Dossiê "A invenção da balbúrdia"

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inédito na história recente. Houve desrespeito às listas em mandatos anteriores, mas em proporção bem menor (em que pese o fato de que não haja estatísticas muito precisas sobre quantas foram no passado). O fato é que Bolsonaro tornou as intervenções uma atividade rotineira. Além disso, como ficará claro mais adiante, seu estilo autoritário interferiu no cálculo dos atores das comunidades acadêmicas, que passaram, muitas vezes, a se comportar com o objetivo de agradá-lo ou de, pelo menos, não atrair seu veto. Muitas instituições deixaram de realizar consultas paritárias1, por exemplo, para não se verem questionadas pelo MEC. Várias pessoas se candidataram e elaboraram plataformas eleitorais com propostas à direita ou aparentando neutralidade com o mesmo propósito. Dos 58% de respeito à lista, é possível que muitos tenham atuado desta maneira e que alguns escolhidos fossem, de fato, os preferidos do governo. Apenas uma pesquisa mais aprofundada, em continuidade a esta, poderá dar uma resposta precisa. O que não escapa é a percepção de que a democracia e a autonomia das instituições de ensino, com ou sem intervenção formal, vêm sendo ameaçadas. Por esta razão, a pesquisa aqui feita se debruçou sobre os 28 episódios de intervenções (22 universidades, com dois casos na UFGD; três casos no Cefet/RJ, um no IFSC e um no IFRN), abordando-os em detalhes, para conhecer sua dinâmica. Ao final, foi elaborada uma classificação buscando apontar as razões principais para as escolhas feitas. Com isso, a conclusão foi que, em dez episódios, influências externas às comunidades acadêmicas foram determinantes. Estes dez contam a UFGD duas vezes. Outros dez casos foram classificados como de alinhamento ao governo, ou seja, a razão principal para nomear a pessoa foi a proximidade política e até religiosa com os detentores do poder. Estes dez contam o Cefet/ RJ três vezes. Por fim, há oito indicações de indivíduos que não poderiam ser vistos como Alinhados, mas foram escolhidos por variadas razões. Cada uma das três classificações vai merecer um tratamento específico adiante. Depois delas, uma seção do texto abordará as reações aos interventores/as. As diferenças entre o governo Bolsonaro e os anteriores são grandes, inclusive no que se refere ao que está sendo discutido aqui. Entre os oito casos de Não Alinhados, temos uma pessoa filiada ao PT e exemplos de dirigentes que faziam parte do grupo que formou a lista tríplice, de forma que a mudança obtida não foi tão grande quanto o esperado pela frase retórica de Milton Ribeiro, apontada antes. As relações entre as instituições federais de ensino superior e os governos são mais complexas do que a simples indicação de reitores. Este ponto fez com que a reflexão realizada aqui passasse, antes do estudo específico dos casos, por uma discussão acerca dos modelos políticos. Os governos anteriores ao de Bolsonaro, considerados mais respeitosos para com Nas quais os votos são contados de acordo com o peso de 1/3 para docentes, 1/3 para técnico-administrativos e 1/3 para estudantes.

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