Conhecimentos Tradicionais e Territrios Panamazonia - Nova Cartografia Social Amazonas

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sociais desenvolvidas na prática extrativista tem se tornado assim um objeto de reflexão. O machado, transcendendo ao sentido de um simples instrumento de trabalho, se transforma em artefato considerado essencial, hoje, na maneira de ser e de existir das extrativistas. Os machados, assim como as pontas de lanças, flechas e outros instrumentos de caça e pesca, representam, para o evolucionismo, a possibilidade de remontar à origem da humanidade e, para o difusionismo, possíveis contatos entre os diferentes povos. Elementos fundamentais das coleções, que marcaram a produção antropológica desde o século XIX, os machados sempre compuseram o repertório dos museus34. Predominava a concepção segundo a qual, quanto mais instrumentos e suas variações eram encontrados, maiores as possibilidade de remontar às origens dos povos ou mesmo os possíveis pontos de contato entre esses povos, a partir da identificação de artefatos que apresentassem semelhanças. Além da preocupação com a montagem de coleções tem-se que o machado, na interpretação evolucionista, é símbolo de um estágio de desenvolvimento tecnológico. Com ele o homem teria começado a transformar a natureza de uma maneira mais permanente e, inclusive, a ter sobre a cobertura vegetal um controle maior. Para as quebradeiras de coco babaçu o machado faculta a aprendizagem de um ofício e de uma forma de manejo que não estão dissociados do cálculo econômico das unidades extrativas baseadas no trabalho familiar. Há instrumentos feitos em tamanhos menores, designados pelos diminutivos, tais como: “cofinhos”, “macetinhos” e “machadinhos” destinados ao aprendizado do ofício por crianças e adolescentes. O machado está inserido ainda no plano religioso sendo utilizado nos rituais de mina, religião de matriz africana. No decorrer do trabalho de campo observamos seu uso religioso nos terreiros localizados no Bairro Novo, Penalva, Maranhão. O acionamento da identidade a partir do tipo de instrumento utilizado põe em questão os investimentos governamentais em tecnologia que visa substituir a quebra manual. Confere às quebradeiras de coco a possibilidade de incorporarem simbolicamente o instrumento como fazendo parte de sua

34.  Destaca-se que predominava nessas coleções uma forma de classificação que reunia artefatos de diferentes povos e ordenava, dando a idéia de evolução. Apesar desse tipo de organização dos artefatos já ter sido criteriosamente criticada, continuou vigorando mesmo no período classificado como do colecionismo brasileiro. Um dos autores que contribuiu para essa discussão foi o antropólogo Franz Boas. (BOAS: 2004), p. 157).

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