Gestão Hospitalar - Julho_2014

Page 3

Gestão Hospitalar oferece-nos, nesta edição, uma excelente entrevista com o ex-Ministro Correia de Campos: temas importantes, perguntas bem elaboradas, respostas à medida (concisas

A

_J

<(

e claras). Destacaria algumas das questões que têm estado, ao longo de décadas, sempre presentes, como referências críticas para o desenvolvimento do SNS e do Sistema de Saúde no seu conjunto: a) A política do medicamento, reconhecidamente um êxito do atual governo, segundo Correia de Campos, pela forma como se reduziu a despesa no referencial do PIB, passando de 2% para 1% em poucos anos. Importará referir aqui, não só os sacrifícios impostos à indústria e à restante cadeia de valor, mas sobretudo aos utentes, pela redução nas comparticipações e pelo racionamento induzido. E interrogamo-nos, também, sobre o enfraquecimento da rede de distribuição, com consequências . ainda não debeladas ao nível do aprovisionamento das farmácias de oficina, hoje com muitos pontos de rotura. b) A gestão hospitalar e a autonomia dos hospitais, ambição sempre presente no discurso dos Administradores Hospitalares, mas ainda dificilmente concretizável. Para além dos modelos jurídicos que norteiam a gestão hospitalar, é necessária uma disponibilidade efetiva dos governos para que essa autonomia se amplie e promova a responsabilidade e o risco dos gestores. Mudanças ziguezagueantes na política, uma irreprimível vontade de intervir diretamente nas pequenas e nas grandes decisões de gestão hospitalar, por parte dos governos e das suas "filiais" regionais, tornam esta missão impossível. .. c) A Reforma dos Cuidados de Saúde Primários, o maior êxito das políticas de Saúde na última década, segundo Correia de Campos, parece na verdade congregar o aplauso da maioria dos observadores e, sobretudo, dos cidadãos que beneficiam das novas USF. Precisamos todavia de alargar e aprofundar este novo conceito de ligação entre o médico de família e os" seus" inscritos, para que a prova do seu sucesso seja objetiva e inquestionável: reduzir drasticamente o número de atendimentos urgentes e de internamentos evitáveis por adequado acompanhamento de doentes crónicos em ambulatório. Maior resiliência dos médicos, interlocução fácil com os seus "doentes", capacidade de resolução rápida e eficaz de queixas e sintomas, integração ou afiliação com serviços hospitalares, são exemplos do muito que ainda está por fazer. E é importante perceber o que é que as ULS poderão (estão a) fazer para este sucesso .... d) A ADSE foi um sub-sistema de saúde fortemente criticado no passado e que hoje se defende e se encoraja. Era criticado pelos privilégios injustos que atribuía aos funcionários públicos e familiares, com a ajuda iníqua de todos os restantes cidadãos para o equilíbrio das suas contas, e incorpora um modelo de negócio pouco inteligente, baseado na convenção pelo preço e não na pertinência da procura e I ou do consumo. Entretanto, evoluiu para um modelo alternativo (a procura de serviços públicos já é acomodada nas contas do SNS), parecendo caminhar também para um sub-sistema autossustentável. Embora mantenha, na sua matriz constitutiva, ingredientes de privilégio e despesismo de todo criticáveis, a ADSE é, hoje, um bálsamo para os funcionários públicos e um poderoso canalizador de recur sos para o setor privado ... e) A acumulação de funções públicas com funções privadas por parte da classe médica é uma caraterística ancestral do trabalho médico em Portugal, que vai resistindo à evolução dos modelos de gestão pública e privada e à necessidade de fixar profissionais aos serviços. Correia de Campos toca, neste particular, na ferida: para quando uma profunda revisão das carreiras médicas e respetivos modelos remuneratórios? O pagamento baseado no desempenho implica estudo, ponderação e critérios claros de atribuição, mas não há dúvida que é muito mais justo e adequado ao nosso tempo. E, provavelmente, o problema da acumulação de funções deixará de se colocar nos contornos dicotómicos de hoje ... Parabéns à Gestão Hospitalar pela oportunidade que nos deu de refletirmos, em conjunto com os leitores, sobre temas tão importantes para o futuro do nosso Sistema de Saúde.

o::

o

J---

0

w

<{

z

<{

e:

MANUEL DELGADO

1§ <{

Presidente da Mesa da Assembleia -Geral APAH

<{

~

:>:: <g


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.