Política, Educação e Cultura organização de Alexandre Felipe

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Da constatação de que raças não existem, não deriva logicamente a afirmação de que somos todos iguais. Ora, temos aparências diferentes, fenótipos distintos, e isso não é irrelevante nas relações sociais. Nenhuma criança pede à outra seu exame de DNA para isolá-la na escola, na hora do lanche: elas o fazem a partir da aparência do(a) colega. Ninguém é recusado num emprego pelo seu código genético, mas pela aparência. Se a raça não existe como conceito biológico ou antropológico, a raça existe nas relações sociais! A raça existe na Sociologia, na História, na porta da casa noturna, na hora do mau policial decidir se atira primeiro e pergunta depois, ou o contrário. A raça não reúne as pessoas pelo mapa genético, mas pela experiência social compartilhada, pelos relacionamentos, pressupostos, preconceitos. Que essas relações sejam temperadas, no Brasil, pela posse ou não de dinheiro e bens, é uma especificidade das relações sociais brasileiras, não um fator que negue o peso das relações raciais. Caetano Veloso, na letra da canção que é epígrafe do presente texto, traduz poeticamente o significado desse argumento: no Brasil, “branco” é todo aquele que não é “quase preto” ou “quase branco”. Então, porque pretos e pardos podem ser reunidos, estatisticamente, em uma categoria única, a de negros? Pela similaridade das suas experiências e relações! Por que ser “quase branco” ou “quase preto” ou “preto” faz diferença nas relações sociais. Sobretudo, cumpre questionar esse debate, evidenciando que, historicamente, para sofrer discriminação racial, “cafuzo, mulato, mameluco, caboclo, escurinho, moreno, marrom-bombom” (Kamel) são “tratados como pretos / Só pra mostrar aos outros quase pretos / (E são quase todos pretos) /E aos quase brancos pobres como pretos / Como é que pretos, pobres e mulatos /E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados” (Veloso). Porém, quando se trata de definir políticas redistributivas, a raça (o que identifica um grupo pelas aparências e experiências sociais que compartilha) não é aceita como critério. A revista Veja chegou a aproximar os defensores das cotas raciais com os nazistas ou os africâners do regime do Apartheid, misturando alhos com bugalhos e fazendo a clássica inversão que o Marx da Ideologia Alemã identificaria claramente como ideologia burguesa. As cotas constituem uma prática redistributiva e visam beneficiar os “discriminados” (e não prejudica-los ou extermina-los), e não estão baseadas em bases pseudocientíficas e biologizantes da questão racial, exatamente o contrário dos nazistas e arquitetos do Apartheid.

Alexandre Felipe Fiuza e Gilmar Henrique da Conceição (Orgs.)

Coleção Sociedade, Estado e Educação

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