Juventudes e Territórios de Favelas: Narrativas, Experiências e Aprendizagens

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Juventudes e Territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens

Organização Morgana Eneile Marina Maria

Rio de janeiro 2014


Governador do Estado do Rio de Janeiro Sérgio Cabral Vice-governador do Estado do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão Secretário de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos - SEASDH Zaqueu Teixeira chefe de Gabinete SEASDH Pedro Prata Coordenadora Geral do Caminho Melhor Jovem Morgana Eneile

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO REITOR Ricardo Vieiralves de Castro VICE-REITOR Paulo Roberto Volpato Dias


Juventudes e Territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens

Realização:

Parceria:

Apoio:


© Programa de Inclusão Social e Oportunidades para Jovens Caminho Melhor Jovem, 2014 Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos Coordenação da Unidade de Gestão de Programas Praça Cristiano Otoni s/nº - Central do Brasil CEP: 20221-250 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil Telefones: 2334-9585 ou 2334-9571 Site: www.caminhomelhorjovem.rj.gov.br E-mail: caminhomelhorjovem@social.rj.gov.br Twitter: @caminhojovem Facebook: /caminhomelhorjovem Coordenação da publicação: Morgana Eneile Assessoria de comunicação: Marina Maria Revisão: Mônica Sacramento e Marina Maria Capa, projeto gráfico e diagramação: Juliana Bravin O Programa Caminho Melhor Jovem adota linguagem de gênero em suas publicações, com o objetivo de dar visibilidade à busca por equidade de gênero. Caso tenha interesse em adquirir o conteúdo do livro em outro formato, por favor, entre em contato fazendo a


suMÁrio 8 10 14

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aPResentação Morgana Eneile, Zaqueu Teixeira e Pedro Prata sobRe o seMináRio Um panorama PoLÍtiCa de juventude no Fio da navaLHa – avanços e desaFios do PRogRaMa CaMinHo MeLHoR joveM Morgana Eneile PoLÍtiCas PÚbLiCas de juventude CoM PRotagonisMo juveniL Tiago Santana e Rafael Chagas as PoLÍtiCas PÚbLiCas de juventude e o/a joveM de FaveLa – tRajetÓRias e naRRativas eM disPuta Diego Santos Francisco Renda MeLHoR joveM: uM instRuMento de suPeRação inteRgeRaCionaL da PobReza Luis Gustavo Vieira Martins


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aPRendizagens, desaFios e eXPeCtativas na ConstRução das PoLÍtiCas PÚbLiCas de juventude Adrielle Saldanha a PoLÍtiCa de assistênCia soCiaL e a juventude no estado do Rio de janeiRo Equipe da Subsecretaria de Assistência e Descentralização da Gestão (SSASDG/SEASDH) jovens eM busCa de visibiLidade soCiaL Mário Pires Simão o PRotagonisMo PoLÍtiCo da juventude Deputado estadual Bruno Correia negRo dRaMa Mônica Francisco aRtiCuLação instituCionaL do PRogRaMa CaMinHo MeLHoR joveM: MaPa de oPoRtunidades e inteRsetoRiaLidades Vanessa Costa a estRatÉgia de FoRMação do PRogRaMa CaMinHo MeLHoR joveM Antonio Neto e Mônica Sacramento juventude e naRRativas PeRiFÉRiCas eM Rede Álvaro Maciel Júnior a estRatÉgia de inteRvenção teRRitoRiaL do PRogRaMa CaMinHo MeLHoR joveM Daniel Ganem Misse notas sobRe a eXPeRiênCia de ConstRução do baiLe de debutantes do CoMPLeXo do andaRaÍ/gRajaÚ Raquel Brum Fernandes e Isabelle Furtado de Moura


aPResentação Caros/as leitores/as, É com satisfação que apresentamos a coletânea de artigos resultantes do Seminário Juventudes e Territórios de Favelas: experiências, narrativas e aprendizagens, realizado pelo Programa Caminho Melhor Jovem na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), entre 26 e 28 de novembro de 2013. Se o Caminho Melhor Jovem, financiado pelo Governo do Rio de Janeiro e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com realização da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH), tem pela frente o desafio de contemplar 40 mil jovens de 20 territórios fluminenses pacificados ou em pacificação, não tem faltado empenho, ousadia e criatividade por parte da equipe para a implementação de ações neste sentido. E a presente publicação é uma prova de todo este envolvimento em busca do êxito do Programa, com artigos que apresentam não só análises, mas um rico diálogo entre representantes de diferentes setores da sociedade participantes do Seminário, acerca de projetos voltados para juventudes e territórios. Convidamos vocês à leitura, certos/as de que encontrarão aqui um reflexo do que foram os intensos e produtivos dias de intercâmbio e atividades durante o evento. Além da colaboração de painelistas participantes das rodas de diálogo que integraram o Se-

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minário Juventudes e Territórios de Favelas, destacando aspectos abordados durante os debates, contribuem com esta publicação profissionais que atuam diretamente na construção do Caminho Melhor Jovem. São, assim, apresentadas reflexões sobre a implementação do Programa, convidando vocês a entenderem a importância desta iniciativa, seu potencial e complexidade, e conquistas até o momento. Também complementam a publicação contribuições de representantes de outras Superintendências da SEASDH, com informações sobre ações desenvolvidas na busca por acesso a direitos humanos e cidadania às populações de territórios, sobretudo a jovens. Assim como o Seminário e os artigos aqui apresentados ressaltam a diversidade de vozes e iniciativas voltadas para o desenvolvimento local de territórios e suas juventudes, o Caminho Melhor Jovem tem se baseado neste reconhecimento como diretriz para alcançar as metas a que se propõe atingir. Desde que iniciamos esta caminhada, não tínhamos dúvidas que o trabalho não seria fácil, diante das limitações, articulações necessárias e múltiplas demandas evidentes entre as juventudes. Mas também não temos dúvidas que é por meio da interlocução, a partir de espaços de diálogo como foi o Seminário, que seguiremos no aprimoramento do Caminho Melhor Jovem e na busca pela transformação da trajetória de vida da juventude fluminense. Boa leitura e inspiração! Morgana Eneile Coordenadora Geral do Programa Caminho Melhor Jovem

Zaqueu Teixeira Secretário da SEASDH

Pedro Prata Chefe de Gabinete da SEASDH

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sobRe o seMináRio

Realizado entre os dias 26 e 28 de novembro, o Seminário Juventudes e territórios de favelas: narrativas, experiências e aprendizagens reuniu jovens, integrantes das equipes do Programa, pesquisadores/as, representantes de movimentos sociais e ativistas de juventude e territórios na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Cerca de 300 pessoas participaram durante os três dias do evento que proporcionou espaços de diálogos sobre políticas públicas e ações voltadas a jovens de territórios de favelas, envolvendo diferentes setores da sociedade. Além disso, o evento contemplou a diversidade das manifestações culturais das juventudes. Uma galeria de Arte, grupos de teatro, dança, música e o “passinho” fizeram parte deste momento ímpar de diálogo. A equipe do Caminho Melhor Jovem agradece a todos/as que colaboraram para que, de fato, o Seminário fosse um momento de reflexão, intercâmbio e contribuição para políticas públicas de juventudes e para o aprimoramento do Programa e de outras ações para jovens de territórios de favelas do Rio de Janeiro, na garantia e acesso a direitos. A seguir, veja a programação do evento.

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Pol�tiCa de Juventude no Fio da navalHa: avanÇos e desaFios do ProGraMa CaMinHo MelHor JoveM MoRgana eneiLe

Coordenadora geral do Programa Caminho Melhor jovem

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“(...) É PReCiso ReConHeCeR Que disPoR de eQuiPes PRePaRadas PaRa a esCuta QuaLiFiCada e oRientação dos/as jovens PaRa aConseLHaMento e tutoRia, auXiLiando nas esCoLHas e PRoCessos nuM MoMento de tRansição da inFÂnCia PaRa a vida aduLta já seRia uM seRviço e tanto. isto, PoR si sÓ, já aCuMuLa ResPonsabiLidade taManHa. no entanto, este PRogRaMa não se CoMPRoMete soMente CoM a esCuta, Mas CoM a PossibiLidade de MeLHoRia de seRviços nos PRÓPRios teRRitÓRios e, aLÉM disso, na ConCePção do diReito À Cidade e na CiRCuLação dos eQuiPaMentos PÚbLiCos CoMo PRinCÍPio, CoMo diReito.”

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No momento em que se inicia este registro, o Programa de Inclusão Social e Oportunidades para Jovens no Estado do Rio de Janeiro – Caminho Melhor Jovem (CMJ), fruto do Contrato de Empréstimo 2762 OC-BR entre o Governo do Estado do Rio de Janeiro e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), encontra-se no mês dez dos 48 de vigência. Este é um dado relevante do objeto, que tem um tempo para identificar, escutar e organizar a demanda de 40 mil jovens de territórios pacificados ou em pacificação, articulando serviços e transformando trajetórias. Diante deste enorme desafio, nos pusemos a pensar, desde junho de 2013, em como executar tamanha ousadia. Afinal, o Programa propõe a inversão da lógica do Estado de sair do atendimento genérico e reconhecer cada indivíduo como dono de desejo e necessidades únicas, que, se bem articuladas, podem alterar a realidade de um determinado espaço da cidade: as favelas em pacificação através do Programa Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que dispor de equipes preparadas para a escuta qualificada e orientação dos/ as jovens para aconselhamento e tutoria, auxiliando nas escolhas e processos num momento de transição da infância para a vida adulta já seria um serviço e tanto. Isto, por si só, já acumula responsabilidade tamanha. No entanto, este Programa não se compromete somente com a escuta, mas com a possibilidade de melhoria de serviços nos próprios territórios e, além disso, na concepção do direito à cidade e na circulação dos equipamentos

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públicos como princípio, como direito. É importante ressaltar que, em outros momentos, a coordenação do Caminho Melhor Jovem – ou as pessoas à frente da condução da longa negociação com o BID – esteve diante destes temas, sobre como produzir a conjunção de serviços em terreno escasso. Sem dúvida, é com o substrato do trabalho realizado e com o assessoramento técnico do BID que nos propusemos a sair da teoria e ir a campo em agosto de 2013. Três situações em especial nos foram colocadas: 1. Encontrar um modelo “padrão” de funcionamento físico e teórico a ser testado nos pilotos que pudesse ser expandido; 2. Efetivar a dinâmica de parcerias entre as Secretarias do governo estadual, ampliando para outros organismos públicos e também privados; 3. Solucionar e dispor de formatos variados para os recursos de bolsa para os/as jovens, em especial, dialogando com as realidades territoriais. Do ponto de vista físico, entendemos que a prioridade de atenção do Programa é referenciar-se em equipamentos voltados de/para a juventude. É estratégico que possamos fortalecer outras ações e programas que, para além do tempo contratual, possam permanecer funcionando nos territórios, atraindo o público juvenil e assumindo novas práticas em políticas públicas. Assim, ao abrir as portas dos Centros de Referência da Juventude (CRJ), por exemplo, a Superintendência de Políticas para a Juventude (SUPJ) cede não seu espaço físico, mas

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sua estrutura para novas perspectivas de atuação. E, ainda que acoplado ao espaço, para manter a atenção ao/à jovem, estabeleceu-se um padrão de três ambiências: uma recepção calorosa aos/às jovens, onde também se queira (e possa) permanecer; um local de atendimento aos/às jovens em que se mantenha a privacidade da escuta; e um local multiuso para a diversidade de atendimentos em grupos e estímulos. Integrando-se ao ambiente geral, mas constituindo uma identidade própria do Programa. Ressalta-se que a proposta é que, nos lugares onde o CMJ for agregado fora do âmbito de programas da SUPJ, será importante referenciar serviços disponibilizados por esta, como oficinas integradas já disponibilizadas. Esta integração buscará ainda ampliar os equipamentos nos territórios, constituindo, por exemplo, novos CRJs como já planejado para a comunidade da Chatuba, em Mesquita, que receberá o primeiro equipamento na Baixada Fluminense, cujo projeto está em elaboração. A defesa dessa estratégia corrobora com a perspectiva do legado a ser constituído a partir do Caminho Melhor Jovem para as políticas já existentes, como os CRJ’s, mas que denota que a prioridade de execução do Programa seja a atenção integral ao/à jovem, mesmo quando não houver equipamento específico de juventude em funcionamento. O desenho físico agregado à metodologia foi uma opção que atende bem ao desenho institucional do Programa, mantendo integrada a equipe da Unidade de Gestão Territorial (UGT), composta por conselheiros/as e tutores/as e, por outro lado, diretor/a acompanhado/a de jovens articuladores/as.

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Percebendo-se a demanda no atendimento de chegada e acompanhamento das atividades do Programa, foi estabelecida parceria com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) para contratação dos/as prestadores/as de serviço. Com isto, aprimoramos o desenho da UGT, ampliando o escopo metodológico original com a contratação de estagiários/as bolsistas. Também dividimos a Supervisão entre a técnica, de acompanhamento do desenho metodológico, e a funcional, para a gestão do dia-a-dia das atividades e fluxos necessários ao bom atendimento oferecido pelo Programa nos territórios. Sem dúvida, foi este conjunto de decisões que deu volume às Unidades de Gestão Territorial e às atividades gerenciais da Unidade de Gestão do Programa (UGP). No que tange às parcerias e formações de redes, percebemos que, por mais que o Estado precise ser fortalecido e que os serviços nos territórios necessitem ser aprimorados, era necessário admitirmos a existência de ações que são e poderão seguir sendo executadas em parcerias com organismos da sociedade civil e mesmo instituições privadas das mais variadas naturezas jurídicas. Ou seja, não por falha, mas para lidar com o desejo e tantas trajetórias possíveis, é imperativo ampliar a rede de sustentação, a partir do território, mais indo além dele. O instrumento Diagnóstico e Plano de Intervenção Territorial (DPIT) de cada território, como levantamento da entrada nas comunidades, é vital para a rede local, mas fundamentalmente deve se manter atualizado à luz da realidade e relações locais que alteraram e farão de cada UGT um organismo vivo e único.

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Ainda na fase de desenho do projeto, muita discussão se deu em torno do oferecimento ou não de benefícios financeiros para os/as jovens participantes do Programa. Tendo a previsão contratual de recursos com este objetivo , não havia formato ou recorte de como utilizá-los. Com isso, os recursos inicialmente apontados como bolsa para jovens em acompanhamento sistemático de tutoria foram então repensados a partir de três universos: o da demanda individual e pessoal de cada Plano de Autonomia, em que se oferece uma complementação ou ajuste necessário para se concluir a trajetória proposta – a que chamamos de Bolsa Auxílio; um conjunto de ofertas alternativas ao mapa disponibilizado, como forma de constituição de novos repertórios e substratos pessoais que possibilitem constituir novas possibilidades de trajetórias, a que chamamos de Serviço de Fruição Juvenil; e o Plano de Autonomia Territorial, em que o indivíduo se propõe em grupo a utilizar seus dons e habilidades latentes para transformar, organizar e mesmo executar algo voltado para a coletividade e o território em que se insere. Fechando um ciclo positivo de possibilidades com recursos voltados para os usufruto direto dos/as jovens, prevemos desde a escolha individual, em que cada um/a identifica sua própria necessidade a partir de um auxílio pontual, recebe materiais necessários que não disporia naturalmente e atua para a necessidade do território, impactando a percepção coletiva. Contudo, o desafio maior neste campo segue em constituir, com os demais órgãos de Estado, a concepção de que é

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possível realizar política pública fora do âmbito genérico e das limitações impostas pelos orçamentos, otimizando as ações locais conforme demandas específicas. Um mapa de ofertas e oportunidades atrativo e oportuno, por mais ações e atividades que o componham, é limitado perante o desejo e os substratos que não sabemos quais são. Para isso, foi preciso conter a possibilidade de ter opções de reflexão e circulação propostas para os/as jovens e a equipe das UGTs comporem a fruição juvenil e estímulos, através das mais variadas linguagens. Esta demanda nos levou a compor uma nova área de articulação institucional para financiar demandas específicas – tal qual chamamos – e fazer adequações para que os planos de trabalho sejam também propostos e executados através de chamada pública – em construção. Quatro meses depois da entrada em território, ainda temos muitos desafios por vencer, ainda que alguns merecem atenção especial, a que devo ressaltar: 1. Aprender com os Pilotos de Manguinhos e Cidade de Deus, bem como com as extensões de Jacarezinho, Alemão e Borel-Formiga, sistematizando a experiência; 2. Aprimorar as relações entre e com parceiros no Comitê Intersetorial do Programa – CIP; 3. Estabelecer mecanismos de monitoramente in loco do Programa e avaliação do seu impacto local. Na lógica natural do ser humano, a cada nova descoberta realizada, a tendência é que o próximo gesto seja aperfeiçoado. Isso por si só é evolutivo, mas, em se tratando de um Progra-

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ma tão caro e com as expectativas que temos com o Caminho Melhor Jovem, cada tempo é imperativo de ser registrado. Há de se sistematizar conhecimentos, como a estratégia de mobilização coletiva realizada, os usos do sistema online e suas as formas de utilização, as lacunas de formação para as equipes de território e homogeneidade no atendimento entre tantas outros. Assim como é certo que há de se comparar para o positivo o quanto que a experiência realizada pode ser aplicada nas entradas em curso seguinte. Esse registro cumulativo que nos leva a manter a atenção às próximas unidades previstas. A memória de cada passo importa e é vital para o nosso trabalho. Outro aprimoramento é fundamental: incorporar nos demais órgãos e secretarias a noção de que o Programa pertence ao Governo do Estado como um conjunto, e não somente à Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH), ainda que executado por ela. Somente a dedicação real de cada parceiro levará a oferta dedicada flexível e oportuna aos/às jovens. É no Comitê Intersetorial do Programa que as decisões estratégicas devem ser tomadas com cada parceiro, debatendo as prioridades, constituindo a seleção de intervenções no território propostas pelos/as jovens, definindo critérios e articulando equipes nos diversos níveis. Por parte da SEASDH, em especial da Unidade de Gestão do Programa, é preciso ainda envolver os parceiros na gestão dos canais de comunicação e na visibilidade das ações propostas. Outra situação que talvez nem sempre fique clara é que, seja qual for o resultado da operação de crédito estabelecida

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pelo Governo com o BID, ela obterá resultados positivos para os/as jovens envolvidos/as e seus territórios. Mas, se ela será replicável como política de Estado, se assumirá um novo modelo, dependerá da capacidade de gestão metodológica e da sua habilidade de demonstrar efetividade. Disso advém os entraves da falta de hábito na gestão pública em apurar se o recurso aplicado trouxe benefício direto a algo específico. Atuando no genérico, buscam-se referenciais também genéricos de satisfação por área ou região. Vencer o medo da avaliação é se dispor a realizar política pública em nível de excelência, verificando e corrigindo rumos constantemente. Ainda que produtos e indicadores também se configurem no campo da estatística, é o meio do caminho que permitirá o sucesso ou não. Toda a equipe e os parceiros precisam assumir cada dado e informação como parte do seu trabalho direto com o/a jovem atualmente em atendimento, e também com aqueles/as possíveis de serem atendidos/as em futuras aplicações e fases contratuais. Em se tratando de operações do BID, acrescenta-se que o resultado não é apenas o/a jovem com sua trajetória formativa realizada, mas encarado como uma matriz de ações que inclui a boa gestão dos recursos investidos. Haja vista que os modelos de execução físico-financeira das normas do estado e as advindas de uma operação de crédito internacional são diferentes, estas exigem muito empenho para garantir a constitucionalidade, além da necessária transparência. Integração entre componentes do contrato, áreas de atuação executora e equipe afinada e competente são misteres.

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O que podemos afirmar neste é que a aprendizaPolÍtiCas PÚBliCas de tempo Juventude gem é a única certeza e que, a cada Unidade de Gestão TerritoCoM ProtaGonisMo Juvenil rial, teremos maiores e melhores resultados acumulados. Mas

santana étiago um Programa que segue no fio da navalha, testando métodos superintendente de Políticas Públicas para a juventude do estado do Rio de janeiro

e formatos, avançando e recuando conforme a dialética per-

RaFaeL CHagas

mite. Não podemos errar no conjunto, porque a esperança de Coordenador de Relações institucionais e território da superintendência de Políticas para juventude se do estado do Rio de janeiro muitos/as coloca diante do nosso esforço.

No Caminho Melhor Jovem exige-se que corações e mentes estejam atentos e que estejamos em campo com um só corpo e discurso. De qualquer lugar onde estejamos, fazemos a mesma coisa: colaboramos para transformar a vida de milhares de jovens.

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“(...) destaCaMos a neCessidade da gestão de esPaços de juventude estaR abeRta ao Que Pode suRgiR nos teRRitÓRios eM Que atuaMos. Muitas vezes, a FoRMuLação de uMa PoLÍtiCa Pode aConteCeR do teRRitÓRio, CoM seus atoRes, PaRa a gestão, e não ao ContRáRio. não estaMos dizendo Que os/as gestoRes/as deveM abRiR Mão de PensaR FoRMas e Quais PoLÍtiCas deveM seR iMPLeMentadas no teRRitÓRio, Mas deveM teR a FLeXibiLidade neCessáRia, ao se ReLaCionaR CoM sujeitos ConCRetos singuLaRes, PaRa Que novidades aConteçaM. uMa PoLÍtiCa eM ManguinHos, PoR eXeMPLo, Pode não teR o MesMo gRau de eFetividade do Que na Cidade de deus, PoRQue estaMos FaLando de uMa outRa FaveLa e de outRas Pessoas CoM eXPeRiênCias e FoRMas de se enXeRgaReM CoMo jovens diveRsas.”

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introduÇÃo O objetivo deste breve artigo é relatar uma experiência ocorrida no Centro de Referência da Juventude (CRJ) de Manguinhos, aparelho do governo do estado do Rio de Janeiro que visa ofertar políticas públicas para os/as jovens do Complexo de Manguinhos, no território em que residem. Esta experiência contou com os/as próprios/as jovens que participavam das atividades do CRJ, como protagonistas, que se utilizaram da estrutura de um aparelho público para se auto-organizarem em uma associação. Além de relatar essa experiência, que ainda está em andamento, pretendemos trazer novos olhares sobre a concepção das políticas públicas de juventude (PPJs) e o protagonismo juvenil, através de uma realidade concreta. Aqui destacamos duas ideias que serão mais bem desenvolvidas ao longo deste artigo. A primeira é de que as PPJs não podem ser enxergadas apenas como direitos que visam suprir as carências dos/as jovens atendidos/as. Os/as jovens também são definidos/as pelos seus desejos e muitas vezes necessitam de condições para que suas formas de vida possam se realizar enquanto produção reconhecida por ela/ele e pela sociedade. A segunda questão se refere ao protagonismo juvenil em relação às políticas públicas, uma vez que, na maioria das vezes, é pensado apenas a partir da atuação de setores organizados na formulação das PPJs e da participação dos/as jovens na avaliação dos programas. A experiência a ser relatada indica que as/os jovens que são aten-

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didas/atendidos por programas governamentais muitas vezes reconfiguram e até mesmo inventam novas políticas. Portanto, pretendemos debater as possibilidades que podem surgir na formulação das PPJs, quando estas se abrem ao inesperado e ao imprevisível que ocorre no cotidiano dos serviços públicos na relação entre gestores/as, jovens e trabalhadores/as.

a CriaÇÃo da aJoCoM Ao assumirmos a Superintendência de Juventude (SUPJ) em janeiro deste ano de 2013, os CRJs eram a principal política do governo. Os CRJs instalaram uma ideia de que o território é o espaço privilegiado para a formulação, execução e avaliação das PPJs. Ao entramos em contato com a dinâmica do território, pensamos que, para além de fazer os CRJs funcionarem com suas atividades e ofertas de serviços aos/às jovens, deveríamos avançar mais na sua concepção enquanto uma política pública de juventude. A primeira questão, que se aprofundou com a chegada do Caminho Melhor Jovem, programa da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH) em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), é que começamos a pensar o território para além do local aonde residem as/os jovens. Percebemos a necessidade de pensar o território do/a jovem de forma ampliada, incluindo seus locais de estudo e de lazer, por exemplo. As políticas públicas

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de juventude devem levar em consideração uma nova ideia de território, tendo por objetivo ofertar serviços que atendam as necessidades que surgem na trajetória dos/as jovens. Outra ideia que temos repensado se refere ao protagonismo da juventude nestes territórios. Entendemos que a participação deve ir além da presença dos/as jovens nos conselho e nas conferências. A participação das/os jovens, moradores/ as das favelas que são atendidas pelos CRJs, na formulação e na avaliação das políticas de juventude é um mecanismo fundamental para que as PPJs assumam uma perspectiva de construção de cidadania. Na nossa concepção, a formação de jovens cidadãos/as, através da participação ativa, os/as coloca com mais capacidade de se tornarem autônomos/as para construírem sua própria história. Com essas duas ideias norteadoras formulamos nossa forma de atuação nos territórios. Mas, quando começamos a pensar que mecanismos de participação poderiam se efetivar no território, os/as próprios/as jovens com as/os trabalhadores/as do CRJ de Manguinhos foram além do que estávamos propondo. A partir do CRJ, estes/as jovens pensaram em se organizar em uma associação própria que tivesse por objetivo construir lutas comuns, incorporando as diferenças que caracterizavam aquelas e aqueles que frequentavam o CRJ de Manguinhos. A Associação de Jovens de Manguinhos (AJOCOM) - nome escolhido para batizar a organização que surgia sem um programa definido - foi criada no desenrolar do cotidiano da execução das PPJs, afirmando as formas como as/os

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jovens significavam sua própria existência e as possibilidades de construção de novos mundos. O surgimento da AJOCOM permitiu um maior diálogo entre a SUPJ e as/os jovens sobre a melhor gestão do CRJ de Manguinhos. Mais do que isso, estes/as jovens começaram, a partir da estrutura do CRJ, a articularem demandas antes invisíveis pelas PPJs. Com a criação da AJOCOM, destaca-se um protagonismo de novo tipo, aquele em que os/as próprios/as jovens lançaram as bases da construção de uma política pública de juventude. Neste caso, o protagonismo é a própria política e não mecanismo de funcionamento dela. A AJOCOM é uma Política Pública de Juventude ao se constituir enquanto espaço de articulação de lutas dos/as jovens, que incentiva a/o jovem a se perceber no mundo enquanto protagonista do que deseja para a sua vida. Portanto, destacamos a necessidade da gestão de espaços de juventude estar aberta ao que pode surgir nos territórios em que atuamos. Muitas vezes, a formulação de uma política pode acontecer do território, com seus atores, para a gestão, e não ao contrário. Não estamos dizendo que os/as gestores/ as devem abrir mão de pensar formas e quais políticas devem ser implementadas no território, mas devem ter a flexibilidade necessária, ao se relacionar com sujeitos concretos singulares, para que novidades aconteçam. Uma política em Manguinhos, por exemplo, pode não ter o mesmo grau de efetividade do que na Cidade de Deus, porque estamos falando de uma outra favela e de outras pessoas com experiências e formas de se enxergarem como jovens diversas.

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Juventude e Classe Para as teorias mais ortodoxas da sociologia, juventude é considerada uma categoria e não classe. No entanto, a partir da experiência que acabamos de relatar, propomos ampliar o conceito de classes sociais para debater em que momentos podemos considerar a juventude uma classe social. Pretendemos aqui fugir do lugar comum que define as classes sociais apenas economicamente. As classes sociais podem se constituir por outras dimensões que não só a posição que os indivíduos ocupam em relação aos meios de produção. Neste sentido, concordamos com a ideia de Negri e Hardt (2012) que a classe é um conceito político e não meramente econômico. Segundo os autores: A classe é determinada pela luta de classes. Existe, naturalmente, uma quantidade infinita de maneiras possíveis de agrupar os seres humanos em classe – a cor do cabelo, o tipo sanguíneo e assim por diante – mas, as classes que importam são as definidas pelos lineamentos da luta coletiva. A este respeito, a raça é tanto um conceito político quanto a classe econômica. A raça não é determinada pela etnia; a raça é determinada politicamente pela luta coletiva. (Hardt; Negri; 2012, p. 144).

Portanto, se consideramos que a classe não é determinada previamente, mas que é a luta que a faz enquanto classe, podemos dizer que os/as jovens que saíram às ruas em junho ou aqueles/as do Complexo de Manguinhos que se organizaram em uma associação estão se constituindo enquanto classe.

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Mas é importante destacar que não é o corte etário que os/ as definem enquanto classe, mas sim a luta construída por jovens diversos/as, que não abrem mão de suas singularidades na produção de uma luta comum. Ainda destacamos um segundo aspecto dessa noção de classe como conceito político. Para Hardt e Negri (2012): Uma teoria de classe não só reflete os atuais lineamentos da luta de classes como propõe futuros possíveis lineamentos. Nesse sentido, a função de uma teoria de classes é identificar as condições existentes de uma potencial luta coletiva e expressá-las como proposta política. A classe é na realidade um desdobramento constituinte, um projeto. (Hardt; Negri; 2012, p. 144).

Ao entendermos que a juventude enquanto classe é um projeto constituinte e não constituído, que é a luta que estes/as jovens produzem que os/as definem como classe e não a opressão, indicamos, também, possibilidades para se pensar inovações na formulação das Políticas Públicas de Juventude. Dessa forma, as PPJs não devem apenas assumir o objetivo, como ocorre na concepção hoje hegemônica, de ofertar aos/às jovens aquilo que elas e eles não têm, mas principalmente garantir que as suas formas de vida e seus desejos ganhem visibilidade como produção socialmente reconhecida. Isso muda muita coisa quando formulamos PPJs nos territórios. Hoje, muitas vezes, antes de entrarmos nos territórios, realizamos pesquisas para saber que tipo de política vamos implementar naquele local. Então, se a pesquisa indica que a grande maioria dos/as jovens, em idade não escolar, está

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desempregada, a consequência automática é criar uma política de qualificação para o trabalho. O problema, que faz essas políticas muitas vezes fracassarem, é o fato de que se trabalha apenas com a ideia formal de trabalho. Neste sentido, um/a jovem que acabou seus estudos e tem um programa em uma rádio comunitária e não ganha nada por isso, por exemplo, é considerado/a desempregado/a e precisa de qualificação profissional consequentemente. Mas, nesse caso, as PPJs também poderiam oferecer mecanismos para que a forma como este/a jovem atua no mundo possa ser suficiente para ele/a se sustentar. Não estamos falando que deveria se acabar com as pesquisas que são feitas previamente nos territórios e muito menos que não devam existir políticas públicas de qualificação profissional, mas, certamente, outras dimensões, individuais e coletivas, das/os jovens devem ser consideradas na formulação das PPJs.

ConClusÃo Ao relatar a experiência de uma Política Pública de Juventude no território do Complexo de Manguinhos, indicamos novas abordagens para se debater conceitualmente o protagonismo juvenil e a própria concepção das PPJs. No entanto, não temos a pretensão de dizer que esse é o único caminho. Ao contrário, queremos afirmar que muitos são os caminhos possíveis para se pensar as PPJs, mas estes caminhos devem estar abertos para reinvenções do cotidiano.

32 PolÍtiCas PÚBliCas de Juventude CoM ProtaGonisMo Juvenil


Portanto, quando abordamos a criação da AJOCOM como temática deste artigo, optamos por fazer um caminho inverso do que tradicionalmente é adotado. Pensamos que seria mais proveitoso partir de uma experiência concreta que envolve sujeitos de carne e osso para daí debater questões mais gerais de concepção e da teoria. O contrário seria tentar encaixar a experiência real em teorias já prontas e isso não seria honesto com o trabalho que estamos desenvolvendo. Por outro lado, e apesar das dificuldades, nossa experiência na gestão da Superintendência de Juventude tem nos enchido de esperança em relação à juventude em geral e ao papel que as PPJs podem cumprir. Casos como esse, que contamos aqui, só renova nosso fôlego para construir um mundo em que todos e todas jovens sejam sujeitos protagonistas de seus direitos.

reFerÊnCias HARDT, M.; NEGRI, A.; trad. Clóvis Marques. In: Multidão, 2ª ed., Rio de Janeiro, Record, 2012.

33 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


as PolÍtiCas PÚBliCas de Juventude e o/a JoveM de Favela: traJetórias e narrativas eM disPuta diego santos FRanCisCo Morador do borel, onde participa da Rede de instituições do borel. Mestrando no Programa de Pós-graduação em Comunicação da universidade do estado do Rio de janeiro (uerj), assistente de Mídias sociais do Programa Caminho Melhor jovem, foi Conselheiro nacional de juventude e coordenador do projeto Correspondentes da Paz.

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“estaMos FaLando de uMa disPuta HistÓRiCa eM Que o sujeito PobRe, negRo e joveM teM de daR PaRa a soCiedade uMa ResPosta Que, Muitas vezes, está aQuÉM dos seus anseios e das suas eXPeCtativas. o/a joveM da FaveLa Convive CoM o esteReÓtiPo de Que É uM/a aCoModado/a, de Que não aPRoveita as oPoRtunidades Que teM e de Que É FasCinado PeLo tRáFiCo de entoRPeCentes.”

35 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


Pensar o histórico das políticas públicas de juventude (PPJs) no Brasil é desbravar um campo ainda cheio de entraves e de lutas. A primeira delas é o fato de que ser jovem e sujeito de direitos é algo novo no país. A Constituição de 1988, por exemplo, não citava essa parcela da população. É, na década seguinte, que o interesse sobre as questões da juventude ganham espaço na agenda pública brasileira (SNJ, 2013). Ainda assim, apenas em 2010, por meio de uma emenda constitucional, garantir direitos para a juventude se torna um dever do Estado, cinco anos depois da criação da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve). Outra grande questão é o fato que, ao falarmos de juventude, não estamos falando de um grupo homogêneo, mas diverso em seus anseios e necessidades. Essa realidade faz com que a elaboração e a efetivação das PPJs sejam um tanto quanto complexas, como visto em Abramovay e Esteves (2007): A realidade social demonstra, no entanto, que não existe somente um tipo de juventude, mas grupos juvenis que constituem um conjunto heterogêneo, com diferentes parcelas de oportunidades, dificuldades, facilidades e poder nas sociedades. Nesse sentido, a juventude, por definição, é uma construção social, ou seja, a produção de uma determinada sociedade originada a partir das múltiplas formas como ela vê os jovens, produção na qual se conjugam, entre outros fatores, estereótipos, momentos históricos, múltiplas referências, além de diferentes e diversificadas situações de classe, gênero, etnia, grupo etc. (ABRAMOVAY, M.; ESTEVES, L.C. 2007 p.21).

36 traJetórias e narrativas eM disPuta


Por isso, para além do esforço de compreender toda esta diversidade, está para nós o desafio de visualizar na pluralidade que o termo Juventudes propõe o/a jovem de favela. Mais ainda, identificá-lo/a como sujeito de direitos. Não se pode esquecer que toda esta construção é nova e recente. O exercício aqui proposto é de um redirecionamento do olhar e de mudança de prismas, na elaboração das PPJs. Alessandro de Leon (2002) já apontava esta preocupação ao afirmar que “o reconhecimento da existência de várias juventudes nos permite dizer que o enfoque deverá ser múltiplo e diferenciado para cada uma delas” (p.35). Nesta perspectiva, é imprescindível que o olhar para o/a jovem de favela seja pautado na ação de construir os múltiplos enfoques que permitirão a apropriação, por parte dos/as jovens, de suas identidades; o controle de suas trajetórias e a possibilidade de construir suas narrativas em uma perspectiva de reconhecimento de sua qualidade de sujeito de direitos. Ou seja, respeitando o fato de que “os jovens são sujeitos de um processo histórico concreto no qual há pesos, medidas, densidades, cores, cheiros, formas e conteúdos específicos” (CARRANO, 2002, p.98). Há um potencial especial no/a jovem da favela. Ele/a já construiu suas pontes, redes, já encontrou formas para sobreviver. Nesse sentido, o jovem de favela, ou de qualquer outro território pobre, precisa de metodologias sedutoras que o façam compreender toda a teia de associação em que ele pode e deve estar inserido. Por isso, não basta que registremos as

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diferenças nas composições de identidade, mas também os conflitos que estão em jogo entre os diferentes atores sociais (FRANCISCO, 2012; CARRANO, 2003). Desde o primeiro grande levantamento nacional sobre a juventude, realizado em 2003 pelo Instituto Cidadania, com a pesquisa “Perfil do Jovem Brasileiro”, é possível identificar que as necessidades têm escala ainda maiores. Se, de um lado, temos os avanços políticos em relação aos direitos do/a jovem e a efetivação de uma política nacional de juventude contemplada na sanção do Estatuto da Juventude que prevê, entre outras coisas, a criação de um Sistema Nacional de Juventude a fim de garantir direitos básicos, de outro lado, novamente, esbarramos na complexidade da efetivação dos direitos e na efetivação das PPJs.

as PPJs e as Favelas do rio de Janeiro Em uma simples associação entre a representação do/a jovem de favela, corrente na sociedade brasileira, e os projetos oferecidos até aqui é possível observar o tamanho do desafio que se tem pela frente. A favela carrega na sua história um sem-número de estereótipos marcados por aspectos negativos, entre eles de que os/as seus/suas moradores/as são “malandros e ociosos, negros inimigos do trabalho duro e honesto” (ALVITO; ZALUAR, 2006, p.14). Por mais que esta pareça uma definição ultrapas-

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sada, ainda permanece no imaginário da sociedade, e no das PPJs, que ao “subir as favelas” o fazem para civilizar e dar um banho de cidadania nestes sujeitos. Historicamente, as experiências com os programas e projetos para as juventudes nas favelas do Rio de Janeiro e, quiçá no país, deixaram muitos traumas. Foram muitas as experiências fragmentadas que revelaram uma ineficiência da ação governamental em muitos aspectos, como a descontinuidade das ações e a falta de uma escuta no território. Além disso, existe a recusa em ouvir as verdadeiras demandas dos/as jovens, seus anseios e expectativas que, por muito tempo, não foram importantes. Os/As jovens destes territórios estavam, então, presos/as a uma classificação vertical, construída sem que sequer fossem ouvidos/as. Haja vista a quantidade de projetos e cursos que tentaram dar ao/à jovem de favela um lugar no mercado de trabalho – vale ressaltar, que sempre nas funções de serviço e nunca no lugar de protagonismo –, em detrimento de oportunidades que traduzissem suas ações em crescimento pessoal e profissional. Um exemplo desta ineficiência da ação governamental ocorreu certa vez, na apresentação de um projeto para jovens no Borel. Uma servidora do estado, ao ser indagada sobre a ausência de cursos artísticos, deu a seguinte resposta: “Se o seu sonho é ser atriz, faça o curso de garçonete e com o dinheiro você vai conseguir pagar um curso de teatro”. A fala representa um pensamento que permeia a cabeça de muitas pessoas que se envolvem no trabalho em projetos

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com jovens moradores/as de favela. O grande fato é que, muitas vezes, nós não os/as ouvimos. Elas se traduzem na forma com que este sujeito lida com o/a jovem no cotidiano das ações. E, se este/a jovem não é compreendido/a em sua integralidade, parte do trabalho será vazia em si mesmo. O sujeito que é foco das PPJs tem de ser respeitado em sua trajetória. E a sua autonomia e os seus direitos têm de ser garantidos. Assim como define Regina Novaes (2011): No que diz respeito às políticas públicas de juventude, um de seus desafios é combinar projetos e ações que assegurem igualdade de direitos da cidadania; valorização da diversidade juvenil por meio de ações afirmativas e respostas às demandas que dizem respeito à atual condição juvenil. A conjugação destes aspectos exige uma nova maneira de olhar - um novo paradigma – sobre as vulnerabilidades e potencialidades dos diferentes segmentos da juventude brasileira. (NOVAES, 2011, p.2).

Há muito o que se fazer ainda. É preciso garantir para a juventude de favela ou de territórios de pobreza, quaisquer que sejam, o direito de construir suas trajetórias. Disputar o direito de construir seus projetos de vida é um passo necessário e premente, já que “devemos diferenciar o desejo por poder da necessidade de nos empoderarmos, ou seja, nos considerarmos capazes e com direito de determinar nossas próprias vidas” (CHRISTIAN, 2002, p.86). Estamos falando de uma disputa histórica em que o sujeito pobre, negro e jovem tem de dar para a sociedade uma resposta que, muitas vezes, está aquém dos seus anseios e das suas

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expectativas. O/A jovem da favela convive com o estereótipo de que é um/a acomodado/a, de que não aproveita as oportunidades que tem e de que é fascinado pelo tráfico de entorpecentes. Nesta nova configuração de algumas favelas cariocas, agora ocupadas pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), o desafio é maior ainda. Temos a necessidade de transpor as representações da mídia e do senso comum, que transformaram as UPPs em uma espécie de salvação das favelas. Apagando todo um passado de luta e resistência. Ainda é comum ouvirmos que o Estado só pode entrar em uma favela após a “pacificação”. Concordar com essa afirmação é ignorar os anos de projetos mal sucedidos, de escolas com péssimas instalações, de equipes de saúde da família e de intervenções urbanísticas que, embora deficitárias, representaram presença do Estado anteriormente. Os territórios de favela sempre clamaram por igualdade na efetivação de políticas públicas, sempre ansiaram acessar o espaço da cidade, mas foram privados desse direito. Hoje o que se vê é a necessidade de diálogo igualitário, de um olhar que vá além dos estigmas, que compreenda os caminhos já traçados pelos/as jovens e que seja capaz de vislumbrar as novas trilhas e perspectivas desse percurso. O lugar de protagonista de uma história de enfrentamentos precisa ser deste/a jovem. Como vantagem, podemos considerar ainda o avanço da construção de PPJs no Brasil e o estágio que nos encontramos atualmente. Com a aprovação do Estatuto da Juventude, um novo horizonte se descortina para o/a jovem brasileiro/a. Uma

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inovação do Estatuto da Juventude é a organização de um Sistema Nacional de Políticas Públicas para a Juventude. Em fase de implantação, o Sistema deve funcionar garantindo nos estados e municípios uma rede de atenção à implementação de políticas públicas. Esta é uma forma de organizar em âmbito federal que as políticas cheguem aos territórios e alcancem, de fato, os/ as jovens. Na prática, as políticas específicas para a juventude passam a ter um caráter federativo. O que temos são novas perspectivas para os/as jovens em um país em que, pelo menos nas leis, prevê um futuro para juventude ao propor que as políticas de acesso aos direitos universais sejam um projeto de Estado e não de governos.

reFerÊnCias ABRAMOVAY, M.; ESTEVES, L.C.; ANDRADE, R.E. Juventudes: outros olhares sobre a diversidade. Brasília: MEC: Secadi, 2007. CARRANO, Paulo. A sociedade em redes In Juventude, Cultura e Cidadania. Comunicações do Iser, ano 21, 2002. Rio de Janeiro: Iser. CHRISTIAN, Barbara. A disputa de teorias. Revista Estudos Feministas. Ano 10. Santa Catarina. Universidade Federal de Santa Catarina: 2002.

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DE LEON, Alessandro. “Juventude problema” - ou descaso oficial? In Juventude, Cultura e Cidadania. Comunicações do Iser, ano 21, 2002. Rio de Janeiro: Iser. FRANCISCO, D.S. Favela como oportunidade para quem? In Desenvolvimento humano, “indústrias criativas”, favelas e “os estatutos do homem”. João Paulo dos Reis Velloso (org.) Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. NOVAES, Regina. Juventude e sociedade: jogos de espelhos. Sentimentos, percepções e demandas por direitos e políticas públicas. Disponível em: http://portalyah.com/facj/files/2011/09/Juventude-e-Sociedade-Regina-Novaes.pdf Acesso em 26/11/2013.

43 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


renda MelHor JoveM: uM instruMento de suPeraÇÃo interGeraCional da PoBreZa Luis gustavo vieiRa MaRtins economista, mestre em Planejamento urbano e Regional e superintendente de gestão de oportunidades da subsecretaria de integração de Programas sociais da secretaria de estado de assistência social e direitos Humanos.

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“tRata-se de uM Contingente de jovens Que PodeRia CuMPRiR uM PaPeL FundaMentaL na Redução da MisÉRia no estado, não sÓ PRoMovendo sua eManCiPação da Condição de PobReza, PoR seus PRÓPRios Meios, CoMo taMbÉM de sua FaMÍLia, PoR inteRMÉdio de sua inCLusão no MeRCado de tRabaLHo a PaRtiR de outRo PataMaR eduCaCionaL.”

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A inclusão sustentada das populações de baixa renda é um desafio secular da sociedade brasileira. O que diria então, no contexto atual, o tamanho do desafio em apoiar os/as jovens na construção de novas e tradicionais alternativas de construção do seu futuro. De um lado, um mundo repleto de informação e possibilidades, ora apenas acessíveis a certos segmentos. Enormes barreiras culturais, de preconceitos, de falta de acesso a oportunidades e meios de qualificação para o mundo do conhecimento e do trabalho, não raro, existentes em condições precárias. De outro, uma reação construída muitas vezes pelo próprio suor, capacidade de superação e de construção de novas leituras do mundo que cerca o/a jovem, da sua inventividade, do trabalho árduo e do conhecimento oriundos do protagonismo juvenil. É nítida a necessidade de construir diversos esforços e abordagens para o enfretamento destas questões, assim como o esforço de integrá-las. No Brasil, mais particularmente no Rio de Janeiro, uma das principais barreiras para a inclusão qualificada no mercado de trabalho recai sobre a baixa escolaridade das pessoas em situação de pobreza extrema, associada à ausência de oportunidades. No atual contexto da economia global, a conclusão do ensino médio passa a ser um requisito indispensável para o acesso a empregos de maior produtividade no mercado formal de trabalho. As desigualdades dos resultados educacionais entre o público do Brasil sem Miséria e os estratos de maior renda são alarmantes.

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No caso do estado do Rio de Janeiro, os índices de evasão e repetência escolar se situavam bem acima da média da Região Sudeste. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2011 (PNAD), 51% dos/as jovens pobres entre 19 e 24 anos não haviam sequer chegado ao ensino médio e 68% não conseguiram concluir esta etapa escolar. Nos estratos altos de renda, 95% chegaram ao ensino médio nesta faixa etária e 92% irão concluí-lo, o que demonstra o enorme potencial de reprodução dos atuais níveis de desigualdade ao longo do tempo. O número de jovens na faixa entre 15 e 22 anos que pertencem às famílias extremamente pobres no estado do Rio de Janeiro é da ordem de 366.661 (dados do Cadastro Único para Programas Sociais). Deste universo, apenas 70.008 apresentam menor defasagem idade-série e conseguiram entrar na rede de ensino médio estadual com menos de 18 anos. O monitoramento da situação destes/as jovens/as nos permite afirmar que dos/as cerca de 40% deste contingente, aproximadamente 29 mil jovens irão abandonar o ensino médio estadual (17%) ou serão reprovados/as por nota ou por falta (cerca de 22%), e não conseguirão nos próximos anos concluir o nível médio. Trata-se de um contingente de jovens que poderia cumprir um papel fundamental na redução da miséria no estado, não só promovendo sua emancipação da condição de pobreza, por seus próprios meios, como também de sua família, por intermédio de sua inclusão no mercado de trabalho a partir de outro patamar educacional. Diante deste quadro, surge a idéia de criar um Programa que visasse atuar sobre a dimensão in-

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tergeracional de reprodução dos níveis de pobreza, buscando não necessariamente a inserção imediata dos/as jovens no mercado de trabalho, mas enfrentando as causas estruturais e permitindo uma redução da pobreza, de forma sustentada nos médio e longo prazos. O Renda Melhor Jovem integra o Plano de Superação da Pobreza Extrema no Estado do Rio de Janeiro - Rio sem Miséria, lançado em junho de 2011 e instituído pela Lei Estadual n° 6.088, de 25 de novembro de 2011. Um dos principais componentes do Plano Rio Sem Miséria é o Programa Renda Melhor, que tem por objetivo principal elevar a renda das famílias beneficiárias, de forma que estas superem a linha de pobreza extrema definida no âmbito do Rio de Janeiro (renda per capita familiar abaixo de R$ 100,00). Assim, busca proporcionar às famílias beneficiárias perspectivas de um futuro melhor e contribuir para reduzir a pressão sobre os mais jovens, no sentido de serem obrigados a abandonar os estudos para contribuir com a renda familiar. São beneficiários/as do Renda Melhor Jovem (RMJovem) os/as jovens integrantes de famílias atendidas pelo Programa Renda Melhor e Cartão Família Carioca que ingressem ou tenham ingressado no ensino médio regular ou profissionalizante da rede estadual com até 18 anos incompletos e sua adesão ao Programa se efetiva no momento da abertura da conta pelo/a aluno/a e da assinatura do termo de adesão. O participante do Programa faz jus a um benefício financeiro - Prêmio de Aprovação - por cada ano concluído no

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ensino médio, conforme os critérios a seguir: R$ 700,00 após a aprovação na 1ª série do ensino médio; R$ 900,00 após a aprovação na 2ª série; e R$ 1.000,00 após aprovação na 3ª série do ensino médio. No caso do/a jovem que cursa o ensino profissionalizante de quatro anos, o Prêmio de Aprovação no quarto ano será de R$ 1.200,00. Além disso, há um Prêmio de Conclusão Qualificada de R$ 500,00 para o/a aluno/a que obtiver um desempenho satisfatório no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), de ao menos 50% da pontuação. Os prêmios são depositados numa conta especial de poupança do Banco do Brasil, aberta em nome do/a jovem beneficiário/a, que poderá sacar, a cada ano, até 30% do valor do prêmio anual, sendo que o restante dos recursos só poderá ser sacado após a conclusão do ensino médio. Assim, de um lado os prêmios anuais do RMJovem atuam como um estímulo adicional para a conclusão do ensino médio, e, de outro, constituem um fundo financeiro para que o jovem possa investir em seus futuros projetos de vida após a conclusão do ensino médio, uma vez que o capital acumulado para cada jovem poderá alcançar um montante superior a R$ 3.000,00 (cursos de três anos) ou R$ 4.300,00 (cursos de quatro anos). A SEASDH é responsável pela coordenação das ações do Programa, de forma articulada com a Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) e demais parceiros, especialmente o Proderj, órgão de processamento de dados do Governo do Estado, responsável pelo suporte informacional, e o Banco do Brasil,

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que atua como agente financeiro do programa. O RMJovem, ao longo do tempo, vem se articulando com outra estratégia do Plano Rio Sem Miséria: a Gestão de Oportunidades Econômicas e Sociais (GOES), que visa a disponibilização de oportunidades de qualificação profissional, de trabalho, renda e acesso a serviços para as famílias em situação de vulnerabilidade social. Diversos acordos foram celebrados com parceiros públicos e privados para garantir uma oferta preferencial de oportunidades aos/as jovens e famílias do Programa. A parceria com a Seeduc visa a garantia de vagas nos cursos profissionalizantes realizados pela rede estadual de educação; junto à Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), busca-se garantir vagas preferenciais nos cursos de educação profissional; com o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) são realizados cursos gratuitos de habilitação de alunos do ensino médio para ingresso no mercado de trabalho; a parceria com a Fundação Capital é voltada ao apoio técnico visando o desenvolvimento de metodologias de inclusão bancária, educação financeira e empreendedorismo; no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) busca-se a inclusão dos/as jovens e suas famílias nos cursos ofertados pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem (Senai, Senac, Sesi, Senar, Senat) e pelas instituições federais e estaduais de educação profissional e tecnológica no estado; por fim, foram realizadas parcerias com instituições privadas como a L’Oreal, Coca-Cola, Metrô-Rio, entre outros,

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visando a qualificação profissional e a inclusão no mercado de trabalho. Os recursos para pagamento dos prêmios aos/às jovens beneficiários/as são originários da Seeduc. O RMJovem se utiliza de vários instrumentos de comunicação junto aos/às beneficiários/as, pois, além da utilização da página na internet, telefone e e-mail do programa, também existe uma página no facebook, o contato por e-mail e o envio de mensagens de SMS via celular, e, ainda, o apoio da central telefônica da Seeduc. A parceria com as secretarias municipais de assistência social é fundamental, especialmente no que se refere à divulgação e orientação sobre o programa junto às famílias e jovens de baixa renda atendidos/as pelos Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). No momento, está sendo iniciado um processo de mobilização das redes de juventude, de mulheres, da igualdade racial, da pessoa com deficiência e do público LGBT, para divulgação do programa e das oportunidades geradas, reforçando indiretamente estas políticas de inclusão. Diversos resultados positivos vêm sendo alcançados, contribuindo para o desenvolvimento de trajetórias de vida com melhores oportunidades de inclusão econômica e social. A redução da evasão escolar, o aumento das taxas de aprovação e a melhoria de desempenho no Enem são resultados esperados no médio prazo e certamente contribuirão para a superação sustentada da situação de pobreza extrema. O próprio processo de abertura de contas de poupança já significa a ruptura de vários obstáculos para a superação da pobreza em diversos ca-

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sos, como, por exemplo, a falta de documentos (registro/identificação civil, CPF, comprovante de residência). O programa RMJovem já possibilitou a abertura de 12 mil contas (números de agosto/2013) e a expectativa é chegar a 30 mil contas com depósitos efetuados até o final de 2013 (tendo em vista que 20 mil contas já foram abertas no processo massificado e necessitam agora da validação presencial nas agências bancárias). Diversos parceiros privados promoveram oportunidades de qualificação profissional e estágio com acesso prioritário para os/as beneficiários/as do Renda Melhor Jovem. Em 2012, o CIEE certificou 350 jovens no seu Programa de Iniciação ao Mundo do Trabalho (PIT). E a Coca-Cola incluiu 105 jovens em suas atividades. O sistema de monitoramento permite o acompanhamento individualizado da situação de cada jovem no programa, permitindo gerar uma série de relatórios de acompanhamento, por situação, escola, município, agência bancária etc. O sistema também viabiliza a vinculação do/ jovem ao Cadastro Único, Bolsa-Família e Renda Melhor, o que permite uma série de análises sobre o impacto do programa no médio e longo prazos. Além disso, quinzenalmente são realizadas reuniões de ponto de controle com os parceiros envolvidos na execução do programa e, quando necessário, reuniões com os responsáveis máximos de cada instituição. Duas estratégias de avaliação de resultados e impactos estão sendo desenvolvidas. A primeira se refere ao monitoramento da evolução dos/as beneficiários/as do programa no

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sistema educacional vis-a-vis os/as alunos/as em situação de pobreza que não cumprem as condicionalidades e aos/ demais alunos/as da rede estadual. O objetivo é avaliar se a introdução do programa contribui para melhorar o desempenho educacional dos beneficiários, além de controlar as taxas de evasão e repetência. Esta avaliação será realizada pela equipe da Seeduc, sem custos adicionais. No segundo eixo de estratégia trata-se da avaliação aleatória de impacto do programa, que visa responder a uma série de questionamentos: o programa aumenta as chances do/a jovem concluir o ensino médio? Ou de fazer um curso técnico? Ou ainda, de ingressar no ensino superior? Quanto custa induzir um/a aluno/a a concluir o ensino médio? Quanto o Estado economiza pela diminuição da repetência e do abandono? Qual é a taxa de retorno (privada) do programa - valor presente líquido do aumento do salário esperado x custo do programa? Este tipo de avaliação apresenta um grande desafio, que é isolar o efeito causal do programa, tornando-se necessário construir um contrafactual, permitindo comparar a evolução de indicadores entre grupos de tratamento e controle. Dentre as principais lições aprendidas e desafios estão: a dificuldade em se localizar fisicamente todos/as os/as alunos/as beneficiários/as, principalmente aqueles/as que estão se formando e/ou já estão formados/as e a escola não tem mais como contactá-los/as diretamente; o desafio da comunicação e da orientação aos/às beneficiários/as no início da implementação do programa; o obstáculo real da falta de documentação civil básica e do CPF, necessários à abertura de contas pou-

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pança. Outro empecilho bastante importante no que se refere à inclusão bancária é a dificuldade das famílias em obter um comprovante de residência, uma vez que aquelas de baixa renda no Rio de Janeiro estão sujeitas a um baixo grau de regularização fundiária. Ainda é possível destacar: a necessidade fundamental da completa e transparente comunicação entre todos os atores envolvidos no processo; e o envolvimento dos parceiros em enfrentar os obstáculos conjuntamente, propondo e implementando soluções, mobilizados no enfrentamento da extrema pobreza em todas as suas dimensões. No caso do estado do Rio de Janeiro, em 2011, 51% dos/ as jovens pobres entre 19 e 24 anos não haviam sequer chegado ao ensino médio e 68% não conseguiram concluí-lo, conforme informado anteriormente. Nos estratos altos de renda, 95% chegaram ao ensino médio nesta idade e 92% irão concluí-lo, o que aponta para a existência de um mecanismo estrutural muito importante de exclusão e de reprodução dos níveis de desigualdade no médio e longo prazos. Essa perda é muito distinta do que ocorre no 5º quintil de renda. Este fator ajuda a explicar em grande medida as razões pelas quais o índice de Gini no Rio de Janeiro evolui de forma mais lenta do que nos demais estados de perfil sócio-econômico semelhante. Isso faz com que um programa como o RMJovem possa fazer grande diferença, ao incentivar a permanência e a conclusão com qualidade do ensino médio e ao articular parceiros para a oferta preferencial de oportunidades a esses/as jovens. O RMJovem, na medida em que promove o desenvol-

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vimento dos/as jovens, com foco na superação da pobreza extrema através do investimento em capital humano, pode gerar uma série de impactos positivos ao colaborar no rompimento do ciclo intergeracional da pobreza e buscar acelerar o percurso de emancipação da pobreza, tanto do/a jovem quanto das famílias extremamente pobres. Também é possível, com isso, contribuir para o aumento das taxas de aprovação e conclusão do ensino médio no Estado do Rio de Janeiro e para a redução da evasão e da distorção idade-série, aumentando a escolaridade dos/as jovens em situação de pobreza extrema. Além disso, cria-se a oportunidade de estimular o acesso ao ensino profissionalizante e de qualificação profissional, promovendo a inclusão financeira e bancária de jovens em situação de extrema pobreza. Ao garantir um fundo financeiro a jovens extremamente pobres, o Programa permite ainda a ampliação do leque de oportunidades educacionais, de qualificação profissional, de inserção no mercado de trabalho e de empreendedorismo ao final do ensino médio. Por esta razão, promover uma melhor inserção dos/as jovens em situação de extrema pobreza no mercado do trabalho por meio de parcerias que disponibilizem vagas preferenciais e fomentar a poupança popular e os investimentos em ativos produtivos populares podem ser algumas das chaves para reduzir as desigualdades sociais no estado.

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aPrendiZaGens, desaFios e eXPeCtativas na ConstruÇÃo das PolÍtiCas PÚBliCas de Juventude adRieLLe saLdanHa Presidenta do Conselho estadual de juventude do Rio de janeiro

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“eM PouCo Menos de uMa dÉCada Foi PossÍveL avançaR na ConstRução de uMa PoLÍtiCa Que aPesaR de ReCente, eRa Mais do Que uRgente e neCessáRia PaRa a ConsoLidação de uMa sustentabiLidade geRaCionaL. desde então nossa juventude veM assistindo, seM CoMPReendeR Muito beM, uMa onda de MobiLizaçÕes PoPuLaRes, açÕes diRetas eXigindo Mudanças e CHaMando atenção PoR seus PRotestos. Mas ainda Que Haja PRotestos e indignaçÕes É PReCiso CoMPReendeR a essênCia do desejo e o signiFiCado entRe o desejo e Mudança ReaL na Luta PeLa ConstRução CoLetiva de uM FutuRo sustentáveL.”

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Para Alessandro Lutfy Ponce de Leon e toda a juventude brasileira que forma muito mais que objetos de estudo, fontes de inspiração.

O mundo está passando por um dos melhores momentos demográficos de toda a história da humanidade. Isso se deve a um dos mais inopinados fenômenos sociais ocorridos na história da racionalidade humana: a transição demográfica. A transição demográfica, de modo geral, começa com a queda das taxas de mortalidade e, depois de certo tempo, prossegue com a queda das taxas de natalidade, o que provoca uma forte mudança na estrutura etária da pirâmide populacional. Embora o processo de envelhecimento da população brasileira esteja a todo vapor, ainda contamos com o maior contingente de jovens da história do país, respondendo por mais de um terço da população de 15 a 24 anos da América Latina. Segundo pesquisa realizada, em 2011, pela Fundação Getúlio Vargas, a população jovem, compreendida entre 15 e 29 anos de idade, concentrada em sua maior parte na Zona Oeste, é de 23,65% de toda a população da cidade do Rio de Janeiro. Estes dados dão a dimensão real da responsabilidade que o Brasil e a cidade do Rio de Janeiro têm para com este segmento populacional que vem transformando o país, nos últimos anos, e que relacionado com o processo demográfico, aPrendiZaGens, desaFios e eXPeCtativas na ConstruÇÃo das PolÍtiCas PÚBliCas de Juventude

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tem ampliado cada vez mais a participação das juventudes no conjunto da população brasileira na construção coletiva das políticas públicas de juventude no país. Os brasileiros de 30 anos de idade são a crista da onda demográfica do país e as pesquisas revelam que nunca houve uma corte tão populosa e que não há perspectivas de que haverá outra igual no Século XXI. Essa onda demográfica que hoje proporciona vantagens econômicas ao Brasil, amanhã poderá ser uma avalanche de sérios problemas relacionados à previdência social e a saúde pública. Quando surgiu, em 1927, o primeiro Código de Menores, marcando a intervenção do Estado na elaboração das políticas públicas para a infância e adolescência no Brasil, mal podíamos imaginar que isso significaria o pontapé inicial de toda a luta na construção das políticas públicas de juventude no país. Esse Código, que visava à formação de adultos para ingressarem no mercado de trabalho, foi considerado como o “start” para uma estigmatização de nossos/as jovens como meros “apertadores de parafusos” na época. No século XX, enquanto as políticas públicas para os jovens de classes mais favorecidas eram desenvolvidas na área da educação, as classes populares eram beneficiadas pelas políticas de assistência ou mesmo social que, muitas vezes, eram direcionadas para os/as jovens em situação de periculosidade. Quando, na década de 1940, a formulação das políticas públicas de juventude convivia entre a repressão e o controle social, surgiram iniciativas de controle, com a obrigatoriedade

59 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


da educação moral, cívica e física da criança e do adolescente, que resistiu até o surgimento da democracia estudantil na década de 1980. Com o passar dos anos, mais precisamente a partir da década de 1990, devido ao processo democrático pelo qual o país passava e pelas inúmeras lutas dos diversos movimentos sociais pela garantia e expansão dos direitos de cidadania, o debate sobre as Políticas Públicas de Juventude veio ganhando força. Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência do Brasil, essa Onda Jovem estava a todo vapor e ao longo de uma década houve um casamento entre a maior força de trabalho que o Brasil já teve com um mercado de consumo em expansão, com vagas de empregos e remuneração crescendo acima da inflação. Mas como o Brasil poderia assumir um patamar de expansão dessa magnitude após décadas de desconstrução de uma política coletiva de mudança social? O século XXI é o século que consideramos promissor no avanço das políticas públicas voltadas para esse recorte populacional. Vivenciamos, nos últimos 10 anos, um avanço significativo na formação dos jovens como sujeitos de direitos e no adensamento do debate que produz inflexões importantes no modo pelo qual a juventude passa a ser foco estratégico das ações públicas do Estado. Passa a deixar de ser considerada como fase problemática, da passagem da infância para a vida adulta, para ser considerada como segmento importantíssimo na construção do desenvolvimento do país. aPrendiZaGens, desaFios e eXPeCtativas na ConstruÇÃo das PolÍtiCas PÚBliCas de Juventude

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No Brasil, a questão da juventude tem se colocado, cada vez mais, como um tema em clara evidência, seja pela sua condição histórica de vulnerabilidade, que envolve suas parcelas mais amplas, particularmente, quanto a acesso ao trabalho, à renda, à escola e à proteção social. Ao mesmo tempo em que, em contraste com tal situação, as iniciativas governamentais orientadas para tal segmento se caracterizam pela condição tardia, efêmera, descontínua, fragmentada, portanto, incapazes de uma maior efetividade. Devido à carência social pela qual passa essa parcela da população, trazida para a atualidade com as atuais mudanças no mundo trabalhista, na própria política e na cultura, esses/ as jovens emergiram na sociedade, não só no Brasil, mas no mundo, de tal maneira que era mais do que necessária a reformulação das políticas públicas sociais do país.De acordo com o Artigo 227 da Constituição Federal, em recente Política de Emenda Constitucional e sinônimo da construção coletivamente por milhares de jovens do Brasil, representada em uma carta de direitos: é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao JOVEM, com absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (CF, 1988)

61 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


Desde 2008, o Estado do Rio de Janeiro vem desenvolvendo a construção de sua política de juventude, ainda em um processo vagaroso, porém, em poucos anos foi possível avançar de tal maneira que a juventude fluminense anda em consonância com a política nacional e vem cada vez mais dando sinais de avanços nessa construção. Ao longo de pouco mais de cinco anos, foram criados 17 conselhos municipais dos direitos dos/as jovens, diversos órgãos municipais de juventude, além da Superintendência Estadual de Políticas específicas para esse público alvo. Inúmeras políticas voltadas para juventude foram instituídas, até então, e diversos/as jovens foram mobilizados/as entorno da discussão de que políticas públicas deveriam ser colocadas em prática para a melhoria da sua própria qualidade de vida. Em pouco menos de uma década foi possível avançar na construção de uma política que apesar de recente, era mais do que urgente e necessária para a consolidação de uma sustentabilidade geracional. Desde então nossa juventude vem assistindo, sem compreender muito bem, uma onda de mobilizações populares, ações diretas exigindo mudanças e chamando atenção por seus protestos. Mas ainda que haja protestos e indignações é preciso compreender a essência do desejo e o significado entre o desejo e mudança real na luta pela construção coletiva de um futuro sustentável. O reconhecimento dos/as jovens por parte das políticas públicas decorre do entendimento de que a juventude é uma etapa do ciclo da vida – para além de uma mera fase de transiaPrendiZaGens, desaFios e eXPeCtativas na ConstruÇÃo das PolÍtiCas PÚBliCas de Juventude

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ção ou formação – que carrega sentido em si mesma. Marcada pela superação da condição anterior de dependência e proteção exigida pela infância e adolescência, é na juventude que o indivíduo processa de maneira mais intensa a conformação de sua trajetória, valores, e a busca de sua plena inserção na vida social. Lutar pelos direitos da juventude tem sido uma causa que aos poucos vem sendo abraçada não apenas pelos/as próprios/as jovens, mas por todos os indivíduos interessados na temática juvenil. E aquilo que Charlie Brown Jr. falava na letra de uma de suas canções “Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem não é sério. O jovem no Brasil nunca é levado a sério”, começa a mudar pouco a pouco e cada vez mais nossos/ as jovens vão ganhando espaços na sociedade e sendo reconhecidos/as como sujeitos de direitos e promotores/as de seu próprio futuro. Por fim, para garantir que nossos/as jovens possam ser promotores de seu próprio futuro, como dizia Padre Lebret: “É preciso convocar os jovens para grandes objetivos, pois eles sofrem quando convocados para medíocres.”.

reFerÊnCias BiBlioGrÁFiCas BRENNER, A. K. Programas de Juventude no Município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FAPERJ.

63 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


CARRANO, P. C., & Spósito, M. P. (2003). Juventude e Políticas Públicas no Brasil. Revista Brasileira de Educação. CLIVE, A. S. (Agosto de 2013). Véras que um Filho teu não foge à luta. Revista Plurale , 17 e 18. CLIVE, A. S. (s.d.). Youtube. Fonte: Alessandro de Leon fala sobre Estatuto da Juventude: http://www.youtube.com/watch?v=U0tv1myd3qQ Constituição Federal de 1988. DOLEJSIOVA, D. (s.d.). Youtub e. Fonte: 6º Congresso Mundial de Juventude: http://www.youtube.com/watch?v=lwi_AtcIR5w DOLEJSIOVA, D., Bruno, I., & Leon, A. L. (2011). Perfil da Juventude Carioca. Revista Juventude Carioca . ELIAS, B., & Macedo, S. (s.d.). A questão da idade no Estatuto da Juventude. Emenda Constitucional 65. Juventude, O. I. Convención Iberoamericana de Derechos de los Jóvenes. LAGO, L. C. (s.d.). Indicadores de Monitoramento Social de Políticas Públicas. aPrendiZaGens, desaFios e eXPeCtativas na ConstruÇÃo das PolÍtiCas PÚBliCas de Juventude

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LEON, A. L. Juventude, Juventudes: uma análise do trabalho e renda da juventude brasileira. In: M. Abramovay, E. R. Andrade, & L. C. Esteves, Juventudes: outros olhares sobre a diversidade. Perfil do Trabalho Decente no Brasil: Um olhar sobre as Unidades da Federação. (2012). Organização Ibero Americana de Juventude. SANTOS, J. A. (s.d.). Conselhos de Juventude: Espaço de Participação Juvenil.

65 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


O que podemos afirmar nestesoCial tempo é que a PolÍtiCa de assistÊnCia e aa aprendizagem é a única no certeza e que, a cada Unidade Gestão TerritoJuventude estado do rio de de Janeiro rial, teremos maiores e melhores resultados acumulados. Mas

eQuiPe da subseCRetaRia e é um Programa que segue node fio assistênCia da navalha, testando métodos desCentRaLização da gestão (ssasdg/seasdH)

e formatos, avançando e recuando conforme a dialética permite. Não podemos errar no conjunto, porque a esperança de muitos/as se coloca diante do nosso esforço. No Caminho Melhor Jovem exige-se que corações e mentes estejam atentos e que estejamos em campo com um só corpo e discurso. De qualquer lugar onde estejamos, fazemos a mesma coisa: colaboramos para transformar a vida de milhares de jovens.

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“adeMais, o PRoCesso de ConstRução de PoLÍtiCas PÚbLiCas PaRa a juventude deve seR baseado eM subsÍdios Que PossaM atendeR, de ManeiRa abRangente, toda essa PoPuLação joveM, tão diveRsa, visto Que, não estaMos FaLando de uMa PoPuLação HoMogênea e, siM, de diveRsos gRuPos de PeRtenCiMento CoM identidades PRÓPRias. ou seja, não estaMos FaLando de juventude, Mas siM de juventudes.”

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aPresentaÇÃo O presente artigo se propõe a introduzir o debate da política para a juventude e o trabalho que a assistência social tem desenvolvido por meio da Secretaria Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH), onde a Subsecretaria de Assistência e Descentralização da Gestão (SSASDG) vem atuando junto aos municípios para implementar o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Trata-se de ação articulada entre as superintendências de Proteção Social Básica, Proteção Social Especial e de Gestão do SUAS com as demais Superintendências afins, na perspectiva de, ao reconhecer o/a jovem como cidadão/a de direitos, atuar de forma integral e integrada contribuindo para que oportunidades cheguem a ele/a e a sua família. Considerando o fato de a Política Nacional de Assistência Social definir competências específicas para a esfera estadual e para os municípios, no Estado do Rio de Janeiro a atuação vem se dando na relação parceira com os municípios, por meio do cofinanciamento, assessoramento e do monitoramento. É nessa linha de trabalho que a juventude ganha lugar na Política de Assistência Social no Rio de Janeiro.

1. introduÇÃo No Brasil, a população jovem de 15 a 24 anos está em cerca de 34 milhões e 47 milhões na faixa etária de 15 a 29

68 a PolÍtiCa de assistÊnCia soCial e a Juventude


anos, de acordo com o último censo demográfico do IBGE (2010). E os indicadores sociais que medem a desocupação da força de trabalho sugerem que as piores taxas de desocupação são encontradas no segmento populacional juvenil, o que indica a necessidade de ações voltadas para esse segmento. Foi a partir da Convenção das Nações Unidas para os Direitos das Crianças, em 1989, que crianças e adolescentes passaram a ser vistas como cidadãs, portadoras de direitos e com poder de participação ativa nos projetos que as afetam. Normativas legais passaram a garantir direitos às crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é o dispositivo nacional legal que normatiza proteção integral a este público e define categorias sociais segundo faixas etárias e legalmente reconhecidas como cidadãs, passando a gozar de todos os direitos humanos fundamentais e tornando-se alvo de todas as oportunidades e facilidades que lhes permitam o pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social. O ECA considera adolescente a pessoa com idade entre 12 e 18 anos incompletos. O Estatuto da Juventude delimita jovem a pesoa com idade entre 15 e 29 anos. Esta faixa etária, considerada de transição da infância para a vida adulta, com transformações fisiológicas, psicológicas e sociais (MINAYO, 2009, p. 413). É um período da vida considerado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS\1993) e pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS\2004) como de vulne1

rabilidade e risco social , devido à maior fragilidade frente aos perigos de saúde, como o uso de drogas, a gravidez precoce e

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a violência familiar. Por outro lado, é visto como possível protagonista de mudanças sociais e propositor de novos valores e estruturas, por possuir uma suposta facilidade natural para esperança, criatividade e revolução. A LOAS, em seu primeiro capítulo (Art. 1º, incisos 1 e 2), afirma explicitamente, dentre os objetivos da assistência, a proteção e o amparo aos/às adolescentes. Nesta Lei, este público, juntamente com a família, as gestantes, as crianças e os/as idosos/as, passam a compor o grupo prioritário da Assistência Social, a fim de “realizar-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais”. (LOAS, Cap.1 Parágrafo Único, 1993). É com estas bases legais, portanto, que se fundamentam os serviços ofertados à juventude brasileira. Contudo, a consolidação da Assistência Social, reconhecida através dos avanços legais como política pública e direito social, exige o enfrentamento de alguns desafios: garantir Assistência Social como política de proteção social, o que significa garantir proteção a todos/as os que necessitem, sem qualquer cobrança pecuniária. Nesta concepção, o direito à seguridade social, estabelecido pela Constituição Federal de 1988, deve garantir a proteção ao indivíduo segundo dois aspectos: a provisão com qualidade e o desenvolvimento, nos indivíduos, das capacidades que lhes confiram maior autonomia (prevenindo, em médio prazo, a “desproteção” social).

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A Proteção Social deve estar, dessa forma, associada ao desenvolvimento humano e social, buscando romper com a tutela e o caráter assistencialista, garantindo segurança de sobrevivência (rendimento e de autonomia), segurança de acolhida e segurança de convívio familiar. Direções que visam o enfrentamento da fragilização do laço social pela crescente privatização dos espaços públicos e pelo recrudescimento do individualismo nas últimas décadas de hegemonia neoliberal contribuíram para a desagregação do tecido social, prejudicando a troca de experiências intra e intergeracionais e fomentando a insegurança e o isolamento. Não apenas no Brasil, mas também em outras sociedades, os/as adolescentes compõem um grupo de risco social considerado mais elevado. As rápidas transformações no contexto contemporâneo e o aumento significativo da singularidade social em que vivemos geram inúmeras dificuldades para a compreensão do fenômeno da juventude, principalmente no que diz respeito à sua transformação enquanto indivíduo ou, dito de outra maneira, à formação de sua identidade. A partir da década de 1990, a juventude começou a receber atenção por meio de ações específicas. Neste sentido, podemos afirmar como é relativamente recente na sociedade brasileira a discussão acerca da importância da implementação de políticas públicas específicas para a juventude. Tal discussão é permeada por uma clara defesa dos/as jovens como sujeitos de direito (SPOSITO,CARRANO, 2003). É neste en-

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tendimento e na perspectiva do dever de Estado que diferentes serviços são planejados.

2. os serviÇos voltados À Juventude na PolÍtiCa de assistÊnCia Na Assistência Social, a juventude conquistou ações específicas com o advento do Programa Agente Jovem (2001 a 2006), que buscou definir uma proposta de ocupação destinada a jovens em situação de risco e vulnerabilidade social que não configurasse trabalho, visando a oportunidade de experiências práticas que preparassem o/a jovem para a sua inclusão no mundo do trabalho e sua permanência no sistema educacional. Em 2006, a avaliação do Projeto, assim como as recomendações do Tribunal de Contas sobre a execução do mesmo, deram subsídios para que o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) redesenhasse, a partir de 2007, um novo serviço socioeducativo de Proteção Social Básica para jovens de 15 a 17 anos: o Projovem Adolescente (PJA), cuja execução se deu no período entre 2009 a 2013. O Projovem, como serviço socioeducativo, configurouse como um programa de abrangência nacional, sobretudo, em áreas de maior vulnerabilidade social. Teve como objetivo geral complementar a proteção social básica à família, criando mecanismos para garantir a convivência familiar e comunitária, dar condições para a inserção, reinserção e permanência do/a jovem no sistema educacional, redução dos

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índices de violência e prevenção ao uso de álcool, doenças transmissíveis e gravidez. A Política Nacional de Assistência Social (2004) prevê proteção social hierarquizada (básica e especial), controle, vigilância socioassistencial e a defesa de direitos socioassistenciais como suas funções. A partir de 2004, com base nesta Política, se define como matriz de trabalho o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Com esta diretriz, em 2009, a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais estabeleceu os serviços voltados à família e a seus membros, considerando as faixas etárias, inclusive a juventude. O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) configura-se, neste contexto, como um serviço continuado de proteção social básica, desenvolvido, exclusivamen2

te, nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS ) e envolve um conjunto de ações relativas à acolhida, informação e orientação, inserção em serviços da assistência social, tais como os socioeducativos e de convivência, encaminhamentos a outras políticas, promoção de acesso à renda e, especialmente, acompanhamento sociofamiliar. Para além do CRAS, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) também se configura como unidade pública de base municipal, tendo como público prioritário famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social, por violação de direitos, em conformidade com as demandas identificadas no território. Neste contexto, os/as jo-

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vens, bem como suas famílias, estão totalmente incluídos/as caso apresentem demanda para tais serviços. O atendimento à juventude está inserido no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), realizado em grupos organizados por faixa etária e ofertados no território de abrangência do CRAS, com o objetivo de complementar o trabalho social com as famílias, prevenindo situações de risco social. O SCFV tem articulação com o PAIF, promovendo o atendimento das famílias dos/as usuários/as destes serviços e garantindo a matricialidade sócio-familiar da PNAS. A partir do ano de 2013, teve início o Reordenamento do SCFV, expresso pela Resolução nº 1 de 21 de fevereiro de 2013, unificando a oferta de serviços de convivência por faixa etária, incluindo o público do até então Projovem. Com esta unificação, o MDS visa equalizar a oferta de acordo com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, tendo como foco prioritário o atendimento de: situações de isolamento, trabalho infantil, violência e/ou negligência, defasagem escolar, situação de acolhimento, cumprimento de medidas socioeducativas (MSE) em meio aberto, egressos/as de MSE, situação de abuso e exploração sexual, medidas de proteção do ECA, crianças e adolescentes em situação de rua e vulnerabilidade e com deficiência. Com isso, busca-se possibilitar um planejamento da oferta de acordo com a demanda local, garantindo serviços continuados, facilitando sua execução, otimizando recursos humanos, materiais e financeiros, além da necessidade de articulação com a Proteção Social Especial.

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2.1. os serviÇos da assistÊnCia soCial Para a Juventude no estado do rio de Janeiro Segundo Censo IBGE (2010), o Estado do Rio de Janeiro conta com 2.573.076 jovens de 15 a 24 anos, totalizando 19,1% da população, sendo destes/as 1.284.989 homens e 1.288.076 mulheres. Hoje, a Assistência Social do Estado do Rio de Janeiro conta com 421 CRAS, ofertando serviços de convivência familiar e comunitária em 92 municípios fluminenses e, em 55 destes, ofertando serviços exclusivos para a juventude. Também conta com 102 CREAS, distribuídos em 77 municípios. Todos os 92 municípios desenvolvem atividades para jovens em cumprimento de medidas socioeducativas e 63 municípios recebem recursos para o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). As crianças oriundas do PETI são encaminhadas pela equipe do CREAS e inseridas nos serviços de convivência e fortalecimento de vínculos realizado pela Proteção Social Básica. Ainda que reconhecendo que o município tem autonomia para definir seu público e serviços prioritários, os dados. apontam o desafio de ampliar a cobertura do trabalho com a juventude, o que tem como facilitador o fato de todos os municípios receberem recursos para serviços socioassistenciais, tanto pela União, como pelo estado para os serviços de proteção social básica e especial. Definir prioridade aponta para a necessidade de enten3

der a realidade local na perspectiva de território , pois isto, pro-

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porcionalmente, aumenta a eficiência da política em termos de um direcionamento mais adequado de recursos. Neste sentido, a vigilância socioassistencial no Estado do Rio de Janeiro tem procurado atuar como área que subsidia o planejamento, a tomada de decisão e executa o monitoramento e avaliação. E, assim, contribua com produções de conhecimento que retratem a realidade dos territórios fluminenses para que o segmento juventude, população tão plural e tão singular, seja alcançado, do mesmo modo que na construção de tais estratégias, onde o território surge como um dos mais promissores, integradores e articuladores de ações, e que não deve ser ignorado. Ademais, o processo de construção de políticas públicas para a juventude deve ser baseado em subsídios que possam atender, de maneira abrangente, toda essa população jovem, tão diversa, visto que, não estamos falando de uma população homogênea e, sim, de diversos grupos de pertencimento com identidades próprias. Ou seja, não estamos falando de juventude, mas sim de juventudes.

3. alGuMas ConsideraÇÕes Desenvolver políticas considerando as especificidades da juventude brasileira, sem perder de vista sua acentuada diversidade, configura-se um desafio, bem como o rompimento da ideia que o/a jovem representa um problema social, principalmente no que diz respeito às questões relacionadas ao uso e abuso de substâncias psicoativas, ou mais especificamente do

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crack, casos tão recorrentes na mídia atual e tão presente no Estado do Rio de Janeiro. Considerar essas especificidades na elaboração de políticas públicas que atendam a esse segmento é fundamental para o bom desenvolvimento e eficácia de políticas adequadas para a realidade brasileira e fluminense. Atentar para uma ação articulada entre as proteções sociais e com as demais políticas públicas é o caminho para contribuir com outro horizonte para a população jovem no país.

notas 1 Segundo Jaccoud (Apud Minayo 2009:171), são considerados riscos sociais os eventos que provocam privações e danos, podendo estar associados não apenas às situações de pobreza, mas a um amplo espectro de situações, como desemprego, doença, dificuldades de inserção no mercado de trabalho, deficiência física, situações de violência, entre outras.

2 Unidade pública de base municipal, integrante do SUAS e responsável pela realização da política de assistência social, localizada em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinada à prestação de serviços e programas socioassistenciais de proteção social básica às famílias e indivíduos, à articulação destes serviços no seu território de

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abrangência e a uma atuação intersetorial na perspectiva de potencializar a proteção social.

3 Tratamos aqui o conceito de território, de acordo com Milton Santos (1994), como espaço onde se desenvolvem as redes e as relações sociais, lugares próximos e lugares que se unem por redes.

reFerÊnCias BRASIL. Lei Orgânica de Assistência Social: Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Brasília: Senado Federal, 1993. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Brasília: MDS, 2004. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/Suas). Brasília: MDS, 2012. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Vigilância Socioassistencial (Texto base apresentado à CIT no processo de revisão da NOB SUAS 2005). Brasília: MDS, 2011. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990.

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BRASIL. Estatuto da Juventude. Lei Federal nº 12.852, de 5 de agosto de 2013. ________. PORTARIA nº 171/2009. Programa Nacional de Inclusão de Jovens – PROJOVEM. ________. DECRETO nº 5.085/2004. “Define as ações continuadas de assistência social”. BOGHOSSIAN, Cynthia; MINAYO, Maria Cecilia. Revisão sistemática sobre juventude e participação nos últimos 10 anos, In: Saúde Soc. São Paulo, v.18, n.3, p.411 – 423, 2009. RIBEIRO, Ana (Org) et al. Políticas Públicas e Juventude. In: Políticas Públicas no território das juventudes. SILVA, Jaílson; BARBOSA, Luiz; SOUSA, Ana Inês. Rio de Janeiro. UFRJ, 2006 (Coleção Grandes Temas do Conexão de Saberes). SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A.; SILVEIRA, María Laura (Org). Território: Globalização e Fragmentação. São Paulo: Hucitec-ANPUR, 1994. SPOSITO, M. P; CARRANO P. C. R. Juventude e políticas públicas no Brasil. Revista Brasileira de Educação. Nº. 24, Set. / Out. / Nov. / Dez 2003.

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Jovens eM BusCa de visiBilidade soCial MรกRio PiRes siMรฃo doutor em geografia pela universidade Federal Fluminense e diretor do observatรณrio de Favelas do Rio de janeiro.

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“as RePResentaçÕes HegeMÔniCas das FaveLas CoMo LugaRes da PobReza, da CaRênCia, da desoRdeM, da vioLênCia são, ConseQuenteMente, estendidas a seus/suas jovens, vistos/as CoMo PobRes, CaRentes e vioLentos/as. estas RePResentaçÕes sustentaM PRátiCas e PoLÍtiCas eXtReMaMente ConseRvadoRas eM ReLação aos/Às jovens, tais CoMo as Que RePRoduzeM a LÓgiCa do MeRCado de tRabaLHo, CoMo se estes/as devesseM ContentaR-se eM adQuiRiR CoMPetênCias PaRa ingRessaR eM atividades PRoFissionais subaLteRnizadas.”

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Primeiramente gostaríamos de felicitar a organização deste seminário em relação ao tema proposto. Entendemos que narrativas, experiências e aprendizagens de juventudes em favelas expressa o sentido plural que devemos empregar quando nos referimos aos/às jovens e seus modos de ser e viver nos territórios populares urbanos. Há muita proximidade entre os dois temas. As favelas são geralmente descritas como territórios da ausência, lugares sem a civilidade que a cidade formal diz possuir. Os/as jovens também são homogeneizados/as em tipologias e são representados/as a partir do olhar dos adultos, que geralmente os/as veem como sem limites e responsabilidades. É possível alinhar imaginários e práticas referentes aos dois fenômenos. Representados por concepção sociocêntrica e adultocêntrica, favelas e jovens, respectivamente, são classificados, estigmatizados e, muitas vezes, alvo de políticas distorcidas que pouco contribuem para que aprendamos com suas experiências e potencialidades. O Observatório de Favelas atua no sentido de superar estas representações. Somos uma organização da sociedade civil que tem um projeto de cidade sustentado no respeito e reconhecimento das diferenças, numa perspectiva democrática, e no fim das desigualdades. As favelas são nosso lugar de fala e, desde o início, os/as jovens de origem popular compõem o principal público de interesse de nossa entidade, em face de sua capacidade inventiva e transformadora. Surgimos em 2001 como um projeto que mobilizava estudantes e pesquisadores/as de origem popular para pensar

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ações que qualificassem seus territórios de origem. De lá até os dias de hoje, crescemos significativamente, e temos ações na área de educação, arte, comunicação, segurança pública e defesa da vida e políticas urbanas voltadas para as favelas. Em suas ações, o Observatório busca criar espaços para que os/as próprios/as moradores/as de favelas possam exercer seu protagonismo e possam construir oportunidades para si e para suas comunidades. Especificamente em relação aos/às jovens, partimos do princípio de que as referências de juventude centradas nas 1

imagens do consumo e ordenadas por uma cronobiologia não traduzem a pluralidade de vivências destes sujeitos. Esta pluralidade não é algo meramente abstrato. Para entender o universo juvenil é preciso considerar que existem diferentes modos de ser e estar da juventude. A experiência de ser jovem pobre e morador/a da periferia urbana da cidade do Rio de Janeiro - e de tantas outras metrópoles - é marcada pela distinção territorial de direitos. Vivemos em uma cidade produtora de enormes desigualdades. O propalado futuro a ser conquistado é atravessado pela incerteza e pelo medo e, quando não, pela intolerância e particularização da existência. Abramo e Branco (2008) destacam, a partir de estudo que recebeu o título “Juventude e Sociedade – trabalho, educação, cultura e participação”, que quase um terço (31%) dos/as jovens brasileiros/as que trabalham o fazem com carga horária de mais de oito horas diárias e dois terços (63%) trabalham

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na informalidade. Os dados referem-se à pesquisa nacional no âmbito do “Projeto Juventude”, do Instituto Cidadania, que realizou campo em 2003. Segundo o movimento Todos Pela Educação, no Brasil temos cerca de 3,6 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos que estão fora da escola, sendo que a maioria tem entre 15 e 17 anos e deveria estar no Ensino Médio. Observando o contexto da violência que atinge estes/as jovens, desenvolvemos o Índice de Homicídios na Adolescência, que se constitui como uma ferramenta para analisar o risco de morte que atinge adolescentes e jovens no país. Os homicídios respondem por cerca de 42% das mortes de indivíduos entre 12 e 18 anos, um número extremamente elevado comparado aos 5% referentes ao conjunto da população brasileira. A cada ano cerca de 50 mil pessoas são assassinadas no Brasil. Em 2011, 18 mil eram jovens. Se fizermos um recorte étnico sobre os dados, veremos que no Brasil, um/a jovem negro/a, em especial o do sexo masculino, tem hoje quase três vezes mais chances de ser assassinado do que um branco. No Rio, em 2012, 1078 jovens negros foram mortos no mesmo período em que 196 jovens brancos da mesma faixa etária tiveram suas vidas ceifadas. A distinção de direitos também se expressa por uma estetização perversa que tende a estigmatizar os/as jovens pobres. Sua roupa está sob alvo de censura, sua música é classificada como vulgar, sua linguagem é condenada e satirizada. Trata-se de um corpo estranho, anulado no cenário urbano, invisibilizado no espaço da cidade.

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Estes dados nos alertam para as condições de subalternidade no ingresso no mercado de trabalho e para o preconceito que permeia o imaginário social sobre estes jovens de origem popular. Este preconceito colabora para políticas controversas por parte do Estado Brasileiro. Por um lado, multiplicam-se ações de cunho assistencialista, que tendem a ver estes jovens como vítimas e, como tal, como objeto de projetos que ocupam o seu tempo considerado ocioso e perigoso. Por outro, temos políticas altamente repressivas, que tendem a tratar os jovens como potenciais criminosos, estabelecendo ações de controle e medidas punitivas para atitudes que fogem ao comportamento socialmente esperado. Os/as jovens de favela que, cotidianamente, vivem com as restrições de direitos precisam ter seu tempo e espaço ampliados. Eles/as querem e devem se apropriar da cidade como sujeitos plenos. Contudo, a reduzida mobilidade na cidade provoca dificuldade de acesso a serviços, empregos, bens culturais, lazer... A estética perversa produz uma padronização dos espaços urbanos e gera grandes constrangimentos. O resultado é uma vida reduzida pela presentificação e a particularização da existência. Cabe salientar que as distâncias físicas para acesso a equipamentos não são intransponíveis na cidade do Rio de Janeiro. A questão é que, geralmente, estes/as jovens não estão culturalmente aptos/as para fazer leituras da cidade. Em grupo focal realizado no âmbito do “Projeto Solos Culturais”, desenvolvido pelo Observatório de Favelas, uma jovem do conjunto de favelas do Alemão descreve sua experiência

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de estar num lançamento de um livro em Copacabana como algo surreal: “As pessoas falavam coisas que eu não vivia. Falavam sobre suas experiências fora do Brasil”. Perguntada se voltaria a um outro lançamento de livro, a jovem responde prontamente: “Claro que sim. Eu não estou roubando!”. Observemos que suas palavras descrevem os códigos de acesso imaginários e corpóreos que afastam os/as jovens de periferias do Rio de Janeiro dos equipamentos culturais concentrados no centro e na zona sul da cidade. Deste modo, retomando o discurso que trata a juventude como um fenômeno homogêneo, é possível perceber que isto se dá em termos conceituais, no entanto, no dia a dia não se pode falar de um único modo de ser jovem. Parte significativa destes/as jovens vivem em condições de desigualdade profundas, que reduzem suas possibilidades de afirmação de suas diferenças. As representações hegemônicas das favelas como lugares da pobreza, da carência, da desordem, da violência são, consequentemente, estendidas a seus/suas jovens, vistos/as como pobres, carentes e violentos/as. Estas representações sustentam práticas e políticas extremamente conservadoras em relação aos/às jovens, tais como as que reproduzem a lógica do mercado de trabalho, como se estes/as devessem contentar-se em adquirir competências para ingressar em atividades profissionais subalternizadas. Assusta-nos, ainda, quando se reafirma um mito sobre a pacificação das favelas cariocas, como se estes territórios não

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tivessem vida antes da chegada das forças policiais ou como se fossem espaços do inimigo, territórios a serem reconquistados, espaços não urbanos que, agora, o Estado retoma o controle e pode cumprir seu papel. As favelas são espaços por excelência de resistência e criação. Seus/Suas jovens têm demonstrado imensa capacidade de invenção e de contestação diante da invisibilidade social imposta no espaço urbano. Circulam hoje no Observatório de Favelas jovens fotógrafos/as, documentaristas, cineastas, que estão produzindo novas representações sobre seus espaços de origem. Jovens pesquisadores/as de práticas culturais, jovens que vêm criando estratégias de visibilidade para ressignificar seu lugar e seu papel como sujeitos políticos na cidade. Do mesmo modo, outros parceiros que atuam nestes territórios também têm construído experiências valiosas protagonizadas pelos/as jovens. Por fim, entendemos que para pensar em novos caminhos as nossas ações devem romper com a perspectiva do controle e da tutela, típicas do Estado em relação aos/às jovens e reconhecê-los/as como sujeitos de liberdade e de ação. Isto implica em fomentar espaços de socialização em que os/as mesmos/as possam construir suas redes e serem autores/ as de suas próprias vidas. Não cabe mais dizer o que devem fazer e como fazer. É indispensável abrir espaços para a potência criativa destes/as jovens, pois, somente assim, eles/as poderão inventar novos lugares para si e para suas comunidades, tecendo um futuro novo e efetivamente aberto às diferenças.

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notas 1 Chamamos de cronobiologia este ordenamento da vida a partir do referencial das fases da vida que definem a juventude como uma etapa de vida em transição entre a vida da infância e da total imaturidade, a vida adulta plena de compromissos e consciência. Esta cronobiologia reúne elementos históricos da produção científica e do ordenamento social moderno para delimitar os espaços e tempos dos jovens, apontando para o futuro das responsabilidades da vida adulta.

reFerÊnCias ABRAMO, H. W. & BRANCO, P, P. M. (orgs.) Retratos da Juventude Brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2008. BARBOSA, J. L. Juventudes e Cidades. Conferência ministrada em I Seminário de Pesquisa Juventudes e Cidades do Instituto de Ciências Humanas da UFJF. Out/2013. Revista de Geografia – número especial. V. 1. 2013 http://www.ufjf.br/revistageografia/files/2013/02/Palestra -Prof.-Jorge- Barbosa.pdf ______________. A mobilidade urbana como expressão do Direito à Metrópole. XIII Simpósio Nacional de Geografia Urbana/SIMPURB. Nov/2013

88 Jovens eM BusCa de visiBilidade soCial


______________; DIAS, C. G. Solos Culturais. Rio de Janeiro: Observatório de Favelas, 2013 CARRANO, P. & LEÃO, G. Trajetórias e modos de vida e jovens de espaços populares. VIII RAM – Buenos Aires, 2009. BOURDIEU, P. (1979) A distinção. Crítica social do julgamento. Tradução Daniela Kern; Guilhermo J.F. Teixeira. 2 ed. rev. Porto Alegre: Zouk, 2011. CASTRO, M.; ABRAMOVAY, M. Por um novo paradigma do fazer políticas de/ para/com juventudes. Brasília: UNESCO, 2003. FAVERO, O. et al. (orgs). Juventude e Contemporaneidade – Brasília: UNESCO, MEC, ANPEd, 2007. 284 p. – (Coleção Educação para Todos; 16). MAGNANI, J. G. C. & SOUZA, B. M. (orgs.) Jovens na metrópole: etnografias de circuitos de lazer, encontros e sociabilidade. 1. ed. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2007. SILVA, J. S. & BARBOSA, J. L. Favela: Alegria e Dor na Cidade. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio; [X] Brasil, 2005

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o ProtaGonisMo PolĂ?tiCo da Juventude

bRuno CoRReia deputado estadual pelo Pdt e presidente da ComissĂŁo da juventude da aLeRj.

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“o disCuRso inadeQuado dos PaRtidos já não FaLa Mais Às novas aFLiçÕes do/a joveM. o ConteÚdo e a FoRMa estão esgotados. CoMo taMbÉM estão esgotados os MeCanisMos PoLÍtiCoPaRtidáRio de RePResentação. uMa veRdadeiRa ReFoRMa PoLÍtiCa teM Que seR iMPLantada. a deMoCRaCia PReCisa desCobRiR e LegitiMaR FoRMas aLteRnativas de PaRtiCiPação. os PaRtidos PReCisaM RedesCobRiR o CaMinHo de voLta na ReLação CoM a soCiedade, ouvindo e CRiando novos esPaços de PaRtiCiPação.”

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Em junho de 2013, os/as jovens ocuparam ruas e praças. Depois ocuparam também os palácios. Com garra e com graça, milhões de brasileiros/as exigiram mudanças e cobraram respostas. Desfez-se a sensação de que tudo estava bem na sexta economia do planeta. Os/As governantes ouviram o “ronco” das ruas. O Poder Executivo apresentou projetos. Os partidos políticos se assustaram e se apressaram em justificativas intermináveis. O Congresso correu, formulou uma agenda positiva e resolveu trabalhar até em dia de jogo da seleção brasileira para tentar “acalmar” os/as manifestantes. Tomou duas ou três decisões “a toque de caixa” e ganhou espaço na mídia. Marqueteiros/as bem remunerados/as procuraram tirar da cartola soluções mágicas para dar satisfação e convencer o/a cidadão/a de que os/ as governantes tinham “entendido a mensagem das ruas” e que agora “tudo ia ser diferente”. Planos e programas pensados em gabinetes na calada da noite, sem diálogo e sem participação popular, foram apresentados, com arrogância, em cadeia nacional de rádio e na televisão. Mas, o tempo passou. Os/As jovens voltaram para as redes sociais. O coração que pulsava vigoroso em junho vai saindo da vida para entrar na história dos protestos da nação. Quem vai responder ao clamor das ruas e aos anseios da juventude anunciados com tanta raiva e paixão? A democracia brasileira continua em crise. A juventude, tanto tempo ignorada, como se apenas fizesse

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parte da paisagem, não se sente representada. Os trinta e dois partidos do cenário nacional com suas estruturas do “tempo do ronca” não estão sabendo como acolher o sangue novo que começa a correr nas veias e vias do gigante que se recusa a ficar “deitado eternamente em berço esplêndido”. Os/As governantes não conseguem melhorar a qualidade dos serviços. Infelizmente, os vinte centavos da passagem saíram de cena, mas, em breve serão quarenta centavos e voltarão para ficar. Saúde, educação, mobilidade urbana, emprego e outras bandeiras vão hibernar em alguma gaveta de Brasília, sepultadas pela poeira do tempo. Será este um cenário irreversível? Não! Com certeza a sociedade amadureceu. Os/As jovens descobriram a força e o poder de mobilização que possuem. Os efeitos das manifestações vão continuar presentes, agindo na consciência das lideranças dos poderes da República, das estruturas partidárias, das universidades, dos sindicatos e movimentos sociais. O protagonismo juvenil ganhou a cena política de 2013. Assim como em décadas passadas destacou-se sobremaneira na luta contra o autoritarismo, a ditadura, pelas “Diretas já”, e pelo impeachment de um presidente da República. O espaço universitário sempre marcou a história das lutas democráticas. Uma expressiva parcela das lideranças políticas do Brasil foi forjada dentro dos muros das universidades. No presente, ela continua con-

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tribuindo para a conscientização e para a mobilização popular e segue como símbolo da resistência, da contestação e da rebeldia. Outro espaço privilegiado de formação de consciência e de mobilização são os partidos políticos organizados nacionalmente. Todos criaram seus núcleos de juventude, todavia, estas juventudes partidárias têm obtido pouca atenção e prestígio. Consequentemente, têm auferido pouca adesão para as suas atividades de militância, pouca participação nas atividades de formação política e dificuldade na renovação dos quadros. O discurso inadequado dos partidos já não fala mais às novas af lições do/a jovem. O conteúdo e a forma estão esgotados. Como também estão esgotados os mecanismos político-partidário de representação. Uma verdadeira reforma política tem que ser implantada. A democracia precisa descobrir e legitimar formas alternativas de participação. Os partidos precisam redescobrir o caminho de volta na relação com a sociedade, ouvindo e criando novos espaços de participação. São demandas específicas relativas ao mercado de trabalho, à qualidade do ensino, à falta de lazer, à violência, à sustentabilidade, ao primeiro emprego, enfim, às necessidades deste tempo. Hoje, a participação política do/a jovem tem encontrado terreno fértil nas organizações do terceiro setor, nos grupos de produção cultural, nos esportes, nos grupos religiosos mais esclarecidos e nos movimentos sociais.

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O/A jovem não pode abrir mão do desafio de continuar sendo protagonista da história de modo pró-ativo, com sua inesgotável capacidade de criar novos valores sociais. No Rio de Janeiro, a Assembleia Legislativa, por nossa iniciativa, instalou a Comissão Especial da Juventude e, assim, surge um privilegiado espaço de diálogo entre os/as jovens e o Parlamento na busca de soluções para esses problemas de forma democrática. O Estatuto da Juventude, o desemprego juvenil, a participação dos/ as jovens na política, a redução da maioridade penal, a qualificação profissional e outros direitos que precisam sair do papel e se tornar uma realidade na vida dos/as jovens estão sendo debatidos. A sociedade pode acompanhar e participar. Ponto central para a Comissão da Juventude é a violência contra os/as jovens e adolescentes negros/as. Cada vez que se divulgam pesquisas sobre homicídios no Brasil, a realidade se torna ainda mais preocupante. Jovens negros/as morrem mais que jovens brancos/as, proporcionalmente, e esta tendência cresce. Quase 50.000 brasileiros/as foram vítimas de homicídios no Brasil durante o ano de 2010 e 70,6% eram negros/as. Entre os/as jovens assassinados/as, 74,6% eram negros/as (DataSUS/Ministério da Saúde). No âmbito da burocracia estatal, em geral, o/a jovem negro/a não é focalizado/a. Por outro lado, quase sempre faltam recursos para políticas afirmativas emergenciais combinadas com políticas

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estruturantes para este público específico. O Plano Juventude Viva é uma formidável notícia nesta área que vai mesclar prevenção com políticas sociais de educação, trabalho, cultura, esporte, saúde, acesso à justiça e à segurança pública. Outra dimensão da violência que preocupa a Comissão da Juventude é o debate sobre a diminuição da maioridade penal, tão presente nos veículos de comunicação, especialmente, quando a opinião pública se comove diante de alguns crimes de repercussão nacional. Na prática, somente 3% dos crimes são cometidos por adolescentes, ou seja, o adolescente não é o problema. A sociedade acusa o Estatuto da Criança e do Adolescente de privilegiar a impunidade. Não é verdade. O/A adolescente e o/a jovem respondem perante o Estatuto e cumprem penas pesadas previstas na lei. Dizem que esta lei é boa para a Suíça e que o Brasil não está preparado para ela. O Brasil não precisa rasgar a lei, precisa cumpri-la. A juventude é mais vítima do que agente da violência. A juventude está em perigo! A juventude negra e pobre é a mais vulnerável porque o extermínio tem cor, endereço e classe social. São estes/as jovens, muitas vezes apresentados/as como raiz do problema da violência, os/as mais esquecidos/as pelas políticas públicas. A Comissão Especial da Juventude está chamando a sociedade e a juventude para o Parlamento e os resultados positivos já começam a surgir. Iremos propor a criação

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da Comissão Permanente de Defesa da Juventude, para que o debate dos temas da juventude subsista através das legislaturas. Espera-se que, a partir da experiência vitoriosa na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, outros parlamentos também criem suas comissões e ouçam a juventude, suas críticas, suas ambições, suas ansiedades e suas sugestões. O protagonismo juvenil vai garantir que a herança das ruas se misture com o futuro da nação.

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neGro draMa Mテ馬iCa FRanCisCo Representante da Rede de instituiテァテオes do borel, coordenadora do grupo arteiras e licencianda em Ciテェncias sociais pela universidade de estado do Rio de janeiro (uerj)

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“soMos RidiCuLaRizados/as todos os dias. nosso PaÍs É RaCista, nosso estado Mata jovens negRos/as aos Montes CoM o siLênCio da soCiedade e aPRovação de gRande PaRte deLa, e o PioR, aQueLes Que estão nos LugaRes de PodeR, RePRoduzeM todo esse QuadRo, Haja vista a inFoRMação sobRe a PoPuLação CaRCeRáRia, deMonstRando o RigoR do judiCiáRio eM se tRatando de Pessoas negRas.”

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Olha quem morre, Então veja você quem mata, Recebe o mérito, a farda, Que pratica o mal, Me ver, Pobre, preso ou morto, Já é cultural.

1

Não gosto muito do nome do feriado dedicado à memória de Zumbi dos Palmares, pois acho que não faz jus à proposta de legitimar a importância desta parcela da população que ergueu este país. Os dados do CENSO 2010 (IBGE) revelam que o Brasil é um país habitado por uma população de 191 milhões de habitantes, sendo que a população negra soma 97 milhões de pessoas, cerca de 50,7% da população. Informam, ainda, que, pela primeira vez, essa parcela do povo é maioria numérica no Brasil. Deveria se chamar “Dia de se ter consciência do que é ser negro/a no Brasil”. Tudo bem que é um nome enorme, contudo, se aplica mais à necessidade de reafirmar a enormidade de um esforço secular de se fazer respeitado/a independentemente da cor de sua pele, embora já tenhamos obtido alguns avanços. Por exemplo, as cotas de viés racial são uma ponte para diminuir a distância entre o ensino superior de qualidade e os/as jovens das camadas mais baixas, que em grande parte são negros/as ou não-brancos/as.

100 neGro draMa


O Mapa da Violência 2012 (WAISELFISZ)

2

mostra que

morrem 132,3% mais pessoas negras do que brancas. Levando-se em consideração questões metodológicas, pois, no caso de homicídios, agentes externos determinam a cor das vítimas a partir da classificação do IBGE (pretos e pardos), em termos gerais, ainda poderíamos concluir que, apesar de um número tão elevado, este número poderia vir a ser muito maior, se todos/as fossem classificados/as e categorizados/as como negros/as. Durante o lançamento do livro “Quando a polícia mata”, resultado de uma pesquisa realizada pelo Núcleo da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), registrei a chamada de divulgação do evento, um cartaz anunciando 10.000 mortes em 10 anos por autos de resistência, o que não pode ser desprezado. Ouvi do sociólogo e professor Michel Misse, em exposição sobre o descompasso nos números oficiais a respeito da violência no estado do Rio de Janeiro, que “a taxa de mortos pela polícia do Estado e do Brasil, deveria ser tão anunciada quanto a taxa da inflação...”, o que assinei embaixo e passei a replicar a fala. Acho justo! O mais terrível é saber que, deste total, o universo de jovens é quase 100%. Uma tragédia que não podemos mais aceitar nestes dias em que nosso país convulsiona nas ruas para que direitos sejam garantidos de fato. O Plano Juventude Viva, iniciativa do Governo Federal que une secretarias de governo, traz uma triste estatística: um número de mortes equivalente à queda de oito aviões cheios

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por mês é o de mortes de jovens homens negros, moradores das margens das cidades. Há de se ter muita consciência para parar esta tragédia! Genocídio silencioso, ou melhor, silenciado institucionalmente e consentido pela sociedade, daqueles que de fato são a parcela majoritária desta nação. Segundo o Mapa da Violência 2012, embora o número de vitimados/as pela violência tenha caído entre a população branca (cerca de 25%), entre a população negra houve um aumento de 29,8%, isso em um período de oito anos (2002 a 2010). Temos um fosso abissal entre a cidadania vivida pelos negros e as negras neste país (com agravamento da situação dos/as jovens) e a que vivem os homens e mulheres brancas. Isto ratificado por números assustadores, como, por exemplo, os vistos no Mapa da Violência 2012. Com o recorte de gênero e raça é possível perceber que a taxa de morte de vítimas negras entre 12 e 21 anos é 46 vezes maior do que de brancas, ou seja, de cada 100 mil habitantes, cada 37,3% são brancos/as e 89,6% são negros/as. Outra tragédia racial no Brasil é vista nas prisões, que produzem um quadro alarmante. Das pessoas presas no Brasil, 53% são negras (mais uma vez com um número alto de jovens) e, segundo a ONU, o país possui a quarta maior população carcerária do mundo. Não há mais ambiente para se procrastinar a mudança estrutural que o Brasil precisa. Ano que vem devemos mostrar na força do voto, que ainda é obrigatório, nosso descontentamento e indignação pela falência das ações do Estado brasileiro em dar dignidade a uma parcela da população que é a

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maioria dela, e que é todos os dias invisibilizada na sua dor, na sua capacidade intelectual e cultural. Mas, além disso, nos mobilizarmos e promovermos ações que de fato pressionem uma mudança estrutural em nosso país nesse sentido. Somos ridicularizados/as todos os dias. Nosso país é racista, nosso Estado mata jovens negros/as aos montes com o silêncio da sociedade e aprovação de grande parte dela, e o pior, aqueles que estão nos lugares de poder, reproduzem todo esse quadro, haja vista a informação sobre a população carcerária, demonstrando o rigor do judiciário em se tratando de pessoas negras. Genocídio na saúde, falência na educação e na habitação públicas. E quem acessa estes serviços são negros/as, em sua maioria, pois compõem a população mais pobre deste país. Sem contar a agressividade na sociabilidade cotidiana... O Secretário de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, 3

José Mariano Beltrame, afirmou em entrevista que uma geração mais deve ser perdida para que a violência seja contida. Entretanto, termos que perder mais uma geração de jovens homens negros para que o modelo de segurança pública dê certo é, no mínimo, deplorável, para não dizer execrável do ponto de vista humano. Só nós temos que perder uma geração? Já não chegaram os 388 anos que os europeus escravagistas nos fizeram amargar? Foram mais de um milhão de negros/as que aportaram no Brasil, trazidos/as de vários países da África, sem contar os/ as que morreram no meio do caminho. Se pensarmos que, em média, uma geração dura cerca de 50 anos, então, só na vigência do regime de escravidão perdemos cerca de seis gerações.

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Pós-regime de escravidão, com a impossibilidade de acessar a terra, a escola e, consequentemente, postos dignos de emprego, perdemos mais duas. Ou seja, foram oito gerações para ver alguma melhora. Então, Secretário, não aceitamos mais perder! Não ao genocídio institucionalizado de uma população, pelo Estado brasileiro, dando continuidade a um projeto colonialista neoliberal, de escassez da ação do Estado, principalmente, para os mais pobres e vulneráveis. Por isso, afirmo que, mais do que um dia da Consciência Negra, é preciso ser o dia de se fazer com que todos/as os/as cidadãos/ as brasileiros/as possam ter a consciência despertada para o que é, de fato, ser negro/a em um Brasil negro e miscigenado em sua maioria. E que tem em um de seus maiores expoentes literários um negro (Machado de Assis), mas que ainda insiste em negar-se a si mesmo. Eu acredito é na rapaziada Que segue em frente e segura o rojão Eu ponho fé é na fé da moçada Que não foge da fera e enfrenta o leão Eu vou à luta com essa juventude Que não corre da raia a troco de nada Eu vou no bloco dessa mocidade Que não tá na saudade e constrói a manhã desejada Aquele que sabe que é negro o couro da gente Que segura a batida da vida o ano inteiro Aquele que sabe o sufoco de um jogo tão duro E apesar dos pesares ainda se orgulha de ser brasileiro (Gonzaguinha, 1980)

A nossa luta é por direitos , o negro, pobre, favelado ou não, merece respeito.

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notas 1 Trecho da música Negro drama, dos Racionais MC’s. O título do artigo também faz referência à canção.

2 Disponível em http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/ mapa2012_cor.pdf.

3 Entrevista concedida à “Agência Efe” por ocasião do quinto aniversário do início das UPPs no Rio de Janeiro. Consultar matéria completa em http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ efe/2013/11/19/violencia-vai-continuar-nas-comunidades-pacificadas-do-rio-diz-beltrame.htm. Acesso em 19/11/2013.

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105 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


O que podemos afirmar neste tempo é que a aprendiza-

artiCulaÇÃo instituCional do gem é a única certeza e que, a cada Unidade de Gestão TerritoProGraMa CaMinHo MelHor JoveM: rial, teremos maiores e melhores resultados acumulados. Mas MaPa de oPortunidades e é um Programa que segue no fio da navalha, testando métodos intersetorialidades e formatos, avançando e recuando conforme a dialética per-

mite. Não podemos errar no conjunto, porque a esperança de

vanessa Costa

muitos/as colocaPúblicas diante doinstituto nossodeesforço. especialista emsePolíticas pelo economia da universidade Federal do Rio deNo janeiro e coordenadora técnicaJovem da área de articulaçãoque institucional do ProCaminho Melhor exige-se corações e grama Caminho Melhor jovem.

mentes estejam atentos e que estejamos em campo com um só corpo e discurso. De qualquer lugar onde estejamos, fazemos a mesma coisa: colaboramos para transformar a vida de milhares de jovens.

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“É iMPoRtante entendeR, neste CiCLo, Que as oPoRtunidades aPResentadas PeLos PaRCeiRos ContRibueM PaRa o FoRtaLeCiMento do PRogRaMa, não sendo eLas as ÚniCas ResPonsáveis PeLo aCesso e PeRManênCia do/a joveM neste. PaRtiMos da CoMPReensão de Que a PRiMeiRa oFeRta no teRRitÓRio aConteCe na CHegada do/a joveM ao LoCaL de atendiMento do PRogRaMa, Quando eLe/a É aPResentado/a aos/Às ConseLHeiRos/as ou tutoRes/as.”

107 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


O Caminho Melhor Jovem, que desde agosto de 2013 realiza suas atividades em duas favelas pacificadas do Rio de Janeiro, como projeto piloto (Manguinhos e Cidade de Deus), se propõe a atender jovens de 15 a 29 anos destas regiões e, posteriormente, em mais outros territórios pacificados ou em pacificação. Constitui-se, neste sentido, como um importante programa de atendimento integral ao/à jovem, respeitando sua trajetória, individualidade e sua história de vida no território em que vive. Pensar em atenção integral à juventude requer uma sintonia com políticas de redes intersetoriais, com perspectivas reais de promover um diálogo constante de/com/para a transformação, o protagonismo e pelas garantias de direitos. Ouvimos sonhos, buscamos ações que possam viabilizar tantos desejos por uma vida e um futuro com melhores condições. A atenção integral ao/à jovem é uma conquista singular no campo das políticas públicas de juventudes, mas também é, sobretudo, um desafio constante para pensar em políticas de integração e integradas que possam fomentar novas oportunidades para velhos sonhos.

a artiCulaÇÃo instituCional do ProGraMa CaMinHo MelHor JoveM O Programa Caminho Melhor Jovem propõe, de acordo com o Regulamento Operativo do Programa (ROP), em sua área de Articulação Institucional: “expandir a cobertura e

108 artiCulaÇÃo instituCional do ProGraMa CaMinHo MelHor JoveM


melhorar a qualidade dos serviços sociais existentes em cada território (saúde, educação, trabalho, cultura, proteção social, esporte, entre outros) mediante o acesso a vagas, o redesenho, adequação ou criação de programas, a cargo de parceiros estaduais ou municipais, com padrões de qualidade e esquemas ágeis de execução que permitam a articulação e complementação entre os mesmos a favor da inclusão adequada dos jovens beneficiários do Programa” (p.18). A área de Atenção Integral ao/à Jovem realiza a escuta necessária e qualificada para que, através desta aproximação dos sonhos e desejos dos/as jovens, as ofertas de serviços sejam articuladas, de maneira que compreendam as demandas específicas apresentadas por nosso público e então promovam o atendimento, a partir do acesso à rede parceira e suas atividades. Para pensar a construção de redes para um Programa complexo e amplo como o Caminho Melhor Jovem deve-se levar em conta alguns fatores relevantes, que podem contribuir para que a oferta seja cada vez mais adequada e próxima a demanda recebida. Sendo assim, consideramos algumas premissas para a implementação do Programa: • Ouvir o/a jovem desde a sua chegada ao território; • Colaborar para o início da construção da trajetória individual de cada jovem atendido/a; • Ouvir a equipe local dos territórios; • Articular as secretarias e órgãos governamentais e outras instituições não-governamentais;

109 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


• Dar apoio às Unidades de Gestão Territorial (UGT), local base de funcionamento do Programa Caminho Melhor Jovem nos territórios, para que sejam as ofertas sejas adequadas às demandas encontradas. O Programa Caminho Melhor Jovem, ainda que tenha sua execução na Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH), se amplia a partir da lógica de integrar os mais diversos setores do Governo, a fim de que fomentem novas possibilidades e oportunidades em todo tempo do Programa.

a intersetorialidade: uM CaMinHo de oPortunidades No âmbito da formação da rede governamental, o Caminho Melhor Jovem vem negociando, desde o escopo do Programa, com os seguintes parceiros: Secretaria de Estado de Cultura, através dos projetos Biblioteca Parque e Favela Criativa; Secretaria de Estado de Educação, fomentando programas e projetos que incentivam o retorno dos/as jovens às salas de aula, numa perspectiva de conteúdo transversal e adequado para o nosso público preferencial do Programa; Secretaria de Estado de Esporte e Lazer, por meio dos Núcleos Esportivos; Secretaria Municipal de Saúde, a partir da Rede de Apoio aos Promotores da Saúde (RAP da Saúde); e Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (Faetec), potencializando a formação em idiomas. Outro parceiro importante é o Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA), que fo-

110 artiCulaÇÃo instituCional do ProGraMa CaMinHo MelHor JoveM


menta nesta rede a formação dos mais diversos agentes de saúde que atuam nos territórios, a fim de que adequem cada vez mais o atendimento diferenciado à juventude em suas diversas etapas da vida. Já a Secretaria de Estado de Trabalho oferece ao Programa o projeto Jovem Empreendedor. Esses diversos projetos apresentados pelas Secretarias e órgãos parceiros se constroem através de Acordos de Gestão. Outras Secretarias de Estado ainda estão sendo contactadas para a ampliação do Mapa de Ofertas e Serviços, como a de Meio Ambiente e de Prevenção à Dependência Química, entre outras. Seguindo a convocação do Artigo 3º (I) do Estatuto da Juventude de “desenvolver a intersetorialidade das políticas estruturais, programas e ações”, o Programa Caminho Melhor Jovem, a partir da Articulação Institucional, busca promover o diálogo entre as secretarias e órgãos governamentais. Com isso, visa pensar conjuntamente caminhos que forteleçam as relações de redes que se traduzam em ofertas reais de possibilidade, inclusão, respeito às trajetórias e, por essa via, possam permeiar e conduzir novos arranjos institucionais em favelas pacificadas ou em pacificação no Rio de Janeiro. É importante entender, neste ciclo, que as oportunidades apresentadas pelos parceiros contribuem para o fortalecimento do Programa, não sendo elas as únicas responsáveis pelo acesso e permanência do/a jovem neste. Partimos da compreensão de que a primeira oferta no território acontece na chegada do/a jovem ao local de atendimento do Programa, quando ele/a é apresentado/a aos/às conselheiros/as ou tuto-

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res/as. É neste exato momento que se inicia o processo de diálogo, interlocução e escuta das questões de cada jovem que acessa o Caminho Melhor Jovem. A partir daí, dá-se início a uma trajetória que pode durar até dois anos. As histórias de jovens se recontam e os apoios para dar vida em cada conto surgem, com o apoio de uma rede parceira que presta colaboração técnica e didática. Porém, com visão de efetiva política destinada a jovens de 15 a 29 anos, que busca incentivo, participação, direcionamento e realização de seu novo plano de vida e de autonomia. Muitas vezes, novos planos, para velhos sonhos!

CaMinHos e redes O que esperamos com a experiência local do Caminho Melhor Jovem (CMJ), no âmbito da identificação e formação de redes, é dar relevo à proposta da chegada das Unidades de Polícia Pacificadora nas favelas do Rio de Janeiro, que propõe a intersetorialidade e também a multiplicidade de atores sociais como ONGs, associações, instituições diversas, que possam fortalecer efetivamente os serviços disponíveis e nem sempre conhecidos pelos/as moradores/as destes locais. Compreendemos que não há um formato de rede singular, mas que há em cada local uma oportunidade de criar uma dinâmica que se configure para cada realidade. Podemos, por exemplo, ter um arranjo no Borel, que necessariamente pode ser aplicado de maneira diferente na Formiga, territórios geo-

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graficamente próximos, porém, com características próprias, com políticas públicas diferentes, com projetos diferentes. Por que não, com demandas, sonhos e desejos também diferentes? Ainda é preciso avançar, ir em busca por meio de chamada pública e/ou por contato dinâmico territorialmente, as mais diversas instituições que pensam e recriam formas de fazer políticas públicas integradas e qualificadas para as juventudes de 15 a 29 anos, considerando todas as suas singularidades. O desafio é o diálogo, a ação e execução das ofertas. O desafio é vencer o achismo, que traz conformismo e com ele o engessamento de muitos serviços que podem e devem ser acessados pelos/as jovens.

aGradeCiMento A todos os/as jovens que já encontramos, conhecemos e convivemos a partir do Programa Caminho Melhor Jovem. A toda equipe do Programa (Coordenação e equipes das Unidades de Gestão Territorial). À Coordenadora geral do programa, Morgana Eneile. À equipe de Comunicação, todos os parceiros governamentais que compõe o Comitê Estratégico do Programa (CEP) e aos parceiros não governamentais e, em especial, à equipe integrada da Articulação Institucional: Bianca Santos, Rafael Anizio, Thales Vieira, Karen Kristien e Álvaro Maciel Junior.

113 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


a estratÉGia de ForMaÇÃo do ProGraMa CaMinHo MelHor JoveM antonio neto Formado em Licenciatura em História pela universidade Federal de Pernambuco, assessor técnico e coordenador da divisão de Formação para atenção integral do Programa Caminho Melhor jovem

MÔniCa saCRaMento

doutora em educação pela universidade Federal Fluminense e consultora de formação do Programa Caminho Melhor jovem

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“PaRte-se da CoMPReensão de Que a diveRsidade de sujeitos, identidades, eXPeRiênCias e RePeRtÓRios É MaRCa signiFiCativa dos/as jovens e dos/ as PRoFissionais eM ReLação nos teRRitÓRios. neste sentido, a FoRMação/ QuaLiFiCação dos/as váRios/as PRoFissionais envoLvidos/as, diReta ou indiRetaMente, no tRabaLHo CoM os/as jovens nos teRRitÓRios É CoMPReendida CoMo Condição indisPensáveL ao PRoCesso de desenvoLviMento e MeLHoRia das estRatÉgias e instRuMentos MetodoLÓgiCos.”

115 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


O Programa de Inclusão Social e Oportunidades para Jovens do Rio de Janeiro - Caminho Melhor Jovem possui uma meta ousada: colaborar com a construção de trajetórias de vidas de 40 mil jovens, de 15 a 29 anos, moradores/as das favelas pacificadas e em processo de pacificação no Estado, sobretudo aquelas localizadas na capital e na região metropolitana. De modo inovador, busca diferenciações em relação a outras políticas públicas voltadas para a juventude. Isto porque os objetivos do Programa nos colocam em condições de incidir sobre a estrutura clássica de construção das políticas públicas voltadas para esse público, em geral baseadas no paternalismo, na tutela, pensadas como uma concessão do mundo adulto. Por meio de distintas estratégias de intervenção e instrumentos metodológicos, desenvolvidos de modo colaborativo com/pelas equipes, o Programa propõe o diálogo permanente com as trajetórias de vida dos/as jovens e atenção redobrada sobre seus interesses, necessidades e sobre o modo como vivem a condição juvenil, em múltiplos contextos, e em diversificadas situações existenciais. Como pensam suas vidas, como interagem entre si e com os/as outros/as, como lidam com as ameaças à construção de seus percursos biográficos, entre múltiplos aspectos são questões que constituem-se na matéria-prima com a qual os/ as profissionais das equipes dos territórios vêm mobilizando o conjunto de ações institucionais e intersetoriais desenhadas pela metodologia do Programa.

116 a estratÉGia de ForMaÇÃo do ProGraMa CaMinHo MelHor JoveM


Enfrentar o desafio de constituir um novo catálogo de estratégias, ações e instrumentos metodológicos para implementação de um Programa destinado à promoção dos direitos das juventudes, na conectividade de seu espaço-tempo, requer experimentação, reflexão sistemática e planejamentos constantes, além de especial atenção à sistematização e reflexão sobre as práticas cotidianas dos/as profissionais envolvidos/as no trabalho cotidiano no âmbito do Caminho Melhor Jovem. Sobretudo, faz-se necessário investir na criação de espaços de diálogo, entre as múltiplas equipes, entre os demais sujeitos em atuação nos territórios, de modo a colaborar para a constituição de uma rede de suporte que favoreça aos/às jovens destas comunidades na realização de escolhas conscientes sobre suas trajetórias individuais, para que sejam capazes de atuar como sujeitos de transformações pessoais e sociais; solidários/as em seus espaços de convivência social. Parte-se da compreensão de que a diversidade de sujeitos, identidades, experiências e repertórios é marca significativa dos/as jovens e dos/as profissionais em relação nos territórios. Neste sentido, a formação/qualificação dos/as vários/ as profissionais envolvidos/as, direta ou indiretamente, no trabalho com os/as jovens nos territórios, é compreendida como condição indispensável ao processo de desenvolvimento e melhoria das estratégias e instrumentos metodológicos. Constitui-se, portanto, em vetor estratégico para o acúmulo de experiências, a construção de novos conhecimentos e

117 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


a tomada de decisões para os investimentos a serem realizados pelo Programa. A concepção teórico-metodológica adotada pela Divisão Divisão de Formação para Atenção Integral e pela equipe de Formação toma por base a necessidade de ampliação de conhecimentos e reflexão sobre os desafios da prática cotidiana do Programa nos territórios selecionados como pilotos (Manguinhos e Cidade de Deus), e nos demais territórios. Como objetivo geral, a estratégia de formação do Programa pretende promover o acesso a informações, conceitos e práticas capazes de serem utilizadas na construção de aprendizagens mútuas entre as equipes envolvidas. Visa-se, assim, a fundamentação de decisões a serem replicadas em novas oportunidades de formação das equipes constituídas para o trabalho nos demais territórios a serem contemplados pelo Caminho Melhor Jovem. Fundamentada, principalmente, em Paulo Freire, na Pedagogia da Autonomia, a estrutura da Formação Inicial e Continuada para os/as profissionais do Programa Caminho Melhor Jovem tem no princípio da ética, no respeito à dignidade e na autonomia dos/as profissionais e jovens participantes uma referência metodológica central. A construção de um ambiente de solidariedade, cooperação, reconhecimento e respeito à diversidade (TAYLOR, 1994), enfrentamento às assimetrias nas oportunidades com estímulo à participação social e compromisso com os interesses individuais e coletivos, entre todos/as os/as participantes

118 a estratÉGia de ForMaÇÃo do ProGraMa CaMinHo MelHor JoveM


do Programa, encontra-se, portanto, como requisito inicial para a entrada no território, o início e continuidade das atividades desenvolvidas. A atuação de cada integrante das diferentes equipes deve ser pensada a partir de suas potencialidades, individuais e coletivas, o que possibilita considerar a relação dialética entre estas duas dimensões. Se, por um lado, os conhecimentos e experiências profissionais e pessoais dos membros das equipes, em sua multiplicidade de identidades, papéis e funções, são bem-vindos e vistos como potencialidades ao grupo, por outro, a possibilidade de aprendizagens coletivas por parte dos/as mesmos/as, em torno de um contexto comum de atuação profissional, constitui-se como fonte para que, também, o Programa “aprenda” com suas experiências. Adota-se, portanto, uma concepção ampliada de educação , que mistura vida com experiências educativas, orientadora dos eixos pedagógicos do trabalho formativo a ser desenvolvido com os/as vários/as profissionais e jovens articuladores/ as. Neste contexto, valorizam-se a participação, a relação entre teoria e prática, a produção coletiva (e compartilhada) de conhecimentos e o reconhecimento às diferenças e às identidades sociais. Trata-se de desencadear o processo de teorização a partir da prática e não sobre ela; por meio da permanente confrontação entre a prática social, a reflexão sobre o conjunto de atividades conscientes e intencionadas empreendidas pelo Programa e o contexto no qual se desenvolve, de modo a gerar

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conhecimentos sobre a efetividade dos processos e a produção simultânea de mudanças individuais e coletivas entre todos/as os/as envolvidos/as. Nas ações de formação do Programa, opera-se com uma abordagem transdisciplinar que considera como potência os atravessamentos e entrecruzamentos das diferentes áreas de atuação dos/as profissionais. Esta perspectiva busca atravessar os domínios separados das disciplinas (áreas) e investe na produção de ações-conceitos-reflexões que, com o suporte de conceitos clássicos, sejam geradores de novos conceitos, com efeitos de transversalidade sobre eles, como resposta às questões surgidas no desenvolvimento das ações do Caminho Melhor Jovem. Neste sentido, as estratégias de formação/qualificação das equipes pautam-se pela articulação de dispositivos e dinâmicas formativas que favoreçam a transformação das experiências vividas no cotidiano profissional em aprendizagens concretas para o aperfeiçoamento das práticas e metodologias, postas em prática pelas diferentes equipes. Lançando mão de jornadas de formação, no ingresso dos/as profissionais, e encontros mensais por territórios, além de seminários temáticos, identificam-se novos conjuntos de problemas, contextos e situações contingentes, demandantes de novos conceitos, novas linguagens e novas formas de atuação. A partir deste processo, espera-se construir uma visão partilhada sobre as fortalezas e fragilidades do trabalho com os/as jovens nos territórios, sobre as finalidades e expectativas

120 a estratÉGia de ForMaÇÃo do ProGraMa CaMinHo MelHor JoveM


do Programa, sobre as estratégias de ação e sobre os valores subjacentes ao trabalho das equipes de campo. Por fim, como sinalizado por Abramo (1997), ressaltase que as lacunas em torno da elaboração de informação, conceituação e do desenvolvimento de pedagogias e metodologias que tratem as singularidades desta etapa de vida é o terreno no qual as equipes do Programa Caminho Melhor Jovem precisam aprimorar o “caminhar”. E, neste percurso, o diálogo com os conteúdos tratados pelas várias equipes, bem como o apoio às suas atuações, constitui-se na matéria-prima das atividades de formação/qualificação.

reFerÊnCias ABRAMO, Helena. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. In: Revista Brasileira de Educação, nº. 5-6. São Paulo: Anped, 1997. P. 134-150. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O Ardil da Ordem: caminhos e armadilhas da educação popular. Campinas: Papirus, 1983. TAYLOR, Charles. El multiculturalismo y la política del reconocimiento. México, D.F: Fondo de Cultura Económica, 1993. GONDAR, Jô. Quatro proposições sobre memória social In: GONDAR, Jô, DODEBEI, Vera. (orgs.). O que é memoria social? Rio de Janeiro: Contra Capa, 2005. p. 11-26.

121 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


Juventude e narrativas PeriFÉriCas eM rede áLvaRo MaCieL jÚnioR jornalista, produtor cultural e assessor do setor de Financiamento de demandas específicas do Programa Caminho Melhor jovem.

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“essa CaRaCteRÍstiCa autÔnoMa e assoCiativa deMonstRada PoR adeRênCia na atuaL oRganização PRogRaMátiCa e de ConteÚdos PeLa Web nos PossibiLita uMa deMoCRatização MaioR dos esPaços de eXibição de FiLMes, ainda eXCLusiva do esPaço CibeRnÉtiCo. e nos CoLoCa uM desaFio CoM ReLação À esCoLHa dos PRodutos Que iReMos ConsuMiR e PRoPagaR. isso Pode se toRnaR uM FiLtRo PaRa boas PRoduçÕes Que não PossueM Redes aMPLas e beM aMaRRadas, Podendo seR iMPuLsionadas atRavÉs de “CuRtidas” e “CoMPaRtiLHaMentos.”

123 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


Como podemos saber mais sobre expressões culturais juvenis nas favelas e periferias urbanas da cidade do Rio de Janeiro? Foi respondendo a uma pergunta como essa que, um dia, Mônica Sacramento, consultora da área de formação do Programa Caminho Melhor Jovem entrou na sala do prédio da Central onde trabalho, na sede da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, e pediu pessoalmente para que eu organizasse uma mostra audiovisual a partir de produções de jovens em áreas de favela e periferia urbana do Rio de Janeiro. E, felicíssimo, aceitando imediatamente, comecei uma busca pelas redes sociais por colegas que conheciam grupos realizadores de produções audiovisuais nesses territórios. Formou-se, então, o Seminário Juventudes e Territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens com o objetivo de proporcionar espaços de diálogo sobre políticas públicas e ações voltadas a jovens de territórios de favelas, reunindo diferentes setores da sociedade, tais como movimentos sociais, ativistas pelos direitos das juventudes, pesquisadores/ as, formuladores/as de políticas públicas, entre outros. Um encontro realizado no auditório 11 F da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no Maracanã, entre 26 e 28 de novembro de 2013, onde nos inserimos como programa cultural e artístico da hora do almoço, com uma média de cinco curta metragens para cada dia de seminário, com aproximadamente três horas de programação somando os três dias.

124 Juventude e narrativas PeriFÉriCas eM rede


A mostra de filmes Juventudes e Territórios em Narrativas, por sua vez, criou um ambiente lúdico em meio às discussões e oficinas do Seminário, desvendando micro e pequenas produções que expressam uma estética diversificada, com linguagens e experimentações pouco comuns na TV aberta e na grande indústria cinematográfica, o que motivou a permanência do público, mesmo acontecendo em horário de almoço. Quem permaneceu para o debate do dia 27 de novembro de 2013, por exemplo, teve a oportunidade de falar diretamente com jovens produtores/as do Coletivo Alemão em Cena, que realizaram e exibiram os documentários Cordel do Alemão e Cordel da Rocinha. Também presentes o jovem assessor da diretoria da Agência Nacional de Cinema Eduardo Lurnel e o jovem educador de audiovisual que atua no Complexo do Alemão Felipe Milhouse contribuíram com o debate, desmistificando e esclarecendo políticas públicas para o setor e caminhos possíveis para quem quer começar a produzir. Quem já conhecia e pôde rever curtas como “Picolé, Pintinho e Pipa”, de Gustavo Melo, e “A Distração de Ivan”, de Caví Borges, também teve a oportunidade ouvir relatos de jovens do Alemão em Cena, que trabalham a diáspora nordestina para comunidades cariocas nos documentários exibidos. Após os romances trágicos de “Neguinho e Kika” e “Mina de Fé”, desfrutamos os sublimes curtas do coletivo Cafuné na Laje, que trazem mini metragens realizados por

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crianças na comunidade do Jacarezinho, em dinâmica própria desenvolvida pelo grupo e irradiada pelo YouTube. A pluralidade de temas, abordagens, técnicas, recursos de produção, linguagens e dinâmicas em equipe observadas durante a Mostra Juventudes e Territórios em Narrativas nos desperta para o potencial audiovisual contido em cada periferia representada pela curadoria dedicada a esse primeiro Seminário. São inesgotáveis os recursos audiovisuais, tanto técnico quanto tecnológico, com a quantidade crescente de meios de captura e programas de edição de imagens disponíveis gratuitamente na chamada “computação em nuvem”. Lembrando que dispomos também de uma quantidade de conteúdo infinita, de forma que se faz necessária a confiança em curadorias que satisfaçam desejos momentâneos. Curadorias essas feitas por usuários/as aficcionados/as por compartilhamento, e que, em geral, estão entre nossos/ as “amigos/as” nas redes sociais as quais mais acessamos. A busca pela satisfação instantânea que a web nos proporciona através de “clics” e a diversidade de conteúdo maior do que outros meios, como a TV, rádio e cinema, com suas programações estáticas, muitas das vezes faz com que nem percebamos quando decidimos “seguir” um/a determinado/a participante. Rapidamente, seguimos o perfil do/a usuário/a, a fim de “enxergar” os conteúdos compartilhados pelo mesmo, e em seguida compartilhamos seus conteúdos, legitimando, assim, seu papel curatorial em nossas vidas.

126 Juventude e narrativas PeriFÉriCas eM rede


Essa característica autônoma e associativa demonstrada por aderência na atual organização programática e de conteúdos pela web nos possibilita uma democratização maior dos espaços de exibição de filmes, ainda exclusiva do espaço cibernético. E nos coloca um desafio com relação à escolha dos produtos que iremos consumir e propagar. Isso pode se tornar um filtro para boas produções que não possuem redes amplas e bem amarradas, podendo ser impulsionadas através de “curtidas” e “compartilhamentos” para que tal conteúdo fique em evidência para apreensão de mais espectadores/as. Para isso, os cineclubes e mostras audiovisuais, principalmente os organizados junto à academia ou a ambientes destinados à construção de conhecimento, são imprescindíveis como janela qualitativa para produtos da periferia, para que se crie e se preserve uma cultura de produção e exibição a partir da cultura local. Este movimento possibilita conservar a memória desses locais, pouco catalogados por pesquisadores/as acadêmicos/as, além de empoderar e emancipar os/as habitantes, encorajando-os/as a contar suas próprias histórias, de seus próprios jeitos. Um espaço expositor em meio a um Seminário dentro de uma universidade, contudo, conecta as obras de arte aos temas e abordagens, através da subjetividade dessas obras que possibilitam uma apreensão rica em significados por meio de interpretações individuais, com as luzes apagadas, e coletivas sob as luzes no/do debate. Ação essa que, em seu

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conjunto de realizadores de periferia urbana e favelas, seja quais forem, criam linguagens a serem exploradas também em território acadêmico, este que se enriquece da multiplicidade agregada pela mostra. Tal intervenção se tornou estratégica na programação do Seminário Juventudes e Territórios de Favelas, como forma de atrair a atenção do público e fixar temas de relativa importância em acordo com a programação do evento. O Seminário em questão, portanto, pôde revelar o potencial de mostras como essa, que incitam a reflexão sobre o lugar periférico, não apenas como receptor de ideias, tecnologia e carente de políticas, mas sim um lugar onde há uma cultura rica em subjetividades e que foi construída através de uma resistência cultural que pode, hoje, não somente ser capturada para as obras musicais, literárias e cênicas, como também para obras audiovisuais, por meios de novos meios tecnológicos acessíveis. Assim, nos contempla desde as discussões que cada curta pode gerar, como uma série de percepções instigadas pelo contato do/a espectador/a com as obras produzidas a partir de territórios pouco visitados por não-habitantes. Essas construções de narrativas e experimentações de linguagens servem como uma livre expressão dos/as jovens, que encontram nas produções audiovisuais um canal de comunicação possível para enviar mensagens e expressar suas vivências. A importância de criar espaços de exibição para essas obras é o incentivo para aquecer o cenário audiovisual

128 Juventude e narrativas PeriFÉriCas eM rede


periférico, criando um cenário fértil para que novas produções venham a esgotar temas como violência e abandono, até atingirmos campos como o das relações interpessoais e modos de vida diversificados, que já figuram como foco alternativo em produções mais recentes. Explorar o universo periférico através de suas linguagens artísticas, como fez a Mostra Juventudes e Territórios em Narrativas, é captar a alma desses ambientes que abrigam os/as “construtores/ as e mantenedores/as” das grandes cidades e também os/as guardiões/as da diversidade cultural, quesito tão importante para a identidade carioca.

notas Artigo elaborado com a colaboração de Thales Vieira e Daniel Misse, da Unidade de Gestão do Programa Caminho Melhor Jovem

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a estratÉGia de intervenÇÃo territorial do ProGraMa CaMinHo MelHor JoveM danieL ganeM Misse sociólogo, advogado, Mestre e doutor em Ciências jurídicas e sociais pelo Programa de Pós-graduação em sociologia e direito da universidade Federal Fluminense, e coordenador técnico da área de atenção integral ao/à jovem do Programa Caminho Melhor jovem

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“(...) a PRiMeiRa Reunião da Rede de integRação de seRviços (Ris), CoMPosta PRinCiPaLMente PeLos/ as gestoRes/as de eQuiPaMentos PÚbLiCos LoCais. o objetivo CoM isso É PensaR estRatÉgias de integRação de seRviços, disCutiR os PRinCiPais PRobLeMas na Rede LoCaL e evitaR a sobRePosição de açÕes, FiLtRando e oRientando deMais PRestadoRes de seRviços Que venHaM a atuaR no teRRitÓRio. essa PRoPosta deve seR adaPtada de aCoRdo CoM o taManHo de Cada CoMunidade, das ReuniÕes já eXistentes entRe PaRCeiRos e da Quantidade de seRviços disPonÍveis.”

131 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


A estratégia de entrada do Programa Caminho Melhor Jovem nos territórios pacificados é concebida em duas etapas: preparação e intervenção. Como parte da etapa de preparação para a entrada, tem-se a construção do mapeamento de informações sobre o território. Trata-se da construção do Diagnóstico e Plano de Intervenção Territorial (DPIT) que é subsidiado por pesquisas realizadas, dados e contatos de instituições repassados por parceiros, como: o programa Territórios da Paz, da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH); UPP Social, programa de gestão social em territórios pacificados do Instituto Pereira Passos; Bairro Educador, projeto de educação para o público jovem da Secretaria Municipal de Educação; EMOP, através da Equipe Técnico-Social do PAC; Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), da Secretaria de Estado de Segurança; Clínica da Família, da Secretaria Municipal de Saúde;; Centro de Referência da Juventude, da SEASDH; e demais parceiros institucionais que possuam um mapeamento prévio do território. A partir da construção do DPIT de cada território, procede-se à organização de pelo menos duas reuniões comunitárias para divulgar a data da entrada e tratar de temáticas específicas. A primeira reunião é realizada com representantes de instituições parceiras no território com a proposta de apresentar o programa e discutir a criação de uma Rede de Integração de Serviços (RIS), como forma de dar suporte às ações de articulação entre oportunidades e demandas dos/as jovens.

132 a estratÉGia de intervenÇÃo territorial do CaMinHo MelHor JoveM


Já a segunda reunião ocorre através de convocação dos principais atores sociais da comunidade, de forma a buscar a validação da metodologia e os instrumentos do Programa, bem como iniciar o período de mobilização para o evento de início do Caminho Melhor Jovem nas comunidades que receberão a iniciativa. Nesta reunião, também se divulga a proposta do processo seletivo a ser realizado para a formação da equipe de cada território que receber uma Unidade de Gestão Territorial (UGT) , de sorte a possibilitar que moradores/as da favela possam participar da seleção. A validação dos locais que receberão os primeiros articuladores/as é processo chave na construção da estratégias de intervenção e mobilização. Para tanto, em cada reunião comunitária prévia à entrada, promove-se a discussão acerca das regiões das favelas que devem ser priorizadas inicialmente pelo Programa. A fase de intervenção se inicia com um evento de entrada no território, sendo convidados diversos parceiros institucionais para a promoção de uma ação conjunta, além de começar o cadastramento dos/as jovens para agendamento e atendimento no Programa. A partir do evento de entrada, o/a diretor/a da UGT procede, com o apoio dos/as supervisores/as técnico e funcional, ao mapeamento das redes locais e qualificação dos serviços através da estratégia de mapeamento rápido participativo, de maneira a georreferenciar e preparar a matriz operacional de ofertas de serviços no território, levantando potenciais parceiros e evitando sobreposição de ações.

133 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


Em decorrência da primeira reunião de preparação de entrada com parceiros governamentais e do mapeamento de serviços locais, ocorre até o início do segundo mês do lançamento da UGT no território, a primeira reunião da Rede de Integração de Serviços (RIS), composta principalmente pelos/as gestores/as de equipamentos públicos locais. O objetivo com isso é pensar estratégias de integração de serviços, discutir os principais problemas na rede local e evitar a sobreposição de ações, filtrando e orientando demais prestadores de serviços que venham a atuar no território. Essa proposta deve ser adaptada de acordo com o tamanho de cada comunidade, das reuniões já existentes entre parceiros e da quantidade de serviços disponíveis. Em comunidades maiores como Manguinhos, a estratégia proposta tem sido a de aproveitar os Grupos Temáticos do Conselho Comunitário de Manguinhos e do Conselho Gestor Intersetorial (que trabalha a temática da saúde) para realizar a RIS, contemplando os grupos e as temáticas já existentes e fortalecendo a rede local. Na fase interventiva, há ainda estratégias de mobilização para potencializar a busca ativa. As principais estratégias são os Grupos de Mobilização e as ações de promoção em instituições locais. Os grupos de mobilização são formados a partir de jovens oriundos/as das diversas formas de busca ativa detalhadas. Tem como proposta apoiar o/a jovem na construção de sua trajetória formativa, através da sua interação com o grupo, promovendo a troca de saberes como instrumento de

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construção da autonomia e servindo como incentivo de entrada e permanência para os/as jovens mais resistentes ao modelo de aconselhamento e tutoria . Os Grupos de Mobilização são formados por grupos de jovens e visam discutir questões do território a partir da ótica da juventude local e propor um projeto de intervenção local – Plano de Autonomia Territorial (PAT). Trata-se de uma estratégia de incentivo de entrada e permanência do/a jovem no Programa, que deve ocorrer em formato de reuniões semanais com a proposta de apresentar o/a jovem à metodologia do Programa e estimulá-lo/a a construir em grupo projetos que intervenham na sua comunidade. Com isso, propõe-se explorar potencialidades e a solidariedade entre os/as jovens, por meio do financiamento bimestral de seus projetos em cada território. O responsável por coordenar o Grupo de Mobilização é o/a conselheiro/a, auxiliado pelo/a articulador/a, que tem o papel de mobilizar e dinamizar as reuniões, consolidando a proposta de um grupo feito por jovens e para jovens. Os grupos são formados através de cadastramento prévio dos/as jovens que vêm por demanda espontânea ou são encaminhados ao Programa. As duas primeiras reuniões dos Grupos de Mobilização são conduzidas pela equipe de mobilização, em conjunto com conselheiros/as e articuladores/as. A metodologia utilizada consta do Plano de Mobilização do Programa Caminho Melhor Jovem e consiste em duas perguntas básicas a serem trabalhadas com os/as jovens: “Quem Somos?”; e “Para Onde Vamos?”. A partir da

135 Juventudes e territórios de Favelas: narrativas, experiências e aprendizagens


aplicação da metodologia, inicia-se o processo de atendimento individualizado de jovens com agendamento prévio para a construção do Plano de Autonomia do Jovem (PAJ). A construção do PAJ se dá em encontros individuais (com conselheiro/a ou tutor/a) ou em grupo (somente com conselheiro/a) quando houver viabilidade e abertura por parte dos/as jovens para tanto. Desta forma, o programa de Atenção Integral ao/à Jovem tem como proposta trabalhar questões individuais, mas também a interação dos/as jovens em grupo, promovendo não somente o mapeamento de oportunidades através do fortalecimento de trajetórias formativas, mas também fortalecendo as redes de interação social do/a jovem, de sorte a potencializar as relações de solidariedade e comunitarismo entre eles/as.

notas 1 Cada UGT é composta por 22 profissionais, possuindo: 1 diretor; 1 assistente administrativo; 4 conselheiros; 3 tutores; 6 articuladores; e 7 estagiários.

2 O programa de Atenção Integral ao/à Jovem é constituído por um regime de aconselhamento inicial ou periódico, prestado por profissionais conselheiros/as e tutores/as. O contato inicial será realizado por meio de conversas orientadas. Cabe

136 a estratÉGia de intervenÇÃo territorial do CaMinHo MelHor JoveM


a esses/as profissionais a organização do Plano de Autonomia do Jovem (PAJ), contendo descrições sobre seus interesses e dificuldades; estratégias e perspectivas. O PAJ é dinâmico e pode ser revisto pelo/a jovem quantas vezes achar necessário até que consiga visualizar uma proposta que contemple seus anseios e promova a sua autonomia.

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que podemos afirmar neste tempo notasOsoBre a eXPeriÊnCia de é que a aprendizagem é a única certeza e que, a de cadadeButantes Unidade de Gestão TerritoConstruÇÃo do Baile teremos maiores e melhores resultados acumulados. Mas dorial, CoMPleXo do andaraÍ/GraJaÚ é um Programa que segue no fio da navalha, testando métodos

RaQueL bRuM FeRnandes

e formatos, avançando recuando conforme dialética antropóloga, doutoranda em Ciênciasesociais e ggestora do Programaa territórios da perPaz paramite. o andaraí/grajaú, da secretaria de estado de assistência social eadireitos Humanosde Não podemos errar no conjunto, porque esperança muitos/as se colocade diante do nosso esforço. isabeLLe FuRtado MouRa No Caminho Jovem corações advogada, bacharel em direito e Melhor assistente de gestão exige-se do Programa que territórios da Paz e para o andaraí/grajaú, da secretaria de estado de assistência social e direitos Humanos

mentes estejam atentos e que estejamos em campo com um só corpo e discurso. De qualquer lugar onde estejamos, fazemos a mesma coisa: colaboramos para transformar a vida de milhares de jovens.

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“ao MesMo teMPo, este se ConstituÍa CoMo nosso PRinCiPaL desaFio: desenvoLveR uM PRojeto estRatÉgiCo Que PRoMovesse não aPenas o nosso aCesso e diáLogo CoM gRuPos jovens LoCais, Mas taMbÉM o aCesso e diáLogo entRe esses/as jovens e a unidade de PoLÍCia. Quanto Às assoCiaçÕes de MoRadoRes/as, sua PaRtiCiPação na oRganização e PRinCiPaLMente na divuLgação do evento seRviRia taMbÉM PaRa ConHeCeRMos ainda Mais sobRe seus nÍveis de RePResentatividade. o PRojeto, nos PaReCia assiM, ÚtiL eM MÚLtiPLos asPeCtos.”

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O trabalho de gestão social do Programa Territórios da Paz teve início no Complexo do Andaraí/Grajaú em 25 de janeiro de 2012. Desde os primeiros dias pudemos perceber que atuaríamos em um território amplamente heterogêneo, formado por seis comunidades distintas e que possuíam lideranças comunitárias tradicionais e ativas. Como a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) atuava nas favelas há mais de um ano, existia nessas lideranças um conjunto de expectativas em relação às políticas públicas e projetos que chegavam em sequência à ocupação policial. Dessa forma, fomos recebidas no território já com diagnósticos feitos por essas lideranças, apontando aquelas que seriam as principais temáticas nas quais deveríamos atuar e as principais demandas que precisaríamos tentar atender. Ao mesmo tempo em que isso facilitou nossa integração inicial no território, nos colocou o desafio de elaborar estratégias que nos permitissem dialogar com outros/as moradores/as além das já articuladas e fortalecidas lideranças comunitárias. Neste pequeno artigo, gostaríamos de contar um pouco sobre uma dessas estratégias, desenvolvida em relação àquela que é definida por muitos/as moradores/as como a principal demanda das favelas onde o tráfico de drogas é ou foi muito expressivo: o desenvolvimento de projetos para a juventude. Partimos da ideia de que apenas os/as próprios/as jovens locais, compreendidos/as não como um grupo único e homogêneo, mas como um conjunto de individualidades com distintas preferências, interesses e aptidões, poderiam definir qual tipo de “projeto” seria necessário e adequado para eles/as. Assim, an-

140 notas soBre a eXPeriÊnCia de ConstruÇÃo do Baile de deButantes


tes de tentarmos articular ou incentivar o desenvolvimento de qualquer atividade propriamente dita voltada para a juventude local, como por exemplo cursos profissionalizantes, esportivos ou artísticos, sabíamos que precisávamos acessar os/as jovens, ouvir alguns/as deles/as e tentar compreender suas realidades. Essa nunca nos pareceu uma tarefa fácil, afinal, não existe no Complexo do Andaraí/Grajaú nenhuma liderança tradicional jovem ou que represente especificamente parcelas da juventude. Além disso, são sempre muito escassos os/as jovens que frequentam reuniões ou conselhos comunitários, sejam eles organizados pela UPP, por alguma associação de moradores/ as ou outra instituição comunitária. E mesmo em nossos próprios grupos de trabalho ou encontros que promovemos sobre diversas temáticas ao longo desses quase dois anos de atuação, a participação de jovens sempre foi muito pequena. Convidamos as lideranças comunitárias, representantes de outros órgãos de governo e instituições a refletirem conosco sobre qual seria a melhor forma de acessar os grupos jovens locais. Chegamos, facilmente, a uma conclusão: a dificuldade de acesso e principalmente de envolvimento da juventude local era compartilhada por todos/as. Nem as associações de moradores/as, nem as instituições governamentais possuíam projetos bem sucedidos no que dizia respeito à adesão da juventude. Também quando conversávamos com outras equipes de gestão do Programa Territórios da Paz, percebíamos que a dificuldade de trabalhar com os/as jovens se repetia. Ficava claro que os interesses e condições juvenis não podiam ser facilmente com-

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preendidos. Nossa estratégia precisaria ser atraente nos termos próprios da juventude, e somente assim poderia se tornar eficaz e duradoura. Um discurso recorrentemente apresentado por alguns/ as moradores/as em relação aos/às jovens e também por representantes de instituições cujos projetos para a juventude tenham sido frustrados no Complexo do Andaraí/Grajaú era o de que os/as jovens não teriam perspectivas de futuro definidas, não possuiriam planos concretos sobre a qualificação profissional que gostariam de ter ou sobre como seria sua inserção no mercado de trabalho formal. Parece-nos, entretanto, que essa indefinição não é uma característica peculiar desses grupos jovens. Convidamos o/a leitor/a a uma reflexão sobre seus dias de juventude, sobre seus objetivos e interesses naquela época. Certamente, muitos/as de nós também experimentamos incertezas, indefinições e falta de interesse por temáticas que hoje consideramos fundamentais. Dessa forma, em vez de considerarmos os jovens que não querem participar de projetos ou atividades consideradas educativas ou que não se interessam em frequentar reuniões e conselhos comunitários como desviantes, passamos a compreendê-los com ênfase em características que configuram a própria noção de juventude e que parecem ser compartilhas por jovens de diferentes regiões, classes sociais e até gerações. A ideia de realizarmos um baile de debutantes no Complexo do Andaraí/Grajaú surgiu a partir da observação de bai-

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les em outros territórios, na maioria das vezes organizados pelas UPPs locais. Como nossa equipe almejava, além do acesso à juventude local, ampliar a rede de moradores/as que conhecíamos na região, o baile parecia uma alternativa pertinente caso conseguíssemos realizá-lo de forma efetivamente comunitária, envolvendo as jovens e suas famílias. Apresentamos a ideia ao comando da UPP local e às principais lideranças comunitárias e todos/as concordaram que parecia uma boa oportunidade de aproximação dos grupos jovens. Montou-se, assim, o comitê organizador e nosso objetivo passou a ser identificar as debutantes, suas famílias e expor o projeto, ressaltando a importância do trabalho em conjunto e do envolvimento de diversos setores das comunidades. Não sabíamos ao certo quantas jovens se interessariam em participar. Suspeitávamos que a realização em parceria com a UPP Andaraí pudesse causar rejeição de alguns grupos de moradores/as, que não aceitavam se aproximar da polícia. Ao mesmo tempo, este se constituía como nosso principal desafio: desenvolver um projeto estratégico que promovesse não apenas o nosso acesso e diálogo com grupos jovens locais, mas também o acesso e diálogo entre esses/as jovens e a unidade de polícia. Quanto às associações de moradores/as, sua participação na organização e principalmente na divulgação do evento serviria também para conhecermos ainda mais sobre seus níveis de representatividade. O projeto, nos parecia assim, útil em múltiplos aspectos. Acordou-se entre os diversos/as organizadores/as que a festa deveria ser, em todos os seus âmbitos, “construída” e não

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apenas “oferecida”. Dessa forma, desde a primeira reunião, passamos a estimular as jovens inscritas a participarem de todo o processo de elaboração, de forma que elas mesmas pudessem “produzir” o orçamento, alimentação e ornamentação do evento. A partir de nossas experiências e reflexões anteriores sabíamos que o processo não poderia se tornar enfadonho. A exigência do envolvimento das jovens em cursos ou atividades longas ou pré-definidas, mesmo que dentro do objetivo de realização da festa, poderia nos custar toda a adesão inicial que tínhamos alcançado. Decidimos, assim, que seriam realizadas oficinas, de forma mais flexível, combinada anteriormente com as debutantes e preferencialmente ofertadas por moradores/ as das comunidades. Seriam realizadas também, sempre que possível, dentro do território e em horários adaptados às rotinas escolares das meninas. A partir dessas definições iniciais, chegamos aos seguintes produtos: os salgados da festa foram preparados pelas debutantes e seus familiares em uma ONG no Centro da cidade, que ofereceu a elas, em um formato adaptado, um curso de salgados finos; os doces foram preparados pelas famílias em suas residências e através de uma oficina oferecida pela equipe de gestão no Morro do Andaraí; a coreografia de dança foi organizada e ensaiada por uma bailarina local; os itens de decoração, assim como as lembrancinhas, foram confeccionados pelas debutantes também em uma oficina, oferecida pelo decorador da festa; o DJ, decorador e grupo de música são moradores/as do Complexo do Andaraí/Grajaú e trabalharam, em sua maioria, de forma voluntária.

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Outros itens da festa como vestidos, convites, bebidas, cabelo e maquiagem das debutantes, flores e outros materiais de decoração foram doados e emprestados através de articulações feitas pela equipe de gestão do Programa Territórios da Paz, pela UPP Andaraí e pela Subprefeitura da Tijuca. A maioria das reuniões realizadas para definir os detalhes da festa, assim como os ensaios da coreografia do evento, foram realizados nas dependências da sede da UPP, o que incentivou o acesso das jovens e seus familiares a esse espaço. As debutantes são moradoras de quatro das seis comunidades que compõem o Complexo do Andaraí/Grajaú, comunidades essas que possuem um histórico de conflitos e hostilidades entre seus/suas moradores/as. Todas as atividades de organização foram realizadas de forma conjunta e semelhante por elas e suas famílias. No início da organização do evento, ainda no primeiro semestre de 2013, tínhamos 16 inscritas. Ao longo do processo chegamos a apenas seis participantes e com a adesão de duas novas debutantes já no mês anterior ao baile, fizemos a festa para oito meninas. O motivo das desistências não era normalmente bem explicado. Algumas afirmaram que se tratava do excessivo número de reuniões e encontros de organização, outras disseram que simplesmente perderam o interesse no evento e outras se recusaram a dar uma explicação. Acreditamos que são muitos os fatores externos que podem ter influenciado tais desistências. Recusamo-nos, entretanto, a recorrer a explicações generalistas sobre o fato.

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A festa ocorreu em 30 de novembro de 2013 como fruto desse processo de construção comunitária. Nesse dia, novos moradores se dispuseram a auxiliar e participaram da montagem do evento. Conforme o planejado, além de seus pais e namorados, as debutantes dançaram também com policiais da UPP Andaraí, selecionados por elas. Foi grande o número de pessoas presentes, entre representantes das instituições organizadoras, familiares e amigos das debutantes. Acreditamos que a festa cumpriu seus principais objetivos e que consistirá em um primeiro passo no processo de diálogo com grupos jovens locais. Nos parece evidente que a cada pequena reunião, a cada item produzido pelas debutantes e seus familiares, a cada morador/a que se dispôs a trabalhar voluntariamente no evento, vínculos foram construídos, oportunidades de engajamento foram descobertas e novos protagonismos sociais construídos. Embora não possamos dizer que tenhamos alcançado parcelas significativas da juventude local, podemos observar que as poucas jovens envolvidas, além de suas irmãs e irmãos que também participaram ativamente do processo, atuam como intermediárias entre os grupos dos quais fazem parte e as atividades que desenvolveram em função do baile. São porta-vozes dos interesses, preferências, características e também dos desinteresses, incertezas e limitações que compartilham com out ros/as jovens e que podem nortear o desenvolvimento de outros projetos e de políticas públicas de forma mais participativa e adequada.

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