Prazeres Maltidos

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sobre a coxa, um gesto de quem dorme sem preocupações. Um gesto bastante humano. Edward olhou com curiosidade para dentro do caixão, com a arma apontada para o teto. —Foi este que você queimou com água benta? Confirmei, acenando com a cabeça. —Fez um trabalho magnífico — opinou. Valentine estava imóvel. Eu nem sequer conseguia vê-lo respirar. Sequei as mãos suadas na calça jeans e tentei detectar sua pulsação, perto da mão. Nada. Sua pele era gélida ao toque. Ele estava morto. Não era assassinato, independentemente do que dissessem as novas leis. É impossível matar um cadáver. Senti a pulsação. Afastei-me com um movimento brusco, como se ele me queimasse. —O que houve? — perguntou Edward. —Senti o pulso dele. —Às vezes acontece. Fiz um gesto de concordância com a cabeça. É, às vezes acontecia mesmo. Se a pessoa esperasse tempo o bastante, até que o coração chegava a bater. Até que o sangue chegava a fluir, mas com tanta lentidão que assistir chegava a ser doloroso. Morto. Eu estava começando a achar que não sabia o que aquilo significava. De uma coisa eu sabia. Se a noite caísse e ainda estivéssemos aqui dentro, nós morreríamos. Ou desejaríamos ter morrido. Valentine ajudara a matar mais de vinte. E quase havia me assassinado. Quando Nikolaos retirasse a proteção sobre mim, ele terminaria o que começara, se pudesse. Nós viemos matá-la. Acho que ela iria retirar a proteção o mais rápido possível. Como diz o velho ditado, era ele ou eu. Eu preferia ele. Retirei as alças da mochila de meus ombros. —O que está procurando? — perguntou Edward. —Martelo e estaca — respondi, sem erguer o olhar. —Não vai usar a espingarda? Olhei rapidamente para ele. —Ah, claro! Por que não alugamos uma charanga para não perder o embalo? —Se o único propósito é o silêncio, há outra maneira — respondeu, e em seu rosto, um leve sorriso. Eu já até havia pegado a estaca afiada, mas me dispus a escutá-lo. A maioria dos vampiros que matei foi com estacas, mas é sempre complicado. É difícil e faz a maior sujeira, embora eu já não vomite mais. Afinal, sou uma profissional. Ele tirou uma pequena caixa da mochila. Continha seringas. Então, sacou uma ampola com um líquido acinzentado. — Nitrato de prata — disse. Prata. A desgraça dos mortos-vivos. O tormento do sobrenatural. E lindamente modernizada. —Funciona? — perguntei. —Funciona. — Ele encheu uma seringa, e perguntou: — Este tem quantos anos? —Pouco mais de cem — respondi. —Duas devem bastar.


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