouxe um figurino bonito, 114
inspirado na beleza que o tema sugeria. Reforçando as linhas da Colorado esteve a Rainha do Carnaval do ano anterior, Eni, aliada a personagens históricos da Escola, como Maé, a portabandeira Roselise, Bigorrilho e Picolé, na capoeira, Mamangava e Dirceu, na Ala dos Bananeiros, Binho e Mutum na bateria, que por sinal esteve, como sempre, fantástica. Uma ala esteve especialmente luxuosa, a do Candomblé, sem esquecer
a beleza que foram os figurinos das “Baianas Quituteiras”, “Muçulmanos”, “Lavadeiras do Bonfim”, passistas, além da bela Ala dos Pescadores, na qual se destacou o nome do jovem Celso. Tudo numa verdadeira demonstração de bom gosto. Neste ano, num grande esforço para os bolsos sempre minguados do sambista, a Escola não foi só bateria, mas se apresentou, se não com luxo, ao menos com um padrão de alegorias e figurinos dentro do mínimo exigível para um carnaval que já começava a se profissionalizar e ser apresentado como show, e se distanciar dos tempos mais antigos quando o que valia era a garra e o ‘’samba no pé”. Maé apanhou bem esta questão quando disse: “Hoje – (1973) – os sambistas não querem mais participar se não recebem dinheiro”. Uma verdade que doía na pele da Colorado, pois a agremiação não pagava salários aos seus passistas e logicamente enfrentava um processo de deserção de parte daqueles, que formados por Maé, passavam a desfilar em outras Escolas atraídos pelo que ofereciam a título de soldo, o que, aliás, se tornou uma constante a partir da década de 70 em diante, principalmente no Rio da Janeiro com a apropriação dos desfiles pela grande indústria de consumo. O bonito samba-enredo mostrado na Avenida foi mais uma vez obra de Maé da Cuíca em parceria com Santos.
Vale a pena conhecer a letra de “Bahia, sempre Bahia”. Ei-la: Toda a beleza da Bahia / vou contar ao mundo inteiro/ Velhas igrejas e poesias / De Caymmi e jangadeiros / Quantas belezas desse meu Brasil / A gente encontra em São Salvador? Do candomblé à Capoeira / Da gente que sobe a ladeira / Pra pedir ao Senhor / Bahia / Bahia / Bahia / Não me canso de falá / Bahia do Velho Mercado / Dia 2 de fevereiro tem a festa de Iemanjá / Trererererere / Tererererererá / Salve a Bahia/ Do coco e do vatapá. Mas o esforço não foi recompensado e o Carnaval de 1973 deu o título de campeã à Escola D. Pedro II que também apresentou um bonito desfile, com destaque para o samba-enredo que mereceu nota 10 do cantor Jackson do Pandeiro, que julgava o item. Os autores do belo samba da “D. Pedro”, foram “Macacheira” e “Tinho”. Sobre o último algumas palavras merecem ser escritas. As primeiras para dizer que esse valoroso sambista é um dos maiores exemplos de garra e força de vontade e capacidade de superação do ser humano diante das adversidades da vida. A falta de uma perna para Tinho, decepada pelo diabete, nunca o impediu de ser um dos foliões mais alegres do 115
carnaval de Curitiba, tornando-se figura folclórica da Escola D. Pedro II. Um verdadeiro Saci surgido do reino da fantasia a saracotear com uma perna só na Avenida. O ex-jogador, grande zagueiro, terror dos atacantes do campo do 5 de Maio (hoje Praça Afonso Botelho) perdeu a perna, devorada pela doença, mas nunca perdeu a vontade de sambar na avenida. Nesse carnaval, quando a Escola estava a 50 metros do palanque oficial, Tinho abandonou a muleta e saracoteando numa perna só deu um verdadeiro show de pandeiro. Aliás, a bateria da Escola era um verdadeiro exemplo de dedicação ao samba. Dela participava, ainda, Pézinho, outro exímio pandeirista, também fotógrafo, que mesmo com os pés para dentro, um defeito de nascença, se transformava em Curupira e encantava a todos na avenida na hora do desfile ao deslizar magicamente pelo asfalto, como se tivesse mil pés, dando um show de samba no pé e no pandeiro. Amauri, outro guerreiro, também é de ser lembrado pelo seu exemplo de dedicação. Mesmo sem o indicador da mão direita era quem mostrava o rumo do norte para a bateria, que andava na cadência e ritmo do seu vigoroso surdo, do qual era um dos melhores tocadores na “D. Pedro II”, sendo por muitos anos uma peça importante na bateria da Escola. O Carnaval de 1974 também não sorriu para a Escola da Vila Capanema, 116
que perdeu o campeonato por um ponto a menos. A “Dom Pedro II” levantou o bicampeonato bastante favorecida pelo tempo, já que foi a única Escola a desfilar sem chuva, enquanto que as primeiras, inclusive a “Colorado”, desfilaram sob fortes chuvas que castigaram a cidade naquela data. Os jornais registraram que os tamborins e pandeiros ficaram quase inúteis com a chuva. Como a bateria era o ponto forte da Colorado, pode-se imaginar o estrago causado à Escola que, de qualquer, modo foi vice-campeã. Nem mesmo o bonito samba-enredo que cantava a inauguração do Teatro Guairá, ajudou a Escola a fugir da eterna sina de ser vice-campeã, mas foi um ano importante porque marcou o nascimento da parceria Cláudio Ribeiro e Homero Reboli. A história do encontro foi narrada pelo primeiro em entrevista concedida ao jornalista Téo Souto Maior: “A história da dupla surgiu de um encontro que nós tivemos na praia – no Jurerê – e ele (Homero) havia feito um samba para a Colorado. Eu estava correndo da polícia naquela época, era meados de 1970. Ele tinha feito um samba com um japonês, vê se pode, chamado Eduardo Ueda. Em 1974 aconteceu a inauguração do Teatro Guaíra. Maé chamou o Homero, que junto com o Ueda fizeram o samba sobre o
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1-Guido, 2-Menga, 3-Maé, 4-Edegar, 5-irmão de Edegar, 6-Binho, 7-Nilo, 8-Vico da Cuíca, 9-Amauri Roica, 10-Sorveteiro e 11-Gengiva
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Comemoração Boca Negra na Vila Capanema após o título de 1972. 1-Nilo, 2-Binho, 3-Chatinho, 4-Pelé, 5-Serginho, 6-Maé e 7-Ari
Teatro Guaíra. A partir daí, eu estive nos ensaios e acabei me apaixonando pela Escola lá da Vila Tássi, da Vila Capanema, comandada pelo “Seu Ismael Cordeiro – o Maé da Cuíca”. Homero complementa o relato de Cláudio Ribeiro: “A gente estava ouvindo na rádio o Maé dar uma entrevista, falando que ainda não havia feito o samba. Aí eu falei: oba! vamos tentar fazer alguma coisa. Com papel de desenho, ele colocou o papel meio no ar e saiu batucando no papel e saiu o samba ali. O interessante é que a gente fez de uma maneira. Depois o Maé encaixou uns “lerê”, mas os “lerês” ficaram bem legais. Pegou bem na Avenida. Lere lere lere – lere re ah! Lere lere lere – lere re ah! Lere lere lere – lere re ah! Lere lere lere – lere re ah! Em dezembro de 74 o presidente inaugurou o Guairão Discursos sorrisos e abraços Tudo era alegria e emoção Feliz todo mundo comentava É mais um monumento para a nossa história Orgulho da nossa cultura, estou feliz Guaíra – o maior teatro do país O samba foi assinado por Homero Réboli, Eduardo Ueda e Maé da Cuíca e ficou em segundo lugar nesse ano, informa Cláudio, que ainda afirma que
o “Maé entrou na parceria não só com o “lere” – também deu outros palpites, como em todos os outros sambas. Na verdade não havia um julgamento entre sambas, como hoje tem um julgamento entre porta-bandeira, mestre-sala, individualizado por quesito, naquele tempo o samba era o quesito mais importante, que era a bateria e o samba, e todos os nossos sambas, sem falsa modéstia, pois é algo que nos orgulha muito – o Glauco Souza Lobo diz que era porque nós éramos amigos do Cartola, da Leci Brandão, enfim, desse pessoal todo que vinha julgar – mas todos os nossos sambas, nos mais de dez anos que ali ficamos, tiramos nota 10.” O Carnaval de 1975 confirmou uma tradição que já andava fazendo mal aos rapazes da Vila: a de eterna vicecampeã, ficando o título com uma escola surgida no início dos anos 70, que vinha fazendo uma boa figura nos desfiles de carnaval de Curitiba: a “Sapolândia”, a grande campeã do carnaval desse ano. “Colorado é a grande campeã do carnaval de 1976”, foi a manchete estampada na primeira página do Jornal Diário Popular de 06/03/1976, comprovando o favoritismo apresentado na Avenida, durante o desfile que fez o público delirar ao som da bateria, que mais uma vez tirou nota 10. O total de pontos, 221, “Não Agite” fez 184 e “Embaixadores da Alegria”, 148. O enredo apresentado pela Escola foi “ Paraná Terra de Todas as Gentes”. 119
Para o ano de 1977 a Colorado trouxe para a Avenida o tema “Exaltação a Pernambuco”, com o qual pretendia “bisar” o feito do ano anterior, quando sagrou-se campeã. Mais de 330 figurantes, sob a batuta de Maé, pisaram na Avenida para defender a Escola, que trouxe um bonito samba-enredo de Cláudio Ribeiro, Homero Reboli e Maé da Cuíca, puxado no asfalto com competência por Alceu da Viola. Luiz Afonso cuidou dos figurinos e foi buscar no folclore pernambucano a inspiração para as fantasias daquele ano. Vaqueiros, mulheres rendeiras, beatas e “apanhadores de coco” foram os personagens mostrados ao público, e deram uma visão folclórica do Estado de Pernambuco, de seus problemas, de seus costumes. A bateria considerada nota 10 contou com 60 membros, sambistas por sangue e por profissão, deram o ritmo e o compasso do desfile. Binho no tarol; Ceguinho, mestre do surdo; Mutum, fazendo pulsar o coração da zabumba deu o compasso do balanço nordestino ao desfile. Carioca veio de agogô; Nelsinho, no tamborim e Rogério no repinique. Dois competentes pandeiristas mostraram ágeis evoluções com seus ritmados instrumentos: “Forquilha” e “Mancha”. Maé, antes do desfile, reclamava do pouco tempo para ensaiar: “Não é possível que apenas num mês de ensaio a gente possa dar um desempenho cem 120
por cento à Escola, mas com esforços de todos nós, iremos novamente ser os primeiros”. Outros integrantes reclamavam do cansaço. As costureiras e ajudantes, para aprontar as últimas fantasias, trabalharam dia e noite. Maé também reclamava da verba, que apesar de ter sido aumentada um pouco, não dava para acompanhar a alta do custo de vida, dizia, que resultou em gastos de 45 mil cruzeiros, o dobro da verba de 23 mil cruzeiros, saindo a diferença dos lucros do bar. O grande condutor da Colorado ainda se queixava que talvez alguns integrantes fossem impedidos de desfilar por falta de dinheiro. Maé declarou à imprensa, nesta oportunidade, que o passado havia sido muito ingrato com a sua Escola, que sempre recebeu dos jurados um julgamento parcial, pois o júri não levava em conta que o samba é do povo e para o povo, e se deixava iludir por passos de balé e luxo demasiado das Escolas com melhor condição econômica. Disse que esta situação havia melhorado muito com a criação da Associação das Escolas de Samba, pois em cinco anos de Associação ganhou três primeiros lugares. Naquele ano o clima era de vitória e os sambistas que foram para o asfalto estavam certos de que a Escola chegaria a primeiro lugar, até porque, segundo Maé, a Comissão lhe dava tranqüilidade de um julgamento imparcial, representado pela inclusão nela de elementos de fora, especialmente do Rio de Janeiro.
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Ceguinho segura o troféu (4), ladeado por Binho (6), Siqueira (5) e Nilo (8). Em cima puderam ser identificados Guido (9), a porta-bandeira da escola (3), Maé (2) e Susto (1). Atrás de Nilo, no detalhe, está Wilson - o Bugre (7). De acordo com Maé da Cuíca, ele foi pioneiro na Vila Tassi. Tocava violão embaixo das três árvores e junto com seus irmãos e demais companheiros de Vila faziam o samba da Vila antes da Escola. De acordo com Maé, ele não chegou a desfilar pela escola.
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A imprensa afirmou que a Colorado deitou e rolou com sua bateria nota 10, sendo delirantemente aplaudida por quase 20 mil pessoas que se postavam na Avenida Marechal Deodoro, que a elegeram a Escola campeã do ano, gritando em uníssono “Abre alas minha gente, a Colorado vai passar”, confirmando a condição de Escola mais popular do carnaval curitibano. A sua bateria foi a que mais aplausos arrancou do público, também endereçados entusiasticamente às cabrochas e aos passistas, que desfilaram mostrando muita raça, entusiasmo e samba no pé. (DIÁRIO POPULAR, 24/25/2002, p. 1 e 4) No entanto, a voz do povo nem sempre é ouvida pela Comissão Julgadora que deu o título à “Mocidade Azul”, cabendo à Colorado cumprir o seu fado de ser eterna vice-campeã. O samba-enredo desse ano foi de autoria da dupla de compositores Cláudio Ribeiro e Homero Reboli. Cláudio narra a história do samba, assim: “Em 1977, por exemplo, foi um sobre Pernambuco. Esse samba tem um pedaço interessante. Nós estávamos compondo na casa do Homero, lá no Juvevê, e ai eu tinha feito um pedaço da letra dizendo assim: “Pernambuco traz seus cantos populares 122
Do Quilombo dos Palmares Onde Zumbi negro se criou Recife – a Veneza brasileira Capital da alegria e do amor Terra do cordão da saidera” – Daí eu precisava colocar uma rima e meti lá: “Rua da Cantareira Do frevo e do maracatu” Mais tarde descobrimos que não tem Rua da Cantareira e que o Zumbi não era de Pernambuco, era de Alagoas – da Serra da Barriga. Mas passou e foi 10 o samba”, lembra. Para o Carnaval de 1978, a Colorado veio para a Avenida com um enredo sobre o início da colonização do Paraná, lembrando as três cidades mais antigas do Paraná: Paranaguá, Antonina e Morretes. Com um belo samba-enredo de autoria de Cláudio Ribeiro e Homero Reboli que prometia ser um dos melhores do carnaval daquele ano, a expectativa de vitória estava firmemente aninhada nos corações da rapaziada da Vila. Cláudio Ribeiro, em entrevista à imprensa escrita justificava o tema desta maneira: “Estamos tentando mostrar um pouco da importância dessas três cidades. Inclusive, no próximo sábado, na Mal. Deodoro, na Escola de Samba da Colorado haverá a participação de
um grupo de índios carijós de Valadares, aproximadamente 60 pessoas, que vão fazer demonstrações na Avenida.” Explicando melhor o tema, dizia: “o samba-enredo fala da chegada dos açorianos, da vinda do bandeirante Gabriel de Lara para a cidade de Paranaguá, da importância do negro. Da participação do índio carijó. Enfim, da importância das três cidades desde o Brasil colonial, do Brasil Império. Falamos de Valadares, dos pescadores, do folclore, principalmente do fandango.” O compositor ainda se queixava do preconceito reinante em Curitiba, já na década de 70, contra o Samba. Dizia que muitas pessoas gostariam de sair na avenida desfilando com a Escola. Só não o faziam por pertencerem a uma sociedade que não permite “coisa tão simples”. Este autor, também jornalista e comunicador, chamado Adelzon Alves, de Curitiba, na sua visão política da sociedade (era integrante do Partido Comunista), sempre viu a música, o Samba principalmente, como um instrumento de educação e libertação posto a serviço do povo, na sua luta de resistência. Afirmava: “Escola de Samba é um teatro. Tem enredo, música, atores, cenário e conta-se uma história. É o maior teatro vivo, quando na Avenida mostra tudo o que é o saber.” O otimismo dos integrantes da Colorado nesse ano, era confirmado pela Im-
prensa. A Escola foi admirada pela sua espontaneidade e pela sensacional bateria, sem dúvida a melhor do Paraná, que fez vibrar o povo pela demonstração de Samba autêntico, de garra, luta, dito no pé e no gogó, num entusiasmo capaz de dar à comunidade pobre de Vila Capanema forças para enfrentar o dinheiro, o luxo das outras Escolas de Samba, mantendo-a unida em torno de seu grande objetivo: Samba de qualidade e autêntico. “Nesse ano a Escola abafou na Avenida”, escreveu o Diário Popular de 8 e 9 de fevereiro de 1978, p. 09. “A Escola arrancou aplausos do público presente, que em geral foi pouco, principalmente nas arquibancadas”, anotou o Diário Popular de 7 de fevereiro na p. 05. Como sempre, houve muita chuva que prejudicou o desfile carnavalesco e o resultado mais uma vez foi desfavorável à Escola da Vila Capanema. Com 302 pontos a “Mocidade Azul” sagrouse bicampeã, ficando os “bocas-negras” com 285 pontos em segundo lugar. A Colorado ganhou da “Mocidade” nos quesitos de bateria e samba-enredo. No ano de 1979, mais uma vez, Colorado ficou em segundo lugar. A Escola apresentou como tema o “Sítio do Pica Pau Amarelo”, com samba-enredo de Cláudio Ribeiro e Homero Reboli e Maé da Cuíca. A expectativa para esse carnaval era muito boa. Os jornais diziam que a escola estava muito afinada. (JORNAL DIÁRIO POPULAR, 16/02/1979, p.7) e Maé 123
afirmava que a Colorado ia dar um banho, porém deu “Mocidade Azul” na cabeça, parece que uma merecida conquista, porque, dizem os jornais, ninguém reclamou. Sobre o enredo e desfile desse ano a dupla Cláudio Ribeiro e Homero Reboli tem uma história interessante que merece ser contada. Eis o relato, iniciado por Cláudio, assim: “Em 1979 nós fizemos o ‘Sítio do Picapau Amarelo’. Aliás, esse samba tem uma particularidade, o Homero vai lembrar. A Colorado ensaiava onde hoje é o supermercado Big ali na Avenida das Torres com a BR 116. Ali era o “Britânia”, que fazia parte do Colorado – Clube de Futebol, e da Colorado – Escola de Samba. Nós ensaiávamos ali. O Homero era arquiteto, já criou lá alguns carros alegóricos lá dentro do barracão. E ele criou uma casa que era o Sítio do Picapau Amarelo. No topo da casa, na cumieira da casa, no biquinho da casa, ele resolveu fazer o Picapau Amarelo. Homero continua a história: “o rapaz que ia fazer o pássaro me apareceu com o bicho lá. Aquilo lá não era um picapau, parecia mais um pterodactilo – aquela coisa lá em cima. Eu falei: ‘Maé, tira esse negócio lá de cima’. Ele respondeu: ‘É bom você não tirar ele lá 124
de cima, porque o homem (que construiu o pássaro) já foi preso umas quatro ou cinco vezes, é bom você deixar o bicho ficar lá”. Cláudio retoma o fio do relato e diz: “É interessante que a gente frise que nós éramos uns meninos. Tanto eu, quanto o Homero, tínhamos vinte e poucos anos e vínhamos de uma classe burguesa, nós não pertencíamos à história da Vila Capanema, da Vila Tassi – ali a favela do Capanema, que hoje é Jardim Botânico, Vila Pinto. Nós fomos tão bem acolhidos, que era como se lá tivéssemos nascido. Mas, a gente tinha que ter um certo respeito por algumas pessoas, como nesse caso que era um negrão de dois metros de altura, por dois de largura, que tinha feito aquele pássaro. E quem é que teria a ousadia de questionar o cara? Deixa lá! O Homero desenhou e construiu a alegoria da casa de conformidade como poderia ser, mas aquele pássaro estava mais alto que a saída do barracão. Ao empurrar o carro alegórico para a saída do barracão, caiu aquele bicho pra cima do telhado, com o telhado e tudo. Mas tínhamos que empurrar até o começo do desfile. Ali era o começo da Avenida das Torres, íamos empurrar até o viaduto do Colorado, aquele viaduto na Vila Capanema, e dali até o viaduto Colorado aquelas telhas começaram a voar pra tudo quanto é lado. E eu chorando, eu era garoto e chorava. O Homero também tinha entristecido, no que chega o Maé e fala: ‘rapaz, dei-
xa como está. Isso faz lembrar a nossa Vila Capanema’ – que eram casas todas arrebentadas.” Homero confessa que inclusive não desfilou: “Fiquei o tempo inteiro atrás da escola. Fiquei com vergonha de sair. Eu pensei: Nossa, o Maé vai por essa coisa na Avenida. Foi o primeiro ano que eu me neguei a sair na Avenida. Fiquei lá atrás. Fiz o Cláudio puxar o samba enredo, não puxei. Deixei ele sózinho. Ele mudava de tom umas dez vezes, imagine só, sem cavaquinho. Ele mudava de tom a cada quadra que o desfile percorria. Cláudio conclui assim o relato: “Foi nesse enredo, nesse samba e em outro que nós fizemos o “misto de feitiços e magias” – que a gente falava da mistura da cultura Afro, com a cultura brasileira. E se deu assim, não tinha cavaco. O Homero se “emputeceu” e falou: não vou desfilar e não vou cantar – que as vezes ele faz isso. Então um dos compositores era eu e fui cantar. Eu peguei e logo no começo da Avenida comecei num tom alto e gritante, no meio da Avenida eu já não tinha mais voz”. Eis a letra do samba cantarolada por seus compositores: “Todo mundo tem um pouco de criança E traz recordações de um passado Histórias e contos infantis Que ficaram lá distantes
E retornam à lembrança Ao ver a Dona Benta na avenida Essa nossa tia mais querida Vem, vem sambar Vem cantar com alegria Colorado esse ano Fez um mundo de magia Vem, vem sambar Vem cantar com alegria Colorado esse ano Fez um mundo de magia” Em 1980, a Escola, afirmava o presidente “Turquinho”, sofreu boicote com a falha apresentada pelo carro de som no justo momento em que a sua “Colorado” desfilava. Aquele dirigente afirmava, em entrevista ao Jornal Diário Popular de 19/02/1980. p. 01,07 ), que o “baralho já estava marcado” para favorecer a Mocidade Azul. Em represália a Colorado desfilou no domingo à noite, só com um terço dos integrantes, registrando seu protesto junto à Comissão de Carnaval, que proclamou mesmo a Mocidade Azul como campeã do desfile. Outro que clamou contra a injustiça, foi o grande dirigente Maé da Cuíca, 50 anos, 35 de carnaval, o mais velho dirigente da Escola de Samba Colorado, cuja bateria era vista como imbatível. Mesmo tirando a nota máxima nesta categoria, 100, ela perdeu por 17 pontos para a “Mocidade Azul”, ficando com o segundo lugar, posição ocupada há mais de 10 anos. Maé reclamou muito por ocasião da contagem de votos, mas homem digno 125
aceitou esportivamente o resultado. A Escola, que tirou nota máxima no samba-enredo de Cláudio Ribeiro e Homero Reboli, segundo Maé, foi injustiçada no quesito harmonia, onde tirou 56 pontos contra os 72 da “Mocidade Azul”. Assim, o título escapou de suas mãos por “poucos 17 pontos”. O compositor Cláudio Ribeiro, falando deste concurso lembrou um fato curioso presenciado na Avenida por ocasião do desfile da Colorado. O nego Mancha, percussionista da Escola representava um escravo, desfilando por isso acorrentado, semi-nu e acossado sempre pela violência de um feitor que o conduzia a pancadas. Acontece que o integrante da Escola que representava este personagem começou a se entusiasmar e bater cada vez mais forte no Mancha. Como começasse a sentir os efeitos das pancadas, Mancha pedia que o sujeito maneirasse, mas este sob o ritmo ligeiro e acelerado da bateria da “Colorado”, se empolgava cada vez mais, aumentando a dose dos castigos físicos. Foi quando Mancha parou no meio da Avenida, arrebentou as correntes, pegou o “feitor” pelo colarinho e deu uma cacetada nele no meio da Avenida. Foi o episódio da revolta do negro. Para 1981, a Escola de Samba Colorado escolheu como tema a Rua das Flores, cujos vencedores do samba-enredo mais uma vez foram os compositores Cláudio Ribeiro e Homero Reboli. O enredo mostrava a história desta famosa Rua de Curitiba, retratando a 126
época em que o bondinho puxado por burricos passava em seu passo melancólico por esta via, revivendo o período em que ela recebia sua primeira iluminação através de lampiões de gás, com destaque para a figura do acendedor de lampiões. O público presente, diziam os jornais, teria oportunidade de lembrar o “Coliseu”, famoso parque do ano de 1918, onde a tradicional família curitibana se divertia aos sábados e domingos. Também seriam lembradas as alegres figuras do pipoqueiro, vendedores de bexiga, catavento e algodão doce, além do tocador de realejo e do coreto, onde eram apresentadas as saudosas retretas, além da evocação de figuras folclóricas desta rua que seriam lembradas numa homenagem especial feita pela “Colorado”. (JORNAL DIÁRIO POPULAR, 20/01/1981)
Mais um fato curioso buscado no fio da memória, e relatado pelo compositor Cláudio Ribeiro sobre a organização da Escola para aquele carnaval: como a Escola lembrava o “bondinho”, resolveu pedir à Prefeitura Municipal autorização para colocar na Avenida uma unidade remanescente que se encontrava exposta no Museu Paranaense e que hoje se encontra colocada na Rua das Flores. Autorização negada, na impossibilidade de construírem uma réplica, dada à escassez de recursos, os integrantes da Es-
cola não tiveram dúvida, roubaram o bondinho oficial colocando-o na Avenida. Durante o desfile a suposta réplica foi muito elogiada, inclusive pelo Prefeito Jaime Lerner, e só ao fim do desfile alguém pertencente ao Museu percebeu que se tratava do verdadeiro e denunciou o fato à polícia, que imediatamente entrou em ação providenciando a apreensão do bondinho. A Escola fez um belo desfile onde se sobressaiu como de costume a sua afinadíssima bateria, mas não foi o
suficiente para empolgar a Comissão Julgadora, que lhe deu novamente o segundo lugar. Mais uma vez a autoria do samba enredo foi da dupla Cláudio Ribeiro e Homero Reboli. O primeiro assim se manifestou sobre essa composição: “Um dos momentos mais interessantes foi quando fizemos uma homenagem para a Rua XV de Novembro. Interessante em todos os sentidos, pois conseguimos aglutinar num enredo todos
A partir da esquerda: Mickey, Binho, Menga, Maé e Susto
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os elementos da XV, todos os elementos que o samba poderia propor. Foi uma letra extremamente fácil – é importante a gente lembrar que na época havia os sambas que tinham uma extensão muito grande, então contava-se uma história e ia longe… eram aqueles sambas pesados que arrastavam as Escolas. O nosso samba não. Era bem leve, bem resumido. E esse da Rua XV eu reputo como um dos melhores, a exemplo daquele da Sapolândia. A letra do samba era a seguinte: “Amanheceu o dia em festa Hoje é carnaval A nossa rua colorida É notícia de jornal Há muito tempo Foi chamada de Imperatriz Viva a XV de novembro Promessa de um tempo feliz A moda volta, Volte e meia, vem o dia O bondinho que alegria Os lampiões de gás Batalhas coloridas De confete e serpentina Nos carros, nas esquinas Nos alegres carnavais Nossa rua tem, tem, tem,tem Tem magia, venha ser Venha ser uma criança Num reino encantado Pintando fantasia” A Imprensa não viu nada de bom no Carnaval de 1982, que foi marcado por desorganização, atraso, atritos entre 128
diretores das diversas Escolas e Comissão Julgadora, tudo isso ocorrido diante do público que lotava a Mal. Deodoro que, após um incidente grave entre “Mocidade Azul” e “Comissão Executiva”, acabou deixando a Avenida mais cedo. O resultado do atrito acabou gerando a desclassificação da “Mocidade Azul” e a Escola D. Pedro II foi declarada campeã do concurso, ficando a Colorado em segundo lugar. A Colorado neste ano desfilou com o enredo “Pão, Circo, Futebol e Samba: Brasil de Elis”. A decisão de homenagear a grande cantora que havia falecido deu-se quase às vésperas do carnaval. O tema até então trabalhado era “Quarup, Adeus 7 Quedas”, porém o acontecimento infausto que nos arrebatou do convívio da maior cantora brasileira da época fez com que diretoria da Escola, reunida em 21 de janeiro, decidisse alterar o tema a ser apresentado na Avenida. A homenagem, justificável sob todos os pontos de vista, teve também como fator determinante os estreitos laços de amizade que a ligavam a Cláudio Ribeiro, compositor da “Colorado”, e à própria Escola da qual era simpatizante, dentre outras tantas figuras importantes da Música Brasileira, tais como Carmen Costa, Guilherme de Brito, Joel Teixeira, Monarco, César Costa Filho (que abriu o desfile de 81), além do inesquecível Cartola. O enredo mostrou uma retrospectiva da vida artística da cantora gaúcha,
desde o primeiro LP, intitulado “Viva a Brotolândia”, até seu último trabalho. As alas foram distribuídas e denominadas de acordo com as canções mais representativas, músicas interpretadas por Elis durante sua vida, como homenagem à grande importância representada pela sua carreira no cenário musical brasileiro, lamentando-se a imensa lacuna deixada pela morte da cantora. O samba-enredo foi composto pela dupla Cláudio Ribeiro e Homero Reboli e dizia de início que “Caía a vida feito um viaduto / e da notícia fez-se o luto que entristeceu uma nação.” O comando da sensacional bateria esteve a cargo de Binho, grande percussionista da Colorado, que assumiu a função de diretor de bateria. O resultado, já foi dito, mais um histórico vice-campeonato. Para 1983 os augúrios eram favoráveis. O Prefeito Jaime Lerner havia garantido, no ano anterior, à moçada da Vila, que para o ano seguinte a Colorado já estaria ensaiando em sua própria quadra, e que para tanto uma verba da Prefeitura já estava sendo reservada para a construção da sede em um terreno do Município, localizado nas imediações da Vila Capanema.(TRIBUNA DO PARANÁ, 28/01/1982)
O ano correu, a construção não saiu, e o ânimo da escola era muito ruim. A Colorado quase não desfilou nesse
carnaval. Houve muito suspense: primeiro desistiu do desfile, depois resolveu ir para a Avenida. O tema era um (O Despertar do Gigante), de repente, mudou, já era outro (O Passeio de Iemanjá), com o qual finalmente pisou na passarela. Para aquele ano, a Escola, apesar da pobreza, veio com certa ostentação, que resultou em um gasto da ordem de 1,2 milhão. Embora importante o aporte financeiro, fundamental mesmo foi o trabalho feito de coração e garra, pelo pessoal da favela do Capanema, para colocar a Escola na Avenida, representado pelas figuras de lavador de carro, carpinteiro, eletricista e donas de barracos, que permitiram a criação da infra-estrutura necessária para o desfile da Escola. Para contar a lenda africana (Iemanjá Resolveu Visitar seu Reino no Dorso de um Cavalo Marinho), utilizou até ráfia, material nunca antes usado pela Escola nos seus 40 anos de existência. Trouxe um belo abre-alas constituído por quatro garotos lembrando as figuras de Debret, carregando potes de barro com água-de-cheiro. A Escola, no ano de Iemanjá, pretendia envolverse nos bons fluídos da entidade africana e receber a dádiva do campeonato. Mas a alma da Escola estava faltando. Nesse carnaval a Escola de Samba Colorado apresentou-se bastante desfalcada em sua bateria. A fama de seus percussionistas já havia alcançado o 129
exterior. Um exterior próximo: o Paraguai, mais, de qualquer modo, boa parte dos integrantes da bateria fazia uma excursão internacional. Fora convidada para se apresentar em Assunção, capital do Paraguai. O desfile por isso foi fraco. O coração da Escola bateu fora do compasso, sem vida, sem ritmo, sem vigor. A bateria esteve muito aquém de suas exibições anteriores. Também não foram levados para a Avenida os carros alegóricos prometidos por seus diretores à Imprensa. Como sempre a chuva trouxe a sua dose de prejuízo, e nem mesmo a ousadia de trazer pela primeira vez no carnaval de rua de Curitiba figuras de travestis, no desfile de sábado, entusiasmou o público. (JORNAL DIÁRIO POPULAR, 14/02/1983, p.2). A Escola obteve um modesto terceiro lugar. Sendo campeã a “Mocidade Azul” e vicecampeã a “Dom Pedro II”.
Também a “Sapolândia” botou a boca no trombone, reclamando da nota atribuída à Colorado pela jurada do quesito evolução Leci Brandão. A Escola da Vila recebeu a maior crítica de Julinho da “Sapolândia”, que esbravejava contra a composição do júri. A imprensa registrou o inconformismo do grande carnavalesco que assim se expressou: A Comissão de Carnaval foi alertada que a Lecy Brandão estaria comprometida com a “Colorado”, uma vez que, quando o vice-presidente da Escola Cláudio Ribeiro, vai ao Rio fica hospedado em sua casa. Ela jamais poderia vir julgar a evolução(..) mas veio(..) e o resultado foi um dez em evolução para a Colorado, que nos tirou a 3ª colocação. (JORNAL DIÁRIO POPULAR, 16/03/1983, p. 8)
O compositor Cláudio Ribeiro defendeu Lecy dizendo “a Lecyzinha é honesta e não iria prejudicar ninguém.” (JORNAL DIÁRIO POPULAR, 16/03/1983, p. 08)
O resultado causou uma série de protestos. “A Dom Pedro II”, momentos antes do desfile das campeãs, entregou uma carta à Comissão de Carnaval protestando contra a nota 10 atribuída pela jurada Rosa Magalhães à “Mocidade Azul”, no quesito harmonia. Jubal de Azevedo, histórico e incansável carnavalesco, que começou sua carreira lá no “Asas da Alegria”, no início dos anos 50, baseava-se no fato de a “Mocidade Azul” ter “atravessado” o samba-enredo, o que teria passado despercebido ao júri no desfile de sábado. (TRIBUNA DO POVO, 04/02/1983)
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Outro jornal registrou mais um pouco do desabafo do grande sambista Julinho, assim: “A Leci é amiga e parceira de Cláudio Ribeiro (vice-presidente da Colorado), por isso deu 10 em evolução para a Colorado e apenas 7 para a Sapolândia.”(JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ, 04/03/1983). Além de Leci Brandão, um outro nome importante do cenário musical brasileiro esteve em Curitiba nesse carnaval. O grande compositor Claudionor Cruz que, em princípio, faria parte do júri do desfile das Escolas
Maé recebe troféu de campeão do carnaval na prefeitura
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de Samba, acabou não participando nesta condição, mas foi o grande homenageado da Comissão Executiva de Carnaval com troféu recebido em plena Avenida. O ano de 1984 prometia. A Escola, pelo cálculo dos mais antigos, completava quarenta anos de existência, o que estava a exigir uma soberba apresentação para o único resultado admitido pelos “bocas-negras” naquele ano: campeã. Daí, o título do enredo foi “Vila Tassi, 40 anos de Glória”, para comemorar o aniversário da Escola, que no final não teve muita alegria diante da derrota para a “Mocidade Azul” que se tornou bicampeã do Carnaval Curitibano e empanou a festa programada pela rapaziada da Vila Capanema para comemoração de seu natalício. Se o Carnaval de 1984 foi decepcionante para a rapaziada da Vila Capanema, o de 1985 foi triste e melancólico. A Escola não conseguiu trazer para a Avenida nem ao menos o número legal de componentes e apresentou um desfile sem brilho, com um péssimo visual e sem aquela sensacional e vibrante bateria. A apresentação da Colorado foi a pior de todas. O pequeno público que heroicamente resistiu às intempéries da fria madrugada de Curitiba, para assistir a Escola de Vila Capanema, já às quatro da manhã, saiu completamente decepcionado diante do carnaval pobre e sem animação, que por certo 132
levaria ao rebaixamento a mais velha e tradicional entre todas as Escolas de Samba de Curitiba. (JORNAL DIÁRIO POPULAR, 18/2/1984, p.4)
O desfile foi tão melancólico que fez com que muitos dos seus antigos componentes e admiradores, como foi o caso de Cláudio Ribeiro e outros, chorarem copiosamente ao ver passar a Colorado, sem a empolgação e a animação dos anos anteriores. Nem mesmo a outrora vibrante e “infernal” bateria, que sempre levantava o público quando passava, conseguiu acordar os foliões nas arquibancadas. Nem o patriótico samba-enredo, mais uma vez de autoria de Ismael Cordeiro, cujo título era “ Salve a Liberdade”, salvou a Escola nesse ano. Eis a letra ufanista do samba : Um dia na minha imaginação eu vi Um gigante que dormia Um gigante de com nome de Brasil Desperta meu Brasil, desperta A hora é essa, não devemos esperar Já que as portas estão abertas E um futuro gigante nos convida a entrar Ô, Ô, Ô, Ô, Ô, Ô – a liberdade chegou Ô, Ô, Ô, Ô, Ô, Ô – e um novo dia despontou Se embora tristeza Chegou a hora da verdade
O meu samba na Avenida vem saudar a liberdade Se embora tristeza Chegou a hora da verdade A minha Escola na Avenida vem saudar a liberdade A origem desse samba é a seguinte, segundo relato de Maé: “Esse aqui foi quando o Tancredo ganhou as eleições e não chegou a ser eleito (sic). Mudei até, o samba que eu tinha feito e que ia sair era outro. Mas daí eu mudei. Eu disse – o homem morreu, vamos meter ai. O Figueiredo tinha decretado a democracia, acabou com a ditadura, daí eu fiz” . A previsão do periódico citado acima se confirmou. A Escola, diante das enormes dificuldades financeiras, não conseguiu desfilar em 1986. Em 1987, a Escola cumprindo pena regulamentar, desfilou no Grupo C, levando para a Avenida Mal. Deodoro o enredo “Voltei pra ficar”. O presidente da Escola explicou à imprensa a dificuldade da montá-la. Disse: “A Colorado resolveu sair pra rua em cima da hora – dia 29 de janeiro, enquanto as outras já estavam se preparando desde outubro e novembro – mas pra não deixar morrer, o pessoal me escolheu para presidente de mais essa aventura de suor e raça.” (CORREIO DE NOTÍCIAS, 27/2/1987) Para fazer sucesso na Avenida a Escola contou com a garra das grandes passistas Marlene e Mariusa, tendo
esta sambado na Escola desde menina e feito parte das “Mulatas do Sargentelli”. Além disso também teve a colaboração prestimosa da incansável Roseli, costureira que trabalhou 20 horas por dia na confecção das fantasias (tinha completado mais de 240 delas) sem cobrar um tostão. Todo mundo colaborou neste ano, até o Paulinho Chaves, Presidente do Operário, que emprestou o Clube para os ensaios, tendo ajudado nas promoções e dispensando os 20% da renda do bar para a Escola. Tanto esforço, afinal, foi recompensado, a “Colorado” sagrou-se campeã e ganhou o direito de desfilar no ano seguinte no Grupo B. Em 1988, a Escola, desfilando no Grupo B, trouxe para a Avenida um enredo que mostrava todo o esplendor, a alegria, a malandragem e o folclore da vida noturna da Cidade Sorriso, desde o tempo dos lampiões de gás até os grandes shows de nossas casas noturnas da atualidade. O samba-enredo apresentado intitulava-se “Boemia – Artes e Sonhos das Noites de Curitiba”, de Maurício Guimarães e César Guedes, e foi puxado por Maurício e Denise. Mesmo desfilando ao lado de escolas de pequeno porte, a “Colorado” não conseguiu nesse ano mais que um modesto terceiro lugar. No desfile das Escolas do Grupo A, a “Dom Pedro II” foi a grande campeã. Uma nota curiosa estampada no jornal Gazeta do Povo, de 18/2/1988. p. 133
48), veiculado no período de carnaval, dizia o seguinte: “Além disso, o público todo viu o palhaço que, entre uma Escola e outra, quando a animação era igual a zero, tentava ajudar o clima carnavalesco fazendo brincadeiras. Pena que a Comissão de Carnaval não tenha colocado outros palhaços para animar o público naqueles momentos.” O intento da Comissão mostra o acerto da percepção do perfil psicológico do curitibano, feito no começo do século por certo cronista, conforme referenciado em outro ponto deste trabalho, quando apontou a sua principal característica: a tristeza. Parece que, decorridos mais de 60 anos dessa constatação, esta qualidade permanece presente no espírito do habitante de Curitiba. Em 1989, para o desfile do Grupo B, a Colorado trouxe o enredo “As Quatro Estações do Ano”, com o qual pretendia ganhar o carnaval e retornar ao grupo principal. Os jornais davam como favoritas a “Sapolândia” e Colorado. O povo neste carnaval esteve melhor que as Escolas. Mesmo o frio, que durante a noite surpreendeu até mesmo os curitibanos mais acostumados ao clima da cidade, não afastou um público recorde, que depois da passagem de cada Escola, invadia a Avenida e desfilava junto, criando um clima parecido com os movimentos populares de Recife e Olinda, guardadas as devidas proporções. (JORNAL GAZETA DO POVO, 06/02/1989, p.30)
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Fenômeno interessante, verificado pelo Jornal nesse carnaval. Quando as Escolas passavam o público lhes endereçava poucos e fracos aplausos, sem participação. Até parecia que grande parte do público estava esperando o fim do desfile para pegar o início do primeiro baile popular de rua dessa temporada. Esse sim, tomou conta da Avenida, misturando milhares de foliões que só foram para casa quando o dia já estava clareando. Esse também foi tido pelo Jornal como o carnaval mais liberal de Curitiba, com os foliões invadindo a pista e a polícia não batendo em ninguém. A respeito do desfile da Colorado, disse a imprensa que a sua apresentação foi de uma Escola pequena, mas já organizada, que retomava aos poucos o pique dos velhos carnavais, quando competia para vencer o título. A grande surpresa foi a sua bateria, que se continuasse assim retomaria o título de nota 10 de antigamente. Bastante elogiada também foi a atuação do puxador que, de modo limpo e bonito, levou o samba do começo ao fim de forma muito profissional. Disse o Jornal que o samba-enredo, de modo simples, falando das quatro estações do ano, possibilitou boa dose de criatividade a baixos custos, deixando a Escola com um bom visual na Avenida e aquela sensação de que poderia crescer ainda mais. No dia do resultado do Concurso, o Jornal Gazeta do Povo trazia nota
informando que havia notícias denunciado que a Escola desfilou como fantasma. Da Colorado mesmo, tinha só a bandeira, pois todo o resto teria sido emprestado pela “Embaixadores da Alegria”. A Escola, segundo a noticia, não teve lugar para ensaiar, não montou estrutura, recebendo de empréstimo da “Embaixadores” suas instalações, seus sambistas, equipamentos, bateria, tudo mais. Verdadeiras ou não as denúncias, a Escola ficou em segundo lugar, sagrando-se campeã a “Sapolândia”, que ganhou o direito de desfilar no grupo A, em 1990. Sobre o Carnaval de 1990, não há qualquer notícia sobre a participação da “Colorado” no desfile de rua. Para o Carnaval de 1991 o Jornal Diário Popular de 14/02/1991, p. 08, apontou a possibilidade de a Escola ser rebaixada de novo em razão do considerável atraso com que se apresentou, além da falta de elementos exigidos pelo regulamento. Pobre, a Escola apresentou uma comissão de frente composta de oito integrantes de raça negra, que iniciou o desfile para apresentar um enredo que falava do negro e seus orixás. Destaque para a bateria envolvente, quase revivendo a antiga máquina de samba dos anos 60. Vários destaques ajudaram a dar brilho à Escola, que veio com um ótimo samba-enredo puxado magnificamente pelo grande sambista Ciro Moraes, que hoje é uma das
vozes mais marcantes do Samba paranaense. Ciro que foi solista do Partido Alto Colorado, do Maé, por um tempo, lançou em 2003 um ótimo CD com composições de Sereno, Mário Sérgio, Dudu Nobre e outros compositores do Rio de Janeiro. A Campeã do Carnaval foi a “Embaixadores da Alegria”. A Escola de Samba Colorado, mesmo ficando em terceiro lugar, em razão do atraso e da falta de integrantes, lamentavelmente acabou rebaixada para o 2 º grupo. Um dos piores carnavais de Curitiba, o de 1992. Muita pobreza e dificuldade financeira fizeram com que apenas três Escolas de Samba cumprissem o número regulamentar de 400 figurantes. A Colorado mais uma vez desfilou com menos componentes que os exigidos pelo Grupo B, conseguindo, no entanto, escapar do rebaixamento. A Escola mais antiga de Curitiba, fundada em 1946 e dona de uma das melhores baterias, a cargo nesse ano do competente Pelé, desfilou com o enredo curitibano “Rua das Flores”, que foi contado pelo samba-enredo de autoria de Cláudio César Peba, que também foi o puxador na Avenida. Nessa época a Escola era presidida por Roseli Costa. No desfile do Grupo A, a Embaixadores da Alegria sagrou-se Bicampeã do Carnaval de Rua de Curitiba. Mais uma vez, um péssimo desempenho para o Carnaval de 1993 aguarda135
va a Escola da Vila Capanema. A Tribuna do Paraná dizia que a Colorado era a mais seria candidata ao rebaixamento para o Grupo B, em função de não ter conseguido desfilar com o número mínimo de 350 figurantes, ter entrado atrasada na Avenida e não ter apresentado nenhum dos quatro carros alegóricos previstos. Os jornais não noticiaram sequer o resultado do concurso, que teve como vencedora a Mocidade Azul. Nem o estro de Maé andava inspirado, neste ano, resultando num samba-enredo bem abaixo da média dos produzidos pelo grande sambista da Colorado. O título do samba era “Canta meu Povo”, e a letra era a seguinte: Sonhar que hoje tem aniversário A festa vai começar Muito samba e fantasia Nesta noite de carnaval E esta beleza de cenário Eu guardarei na minha lembrança Parabéns, parabéns Curitiba cidade esperança.
que foi na época do aniversário dos 300 anos de Curitiba.” Carnaval apático em 1994, fez a Colorado. Aliás, a querida Escola da Vila nos últimos anos não era mais nem a sombra do que fora nos anos sessenta. Alheia ao processo de modernização, profissionalização pelo qual passaram as Escolas de Samba principalmente no Rio de Janeiro, (quando adotaram as políticas e estratégias das empresas comerciais, aliás, se tornaram verdadeiras empresas), para competir no mercado do samba, a Escola de Vila Capanema não resistiu ao processo de organização que envolveu as Escolas também de Curitiba. Notadamente a Mocidade Azul, que a partir da década de 80, passou a contratar no Rio de Janeiro carnavalescos e sambistas para atuarem, por salários, em suas fileiras. O samba ingênuo e autêntico feito à sombra das três arvores da Vila Tassi seguia o caminho do desaparecimento.
Eis o relato de Maé, sobre o samba :
A Mocidade Azul, que em 1994 foi a campeã do Grupo A, repetia novamente o feito em 1995 e sagrava-se bicampeã do Carnaval de Curitiba.
“Na época em que o Greca era Prefeito, ele mandou mudar o enredo de todas as Escolas de Samba, pois o tema deveria ser “Curitiba”. A gente já estava com tudo pronto e tivemos que mudar a pedido da Prefeitura. Daí eu fiz essa “vapt-vupt”. Acho
A Colorado, com o tema “O Sonho de um Sonhador” trouxe para a avenida uma homenagem à criatividade da equipe do ex-prefeito Jaime Lerner. A Escola foi a primeira a entrar na avenida com uma bonita comissão de frente, composta só de mulheres. Já no início do desfile o prejuízo. O sistema
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Grupo Maé e Seus Batuqueiros. Da esquerda para a direita, em cima: Pó, Pelé, Orlandinho e Maé. Embaixo: Rogério (ex-Colorado, atual diretor de bateria da Embaixadores da Alegria), Índio e Ciro – um dos mais importantes intérpretes de sambas da cidade
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de som esteve péssimo, atrapalhando os “puxadores de samba” e bateria. Na seqüência, um carro alegórico sem destaque. Bastante aplaudidos foram os passistas, mestre-sala e porta-bandeira e também uma ala de crianças vestidas de verde e amarelo. Os colorados suaram na avenida, mas, diziam os jornais, seria difícil vencer, porque demonstrou que mesmo com 50 anos de existência a Escola não era tão grande como no passado. Apesar de todo o empenho obteve um apagado quinto lugar. Finalmente, em 1996 um desfile que, se não fez lembrar os tempos heroicos da Escola da Vila, quando previamente se apostava no mínimo no título de vice-campeã, pelo menos não foi tão decepcionante como foram os desfiles dos anos anteriores. A Escola, mesmo com a dificuldade econômica de sempre, acusada de ter utilizado fantasias pertencentes à outra escola, conseguiu um merecido vice-campeonato. A campeã foi a “Embaixadores da Alegria”. Em 1997, houve um racha nas entidades associativas, Liga e Federação das Escolas de Samba, de um lado, e, de outro, Associação das Escolas de Samba, que promoveram dois desfiles com as Escolas filiadas a cada uma das entidades. Por conta desta divisão o Carnaval de Curitiba teve duas escolas campeãs. Uma delas indicada foi a Colorado. O jornal Diário Popular de 25 de fevereiro deste ano viu na Colorado, no desfile de 1998, uma boa Escola com 138
carnavalescos animados e fantasias bem confeccionadas. O tema desse ano foi “Bem-Me-Quer Malmequer”, a sorte estava lançada e deu à Escola da Vila o título de vice-campeã. Péssimo. Assim a Imprensa definiu o Carnaval de 1999. O desfile das Escolas de Samba do Carnaval de Curitiba foi um dos mais fracos de suas história por causa da chuva e da mudança de local. Muita reclamação contra o Prefeito de Curitiba Cássio Taniguchi, que não teria o mínimo de respeito para com o folião ao deixar a organização do carnaval para data tão tardia, quase próxima da Folia de Momo. Com a coisa sendo feita na última hora, nada poderia dar certo, desabafaram os dirigentes das Escolas. (JORNAL GAZETA DO POVO, 15/02/1999, p. 3)
A Escola de Samba Colorado, que veio com o tema “Quando a Noite Seduziu o Dia”, não conseguiu seduzir o público que, além de ter de enfrentar a péssima atuação das Escolas, ainda foi vítima do desrespeito das autoridades municipais que nem ao menos cobriram as arquibancadas de modo suficiente, deixando muita gente encharcada em razão da chuva constante. O título foi conquistado pela Acadêmicos da Realeza, sob protesto da maioria das Escolas, porque teria havido irregularidade na condução da apuração, que desrespeitou praxes obrigatórias para a proclamação do título. O início do milênio vê pisar na Avenida uma Escola decadente, sem o
Os parceiros Homero Réboli e Cláudio Ribeiro se comprimentam. Na mesa ainda estavam presentes Julinho Diabo e Chocolate
brilho dos tempos passados, quando a rapaziada tinha enorme orgulho de pertencer à comunidade dos “bocasnegras”. Em 2000, a Colorado esteve tão mal no desfile carnavalesco que foi novamente rebaixada para o segundo grupo. A campeã do grupo especial foi a “Mocidade Azul”. Desde 2001 a Escola de Samba Colorado não mais desfilou na Avenida, encerrando, ao que parece, de modo melancólico, uma bonita história dessa comunidade pobre da Vila Tassi que deu origem em Curitiba ao verdadeiro processo de construção e afirmação do Samba como uma das formas de expressão da cultura popular em Curitiba. 139
3.3 A batida do samba
É
a Colorado! É a Colorado! todos gritavam. Mesmo aqueles postados na Avenida Mal. Deodoro, lá na frente, longe da concentração onde a Escola, fazia o aquecimento para pisar na passarela, sabiam, sem enxergá-la ainda, que se tratava da agremiação da Vila Capanema, só pelo som magnífico de sua avassaladora bateria. Isto fazia a diferença. Fez a vida toda. Nenhuma escola de Curitiba chegava ao menos perto da famosa bateria nota 10 da Vila Tassi, que era invencível, inigualável, insuperável. Mesmo os adversários reconheciam este fato. Alguns com um pouco de despeito diziam que se tratava não de uma Escola, mas de uma bateria que vinha com uma Escola atrás. Maldade de lado, o fato é que 141
Maé Samba Show em apresentação no Canal 6. A partir da esquerda: Susto, Jaburu, Celso Bidi-Bidi, Maé, Ceguinho, Mutum e Binho
os crioulos da Colorado eram imbatíveis, naquilo que lhes estava no sangue: fazer samba.
que só não o era em razão da pobreza, que dependia de ajuda externa, que às vezes vinha e outras não.
A pobreza da Escola nunca permitiu que, no conjunto, rendesse grandes desempenhos capazes de lhe garantir a conquista de um número maior de títulos a que fazia jus. Por isso, quase sempre ficava em segundo lugar ou terceiro. A dificuldade financeira sempre acossou a Escola e firmou na cidade, no meio dos sambistas e do povo, a história de que a Colorado estava sempre por um triz para ser campeã, e
Mas a verdade é que, a despeito de toda essa dificuldade, e ainda que não viesse o auxílio esperado, e mesmo submetida a toda a pressão impositiva feita para os desfiles em termos de apresentação de fantasias e alegorias luxuosas, caras, a Escola sempre esteve presente na Avenida, contando para tanto com a dedicação inexcedível de seus integrantes, que faziam suas próprias fantasias,
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Bateria Boca-Negra em atividade na Avenida. Destaque para o puxador Susto, Binho no surdo, João Polaco na caixa e Mutum no tambor
compunham o seu próprio samba e com muito esforço iam levar alegria ao povo que sempre compareceu aos desfiles carnavalescos. Depois vieram as lantejoulas, o luxo, a Escola sempre resistindo e, na medida do possível, se modernizando. Maé da Cuíca diz que “... aí você já tinha que comprar uma fantasia, ou um sapato vermelho (...) custava dinheiro, (...) em vez de colocar dez, a gente colocava cinco, mas ia com todo o amor e empenho...” Se dependesse a conquista dos certames do
desempenho de sua formidável bateria a Escola seria eterna campeã. Mas não era assim. Sem dúvida, a Escola sempre teve a melhor bateria de toda história do Carnaval de Curitiba, sempre foi conhecida como a bateria nota 10, sendo reconhecida de longe pelo povo, só ao ouvido de sua afinação, aliás, era chamada a “Escola do Povo”. Homero Reboli, que passou a integrar a Escola a partir de 1974, como compositor, também lembra com saudade 143
da fantástica bateria da Escola. Eis seu depoimento: “A Colorado sempre se apresentou de uma forma muito simples. Na fantasia não havia assim uma grande estruturação, mas a bateria da Escola era impressionante. Eu entrei na Colorado pela vibração que a bateria da Escola apresentava. Sempre foi uma coisa maravilhosa. Dois ou três anos antes de eu entrar, eu ia assistir o carnaval na Avenida e ficava realmente muito impressionado pelo tipo de batida que eles faziam. Era a única Escola que tinha coragem de fazer paradas, breques no meio do desfile. Geralmente quando fazem o breque na sequência, às vezes, as escolas se perdem. Na volta é fácil de se perder, já aconteceu muito nas Escolas por aí, mas a Colorado se saía perfeita nesses breques que o Maé fazia – era uma coisa impressionante. Além de tudo era uma escola muito popular” O compositor Cláudio Ribeiro que também passou a pertencer a Escola a partir de 1975, assevera que “ Os integrantes da Escola cantavam muito os sambas. A bateria puxava o samba, havia uma empolgação diferente das outras Escolas. Todo mundo cantando, o samba pegava muito fácil e houve uma harmonia interessante entre 144
Homero Réboli, Cláudio Ribeiro, Maé e a própria Escola. Então, nos primeiros ensaios na época não havia facilidades de se fazer gravações, como hoje com CDs e DVDs. O aprendizado do samba e a marcação do samba era na Escola, nos ensaios. Os ensaios lá na Vila Capanema e nos primeiros ensaios todos já saiam cantando e isso era emocionante.” Binho do Surdo, filho de Maé da Cuíca, criou-se em meio às centenas de instrumentos que abarrotavam as peças da modesta casa de seu pai, e desde cedo mostrou competência para o exercício do samba. Logo com dez anos de idade foi integrar a melhor bateria da cidade, não por ser filho do residente da Escola de Samba, mas porque era realmente um ótimo percussionista. Binho, que para tocar no grupo de samba de Maé, nos bailes carnavalescos, tinha que fazer bigode de carvão, lembra da bateria, com saudade. Eis seu depoimento: A bateria da Colorado era a melhor de Curitiba. Era completamente diferente das outras. A diferença é que naquela época eram praticamente só os instrumentos de marcação, os surdos. Enquanto as outras escolas saiam com uma bateria de 80, a gente saia com 60, mas saía com praticamente 5 surdos. As outras saiam com 30. E a diferença estava aí. O molho que o Mutum dava na zabumba, que o Ceguinho dava no surdo, que o Zequinha dava no surdo era uma bati-
da fenomenal. Era uma obrigação do meu pai, o que e como fazer. Então tinha o molho. E isso fazia a diferença. Enquanto as outras vinham forte, mas com uma batida monótona, a Colorado vinha com 5 surdos, mas com muito molho, fazendo balanço onde se destacavam as caixetas, as frigideiras, as cuícas, os tarois, repiniques, e com uma batida acelerada que o Miro da Vila Tassi criou segundo contava o meu pai. A batida era rápida. O trenzinho sempre ganhava nota 10 na avenida. E as outras Escolas que faziam outro tipo de batida não conseguiam tirar 10. Realmente, quando a Colorado entrava na Avenida todo mundo conhecia pela batida que existia. A batida também era assim porque a base da Escola era negra. E tinha bastante músico, né ? Inclusive, a nossa negrada sempre se deu bem. Uma vez nos participamos de um festival na Mangueira, com somente 6 músicos, enquanto eles participavam com mais de 20, e eles ficaram abismados de como a gente conseguia fazer aquele tipo de som.
dida ao autor deste trabalho. Vale a pena transcrevê-lo: A Colorado desde o princípio destacou-se extraordinariamente pela sua batucada. E a gente dizia que a batucada deles não perdia pra carioca. Apenas com uma diferença: o nosso samba sempre foi um pouco mais rápido do que o samba carioca, que era um pouco mais lento A Colorado tinha na batucada, volto a repetir, o seu ponto de referência. Você de longe já dizia: Lá vem a Colorado, por causa da batucada.(OLIVEIRA, entrevista em 2003)
Uma bateria que era movida a pura paixão dos integrantes pela sua Escola, pela Escola do povo, a Colorado.
(CORDEIRO, entrevista em 2004)
Nico, que foi integrante por muitos anos da bateria da Colorado, ocupando inclusive a posição de Diretor de Bateria na Escola, relembra o amor dos integrantes pela Escola, assim:
Havia na época de parte das outras agremiações um enorme respeito pela batida da Escola de Samba Colorado. Mesmo os adversários a reconheciam como a melhor, a nota 10, insuperável. Um antigo carnavalesco, pertencente à Escola de Samba Embaixadores da Alegria, o já citado José Cadilhe de Oliveira, assim se expressou a respeito do assunto, em entrevista conce-
A Colorado era bateria, bateria, bateria. A bateria da Colorado era invejada por outras Escolas e coisa e tal. A gente não tinha esse lance de receber pra sair. Era por amor, porque a gente respeitava muito o Maé. Até hoje quem fala que é da Vila Capanema, que nasceu ali lembra o som da Colorado. Então a gente vinha 145
Luizinho mestre sala e a porta-bandeira em desfile da Colorado
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Ala show de pandeiros da Colorado
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ensaiar pra ganhar na Avenida. A gente vinha na raça. O Maé não pagava nada pra ninguém. Nos íamos pra Avenida por amor. Nós saíamos por amor. Chegava a estourar o dedo, calo, o “escambau”, mas a gente estava ali, firme. Quando a gente recebia 10 na Avenida, a gente vibrava, chorava, cantava, e estava bem pago. A gente entrava num bar ou então ia para Vila Capanema comemorar e festar. (SILVA, entrevista em 2004)
Esta a ligação dos componentes com a Escola. Relação visceral de paixão, de entrega total, cujo único pagamento era a recompensa de ver a Colorado na avenida sacudindo o povo ao som do ritmo formidável de sua bateria. Laude, que foi integrante da Colorado, desfilando como baiana e porta-bandeira, também lembra da fama da bateria da Escola, que, assevera, adorava. Eis o que disse sobre o assunto: A batida da Escola era muito bonita. A bateria da Colorado cobria qualquer Escola de Samba. Como bateria, nunca existiu outra, rápida, ligeira, muito gostosa, mas o gostoso deles ali, a Colorado o que ele tinha de gostoso da bateria é que ele tinha só negrão. E negrão entende da coisa. Depois muitos dos negros, a maioria deles era músico. Quando a Colorado 148
entrava na Avenida, ela tirava o pessoal da arquibancada, porque todo mundo era Colorado. Então como bateria, a Colorado foi a melhor Escola de Samba que eu conheci. Era muito pobre, mas se dependesse da bateria seria campeã a vida inteira. (LAUDE, entrevista em 2004)
Todos são unânimes em afirmar a singularidade rítmica da bateria da Escola de Samba Colorado. Outro sambista, Laé do Cavaco, afirma que: Era a melhor bateria de Curitiba. Cada uma tem uma característica diferente, como a gente fala da Mangueira, que é uma bateria diferente, a única bateria diferente no Rio de Janeiro e a Colorado era mais ou menos isso. Era a bateria que fazia a diferença. Era só batuqueiro de primeira. A Colorado era só músico, era a nata do samba. A maior energia, a maior alegria era a Colorado, porque a Vila Capanema era forrada de artistas, tanto de alas de frente, como os próprios batuqueiros. Era um esquema bem ao estilo Rio de Janeiro. Por isso que o pessoal falava que a Colorado era o berço do samba em Curitiba. A Colorado além de ser bateria nota 10, era a escola diferente, essa é a verdade. (CABRAL, entrevista em 2004)
Bateria nota 10 da Colorado recolhida na rua Monsenhor Celso, para a Escola passar na avenida Marechal Deodoro. Entre os destaques identificados por Maé: Lori, Ceguinho, Binho, Ari, Lucimar, Luís do Surdo, Fotógrafo e Celso Bidi-bidi
Sobre a batida acelerada dos batuqueiros da Colorado correram muitas histórias na Vila Tassi. Algumas até
humorísticas, como a tirada por Glauco Souza Lobo, que apontava como razão da batida acelerada a proximi149
dade com os trens, cujo ritmo ligeiro e ensurdecedor acabou determinando a forma de marcar o samba da Vila.
e veremos que a Escola paranaense foi sem dúvida precursora da aceleração do samba-enredo na Avenida.
Outras versões davam conta de que a batida da Colorado estaria ligada ao samba do Rio de Janeiro, que aqui teria chegado através de trabalhadores cariocas da Rede Ferroviária Federal que vinham transferidos para Curitiba.
De onde teria vindo enfim esta cadência diferente da bateria da Colorado? O sambista histórico Maé da Cuíca diz que ela teve origem na comunidade da Vila Tassi. Eis o seu valioso depoimento:
Uma coisa é certa: embora se reconheça no timbre e ritmo da Escola profunda semelhança com as Escolas do Rio de Janeiro, notada por todos, conforme se viu pela consulta dos jornais e mesmo mediante depoimentos prestados ao autor, no decorrer da pesquisa, a batida da Colorado guardava uma diferença fundamental: a “batida acelerada”. Se fizermos um cotejo entre os sambas de enredo do início da década de 40 e o modo como a Escola de Samba Colorado executava os sambas durante os desfiles de Carnaval em Curitiba, ficará patente a diferença de ritmo. Tome-se, por exemplo, o andamento de dois sambas-enredo da década de 30 e 40 da Mangueira, “Recordar Castro Alves” de Carlos Cachaça e “Vale do São Francisco” de Cartola. Ambos têm um andamento bem lento, e se compare com o que dizem os jornais e as entrevistas sobre o ritmo da bateria da Colorado na época de sua fundação 45/46, (ambos dirão que era acelerado) 150
Aquele batida começou tudo com o rapaz que era a base do samba, o tocador de surdo, chamava-se Miro, Valdomiro, e ele tocava surdo. Era um surdo até de uma lata, não era desses instrumentos de agora. Era uma lata desses negócios de soldar aí, um negócio lá que tinha, sei que era uma lata. E dava um surdo legal. E ele tinha um braço forte, que naquela época ele pegava, quando “nóis” começava o samba lá, ele pegava e ¨sctum, sctum, sctum, sctum” e o pessoal ia atrás dele. Aí aquele samba ligeiro ficou como identidade da Escola de Samba, onde tava, o camarada apegava o surdo e tinha que bater mais ou menos como ele batia,e o pessoal que batia tamborim, pandeiro, tinha que ir tudo atrás. Então acostumou, tanto que na Vila você chegava na hora do ensaio lá, pegava, podia ser moleque que tava chegando, novo ou antigo, e a batida era a mesma, entende, e mesmo
quando às vezes a gente vinha pra cidade aí, nós vinha de lá, saia do Capanema até chegar na Marechal Deodoro, nós vinha aquecendo. E eu vinha pedindo pro pessoal: ¨olha, devagar, vão devagar, aquece aí, não força muito, nos temos uma hora pra passar na Mal. Deodoro¨. E naquele tempo não tinha, não havia aquela necessidade de sair e chegar batendo. Você saía até a Rua Barão era pra aquecer, depois você não podia aumentar, nem diminuir o ritmo. Mas nós saía do Correio, lá, porque não adiantava querer segurar os negão porque o pau comia, e atravessava aquela Mal Deodoro, se fosse preciso, voltava outra vez e o ritmo era o mesmo ali, não caia. O ritmo criado pelo Miro, ele era nascido na Vila Tassi mesmo né, então hoje os caras falam: ¨pô na Escola de Samba Colorado é assim. Toda a vida a bateria era nota 10. Era diferente das outras.. As outras tentavam imitar mas não dava. Porque aquela batida só os negão tem no sangue. O Miro era moreno, meio bugre, né, tanto que o apelido do irmão dele que tocava violão era Bugre. Outro integrante da Escola nos anos 70, o advogado Maury Roika, branco e tocador de cuíca, também reconhece que a batida da Escola era singular, peculiar. A origem deste modo de ba-
ter samba na Escola da Vila Tassi estaria na preponderância dos negros que a integravam. Eis o que disse Maury: A batida da Colorado era única entre nós, porque de maioria negra, tinha em seus integrantes conhecedores do ritmo afro se destacando das demais. As outras Escolas usavam ritmo compassado e sem breque, ao contrário da Colorado que, anos após ano, inovava nas interrupções, posteriormente copiadas pelas outras Escolas nos anos seguintes. Algumas nem ousavam fazer o breque, em razão da falta de qualidade de seus integrantes. Quem não fosse ritmista não se arriscava integrar a Escola. (ROIKA, entrevista em 2003) Como se vê não bastava querer ser integrante da Colorado, era preciso ser exímio e competente sambista. Além de tudo, ter essa relação especial de paixão com a Escola da Vila, que atraía irresistivelmente os melhores sambistas de Curitiba, embora nada tivesse que oferecer em termos de pecúnia. Neste ponto é importante notar que a Colorado nunca pagava a seus integrantes qualquer forma de estipêndio, até porque era muito pobre e não teria como fazê-lo, o que levava alguns integrantes não muito fiéis e mesmo por necessidade a saírem em outras Escolas. Mas às vezes o coração e o ouvido não resistiam viver à 151
distância do ritmo e da melodia da Vila Capanema e o retorno dos filhos pródigos era inevitável. Outros nasceram e morreram Colorado. Alguns ainda estão vivos, como Maé da Cuíca, Nelson Forquilha entre outros e ainda têm esperança de ver e ouvir novamente aquela bateria fascinante empolgando o povo na Avenida. O jornalista Cláudio Ribeiro faz a seguinte análise da decadência e fim da Escola. Eis seu depoimento, em entrevista concedida ao jornalista Téo Souto Maior: “Eu acho que são vários os fatores preponderantes para a decadência e o fim da Colorado. O primeiro deles é de que como a Colorado não fazia o gênero de produto de uma indústria cultural, era fadada a ter problemas. E mais o fato de que no momento em que ela teve uma grande força – que foi na década de 1960 e 1970, havia a necessidade de uma aglutinação, de uma união de todos, porque nós vivíamos um período de ditadura e não é coincidência que naquele momento houvesse toda uma grande defesa em cima da Colorado, até de pessoas que estavam distantes, mas que de uma certa forma, protegiam e influenciavam a Colorado.” Quando veio essa abertura na década de 1980, com a 152
Campanha das Diretas – eu mesmo me afastei um pouco, porque o meu partido veio para a legalidade – o Partido Comunista – e aí nós tínhamos ideologicamente e filosficamente que dar sustentação para o partido. E os outros integrantes foram tendo outros rumos. Eu reputo que estes são alguns dos instrumentos que levaram a Colorado a ter essa dificuldade. Mas o grande, o maior deles todos, sem dúvida nenhuma foi o fator do Maé. Ele cansou. Ele diz até hoje que voltaria a colocar a Escola na rua… ‘eu fui Presidente da Escola’… ele diz: ‘Você vem comigo Cláudio?’ Eu digo: ‘eu vou, claro’. Ele diz que a primeira providência é que teria que mudar o lugar do desfile, teria que voltar para a Marechal Deodoro, ou repensar. Junte todos esses predicados, essas inquietudes num momento histórico… tudo isso fez com que a Colorado tivesse esse problema, o que alias não foi a única. Nós tivemos a Dom Pedro, a Sapolândia, a Embaixadores não, mas a Mocidade sim… Ideais do Ritmo e outras escolas. Quer dizer: não é uma coincidência. O Maé era o mantenedor, que segurava a Escola. Na verdade, no final da década de 1970, ela deixou de ser um
Da direita para a esquerda, na linha de frente: Ivo (irmĂŁo de MaĂŠ), Bira (jogador do Colorado), Mutum, Menga e Chico
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Bateria nota 10 da Colorado em ação na avenida
instrumento de irmandade coletiva de uma comunidade por pressão da indústria cultural. E as atividades de seus integrantes passaram a ser variadas e também porque surgia um pseudomercado – muitos batuqueiros saíram para outras Escolas e começaram a formar grupos, até por questões financeiras. Claro que isso não foi o fator principal. A Colorado 154
nunca teve de pagar para que as pessoas saíssem, desfilassem pela Escola. Era muito pelo contrário, pagavam para sair na Escola. A Colorado nunca pagou – até porque não tinha dinheiro. Era muito penoso pra nós montarmos a Escola, comprar instrumentos, equipamentos. Eu lembro que uma época que eu era procurado pela Polícia, porque era de um partido
clandestino, e eu consegui com o Exército alguns instrumentos para a gente poder sair na Avenida… o Maé também. Outra questão: a expansão imobiliária. Aquele papo de sair da Vila Tassi, vira Vila Capanema, que vira Vila Pinto, para se tornar Jardim Botânico. Isso foi uma ação excludente para a comunidade. Isso também dificultou a permanência dos integrantes. Quando eu era da Escola eu tinha uma cota para vender do Jornal “A Voz Operária”. Eu ia lá dentro da favela vender, e vendia, sem qualquer problema. Entrava na favela de madrugada para buscar instrumento, sem problemas. Hoje a coisa é diferente. Há mais de dez anos que eu não vou lá à Vila. Isso é ruim. De uma certa forma demonstra como são os tempos modernos, onde a ganância é maior, onde a exclusão se faz presente.”
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Conclusão
O
período que se inicia no final dos anos 30 foi de grande importância para a população negra de Curitiba, porque a partir desta época o negro, que até então era visto somente como mão de obra a ser utilizada no processo econômico, passou a ser visto como agente de um saber popular retratado na sua produção cultural, tendo participação ativa na criação de novas formas de expressão principalmente do Samba. Vivendo em época de grande agitação na cidade, fruto do início do processo de industrialização e urbanização, os negros buscaram como em tantas cidades brasileiras expandir suas formas de cultura, aproveitando todas as brechas que a provinciana Curitiba começava a oferecer.
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Grupo “Maé e Seus Batuqueiros”. A partir da esquerda: Milton, Juquinha, Léia Ramos (cantora), Gorila do cavaco, Binho e Zeca no surdo
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Essas manifestações da Cultura Negra registrada em Curitiba tiveram, sem dúvida, como elemento condutor e difusor, tornando-se mesmo uma centro irradiador de produção musical do negro, a Escola de Samba Colorado. Neste período, em 1946, nasce então na Vila Tassi, como demonstrado na pesquisa, consoante comprova a memória documental baseada em depoimentos, aquela Escola que apresentaria desde a sua fundação, um perfil diferente de todos os agrupamentos carnavalescos existentes em Curitiba. Essa diferença, que a pesquisa, procurou demonstrar residiu basicamente em dois pontos: origem popular da Escola e produção de um timbre musical completamente diferente dos demais Blocos Carnavalescos que participavam das Festas de Momo em Curitiba. Procuramos demonstrar, por depoimentos e leituras, principalmente de jornais da época, que a comunidade onde se originou a Escola fazia parte do segmento mais pobre da Capital, alojado na periferia, mais exatamente na Vila Tassi, diferentemente das outras agremiações que eram formadas por elementos de classe média de Curitiba. Esta situação possivelmente originou a produção de um tipo de carnaval e samba que apresentava bastante diferença do que até então se tinha como produto do carnaval em Curitiba.
Além de pobre, porém, a comunidade era basicamente formada por negros e, aqui pensamos, reside o elemento definidor da forma de samba que se produziu na Capital a partir do grupo da Vila Tassi. Como demonstrado no trabalho, este local sempre foi habitado por negros que faziam questão de manter a tradição cultural herdada de seus ancestrais. As procissões e cantos que faziam pelas ruas de Curitiba, culminando com as rezas na Igreja de Nossa Senhora dos Pretos do Rosário, acabaram se constituindo em canal natural por onde se escoaram as produções primevas, favorecendo o desenvolvimento cultural do grupo e possibilitando a formação do arcabouço do Samba em Curitiba. E desse bailado popular, de cunho dramático e religioso, onde os negros representavam a coroação de um rei, que para os brancos era a representação da fidalguia, mas em verdade tinha por objetivo representar a coroação do Rei do Congo, resultou o protótipo do que seria mais tarde a Escola de Samba Colorado. Fundada por uma comunidade composta por herdeiros dos escravos, agora já ocupando cargos, como pequenos funcionários na Rede Ferroviária Federal, por exemplo e iniciando um processo de inserção na sociedade Curitibana, que dura até hoje, com dificuldades. A escola apresentou, desde logo, além 159
de sua origem popular, a especificidade do predomínio de músicas que tinham um timbre sonoro diferente, peculiar, singular, cuja raiz estava na cultura negra, conforme se viu de depoimento de um integrante da Escola, ao afirmar que até o surgimento da Colorado, o carnaval feito na Avenida era um carnaval completamente europeu, porque os Blocos não tinham ainda a característica do samba como se conhecia do Rio de Janeiro, porque eles estavam muito ligados ainda ao carnaval que se fazia na Europa, cabendo à Escola de Samba Colorado introduzir no Carnaval de Curitiba o verdadeiro Samba, nos moldes daquele praticado na capital carioca. Para a fixação deste tipo de sonoridade, os surdos na Escola tiveram grande influência na construção da batida da bateria que seria conhecida como a nota 10. O surdo, através da batida criada por Mestre Miro, continuou determinando o ritmo forte, acelerado, conduzindo a Escola na Avenida sempre com grande destaque em razão da sua maravilhosa sonoridade. Ponto importante a referir diz com a derrubada da premissa que originou o trabalho, ou seja, o autor ao iniciar a pesquisa tinha como ideia mostrar que a Escola de Samba Colorado apresentava um perfil diferente em razão da origem social dos seus integrantes : comunidade negra e pobre, e da possível influência de sambistas cariocas 160
que aportavam na Vila, vindos transferidos, em razão do trabalho, para a sede da Rede Ferroviária Federal de Curitiba e que este fato determinava o timbre musical de sua bateria principalmente o ritmo acelerado. Mas o que se viu não foi isto. Apesar de a bateria da Escola apresentar performance instrumental idêntica à das Escolas do Rio de Janeiro, dado o perfeito domínio de seus integrantes sobre a execução dos instrumentos de percussão, o ritmo era diferente e inovador, sem dúvida, como demonstrado na memória testemunhal. Dono de uma batida acelerada, criada por mestre Miro, a escola foi a primeira no Brasil, a apresentar este tipo de desenvolvimento rítmico nos desfiles de carnaval, antecipando em quase 30 anos, como se disse alhures, o samba-enredo acelerado mostrado nos desfiles do Rio, no começo da década de 70. Povo pobre e negro, em sua maioria, os dois produtos que resultaram na formação do primeiro e mais autêntico reduto de Samba de Curitiba: a Escola de Samba Colorado. Depois da fundação desta Escola, o carnaval e o samba na capital passaram a ter outro perfil, tornando-se, a partir daí, a ser uma festa popular. Outro ponto importante trazido com o surgimento da Escola foi o fato de oferecer visibilidade a esse contingente de pessoas negras, que viram facilitadas as coisas no que diz respeito ao ingresso no mercado de trabalho musical ainda
A Colorado sempre se destacou pela forte identidade junto à comunidade da Vila Capanema
incipiente em Curitiba. A formação da Colorado permitiu o surgimento de grupos de samba, como o pioneiro do Maé, o Partido Alto Colorado, e o estabelecimento de um padrão musical de samba que começou a ser consumido pela classe média de Curitiba. O samba foi ao até o Clube Curitibano, de elite, disse a certa altura Maé: “os sambistas começaram a entrar pela porta da frente nos Clubes”, trazendo para o cenário musical da Cidade toda a riqueza, a sonoridade, a ginga, a malemolência do samba, que a par-
tir de então passou a ser admirado e amado, até onde a reserva inata e a doentia introversão da alma do curitibano permitiu.
161
162
Aquecimento do grupo Partido Alto Colorado. A partir da esquerda: Binho, Ceguinho, Maé, Picolé, Orlandinho e Índio
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Acabou a Vila Tassi, mas não acabou o samba Teotônio Souto Maior*
A voz rouca de Maé da Cuíca, aos 82 anos de idade, carrega a carga de incontáveis madrugadas de samba e sereno. Respira. Às vezes falta ar. Tudo por conta de uma bronquite que o sambista insiste em ignorar. Maé parece predestinado a não deixar morrer a memória da Escola que fundou e cuja história ajudou a construir em seis décadas de muito samba. Isso fica comprovado na disposição do Cidadão Samba de Curitiba em guardar recortes de jornal, fotos, faixas de campeão, troféus e principalmente um caderno simples, desses de criança, com todas as suas composições manuscritas. A mesma disposição foi colocada à prova no dia em que finalmente conse165
guimos gravar cinco sambas da Colorado (três sambas compostos por Maé, um coletivo e um de Cláudio Ribeiro). Estavam lá Binho do surdo, Pelé do pandeiro, Rogério no reco-reco, João Carlos na cuíca, além de Cláudio Ribeiro. A gravação ainda contou com o apoio essencial do jovem sambista Ricardo Salmazo, que assumiu a missão de “tirar” as melodias das composições cantaroladas por Maé e Cláudio. A ideia de gravar composições antes restritas à memória ou ao surrado caderninho de Maé, visivelmente mexeram com o mestre. Com o passar das horas e o cair da noite, veio o frio e um ataque forte de bronquite. Maé não se intimidou, mesmo sob os olhares preocupados de Dona Teresinha e de sua mais nova pupila, Gabriela Pilati, rebatizada por Maé como Gabriela Deminas. Tomou remédio, abriu os braços, respirou e seguiu em frente. Mesmo contrariado, insistindo que não era cantor, o velho sambista acabou entoando o lamento “A Vila está de luto” - que se tornou o ponto alto de todos os registros do projeto. Além destas cinco músicas gravadas na chácara da família Ribeiro (faixas 02, 04, 06, 14 e 21), o CD encartado no livro ainda conta com mais 18 faixas, que incluem depoimentos e sambas do mestre Maé e da dupla Cláudio Ribeiro & Homero Réboli gravados em outras oportunidades. As duas últimas 166
músicas são bônus, gentilmente cedidas pelo compositor Cláudio Ribeiro, fruto de sua parceria com o músico Tony do Bandolim no projeto “Como o samba quer e consente”, que juntas com o samba “Façanha”, composto por Maé em 2009, reforçam a ideia de que a Colorado não está renegada ao passado. Fala-se na criação de uma Velha Guarda da Escola. Outros torcem pelo retorno à avenida. Especulações à parte, toda essa movimentação não deixa ninguém negar: acabou a Vila Tassi, acabou a Colorado, mas não acabou o samba.
Teotônio Souto Maior é jornalista e
pesquisador.
1949
Vila Tassi ISMAEL CORDEIRO
Quem diria que a Vila Tassi ia se acabar Quem diria que somente três casas Iriam ficar Elas ficaram pra mostrar no carnaval Que o samba lá da Vila Sempre tem o seu lugar A gente gostava Quando a tardinha chegava Embaixo das três árvores O batuque começava E a cuíca começava a roncar Pra mostrar à vizinhança O que era um samba ao luar Quem diria?
Maé da Cuíca faz a marcação do samba no tamborim durante as gravações na chácara do compositor Cláudio Ribeiro
Faixas 01 e 02
Ouça no CD que acompanha o livro
167
1950
1953
Deixa o moço falar
A vila está de luto
ISMAEL CORDEIRO
1a parte coletiva 2a parte: ISMAEL CORDEIRO
O Brasil inteiro Fala no Salgueiro Mangueira, Estácio de Sá Mas ninguém sabe que a Vila é O bom do samba no Paraná Na Vila também se faz o samba Porque nós gostamos de cantar E quando o samba for lá do Capanema Todos tem que respeitar Se você é sambista de verdade Abandona a cidade E vai lá na Vila mostrar Deixa o moço falar...
A Vila está de luto Só por causa de um rapaz Que depois de beber muito Foi lá pra cidade E não voltou mais Ele foi e não voltou Porque lá se acostumou E diz que foi na Vila Que seu coração ficou Ficou, ficou E na Vila nunca mais voltou
Faixas 05 e 06
Ouça no CD que acompanha o livro
Faixas 03 e 04
Ouça no CD que acompanha o livro
168
1958/59
Uma visita à cidade de Paranaguá ISMAEL CORDEIRO
Foi lá na fontinha de Paranaguá Que mataram a sede muitos forasteiros Há trezentos anos vindos para cá Portugueses Em navio pra ver brasileiro E Paranaguá de emoção sorriu Como hoje ao receber qualquer turista Esse dom do parnanguara É parte do rocio De nossa senhora Nossa virgem mãe bendita
Paranaguá Um porto ordeiro Porta de frente Deste Paraná trigueiro Paranaguá, hospitaleiro Aonde a gente se sente mais brasileiro
Compositor Cláudio Ribeiro
Frutas da terra, frutos do mar E como é lindo aos domingos Dar um passeio Na Ilha do Valadar
A letra original do samba que foi para a avenida é fruto de parceria de Maé com Pernambuco.
Quer na ponta da praia Ou na bica Ou mesmo no sopé da serra do mar Vesse a natureza que desfruta Sua gente alegre e jovem a cantar E no seu mercado tem artesanato 169
1985
1993
Salve a liberdade
Canta meu povo
ISMAEL CORDEIRO
ISMAEL CORDEIRO
Um dia na minha imaginação eu vi Um gigante que dormia Um gigante com nome de Brasil
Canta meu povo Canta meu sabiá Canta que teu canto me encanta E me faz sonhar
Desperta meu Brasil, desperta A hora é essa, não devemos esperar Já que as portas estão abertas E um futuro gigante nos convida a entrar
Sonhar que hoje tem aniversário A festa vai começar Muito samba e fantasia Nesta noite de carnaval E esta beleza de cenário Eu guardarei na minha lembrança Parabéns, parabéns Curitiba cidade esperança
Ô, ô, ô, ô, ô, ô – a liberdade chegou Ô, ô, ô, ô, ô, ô – e um novo dia despontou Se embora tristeza Chegou a hora da verdade O meu samba na avenida vem saudar a liberdade Se embora tristeza Chegou a hora da verdade A minha escola na avenida vem saudar a liberdade
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Cidade sorriso
Boca negra
ISMAEL CORDEIRO
ISMAEL CORDEIRO
Cidade sorriso Tu és a minha paixão Cidade tão linda Curitiba do meu coração Abençoada por deus Cidade dos sonhos meus Cidade dos pinheirais Tua beleza não esqueço jamais Ruas das Flores Lindas mulheres Do sorriso divinal Marechal Deodoro Passarela do samba Em noites de carnaval Santo Andrade Universidade Federal Teatro Guaíra Orgulho nosso no cenário cultural
Sou Boca de fato Não admito confusão E comigo não tem papo Sou Boca de todo o coração Campeão do Ano Santo E também do Centenário Nosso time sempre joga Respeitando o adversário Campeão da disciplina Já é nossa tradição É por isso que eu sou Boca Boca negra de todo o coração
Cidade... Passeio Público A maravilha de quem passa por aqui Que lindo Jardim Botânico Mais que beleza é o Parque Barigui Nossos bosques tão lindos É lá que vivem os sabiás Santa Felicidade e tantas belezas mais Cidade...
171
E foi assim
Futebol
ISMAEL CORDEIRO
ISMAEL CORDEIRO
E foi assim no Durival de Brito Um negão montado num tigre Trazendo no ombro um periquito Nessa amizade apareceu um leão E assim nasceu o Paraná* Para alegria do nosso coração
Na segunda eu vou Vou jogar meu futebol Vou curtir o meu pagode Vou tomar o meu goró
E hoje... O passado é saudade O sonho é realidade A Vila está em festa Vermelho e branco Azul cor de anil São as cores do meu time Campeão do meu Brasil
*Anotação no caderno de maé: “Paraná Clube, campeão brasileiro da 2a divisão
No pagode da Lily É pra quem sabe viver É lá que a malandragem curte O seu dia de lazer Essa vida é muito boa Ninguém pode reclamar Não fazem nada a semana inteira E na segunda vem relaxar
Maé
Pernilongo
ISMAEL CORDEIRO
ISMAEL CORDEIRO
Mas como é que é Um samba sem Maé Mas como é que fica um samba sem cuíca
Um pernilongo mordeu no bumbum da minha nêga Eu vou matar Esse bicho danado Nem que eu tenha que ficar O resto da noite acordado
Já não se escuta agogô, nem tamborim Isso é coisa de sambeiro É samba do ruim A semente que eu plantei Demorou mas germinou E o seu fruto Muito sambista alimentou Pra quem não conhece Diz que otário hoje é bamba Dança rumba, dança mambo E diz que curtiu um samba Se o samba ficou assim A culpa não é minha O samba hoje até parece Uma transa de camisinha
Mas de repente começou o zumzumzum Era o pernilongo Procurando mais um Mais um bumbum Acendi a luz meu deus que judiação O bumbum da nêga parecia um campo de aviação Peguei no chinelo e parti pra reação Pa-pa-pa Foi assim que começou a confusão A nêga enfurecida não queria explicação Era soco e bofetada Xingamento e palavrão Ela me acertou um ponta pé no saco E foi assim que caiu o barraco
173
1979
1981
Sítio do Pica Pau Amarelo
Rua das Flores
Cláudio Ribeiro & Homero RÉboli
Cláudio Ribeiro & Homero RÉboli
Todo mundo tem um pouco de criança E traz recordações de um passado Histórias e contos infantis Que ficaram lá distantes E retornam à lembrança Ao ver a Dona Benta na avenida Essa nossa tia mais querida
Amanheceu o dia em festa Hoje é carnaval A nossa rua colorida É notícia de jornal
Vem, vem sambar Vem cantar com alegria Colorado esse ano Fez um mundo de magia Vem, vem sambar Vem cantar com alegria Colorado esse ano Fez um mundo de magia
Faixa 11
Ouça no CD que acompanha o livro
Há muito tempo Foi chamada de Imperatriz Viva a XV de novembro Promessa de um tempo feliz A moda volta, Volte e meia, vem o dia O bondinho que alegria Os lampiões de gás Batalhas coloridas De confete e serpentina Nos carros, nas esquinas Nos alegres carnavais Nossa rua tem, tem, tem, tem Tem magia, venha ser. Venha ser uma criança Num reino encantado Pintando fantasia
Faixas 13 e 14
Ouça no CD que acompanha o livro
Da esquerda para a direita: Maé (tamborim), Ricardo Salmazo (voz e cavaquinho), Binho (surdo) e João Carlos de Freitas (cuíca)
1977
Não vou subir Cláudio Ribeiro & Homero RÉboli
Não, não vou subir Lá no morro não Porque morreu quem era dona do meu barracão Não, não vou subir Lá no morro, não Porque morreu quem era dona do meu barracão
Tudo era tão bonito, meu olhar o teu andar Deixa-me ficar curtindo o teu penar Com minhas mágoas, vou beber, vou sofrer e vou chorar Até a vela se apagar Não, não vou subir Lá no morro não Porque morreu quem era dona do meu coração
Faixa 17
Ouça no CD que acompanha o livro
175
Vendaval Cláudio Ribeiro & Homero RÉboli
Foi vendaval quem derrubou Foi vendaval quem derrubou E se passaram 50 anos de lutas e de glórias Quando a quadra da escola foi ao chão Não chora Mangueira, não chora Diz o ditado: há males que vem para o bem E quando a poeira novamente levantar E o samba lá na quadra esquentar As dores então serão sorrisos Com a força maior do que antes Agora ninguém vai te segurar Foi vendaval quem derrubou Foi vendaval quem derrubou
Faixa 18 Pelé no pandeiro e Rogério no reco-reco
176
Ouça no CD que acompanha o livro
Um perdão para mim
2009
Cláudio Ribeiro, Homero RÉboli
Saudade da vila
& CARTOLA
ISMAEL CORDEIRO
Eu sei que deve existir Um perdão para mim Sei que não há no mundo Ninguém tão ruim Se eu lhe fiz chorar Foi sem querer, meu amor
Que saudade da vila Minha infância Minha escola Escola da minha vida
Pense não me leve a mal Pois é tão natural se querer E brigar Tudo é tão normal Não deixe que o tempo Roube-nos a alegria É preciso amar É o meu bem querer Sem você não sei viver A vida é um grande espelho a refletir Nossas ilusões Olha que assim é demais Sem você eu perco a paz Se aqui tem um coração para amar Deve ter pra perdoar
Faixa 20
Ouça no CD que acompanha o livro
Vila querida Futebol e namorada Amigos da batucada Quantas madrugadas... Mas hoje está tudo mudado Os sambistas estão calados Numa tristeza total Mas o samba que nasceu aqui na vila Não morreu, ainda respira. Está pedindo para voltar Ao longe escuto Tamborins repicando É o samba que está voltando Porque aqui é o seu lugar E o meu povo Em festa está cantando: Se embora tristeza Que a alegria está voltando
177
2009
2009
Façanha
Bateu Saudade
Ismael Cordeiro
Cláudio Ribeiro & TONY DO BANDOLIM
Subi o morro da Mangueira Estação Primeira pra mostrar Que o samba brasileiro não é só Rio de Janeiro Também tem no Paraná Japa no cavaco, Alceu na craviola, Cláudio o compositor, Homero na Viola, Binho marca a cadência, no pandeiro o Pelé, Jorge no agogô, na cuíca o Maé E no final foi aquela emoção Na presença de Cartola, Carlos Cachaça e Leci Brandão Obrigado Mangueira, pela recepção O teu samba, a tua história O teu passado de glória Conquistou o meu coração Hoje és a minha escola Hoje é minha paixão Mas que beleza, que emoção O povo aplaudindo em pé Os batuqueiros do Maé Mas que beleza, que emoção A Mangueira aplaudindo em pé Os batuqueiros do Maé
Faixa 21
Ouça no CD que acompanha o livro
178
Bateu saudade Eu fui prá vila visitar Os velhos bambas do lugar De um tempo em que fui feliz Quando minha mocidade Passava pelas madrugadas Com muito samba e batucada Lua e sorrisos pra minha amada Mestre Maé sempre tomando tento Chamando Binho e a rapaziada O samba é a força raiz de um tempo Cultura de um povo raça festejada Samba quem ama Samba quem pode Oração de bamba Que sabe sambar Samba quem ama Samba quem pode Oração de bamba Que sabe sambar
2009
Vila Tassi (Capanema) Cláudio Ribeiro & TONY DO BANDOLIM
Vou cantando samba no capricho Uma fezinha lá no bicho Trabalho e moradia coisa pouca prá sonhar Sou poeta sou sambista Tiro samba da cartola Colorado minha escola Vila Tassi meu lugar! Vou cantando samba no capricho Uma fezinha lá no bicho Trabalho e moradia coisa pouca prá sonhar Sou poeta sou sambista Tiro samba da cartola Colorado minha escola Vila Tassi meu lugar! Todo sambista tem o seu maior tesouro Dando trato na morena Castigando todo couro Vou arrastando o meu tamanco pela Vila Sacudido pela vida e levado no sonhar Vou por ai tirando samba da cartola Colorado é minha Escola Vila Tassi meu lugar!
179
Escolas campeãs do grupo A
Campeã/Vice-campeã
1942 Bloco Asas da Alegria 1950 Bloco Asas da Alegria 1951 Bloco Asas da Alegria 1952 Bloco Asas da Alegria 1953 Bloco Asas da Alegria 1954 Bloco Asas da Alegria 1955 Bloco Asas da Alegria 1956 Bloco Asas da Alegria 1957 Não Agite/Embaixadores da Alegria 1958 Não Agite/Asas da Alegria 1959 Não Agite/Embaixadores da Alegria 1960 Não Agite/Embaixadores da Alegria 1961 Não Agite/Embaixadores da Alegria 1962 D. Pedro II/Não Agite 1963 Não Agite/Embaixadores da Alegria 1964 Colorado/D. Pedro II 1965 D. Pedro II/Embaixadores da Alegria 1966 D. Pedro II/Embaixadores da Alegria 1967 D. Pedro II/Não Agite 1968 Não Agite/Embaixadores da Alegria 1969 Não Agite/D. Pedro II 1970 D. Pedro II/Não Agite 1971 Concurso anulado 1972 Colorado/D. Pedro II 1973 D. Pedro II/Não Agite 1974 D. Pedro II/Colorado 1975 Sapolândia/Colorado 1976 Colorado/Não Agite 1977 Mocidade Azul/Colorado 1978 Mocidade Azul/Colorado 1979 Mocidade Azul/Colorado 1980 Mocidade Azul/Colorado 1981 Mocidade Azul/Colorado 1982 D. Pedro II/Colorado 1983 Mocidade Azul/Colorado 1984 Mocidade Azul/D. Pedro II 1985 Mocidade Azul/D. Pedro II 1986 D. Pedro II/Mocidade Azul 1987 Mocidade Azul/D. Pedro II 1988 D. Pedro II/Mocidade Azul 1989 D. Pedro II/Embaixadores da Alegria 1990 Mocidade Azul/Embaixadores da Alegria 1991 Embaixadores da Alegria/Mocidade Azul 1992 Embaixadores da Alegria/Mocidade Azul 1993 Mocidade Azul/Embaixadores da Alegria 1994 Mocidade Azul 1995 Mocidade Azul 1996 Embaixadores da Alegria/Colorado 1997 Colorado* 1998 Embaixadores da Alegria/Colorado 1999 Acadêmicos da Realeza 2000 Mocidade Azul/Acadêmicos da Realeza 2001 Acadêmicos da Realeza 2002 Acadêmicos da Realeza 2003 Acadêmicos da Realeza 2004 Embaixadores da Alegria 2005 Embaixadores da Alegria 2006 Embaixadores da Alegria 2007 Embaixadores da Alegria 2008 Acadêmicos da Realeza 2009 Acadêmicos da Realeza/Emb. da Alegria FONTE: 1957-1993 Tribuna do Paraná, 1o de março de 1993. *Em 97 houve um racha entre a Liga e a Federação das Escolas de Samba, de um lado a Liga e de outra a Associação das Escolas de Samba. Ambas promoveram desfiles separados, somente com as escolas filiadas a cada entidade. Por conta da divisão o carnaval teve duas campeãs, sendo uma delas a Colorado
181
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JORNAL O ESTADO DO PARANÁ 19/02/1958, p. 9 JORNAL O ESTADO DO PARANÁ 16/02/1952. JORNAL O ESTADO DO PARANÁ 23/02/52, p.1
Apresentação de Janaina Moscal
JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 26/02/1957, p. 1 JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 13/02/1958, p. 3 JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 16/02/1958, p. 2 JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 07/12/1959, p. 4 JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 21/02/1961, p. 2 JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 27/02/1961, p. 7 JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 12/02/1964, p. 3 JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 03/03/1965, p. 6 JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 04/03/1965, p. 3 JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 01/02/1967, p. 1 JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 07/03/1967, p. 7 JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 29/02/1968, p. 5 JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 29/02/1968, sem página JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 17/02/1969, p 2 JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 09/02/1970, p. 5 JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 28/01/1982 sem página JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ 04/03/1983 sem página
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JORNAL TRIBUNA DO POVO 04/02/1983 sem página.
185
Faixas do CD que acompanha o livro 01 O primeiro samba - Vila Tassi Depoimento - MAÉ DA CUÍCA | 1:16
14 Rua das Flores Samba | 5:04
02 Vila Tassi Samba | 2:58
15 Bondinho da Rua das Flores Depoimento - Cláudio Ribeiro &
03 Deixa o moço falar Depoimento/samba - Maé da Cuíca | 0:49
04 Deixa o moço falar Samba | 2:40 05 Aquecimento da bateria Depoimento - Maé da Cuíca | 2:32 06 A Vila está de luto Samba | 3:17 07 Pessoal pinta brava da escola Depoimento - Maé da Cuíca | 3:32 08 Morte da passista Sonia Depoimento - Maé da Cuíca | 3:22 09 Início da dupla Cláudio Ribeiro e Homero Réboli Depoimento - Cláudio Ribeiro & Homero Réboli | 1:37
10 Teatro Guaíra Depoimento/samba - CLÁUDIO RIBEIRO & Homero Réboli | 1:20
11 Sítio do Pica-pau Amarelo Depoimento/samba - Cláudio Ribeiro & Homero Réboli | 5:06
12 Bateria nota 10 Depoimento - Homero Réboli | 1:58 13 Rua das Flores Depoimento - Cláudio Ribeiro & Homero Réboli | 0:50
Homero Réboli | 0:45
16 Concurso da Mangueira Depoimento - Cláudio Ribeiro & Homero Réboli | 3:03
17 Não vou subir Depoimento/samba - Cláudio Ribeiro e Homero Réboli | 0:59
18 Vendaval Depoimento - Cláudio Ribeiro & Homero Réboli | 1:00
19 Parceria com o Cartola Depoimento - Cláudio Ribeiro & Homero Réboli | 0:53
20 Um perdão para mim Depoimento/samba - Homero Réboli | 0:57
21 Façanha (Maé da Cuíca) Samba | 3:48
Bônus
22 Bateu saudade Samba | 3:24 23 Vila Tassi (Vila Capanema) Samba | 2:31
As indicações dos compositores dos sambas estão junto com as letras entre as páginas 167 e 179.
FICHA TÉCNICA Técnico de gravação: Jofre Bork Brasil
Mixagem e edição de som: Marino Bork Brasil
Voz e tamborim: Maé da Cuíca Voz e cavaquinho: Ricardo Salmazo Surdo: Rubens Cordeiro (Binho) Pandeiro: Nelson Fernandes (Pelé)
Reco-reco: Rogério de Miranda Cuíca: João Carlos de Freitas Coro na faixa 06: Gabriela Deminas,
Cláudio Ribeiro e Téo Souto Maior
Ricardo Salmazo canta nas faixas 02, 03 e 21. Maé da Cuíca canta a faixa 06. Cláudio Ribeiro canta na faixa 14. Faixas Bônus gentilmente cedidas pelo compositor Cláudio Ribeiro. Sambas foram gravados no Canal da Música para o CD “Como o samba quer e consente”, de Cláudio Ribeiro e Tony do Bandolim. Daniel Farah canta “Bateu Saudade” e Tony do Bandolim canta “Vila Tassi (Vila Capanema)”. Bandolim e violão: Tony do Bandolim/ Violão de 7 cordas: Cláudio Fernandes / Flauta: Clayton Silva / Pandeiro: João Luiz Rodrigues e Iê do Pandeiro / Cavaquinho: Ricardo Salmazo. Maé da Cuíca e Binho do Surdo fazem participação especial na faixa 22 - Bateu Saudade
Este livro foi composto com tipos da famĂlia Kepler Std, impressos sobre papel Alta Alvura, na cidade de Curitiba em fevereiro de 2010.