VARAL DO BRASIL - VARAL DA SAUDADE!
Os olhos viajando do breu do café na xícara à
não: meus amigos chegaram, eis-me de novo
aconchegante penumbra do café que me con-
sozinho entre homens... (onde estará a garço-
tém. E´uma escuridão que não nasce da au-
nete?).
sência de luz, mas de um desejo à espera de
Pedimos sorvete, saboreamos a garçone-
cores. Mergulho neste buraco negro; sou
te. Ela logo nos abandona, sorvemos solidão.
transportado a um fluxo caleidoscópico de
E falamos muito para tentar ocultá-la.
passados fragmentados, um mosaico multico-
Palavras. Sem cores. Inumeráveis... inú-
lorido composto pelo piscar de imagens multi-
meras desnecessárias. Filtradas pela memó-
facetadas pululando de sensualidades descon-
ria, erodidas pelo tempo, só as essenciais so-
tínuas que nos reconquistam ao aflorarem por
brevivem: um negativo em preto e branco que
geração espontânea nos momentos de ócio:
vai se revelando na escuridão branca deste
torsos, cabeças, rostos, pescoços, nucas, ore-
papel; reflexo obstinado de erupções verbais,
lhas, queixos, bocas, narizes, cabelos, olhos,
expelindo expressões excessivamente usadas,
olhos azuis, olhos que me olham, um olhar
repetidas e usurpadas – como “despedida” ou
verde provoca a minha boca, lábios, lábios ru-
“adeus”... Palavras lavram a lava ao nada.
bros, um beijo roxo com línguas lépidas e invi-
Difícil modelar este magma amorfo a que
síveis, amarelos visíveis em sombras inquie-
chamamos de conversa. Não me lembro bem
tas, cabelos dourados sugam faíscas volúveis
de como ou quem a iniciou - talvez tenha sido
da tênue luminosidade local, camuflam orelhas
eu mesmo, mas a autoria das palavras é me-
cujas formas cíclicas querem ser exploradas
nos significante do que o seu efeito... só sei
pelo meu nariz ao exibirem orgulhosas aos
que, de repente, materializado por alguma
mais curiosos dois pequeninos brincos negros
evocação involuntária
secretos, duas pupilas dançando nervosas nos
ali estava o meu avô
oceanos marrons dentro de esferas brancas, um olhar castanho claro se esquiva e dispersa
Envelhecido, embaçado, esquecido.
a minha atenção das mãos pálidas que se in-
Calado.
candescem se tocadas com a devida destreza
Imerso na minha própria despedida, ha-
ou se contraem tímidas acocoradas em cima
via obscurecido a sua... pois ei-la de novo,
de pernas que se esfregam, se cruzam e tal-
aqui e agora, fluorescendo bem na nossa fren-
vez se abram, pernas que ao caminhar salien-
te! Como uma escultura de silêncio a ocupar a
tam o perfil voluptuoso do busto e do lombo,
única cadeira vazia. Só. Contemplada com a
silhuetas complementáveis pelo deleite da
devida distância, se delineava como um pro-
imaginação, vultos de vulvas incontroláveis
cesso orgânico e até mesmo coerente, cuja
que aparecem e desaparecem, fêmeas que
longa duração – por conferir uma aparente
vêm e vão, dois vultos se aproximam, mas a
constância a este lento desprendimento, a es-
realidade sempre decepciona, são tão-
ta imperceptível saída da tela da vida – nos
somente dois homens, dois guarda-costas?,
cegava e sedava... (Segue)
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