ARCA - 5ª edição

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Palavra do Editor

EDIÇÃO 05 | ANO 03 | JUNHO 2015

01 Palavra do Editor 02 Bastidores

Leitor, bem-vindo às páginas da 5ª edição da

ARCA.

A equipe de produção e edição sente-se honrada

e envaidecida ao concluir esta 5ª edição, porque a ARCA cada vez mais se aproxima dos propósitos para os quais foi idealizada, em que nem todos os acadêmicos estão dentro dela, por insuficiência de páginas, mas se olhadas as edições em conjunto, todos se fazem presentes, imprimindo estilos já conhecidos do leitor.

O conteúdo dessa edição da ARCA, que se abrirá

04 Letras em Retrato 08 Por Onde Andei... 10 Crítica Literária 14 São João à Vista 18 Academia em Revista

para quem folhear suas páginas, mais uma vez trará textos bem construídos e distribuídos pelos setores da revista, que vão desde Letras em Retrato, Crítica Literária, Afiando a Língua, LuzGrafia, Arcadianas, Sopa de Letras, São João à Vista, Academia em Revista, Por onde Andei, Dica Literária até, Aqui Aconteço, em que é disposto ao leitor o que acontece na Academia de Letras durante todo o semestre que antecede a edição da revista. E tudo isso com a proposta de que você, leitor, se deleite com os textos em prosa e poesia, com as imagens e com as informações.

Boa leitura!

20 Luz Grafia 22 Arcadianas 54 Luz Grafia 56 Aqui Aconteço... 62 Sopa de Letras 64 Afiando a Língua 66 Livros ARCA | 3

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Bastidores

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A língua nos liberta, levando-nos a lidar com as ideias e os desafios de forma clara e concisa. Por isso, no ano em que a Língua Portuguesa completa 800 anos, esta Casa de Letras comemora sua longevidade recebendo o palestrante Professor Renato Miguel Basso, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), doutor e mestre em Linguística, para falar um pouco da história, um pouco do presente e um pouco do futuro da língua. A Arcádia definiu, igualmente, usar os “VIII Séculos de Língua Portuguesa” como tema do 7º Concurso Redação na Escola. Mas não para por aí: “Érico Veríssimo, 110 anos” foi apresentado pelo confrade “Nino” Barbin, no 1º Chá Literário do ano e pode ser visto nas páginas desta edição. A agenda cultural de 2015 trará ainda um Chá Literário, em agosto, com a confreira Maria Ignez D´Avila Ribeiro falando de Gilberto Freyre “Casa-Grande E Senzala”. Realizaremos o XXIII Concurso Literário de Poesia e Prosa e, se tudo correr como esperado, lançaremos, em novembro, em comemoração aos 44 anos da Arcádia, o “Álbum de Figurinhas Carimbadas”. Hoje, a Academia de Letras possui “Amigo das Letras”, que garante a realização da ARCA e de toda a agenda cultural da Arcádia. São eles: Unifae, Lamesa, Unifeob, 1º Tabelionato Ceschin, Sequoia, Sempre Vale Supermercados, Calldan, Faça Festa e BVCi. A todos os apoiadores acima relacionados, “Amigo das Letras”, a Academia de Letras é assaz grata. A você, leitor, a Casa de Letras é agradecida pelo interesse que o leva a abrir a ARCA e descobrir o que nela está contido!

Lucelena Maia Presidente ARCA | 5

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Letras em Retrato A Arte de GIL SIBIN Entre sombras e reflexos da luminosidade do Sol poente, acolhidos pelas encostas da Mantiqueira, nas galerias abertas do espaço cultural, está um cenário provocante, que por si só arremete quem por ali passa a uma experiência transcendental ao universo das imagens. Caminhando pelas exposições fotográficas, lendo textos instigantes, ocupei uma lacuna na agenda fervilhante desse multidimensional realizador. Curtindo essa vivência, fui conhecendo melhor a trajetória do seu idealizador. Fiquei sabendo que, desde o final dos anos 70, mergulhou no oceano das imagens e dos sentidos que as representam. Artista Visual, curador, agitador cultural, gestor e especialista em Artes Visuais, Multimeios e Educação pela Unicamp (SP), desde sempre é um apai-

xonado pela riqueza e complexidade da fotografia. A partir do estudo das artes fotográficas, dedicou-se à produção e à prática da ampliação e revelação. Conforme a conversa evoluía, me contou que seu interesse atual está relacionado à exploração de novas potencialidades narrativas que ultrapassem os registros fotográficos convencionais, a partir da poética da desconstrução de uma imagem e sua resignificação numa outra, com signos e interesses alterados. Gil Sibin, o autor de toda essa ARTE, também falou de sua formação. Por dois anos foi aluno especial do Prof. Dr. Norval Baitello Junior - doutor em ciências da comunicação e em literatura comparada pela Universidade Livre de Berlim (1987), com pós-doutorados no Instituto de Sociologia da Universidade Livre de Berlim (1995) e no Centro Internacional de Pesquisas em Ciências da Cultura, em Viena (2005). Falou também que há quatro anos faz acompanhamento curatorial com Eder Chiodetto, curador do MAM – Museu de Arte São Paulo e do Instituto Itaú Cultural. Experiências das quais resultaram convites como palestrante em vários eventos artísticos culturais, tais como: Projeto Entre Margens de Portugal; Semana da Arte da Escola Belas Artes e Música do Paraná; Festival de Arte

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do Centro Europeu de Curitiba; Semana da Fotografia de Pouso Alegre (MG); dentre outros. Depois me disse que sua dedicação à pesquisa técnica, conceitual e estética levou-o ao desenvolvimento de um trabalho autoral consistente, objeto de mais de 25 exposições individuais e coletivas em diversos museus, galerias e centros culturais do Brasil, Inglaterra e Portugal. Algumas de suas obras integram acervos públicos da Universidade de São Paulo, do Museu de Arte Contemporânea da Bahia, do Museu do Douro (Portugal), bem como coleções privadas, além de dois livros catálogos de mostras coletivas publicados e outros dois livros de sua autoria a serem lançados em 2015: “Semeadura” e “Céus Imaginários”. O penúltimo ensaio fotográfico – “A Dor do Outro” – foi selecionado para a convocatória do principal evento dedicado à arte fotográfica no Brasil: X Paraty em Foco – Festival Internacional de Fotografia, em Paraty (RJ), em 2014. Nesse momento, fomos interrompidos por solicitações de um de seus colaboradores que cuida dos jardins do GLOC, o espaço cultural global onde estávamos. Atenciosamente e com orientações precisas, comunicou as alterações necessárias para manter o encanto que a parte verde exerce sobre o local. Voltamos ao nosso papo, seu entusiasmo revela seu perfil de agitador cultural. Foi um dos fundadores da AMITE – Associação dos Amigos do Theatro Municipal de São João da Boa Vista (SP), entidade que administra

o teatro, na qual foi presidente numa das gestões e vicepresidente em outras quatro. Da extensa experiência como gestor empresarial, traz consigo a competência em administrar, liderar, planejar, desenvolver pessoas e identificar oportunidades. Visionário, idealizador do projeto e diretor geral do GLOC vem, desde 2009, colocando tijolos sob o seu sonho de viabilizar e disseminar as artes visuais, em especial a fotografia, tendo como princípios a produção artística, a educação e a responsabilidade social. Fez a curadoria e organizou mais de 15 exposições e ministrou mais de 20 workshops no GLOC. Foi o idealizador, diretor artístico, produtor e um dos curadores do I FESTimagem – Festival Internacional da Imagem, em Águas da Prata (SP), realizado pelo GLOC. Sibin é facilitador do Grupo de Estudos e Criação Artística no GLOC - Escola de Cinema e Fotografia, em Águas da Prata (SP) e Poços de Caldas (MG), desde 25 de julho de 2013. ARCA | 7

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Sua empolgação foi ainda maior quando começamos a falar do GLOC. Alinhado com os princípios dos centros internacionais de incentivo e propagação das artes visuais, o Espaço Global de Cultura (GLOC) nasce com a intenção de dar um passo além. Ao disseminar uma proposta de atuação que não depende da localização geográfica, mas antes de um conceito de trabalho, torna-se um centro catalisador de conhecimento, produção e divulgação da arte visual contemporânea, em especial da fotografia. Com o objetivo de posicionar-se como um espaço vivo e atuante, capaz de atrair, não só os amantes das artes visuais, mas também aqueles que buscam alternativas para a convivência social, cultural e intelectual inspiradora e transformadora, o GLOC foi planejado para contar com uma sede e um número ilimitado de unidades multiplicadoras, que poderão ser implantadas em qualquer parte do Brasil ou no exterior por parceiros que compartilhem desta mesma visão e estejam dispostos a difundir este conceito.

Acreditando que a cultura deva ser parte do nosso dia a dia e não algo restrito, sacralizado ou de difícil acesso, o modelo do GLOC baseia-se numa experiência integradora e reunirá, num mesmo espaço físico, unidades autônomas de negócios: Escola de Cinema e Fotografia, Galeria de Arte e Vendas, Editora, Café e Loja. Embora concebidas como marcas independentes, a atuação conjunta é responsável, não só pela manutenção do conceito que define o projeto do GLOC, mas também pela geração dos recursos necessários para a viabilidade e sustentação da entidade. Apesar de criadas para atender características e necessidades específicas do desenvolvimento do projeto, todas as marcas são unificadas pela identificação com os valores fundamentais de personalidade, originalidade e qualidade, fundamentais para que sejam percebidas com toda a carga de atributos que as caracteriza. Desta forma, será possível despertar o interesse e manter um fluxo contínuo de público, bem como vender produtos e serviços identificados com a marca GLOC.

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Mais do que um centro catalisador de conhecimento, produção e divulgação da arte fotográfica contemporânea, o GLOC se coloca como uma alternativa inovadora e atraente para empreendedores culturais que buscam viver de e com arte. Acreditando que a arte é capaz de ampliar e antecipar olhares e horizontes, o Espaço Global de Cultura quer promover, simultaneamente, o despertar da sensibilidade, o refinamento técnico e a valorização do artista, enquanto proporciona ao seu público, além de fruição estética, ampliação do repertório cultural e novas perspectivas profissio-nais. Para atingir estes objetivos, investirá permanentemente em três áreas de atuação: produção artística, educação e responsabilidade social.

longa-metragem produzido pelo GLOC CINEMA. Nessa altura da conversa, já estávamos no colorido caprichoso do crepúsculo. Fomos então conhecer as galerias internas do GLOC e de lá vimos o prédio em constução que em breve completará todas as dependências, galerias, salas de exibição audiovisuais, acervos etc.

Programação ano 2015 Para o ano de 2015, além das 3 mostras em cartaz nas galerias do GLOC Águas da Prata (SP), estão programadas para esta unidade: outras 16 exposições, 16 eventos “Café com Arte”, 8 eventos “Diálogos Fotográficos”, 8 eventos “Diálogos Cinematográficos”, 16 eventos “Conversas com Curador”, 16 eventos “Cinema ao Ar Livre”, além do 2º Festival Internacional da Imagem – Fotografia, Cinema e Vídeo, que será realizado nas cidades de Águas da Prata (SP), São João da Boa Vista (SP) e Poços de Caldas (MG), com dezenas de mostras e eventos paralelos. Também estão programadas a inauguração da unidade GLOC Poços de Caldas (MG) e a de São João da Boa Vista (SP). Em abril, será a “avant-première” do primeiro

Nosso tempo acabou, pois tanto ele quanto eu tivemos de encerrar a conversa para atender aos nossos compromissos do dia a dia. Como sou frequentador do GLOC, não foi difícil, pois sei que voltarei sempre e também faço o convite para que você, meu caro leitor, também se dê essa oportunidade de mergulhar nessa experiência.

Jorge Gutemberg Splettstoser Cadeira 34 Patrono José de Alencar ARCA | 9

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Por onde andei... Óbidos Quando pela primeira vez li sobre ela, a minúscula vila de Óbidos chamou-me a atenção por um pequeno detalhe: em 1282, a cidade fora dada, como presente de casamento, pelo rei-trovador D. Dinis a sua esposa, a rainha Isabel de Aragão. A localização da cidade, outrora à beira-mar (foi assoreada no século XVI), fez dela palco de disputa de vários povos: lusitanos, romanos, visigodos e muçulmanos a dominaram, fazendo construir muralhas em seu entorno. No processo de formação da nação portuguesa, o primeiro rei português, Dom Afonso Henriques, tomara-a dos mouros, apoderando-se também do castelo que lá existia. Um século e meio mais tarde, seu tataraneto presenteou a noiva com a cidade como dote de casamento, inaugurando uma tradição real que se manteve até meados do século XIX. Nesse período, o castelo serviu como local de descanso de reis e rainhas, tendo sofrido poucas intervenções arquitetônicas. Manteve-se como um dos monumentos mais bem conservados de Portugal e é considerado uma das sete maravilhas do país. Hoje, funciona como hotel de luxo, explorado por uma rede de pousadas históricas de Portugal. A vila, porém, não se resume ao castelo. Está hoje restaurada e mantém suas características medievais, com estreitas ruas de pedra e uma bela muralha de proteção. Caminhar sobre a muralha ao pôr do sol é uma experiência única e singular, que merece ser comemorada com um bom vinho português. Vista do alto da muralha, Óbidos é muito mais que um castelo nupcial de um rei-poeta. Beatriz V. C. Castilho Pinto Cadeira 31 Patrono Paulo Setúbal 10 | ARCA

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As Cabeças Trocadas (Thomas Mann)

As Cabeças Trocadas é um romance quase filosófico, em que o autor alemão, Thomas Mann - considerado um dos maiores romancistas do século XX, tendo recebido o Nobel de Literatura de 1929 - busca em uma antiga lenda indiana a inspiração necessária para escrevê-lo. Explora o choque entre o desejo e a proibição, o sagrado e o

profano e, logicamente, entre o corpo e a mente, ao realizar uma síntese das culturas oriental e ocidental através do inevitável conflito entre corpo e alma questionando as leis que regem o desejo e a culpa. (Lucelena Maia)

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Crítica Literária No píncaro da montanha, numa época em que a memória se originava nas almas dos homens, dois jovens se encontravam a cada dia para contemplar o sibilar dos pássaros, como fundo musical ao confronto da comparação que submetiam um ao outro, sendo, um de cabeça distinta, feições finas e de esmerado conhecimento intelectual, enquanto o outro possuía o corpo robusto pelo manejo do martelo e semelhantes serviços braçais. Este, sendo mais jovem, nunca quisera lidar com as coisas do espírito. O outro, dois anos mais velho, impressionava pela fala correta, por descender de uma estirpe de brâmanes versados no Veda. Aconteceu, um dia, saírem juntos numa viagem, o que, definitivamente, selou a amizade desses dois jovens, que dividiam, não só o sentimento fraterno que cultivavam, como, também, o alimento que cada qual carregava para saciar o corpo. Devaneavam por horas, a falarem da realidade para vislumbrarem a verdade, cuja palavra “poesia” seria a tolice que corre atrás da inteligência e para tornarse inteligente era mister ficar novamente tolo. Em certo momento, mantiveram-se em absoluto silêncio, que foi quebrado por um andar macio sobre as folhas secas. Passos leves, em sentido ao rio, onde aconteciam rituais de banhos para purificação do corpo. De onde estavam puderam ver uma jovem depositar sobre os degraus da entrada o “sari” e o corpete. Os olhos, de ambos, se coloriram em dourado

pelas encantadoras curvas do corpo dela. A voz trêmula e mais sonora que o habitual, arrebatada, certamente, por ARCA | 13

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um sentimento diferente que, apenas admiração por um corpo de mulher, fez o mais jovem desviar os olhos da moça, para o amigo que enxergava dela, já, a alma. - Apaixonado! Você está apaixonado. Irei ajudá-lo a desposar aquela jovem. Venha. Voltemos para a aldeia. Os tratos para o casamento entre as famílias do noivo e da noiva foram encaminhados por aquele amigo inseparável, que algumas vezes viu a noiva do outro sem que ela soubesse como era seu noivo ou soubesse do acontecido na beira do rio. Assim, chegou o dia em que a donzela e o rapaz sentaram-se para o banquete nupcial e, mais tarde, foram conduzidos por todos à alcova repleta de flores, aposento para o casal feliz. Na porta, o amigo do noivo ficou até o último instante. Ilude-se quem imagina que a vida não prega armadilhas. Desde o casamento, a esposa não via os pais. Viajavam numa carroça aberta; o amigo, o marido e ela. O amigo, servindo-lhes de cocheiro, sentado à frente do casal. Sentados atrás dele, o casal se mantinha em silêncio e por não haver muito para onde olhar, o marido, por algumas vezes, observou o olhar da esposa vagar pelo pescoço de seu amigo. Em certo trecho da estrada e por terem perdido a direção, entrando por uma vereda errada, foram dar num santuário. O jovem, casado, manifestou o desejo de apear para prestar homenagem à Deusa. Desceu da carroça e galgou os toscos degraus do templo. Como demorasse a retornar, a esposa pediu, sussurrando, ao amigo, que fosse saber do marido. Ele preferia que ela não tivesse lhe dirigido a palavra tão docemente... Apeou da boleia e seguiu para o santuário. Assombrou-lhe o pavoroso espetáculo que se lhe descortinava no chão. Lá estava o amigo, a cabeça separada do tronco. Ajoelhou-se, crispando de amargo pranto e se perguntando como ele conseguira fazer aquilo de próprio punho! Serei eu culpado? Será que tenho culpa desta tua façanha por minha mera existência, embora não por meus atos? Nossas cabeças sempre conversaram entre

si, a tua, inteligentemente, a minha, de modo simplório. Há muito previ o que terá que acontecer agora. Eu, que desejava queimar-me vivo, contigo, também quero perder meu sangue em tua companhia. Com estas palavras executou de maneira correta a sentença que ele mesmo acabava de pronunciar. Devido à força dos seus braços musculosos, o corpo caiu sobre o do amigo e a cabeça rolou para se juntar à do outro. O tempo parecia longo, e longos eram os minutos que ela aguardava pelo marido e, agora, também pelo amigo dele. Sem ver razão para um sumir e, o outro, em seguida, desceu da carroça e foi atrás deles, deparando com horrorosa visão. Olhou para as cabeças decepadas, os corpos deitados um sobre o outro e o sangue escorrendo devagarzinho. Chorou, chorou alto. Devo segui-los, pensou. Uma voz ressoando no ar falou-lhe com severidade. Ouvia aquela voz e reconhecia sua culpa pela morte do marido e do amigo dele, sabendo que o pecado havia se apossado dela e o marido o havia percebido. Sim, desejava o corpo do outro; o peito, os braços, as pernas. Entregavase ao marido desejando estar nos braços daquele. Chorava, pedindo clemência. Desejava-os vivos. A Deusa, então, em voz divina, respondeu-lhe que tinha dó dela e igualmente dos jovens. Trovejando em alto som, ordenou-lhe que se colocasse diante da imagem dela e da encrenca que provocara, pegasse a cabeça de cada um deles e as devolvesse aos corpos, muito depressa. Feito isso, os dois jovens ressuscitariam. A jovem sequer disse muito obrigada, correu tão depressa quanto permitia sua saia justa. E, assim aconte-

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ceu. Sem sinais ou cicatrizes, os jovens se levantaram bem à frente dela, olhando-a e, em seguida, olhando seus corpos, ou melhor, olhavam os corpos que lhes couberam. Ela, no afã da precipitação, colocara a cabeça de um no corpo do outro. Ela lhes suplicava perdão! De repente, aquele que antes era o mais jovem, e vestia o corpo do outro, manifestou certa preocupação. O que seria mais importante, a cabeça ou o corpo? Sim, porque o corpo e não a cabeça gera filhos e a jovem esposa estava grávida. Qual deles era seu marido, agora? Procuraram um sábio que a eles esclarecesse tal dúvida, corpo ou cabeça, qual parte lhes assegurava a identidade? Enquanto ela soluçava, implorando que não a obrigassem decidir de qual desejava ser esposa. O santo homem que os recebeu deu o veredicto, sem pestanejar. É esposa daquele que traz sobre os ombros a cabeça do amigo, pois nas bodas, estende-se a mão direita e esta faz parte do tronco. O mais jovem que agora usava o corpo do casado, levantou-se satisfeito em obter tal confirmação. Porém, elevou a voz, o santo homem. Esposo é quem dele a cabeça tem, e esta sentença não merece nenhum desdém, assim como a mulher é suma delícia e fonte da Poesia, cabe à cabeça entre os membros a supremacia. O mais jovem se despediu do casal na intenção de se tornar um eremita. Ao casal coube viver no auge do gozo dos prazeres sensuais. A jovem esposa começou a notar o processo de definhamento no corpo do marido, não podia deixar de tirar conclusões relativas às alterações semelhantes no corpo do outro. Numa madrugada de primavera, antes de o sol

nascer, ela agarrou a mão do filhinho, calçou sandálias de peregrina e caminhou com rumo certo. O marido viajava a trabalho. Em uma manhã cintilante de orvalho, ela chegou a seu destino. Era ele, a quem considerava, também, pai de seu filho. Foi saudada com inúmeras palavras de boasvindas. Havia tempos ele sentia saudade da presença dela, em corpo e alma. O sol não apontara pela segunda vez, naquela cabana, quando o marido surgiu. Tinha, durante a viagem, decidido o destino dos três, de tal forma que o riso de um não provocasse a tristeza do outro. Durante longa conversa, a três, concluíram que se perdoavam, pois sabiam que onde estivessem dois, o terceiro não poderia estar, motivo que os levava a tomar a única decisão plausível para a poliandria, abjeta e abominável. Restava-lhes desfazer a condição trocada e reunirem-se novamente com o Todo Universal, para desfazer o conflito individual, fundindo-o na chama da vida como oferenda ao fogo do sacrifício. Mas, a ela, o que caberia? E, ao filho deles? O marido afirmou que o destino da criança e o deles estariam intimamente ligados, sempre, se cuidassem da honra. Eles não sobreviveriam um ao outro, jamais desejaram isso. A ela caberia ser queimada, numa fogueira para três, partilhando o leito da morte com eles. Sem demora teve início o combate mortal. Em seguida, as labaredas da pira funerária levantaram-se até o céu e os gritos dela, certamente, foram brandos pela alegria de estar unida aos homens amados. Um brâmane erudito em matéria dos Vedas encarregou-se da educação do menino, a partir dos sete anos. Aos vinte anos, ele já era preletor do rei de Benares.

Lucelena Maia Cadeira 13 Patrono Humberto de Campos ARCA | 15

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São João à Vista

Poraceba:

outro nome para São João No dia 31 de julho de 1905, a Câmara Municipal de São João da Boa Vista resolveu desafiar o Governo do Estado. O Diretor da Repartição de Estatística e Arquivo do Estado havia enviado, dias antes, ofício aos vereadores ordenando que mudassem o nome da cidade. Explicou em seu ofício que estava em curso um estudo para mudar o nome de várias cidades brasileiras por denominações “menos complicadas, de mais fácil pronúncia, de uma só sílaba, sendo possível, de origem indígena”. A Câmara recusou a mudança e o Diretor da Repartição de Estatística e do Arquivo do Estado voltou à carga em ofício enviado aos vereadores de São João, no dia 3 de agosto de 1905, e foi bastante contundente: “Em meu poder está o ofício respondendo a uma consulta minha sobre a mudança de nome desse município para outro menos extenso, menos composto e menos sujeito a confusões prejudiciais ao serviço público. Me participais que a Câmara Municipal não concorda com essa mudança por não

encontrar apoio da população. A consulta não fora feita para saber se era do agrado ou não da população a mudança do nome, mas qual o nome que a Câmara preferia, uma vez que o nome atual é considerado prejudicial ao serviço público. Temos no Estado: São João da Boa Vista, Santo Antonio da Boa Vista, Espírito Santo da Boa Vista, Santa Cruz da Boa Vista, Boa Vista de Pedra, além de São João da Bocaina, São João do Curralinho, São João da Floresta, São João do Capivari, São João do Rio Claro, São João de Cananeia, etc. Quer, portanto, se considere pelo lado de São João, há muitos São João no Estado, quer pelo lado de Boa Vista, há também muitos Boa Vista. Para a administração, tanto estadual como federal, correspondência postal, etc. É grandemente inconveniente esta multiplicidade de nomes parecidos uns com os outros”. E conclui seu ofício dizendo: “Todos os lugares consultados concordaram com a mudança dos nomes e propuseram os nomes que lhes pareceram melhores; é para lamentar que só a Câmara dessa cidade se oponha ao plano”.

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E, por fim, ameaça: “O nome será mudado, não obstante não ser do agrado da população, por ser de conveniência do serviço público”. A queda de braço entre os vereadores de São João da Boa Vista e o Governo do Estado, através daquele departamento, durou muitos meses. Por fim, os vereadores venceram a parada e o nome da cidade continuou o mesmo. Anos depois, na década de 30, nova tentativa de mudar o nome de São João da Boa Vista. Agora em plena Ditadura de Getúlio Vargas e por iniciativa do Governo Federal. Além daqueles motivos já citados, o Governo informava que o Estado Novo não permitia mais a dualidade de cidades com o mesmo nome no vasto território brasileiro. E que o próprio governo é quem escolheria os novos nomes. Assim, nesta época, várias cidades brasileiras ganharam novas denominações. Só na região, para citar alguns exemplos: Cascavel passou a ser chamada de Aguaí, Espírito Santo do Rio do Peixe, que antes se

chamava Sapecado, foi rebatizada como Divinolândia, Vargem Grande ganhou o “do Sul”, Caracol, que já havia sido conhecida por Samambaia, passou a ser Andradas, São Carlos do Pinhal perdeu o “do Pinhal”, e assim foi em várias outras cidades. São João da Boa Vista, mais uma vez, iria resistir bravamente à mudança imposta pelo Governo. Até porque o nome escolhido, embora de origem indígena, soava muito estranho e o povo de São João o considerou inaceitável: PORACEBA. Assim, não dava mesmo!

Francisco de Assis Carvalho Arten Cadeira 10 Patrono Darcy Ribeiro ARCA | 17

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Nasci em Marília, uma então jovem cidade de apenas 21 anos de existência! Ali passei parte de minha infância, em que se localizam minhas primeiras e indeléveis memórias de vida. Com apenas seis anos, mudei-me para Espírito Santo do Pinhal e pela primeira vez tive com muita nitidez a sensação de perda. Perda dos familiares que ficaram, das amiguinhas, perda da rua, espaço conhecido, onde brincava e a quem dediquei, anos depois, a poesia “A Rua em que Nasci”. A mudança, naquele longínquo momento, me pareceu estranha, incrivelmente estranha, e sem lógica. Assim, devido a transferências inerentes ao serviço de meu pai, minha infância e juventude aconteceram em algumas cidades. Destarte, quando me perguntavam de onde era, eu não tinha nenhuma sensação de pertencimento. E isto, de certa maneira, incomodava-me. Um dia, visitei São João da Boa Vista e houve empatia entre nós. Empatia nascida há algumas, talvez muitas décadas. Mas parece estranho medir tempo e sentimentos. Como podem, eles, dialogarem? Ambos tão fluidos, tão subjetivos!

Mas, na verdade, era meados dos anos 50, quando pela primeira vez vim a São João da Boa Vista e, das inúmeras visitas a esta cidade, dois eventos impressionaram-me, aguçaram minha imaginação e despertaram a atenção da menina que já gostava de História: a Torre de Petróleo, na Praça Joaquim José, e os restos do incêndio na sede da Força e Luz. Ambos, prenhes de significados ideológicos e tão bem explicados por meu pai. Estávamos em pleno período de Guerra Fria e estes símbolos continham todo conflito que acontecia, não só na cidade, mas em âmbito global. Na década de 60, aqui morei por alguns anos e no Colégio Santo André fiz o antigo curso ginasial. Quantas lembranças dessa época: o imponente prédio, as freiras, os professores e as amigas. Esses acontecimentos, junto a inúmeros outros, como já dito, fascinaram a menina e a moça que percebia haver nesta cidade um diferencial, um burburinho de vida, que não se continha e manifestava-se em diversos e diferentes setores da cidade.

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Sou Sanjoanense É, pois, antiga minha ligação a São João da Boa Vista, à sua História!!! Porém, um dia, há mais de 40 anos, casei-me com José Marcondes e fixei residência nesta cidade. Enraizei-me e iniciou-se nova fase em minha vida. Mas por que contar toda esta história? Porque é a história de um amor construído ao viver por estas plagas do Jaguari, que no dizer do poeta, “é um manso rio que ao anoitecer parece um monge que vem de longe e cansado da jornada vai rezando a prece da tarde que agoniza e morre”. Um amor construído admirando os Crepúsculos Maravilhosos que para o mesmo poeta, o confrade Roberto Júnior, “é uma tarde morena e diligente, que, como boa doceira, vai mexendo ligeira a tachada de abóbora do poente”. Um amor construído contemplando “a teoria azul dos montes longe, montanhas arcaicas, ventre de um sol perfeito e de uma lua infinita”, como escreveu nossa poeta maior, Orides Fontela. E em harmonia com o confrade Emílio Lansac, um amor firmado ao conhecer o “começo de uma história – o Cubatão, berço pobre da cidade/ últimas casas, velhas, arruinadas/ (...) A Praça da Matriz, o Theatro ao fundo/ e à frente, já alquebrado, o jardim velho (...) onde havia, outrora, um coreto; a banda/ os maestros João Menino, o França, o Azevedo. Dona Gertrudes, chácara vistosa do Cel. Osório: deslumbrante mansão (...) Quanta coisa, tão boa, já esquecida”, lamentou o poeta. Assim, a sensação de pertencimento foi

construída. Passei a sentir-me sanjoanense e adotei esta cidade como minha terra. Amo seu povo, sua História, sua natureza. Já me sentia sanjoanense porque aqui construí minha vida mesclando-a com a da cidade. Tive e criei minhas filhas: Thais e Amarilis. Meus netos aqui nasceram, Bruno, Yasmin e Beatriz. Sentia-me Sanjoanense porque, de certa forma, participei, nestas últimas décadas, na formação educacional, cultural e artística, desta terra. Ou, pelo menos, esforcei-me. Senti-me lisonjeada quando tomei posse na Academia de Letras. Dessa maneira, quando soube que o nobre vereador Roberto Campos houvera indicado meu nome, junto ao de minhas amigas, as confreiras Neusa Menezes e Lucelena Maia, para recebermos o título de “Cidadãs Sanjoanenses” e aprovado pelos demais vereadores, minha alegria e contentamento foram imensos. Passo a ser também sanjoanense por outorga. Finalizo fazendo minhas as palavras do hino de nossa cidade: “’ó terra encantada, por nós adorada (...) é uma bênção aqui viver”. Obrigada.

(Ao receber o Título de Cidadã Sanjoanense)

Maria Célia de Campos Marcondes Cadeira 11 Patrono Machado de Assis ARCA | 19

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Academia em Revista Noite de Sonhos A Academia de Letras manteve durante anos a tradição de celebrar Dia das Mães e Natal. E foi numa celebração dessas, quando Maria Célia de Campos Marcondes era presidente, que Silvia Ferrante, Fafá Noronha, Célia Bertoldo e eu, participamos cantando. Estávamos em 1995 e eu nem sonhava em pertencer à Arcádia sanjoanense. Aqui está relatado pelo jornalista Wilson Ribeiro, um resumo dos acontecimentos dos idos de 1995, há 20 anos, nas dependências da UNIFae: “Muitas são as homenagens programadas para a comemoração do dia dedicado às Mães. A maioria, puramente comerciais, mercantilizando um sentimento puro e nobre, apanágio daqueles que vêem, em suas mães, a razão maior de suas existências. Mas, as homenagens realizadas pela Academia de Letras de São João da Boa Vista, neste último sábado a todas as mães do mundo, constituíram-se em uma noite inesquecível, transportando-nos a um mundo irreal, vibrante, onde o amor predomina e a felicidade existe. Trouxe-nos à lembrança a mãe querida, o símbolo

sagrado daquela que proporcionou ao mundo a vinda do filho de Deus Vivo, nosso mestre Jesus: Maria. Sob a competente direção de sua presidente, professora Maria Célia Marcondes, com o auditório da FAE, totalmente lotado, com decoração, iluminação e som perfeitos, com quadros doados por Sadi de Souza, José Marcondes e Ronaldo Noronha, a cerimônia teve início com informativo do Sr. Nino Barbin, passando este a palavra ao querido Wildes Antônio Bruscato. Em palavras em que a emoção fluía a cada instante, uma biografia romanceada do inesquecível José Edgard Alonso foi lida, provocando comoção nos presentes e na Sra. Regina Coimbra Alonso, que recebeu belo arranjo floral em memória póstuma de seu saudoso esposo. A homenagem seguinte, à Sra. Margarida Noronha Bastos, lembrando o grande sanjoanense honorário, Dr. Otávio da Silva Bastos, foi igualmente tocante. Numa sucessão de emoções, afloradas à pele de cada um dos presentes, a Sra Presidente passa a palavra à Sra. Esmeralda Peregrino Moura e esta, com competência, verve, demonstrando cultura imensa e poetisa de

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altos méritos, fez a apresentação de seu amigo e palestrante da noite, Dr. Moacir José Sacramento, poeta, escritor, trovador, professor e membro da Academia de Letras de Niteroi. A reunião festiva atingiu então seu clímax. Contando casos, declamando, dialogando, com uma dicção perfeita, emocionou a si e aos presentes até as lágrimas. Criou no auditório um ambiente fantástico das 1001 noites. Ainda não refeitos de emoções que despertaram em todos, reações incontroladas, entra em cena a excelente Carmela Lombardi Vilela. As palavras saíam de sua boca como jorro de pétalas perfumadas. O ambiente era eletrizante, e a dupla dela com Hélio Rubo, declamando a poesia “Pergunta”, de Benedito Sampaio, completou a primeira parte da noite inesquecível. As surpresas não pararam aí. As extraordinárias Neusa Menezes, Fafá Noronha Carioca e Silvia Ferrante, sob a competente regência de Celinha Bertoldo ao violão, brindaram os presentes com números seleciona-

dos de música sacra e MPB, arrancando longos e merecidos aplausos. A elegância, afinação e timbre de voz, o quarteto é de fazer inveja a muitos profissionais de renome. Com a saudação final da Sra. Presidente e um elegantíssimo coquetel, a noite foi encerrada, permanecendo em cada coração a lembrança da mãezinha amada e de uma noite da qual cada um de nós irá guardar recordação inesquecível. Oxalá repitam-se acontecimentos de tamanho nível educativo e cultural, que honram e enobrecem a cultura sanjoanense. Que Deus guarde avaramente todos os participantes da homenagem e dê vida longa, paz e felicidade, às mãezinhas vivas e receba em seu regaço aquelas que já não estão entre nós.”

Neusa Maria Soares de Menezes Cadeira 30 Patrono Euclydes da Cunha ARCA | 21

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Uma lágrima na chuva, o alívio de vertê-la, faz o arco-íris do riso : um pequeno milagre — amarelinho! — faz-se da carne do único capaz de vencer a morte: amor. Walther Castelli Jr.

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Arcadianas O Devido Respeito A moça era alta e magra, morena de cabelos longos, lisos e negros, olhos escuros amendoados, dentes perfeitos, lábios de fazer inveja. Advogada recém formada, estava em busca de emprego. Encontrou a empresa, mandou o currículo, foi chamada. Na entrevista, pediu salário alto, achando que teria de negociá-lo depois. Que nada, aceitaram na hora, estava aprovada. Voltou para casa feliz e ficou aguardando. Dois dias depois, o presidente da empresa liga e faz um convite. Venha amanhã à noite tomar um vinho comigo e assinaremos o contrato. Ela se surpreendeu, disse que não poderia encontrá-lo no horário sugerido, mas na segunda às 10 horas da manhã estaria na empresa. Constrangida, preocupada e muito decepcionada, a moça ligou para a tia, uma mulher de negócios, bem sucedida, muito experiente. O que faço? Perguntou. Acostume-se, disse a tia, é assim com toda mulher, gorda ou magra, alta ou baixa, bonita ou feia, mas com as bonitas é pior. Vou ou não vou? Quis saber a moça. Vá, não perca a oportunidade. Converse, não se intimide, mostre segurança, deixe claro que pretende trabalhar. Se houver um ataque sexual explícito, reaja como seu bom senso mandar, mas sugiro que seja enérgica, não tenha medo e diga adeus.

Desde a adolescência até o fim da vida, mulheres são assediadas no local de trabalho, na escola, nas ruas, e, algumas muito sem sorte, em casa. A Lei considera crime as investidas praticadas contra subordinadas (assédio sexual, art.216-A, do Código Penal). Poucas vão à Delegacia prestar queixa devido às dificuldades de conseguir provas, devido ao medo ou à descrença, mas a Justiça do Trabalho vem sendo receptiva aos reclamos das empregadas, concedendo-lhes indenizações que asseguraram um pouco mais de dignidade à mulher no ambiente de trabalho. Com a idade, em geral depois dos quarenta anos, o assédio diminui, mas não acaba. Temendo a desvalorização e o desprezo, elas recorrem à ciência, medicina e tecnologia para driblar os sinais do tempo. Aos cinquenta, vem a plástica. Ou seja, não existe muito conforto nesse universo. Pior de tudo é a sensação de injustiça social, homens parecem mais felizes, mais poderosos, eles não sofrem assédio nem se preocupam com a velhice porque pensam poder ser amados de qualquer jeito. Engano, o patriarcado acabou. Nos dias de hoje, ambos os sexos passam pelas mesmas agruras. Envelhecer não é fácil, mas tudo depende de como a idade é percebida e trabalhada.

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Alguns homens ainda se sentem em posição de superioridade porque conseguem parceiras de qualquer forma, principalmente pagando, mas é só uma sensação, não é realidade. Eles gostam de acreditar que, mesmo sendo a moça uma profissional do sexo, ele é um conquistador... Na verdade, o desconforto de todos é muito parecido e a supervalorização do sexo na meia idade é tragicômica (já a valorização, sem ideia fixa, é bastante benéfica). Parece antiquado falar em priorizar o “conteúdo” das pessoas, o intelecto anda tão em baixa que não faz diferença se a moça é analfabeta ou o sujeito não tem noções de higiene, o importante é o traseiro de cada um. No dia internacional da mulher, vale dizer que sentir desejo é normal, mas querer abusar das pessoas é

ímpio. O respeito ao outro é essencial ao desenvolvimento de uma nação. Enquanto estivermos presos a conceitos medievais de relacionamento de gênero, o país não alcançará o desenvolvimento que almeja. O respeito aos direitos da mulher como ser humano é condição sine qua non para o aquecimento da Economia, para paz dentro e fora do lar e para o bom encaminhamento das crianças.

Luiza Nagib Eluf Cadeira 12 Patrono Carlos Drummond de Andrade ARCA | 25

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As Dores do Ser Trevas de mim, por onde andam minhas luzes? Lume oculto, por que não o desvendo? Verdade de mim, por que não se revela? Mentira de mim, por que tem o poder de enganar-me? Que fazer quando se sente apenas como migalhas, os restos de tristeza que são mais potentes que as frágeis felicidades? Dor de mim, por que insiste tanto a ponto de afugentar o prazer de ser? De tudo que eu sempre quis, por tanto que tanto lutei, e então descobrir que todas as batalhas já estão vencidas ou perdidas. Migalhas de mim, como podem ser maiores que o todo de mim? Guerra de mim, que se apoderou da minha paz, a verdadeira paz. A paz que não é dos mortos, mas aquela que reluz em vida. Pecado de mim, culpa de mim, até onde sou perseguido, até onde persigo a mim mesmo, sendo meu próprio carrasco?

Mal de mim, por que se cala ante o anjo que nada diz? Anjo de mim, por que não vence o mal que o desafia em silêncio? Quietude da alma, solidão do ego, ninguém pode socorrer o de fato sozinho. Nem mesmo as lágrimas são válidas, pois apenas choram sem objeto definido. Prisão de meu ser, até onde o corpo há de ser chave de minha liberdade? Até onde criarei um espírito débil para salvaguardar minhas desilusões? Orgulho de mim, grande tolice de mim mesmo, totem caído em batalha. Os inimigos estão a postos, não se crê em amigos no fio da navalha. Até os enganos podem guiar um destino? Até onde se pode ser iludido? Dos muitos porquês, por tanto que se faz de nada.

Gilberto Brandão Marcon Cadeira 06 Patrono Mário Quintana

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Traição

Depois de tanto tempo convivendo juntos, não imaginava que aconteceria. Afinal, sempre fomos tão próximos. Ela nunca saiu da minha cabeça e é responsável por muitas lembranças inesquecíveis. O primeiro encontro, o primeiro beijo, o casamento, as viagens... Como isto pôde ocorrer? Eu sempre confiei nela. Irão dizer para tentar consolar-me: “olha, acontece com todo mundo e mais cedo ou mais tarde iria acontecer com você”. Sei que é verdade. Mas, qual o motivo? Será que é o fato de já não ser mais tão jovem? Será que não cuidei dela como deveria? Perguntaram-me se continuaremos a viver juntos.

E vou fazer o quê, se ela faz parte de mim. Sem ela, não sei quem sou, nem o que fiz. Vamos continuar vivendo juntos, mesmo sabendo que, a qualquer momento, a situação poderá se repetir e talvez até se agravar. Qual o remédio? Sinceramente, não sei. Talvez eu vá procurar um médico, ou, quem sabe, amanhã já terei esquecido... O fato é: O que fazer quando somos traídos pela memória?

Wiliam Lázaro Rodrigues de Oliveira Cadeira 35 Patrono Casimiro de Abreu ARCA | 27

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Arte Sacra e Evangelização Desde criança a arte sacra faz parte da minha vida. Lembro-me de certa vez em que viajei, com meus pais, a Aparecida. As cenas dos milagres de Nossa Senhora e os cenários do nascimento de Jesus me encantavam. Uma vez, pedi a minha mãe um presépio e ela, não podendo adquirir, comprou apenas um carneirinho de gesso. Durante muitos anos o guardei com muito carinho. O melhor presente que recebi de meus pais, quando eu ainda era criança, foi um livro intitulado “Meu Livro de Histórias Bíblicas”, com inúmeras gravuras coloridas, que retratavam as principais passagens da Sagrada Escritura. Quando fiz a catequese, para receber os sacramentos, ansiosamente esperava cada encontro para receber da catequista um santinho com cenas bíblicas ou de algum santo. No período em que estudei filosofia e teologia no seminário, pude compreender melhor a importância e a necessidade da arte sacra como meio de evangelização, pois traz um ensinamento, uma teologia em imagens. O tempo passou e hoje, mais intimamente ligado à arte sacra, através do trabalho direto com o Museu de Arte Sacra da Diocese de São João da Boa Vista, percebo que o ser humano, em sua constante busca pelo transcendente, encontra, na arte sacra, uma via para esse encontro. Basta olhar o impressionante e significativo legado artístico sacro que centenas de artistas nos deixaram durante séculos passados. Admiração e contemplação tomaram conta de mim quando conheci a obra-prima por excelência de Michelangelo no Vaticano, a capela Sistina no Palácio Papal, assim como, quando entrei na Igreja São Francisco, obra-prima de Aleijadinho, em Ouro Preto, MG.

O Concílio de Niceia, no ano de 787, já escrevia: “O que é comunicado pela palavra é revelado silenciosamente pela imagem”. O Concílio Vaticano II expressou que: “A arte religiosa, por sua própria natureza, está relacionada com a infinita beleza de Deus, expressa pelas obras humanas”. Na busca do Belo, encontramos Deus. São João Paulo II, canonizado em abril do anopassado, referindo-se à importância da arte no processo de evangelização, afirmou: “Se a fé não se tornar cultura, arte, expressão do belo, não consegue atrair para Cristo a humanidade sedenta de verdade e de beleza. O papa Bento XVI, em nome da Igreja, expressou seu apreço, estima e admiração pelos artistas enamorados da beleza que se deixam inspirar pelos textos sagrados. Como sacerdote, sei que minha missão é evangelizar, e, nesse contexto, sou privilegiado, pois, nos lugares em que exerço essa vocação, a arte sacra está muito presente. A Catedral São João Batista, com sua arte parietal, coloridos vitrais ricamente desenhados e imagens tão bem esculpidas, o Museu de Arte Sacra com um acervo dos mais importantes do Estado de São Paulo, muito contribuem para que eu evangelize não somente com palavras, mas também através da arte sacra. E, nessa missão, inspiro-me em meu patrono, Padre Antonio Vieira, considerado na História um dos mais célebres oradores, que dominava perfeitamente a arte de falar em público, arte esta que, de certa maneira, também é sacra, pois, através dela, em seus sermões, até polêmicos, pregava, maravilhosamente, o Evangelho. Pe. Claudemir Aparecido Canela Cadeira 45 Patrono Pe. Antônio Vieira

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As Maçãs de Steve Steve é um produtor de maçãs. Mais: Steve produz várias qualidades de maçãs. Mais ainda: Steve produz maçãs e tem quitandas próprias que vendem suas maçãs no mundo inteiro. Steve refuta o termo quitanda; ele prefere Loja da Maçã. Obcecado pela excelência, Steve investe pesado em pesquisas. Não passa ano sem que ele surpreenda o mercado. Ora cria novas espécies de maçãs, ora aprimora os atributos das já criadas. Steve gosta de filosofar: “As pessoas não sabem quais maçãs querem, até que mostremos tipos diferentes a elas”. Steve entende de maçãs, mas Steve entende muito mais de gente. A empresa de Steve fica longe daqui, num outro país. Nosso reino até produz algumas maçãs de Steve, mas as sementes vêm da terra dele. No portfólio macieiro de Steve, as campeãs de vendas são a mAçã C e a mAçã S. Ele pouco explica a nomenclatura das suas frutas. Deduzo que o C é de comum e o S é de super. Minha dedução vale nada perto das convicções de Steve. As mAçãs C e S têm sabor e tamanho muito parecidos. A modelo S, pela aparência mais robusta e polpa mais sumarenta, custa mais que a C. A diferença de preço nem é tanta, mas Steve encasquetou que os reinos menos afortunados iriam cair de amores pela mAçã C. Steve é um gênio, mas até os gênios se enganam. Os miseráveis rejeitaram a mAçã C de Steve.

...

Orual, nativo do Reino das Bananas, é um pobretão inconformado. Sua birra tem a ver com o desapreço de Steve pelo seu torrão natal. As mAçãs novidadeiras só chegam à ilha de Bananal muitos meses após o lançamento na metrópole de Steve. Os rompantes de impaciência de Orual beiram a insanidade. Mal tendo dinheiro pra comprar jiló na feira, ele voou para a Grande Maçã no intento inabalável de possuir a mAçã S. O time de Steve é bem treinado para conter a turba de maltrapilhos ousados. O sotaque bananeiro entrega a origem e a Orual só é ofertada a mAçã C. Se os quitandeiros são bem amestrados, Orual é um jeca teimoso. Na Grande Maçã, o caipira faz um périplo desesperado e passa por todas as lojas de Steve. Nada da S e tudo da C. -Cê é o cacete! Eu quero a porra da esse! O desabafo vigoroso sai no seu exótico dialeto aborígine. O brado ecoa até os ouvidos de um conterrâneo de Orual, infiltrado no exército de Steve, que se sensibiliza com o lamento. O irmão-bugre acusa: -A loja do Parque Central funciona vinte e quatro horas. Apareça lá zero hora que, na madrugada, chega uma carga extra de mAçãs S. No frio, antes do amanhecer, podemos vender a S aos descamisados dos trópicos. Na sua distante hospedagem, Orual toma o trem

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das onze (Evoé!, Adoniran), viaja sessenta minutos no vagão vazio e, da Grande Estação, caminha mais sessenta minutos sob uma hostil temperatura polar para, glória!, finalmente receber a mAçã S dos branquelos assalariados de Steve. Com a mAçã cobiçada na mochila, Orual vagueia pela grande cidade na companhia de artistas, bêbados e putas. Ele tem de matar o tempo até às seis da manhã, horário do primeiro trem de retorno.

Por alguma razão, ali, insignificante entre os arranha-céus, mal agasalhado, faminto e molambento, Orual amaldiçoou aquele casal desobediente do Jardim do Éden.

Lauro Augusto Bittencourt Borges Cadeira 20 Patrono Castro Alves ARCA | 31

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Amigo os olhos veem o que a mente quer

mas, amigo sabe a distância da compreensão

semente que brota

amigo traz a tormenta da presença sem estar

olha a bota esquecida no canto da porta

uma convulsão sem sentido

aborta o pensamento

tem horas que queremos ter o amigo e não o amor

barro que acumula na memória

horas o amor junto ao amigo

história da carochinha pra criança dormir

e o martírio ao imaginar onde andará o amigo

dorme que te quero sempre junto a mim

é que o amigo (imprescindível ser) nos confunde

dorme dorme dorme

deixa-nos crer que nos supre até do amor e dentro da tormenta de sabermos se é amor ou amigo

no bico do realejo

basta

o desejo de ser feliz

um momento de dor

“Encontrarás um amigo que te fará feliz” amigo não traz felicidade amigo traz tormenta amigo faz a cabeça girar, ora como a terra, ora como peão amigo dá saudade, dá desespero, amigo causa ciúmes amigo é uma confusão que acreditamos ser amantes do amigo queremos ter filhos com o amigo queremos beijar a boca do amigo queremos criar laços com o amigo para que não paire a desunião

Luís Fernando Dezena da Silva Cadeira 42 Patrono Pedro Nava

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Imagem Fugaz -

E agora, José?” O verso de Drummond veio como um corolário às suas divagações. Ali, na sua área sombria, sozinho, sem vontades, sem planos ou esperanças, José limitava-se a ver a vida passar, numa contagem inútil do tempo, ouvindo o barulho da cidade. Que sentido teria tudo aquilo?!... Na exaustão dos muitos anos mal vividos, ele evitava olhar para trás, pois havia bem pouco a considerar, a analisar. Tudo acabou acontecendo à sua revelia, as pessoas entraram e saíram de seus tortuosos caminhos sem lhe dar muita atenção. Ele ficara à margem dos acontecimentos e o que fez foi precário, incipiente, discutível. Hoje, José levantou-se tarde; não fez a barba, não tomou o desjejum, não quis ouvir música e o jornal ficou em cima da mesa da copa, dobrado, sem dizer-lhe suas más notícias. O indesejado vizinho ainda não veio para jogar conversa fora. Ele chega a ser irritante, com seus assuntos prosaicos, seus problemas idiotas, num universo que vai pouco além ao de uma cabeça de alfinete. Bob, seu cachorro, coça-se, incomodado pelos muitos dias sem banho e late sem convicção. Deita-se aos pés de José e lhe lança seu olhar súplice, até que o portão se abra, dando-lhe a liberdade da rua. Mas, no seu vazio, inexplicavelmente, José espera alguém. Uma espera infrutífera: alguém que sequer o cumprimenta, que sequer o conhece, e que tem o seu perdão antecipado, porque na realidade ninguém o conhece, nem ele mesmo... São onze horas. Mais alguns minutos e ela surgirá

da esquina da floricultura vizinha, flor destacada das demais, no seu andar pressuroso, pleno de graciosidade. De onde ela vem? Para onde ela vai? Não se sabe. Passa na calçada de sua casa, totalmente indiferente ao seu olhar cansado, à sua vaga curiosidade: quem será essa beleza anônima? Onze e cinco, que pontualidade! Lá vem ela! Alegre visão naquela rua inexpressiva, imagem fugaz, momento furtivo, como os raros sonhos que, timidamente, tentaram povoar os tempos antigos da vida de José... Antônio “Nino” Barbin Cadeira 27 Patrono Érico Veríssimo ARCA | 33

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Conversinha Dias atrás, reunidos em uma sexta-feira, dia internacional da cerveja, entre conversa vai, conversa vem, amigos se dedicavam a contar casos, assim bem como para jogar prosa fora. Não é que o Péricles, assíduo frequentador das noites, saiu-se com um juramento: não mais permaneceria fora de casa após as vinte e duas horas. Estarrecedor! Para quem se dedicava havia quase meio século ao noturnal redimir-se, assim, de pronto, era para se desconfiar de alguma intenção pouco explicável ou nada justificável. Pois é. Irredutível, Péricles negou qualquer tipo de informação que auxiliasse os integrantes da roda de batepapo a compreenderem aquela súbita mudança de hábito, por mais que o Tuti o questionasse, ainda que por perseverança do Ronaldão em lhe perscrutar os “esses e erres”, mesmo que o Hélio o abordasse, insistentemente, o Péricles permanecia mudo, trancado, inescrutável. A turma quedou-se embasbacada. O que será poderia ter acontecido para que o contumaz notívago fugisse das ruas? Casos assim não são consentâneos com o costume do indivíduo que sempre se mostrou liberto e até meio libertino... -“Caspita!”, bradou o Giovani, italianinho bebedor de vinho e nervoso, quebrando o silêncio sepulcral que se fizera dentre os amigos, emudecidos com o mutismo do Péricles, falastrão por natureza. “Ma varda, fezzo spuzzu-

lento, si no me fala o que te mordeu, si lo piggio, l’amazzo, eco!” Em vão. Péricles parecia haver perdido a voz. Introspectivo, olhar distante, alheio a tudo e a todos, dava ares de que não estava ali, deixando a todos boquiabertos, incrédulos com a estranha atitude do amigo. Nelson, o pensador da turma, tentou quebrar o encanto daquele transe em que Péricles os colocara, puxando papo sobre o jogo do Palmeiras e São Paulo que se daria naquela noite e ficou estarrecido por ninguém lhe dar a mínima atenção. Todos estavam com os olhares flechados no rosto de Péricles como que aguardando algum indício de que voltaria a falar, angustiados pela boca fechada do amigo, palrador incomensurável que sempre fora. Nada! Olhar vago, sem piscar... O João, proprietário do boteco, arriscou: -Gente! O Péricles está passando mal! Vamos chamar o resgate dos bombeiros para socorrê-lo! Nem isto fez com que algum dos amigos se mexesse, tal a incredulidade do acontecimento. Emílio, inconformado, colocou-lhe as mãos aos ombros, deu-lhe uma sacudidela, chamou-o pelo nome, repetiu em tom de voz mais intenso e... nada! Nesse instante, Péricles consultou o relógio e desandou numa carreira desabalada rumo à casa, assim, sem se despedir, sem um “ciao” para o italianinho como cos-

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tumava fazer quando se ausentava antes dos demais, nem ao menos um aceno geral a título de “cumprimento no atacado” como seu hábito dizer e fazer. Mais ainda os companheiros de prosa, mentirada e boteco se entreolhavam com expressões faciais de incredulidade, quando chegou o Mário “Xará” demonstrando uma canseira que nunca ninguém viu na calma bovina dele e, aos tropeços linguísticos, perguntou:

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- Moçada, vocês viram o Péricles por aqui? O Janjão, aquele negão que trabalha na Champion e pega no serviço no turno das dez, marido da Rosinha “Virtual”, vem vindo aí à procura dele prometendo que se o pegar fora de casa depois das dez da noite vai fazer farinha dele! Wildes Antônio Bruscato Cadeira 02 Patrono Rui Barbosa ARCA | 35

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De Folclore e Psicologia

Estamos vivenciando, ultimamente, uma onda crescente de violência em nível mundial. Desde o recrudescimento de cenas de barbárie medieval, até sutis atos de violência psicológica no cotidiano de lares e escolas. Torcidas vão ao estádio armadas como se caminhassem para uma praça de guerra; trotes cruéis e masoquistas são aplicados em calouros nas universidades; atitudes de repulsa e vandalismo são praticadas constantemente por grupos radicais; até líderes políticos, ao invés de promover a paz e a harmonia entre o povo, incitam a discórdia e o confronto. Interessante ressaltar que essas ações são praticadas sem nenhum remorso ou constrangimento, totalmente desprovidas de raciocínio lógico e do mínimo julgamento moral e cristão, motivadas predominantemente na intolerância da diversidade da condição humana e das suas convicções de pensamento nos mais diferentes aspectos. Será o princípio do apocalipse do mundo civilizado? Como interessado em folclore rural, todo esse clima de animosidade me faz remeter à figura lendária do “lobisomem,” tão decantada nas antigas conversas “ao pé do fogo” da zona rural e traçar com ela uma analogia com os tempos atuais.

Híbrido de lobo e de homem, misteriosa figura de transformação das noites de sexta-feira de lua cheia, o “lobisomem” é a expressão popular do aparente dualismo da alma humana que desde os tempos remotos tem impressionado os místicos, filósofos, psicólogos, pensadores e estudiosos do folclore. Os homens, apesar de civilizados e aparentemente “bons,” carregam na sua constituição genética um perigoso fermento de instinto selvagem dos tempos da caverna. No íntimo de todas as almas, há sempre um lobo à espreita... Retrocedendo no tempo, imagino a reação de espanto dos antigos roceiros do século passado, invariavelmente crentes, tementes a Deus e devotos de santos ao tomar conhecimento do viés da semelhança da alma humana com o “lobisomem”, certamente diriam no seu linguajar característico: - “Arrenego, cruz credo”!!!

Raul de Oliveira Andrade Filho Cadeira 44 Patrona Cecília Meirelles

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Progresso? Onde foi que perdemos nossa cidade hoje cercada por muros, cercas e grades? Perigo? Constante. Vivemos escravos de nosso progresso (Ou seria “regresso”)? Crescer pra isso?... Andar na rua, descalça na chuva, não se pode mais. Voltar a pé depois de um baile, fazer serenatas nas janelas, andar à revelia na rua, só para contemplar a lua... Não mais. Ficamos presos em nossas muralhas superprotegidos Nos escondemos de nossa cidade em nossa própria cidade Guardamos nossa vida em caixas quadradas feitas de concreto, ferro e falta de sonho O que foi que perdemos? Onde nos perdemos? Sair e não conhecer quase ninguém Desconfiar de qualquer pessoa que nos encare Nunca mais nos encontraremos? Triste ter que viver assim... A cidade guarda seus tesouros. Em minha memória, levo momentos preciosos. Nas ruas, outra realidade se mostra Não sei se gosto do que vejo Triste desejo de poder apenas viver em paz...

Silvia Ferrante Cadeira 09 Patrono Raul de Leoni ARCA | 37

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O Livro Infantil no Brasil Edgard Cavalheiro, escritor pinhalense, em sua biografia de Monteiro Lobato, conta que a ideia da primeira história infantil escrita pelo autor teria surgido em 1920, quando ele era também editor: “Certa tarde, na Editora, joga xadrez com Toledo Malta, quando no intervalo entre dois lances, este lhe conta a história de um peixinho que, por haver passado um tempo fora d’água, ‘desaprendera a nadar’, e de volta ao rio afogara-se. Perdi a partida de xadrez naquele dia, talvez menos pela perícia do jogo do Malta do que por causa do peixinho. O tal peixinho pusera-se a nadar em minha imaginação, e quando Malta saiu, fui para a mesa e escrevi ‘A História do Peixinho que Morreu Afogado’ – coisa curta. Do tamanho do peixinho. Publiquei isso logo depois, não sei onde. Depois veio-me a ideia de dar maior desenvolvimento à história, e ao fazê-lo acudiram-me cenas da roça, onde eu havia passado a minha meninice.” CAVALHEIRO, Edgar. Monteiro Lobato: Vida e Obra. 2ª edição Esse relato costuma ser repetido por outros biógrafos de Lobato. O problema é que não se conhece a publicação em que ‘A História do peixinho que Morreu Afogado” teria sido registrada. A tentativa de encontrar a história que teria iniciado a produção lobateana para crianças traz várias surpresas. Em primeiro lugar, a anedota do peixinho, se foi mesmo publicada, não deveria deter a primazia de pioneira. Esse título deveria ser dado, até provarem contrário, ao conto D’Après Nature, publicado na seção Jornal da Infância da revista paulistana Educação 6, em 1903 – dezessete anos

antes, portanto, da “primeira história para crianças de Lobato”, que seria de 1920, segundo o depoimento do escritor Edgard Cavalheiro. Um conto de Lobato para crianças, publicado quando “o pai da literatura infantil brasileira” ainda era estudante de Direito em São Paulo, enche de expectativas o pesquisador. Haverá nele uma menina morena? Quem sabe uma boneca de pano? Nada disso. A protagonista do conto D’aprés Nature é uma menina loira e rica chamada Lilli, que pouco tem de semelhante com Lúcia, a menina do narizinho arrebitado. Durante um passeio com sua criada, Lilli ouve um “lamento afastado, lugubremente dolorido”. Seu coração – “germe dum coração de mulher” – bate apressado e a menina decide descobrir a causa do choro, que vem de “uma choupana distante”. Para tanto, desobedece à criada. A desobediência à ordem adulta é um ponto em comum com Narizinho e Pedrinho, que costumam demonstrar pouca obediência a Dona Benta e tia Nastácia nas histórias da saga do Pica-Pau Amarelo. Mas Lilli chega à casa de onde parte o lamento: “A casa era um rancho de sapé e barrotes no meio d’um terreno nu. Lilli entrou: da porta viu estendido num estrado, em horríveis convulsões, um rapazinho pallido e esfrangalhado, junto à sua mãe, uma velhota enrugada e macilenta. Ao ver surgir em sua casa de repente, como aparição fantástica, uma criaturinha tão linda, tão bem vestida, tão distincta de maneiras, a olhá-los com uma

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expressão infantil de espanto e bondade curiosa, a pobre mulher, só acostumada a ver portas a dentro a cabra e as gallinhas, arregalou os olhos lacrimosos, cheios de surpresa e de esperança.” A descrição da casa do menino lembra representações que Lobato fará mais tarde das casas de caboclos, em seus contos para adultos. O estilo, porém, cheio de lugares comuns, está longe da originalidade presente nos livros Urupês (1918), Cidades mortas (1919) e Negrinha (1920), com os quais se consagrou como escritor. LOBATO, Monteiro. D’Après Nature. In: Revista Educação. São Paulo, n.º 3, 1903.p.2-4. A grafia original foi mantida. O conto atinge seu clímax quando a mulher explica a Lilli a situação dos dois: “Lilli em breve se poz ao corrente do sucedido. O menino, filho único d’aquella pobre mulher, havia já dias gemia naquele estrado, sem remedios, sem recursos. – É meu único arrimo – soluçava a misera – elle trabalha para me sustentar; já perdi tudo, pae, mãe, marido; só me resta no mundo esta criança e esta mesma quer me deixar – e os soluços rebentavam impetuosos d’aquelle peito rude em que vicejava cheio de vigor e majestade o sublime amor de mãe”. Esse trecho traz uma informação importante: o menino pobre é arrimo de família. Ao contrário de Lilli e dos netos de Dona Benta, trabalha para sustentar a mãe. Sua doença, porém, não é tão grave como sugerem as “horríveis convulsões” de que é vítima: Basta tomar um pouco de óleo de rícino, que Lilli vai buscar em casa, e o rapazinho está curado. No dia seguinte, “a mãe radiante, banhada em lágrimas, recebeu a joven salvadora do seu filho com um abraço e um beijo

desses que resumem mundos de gratidão e de ternura”. Fica a impressão de que a trama foi engendrada somente para a personagem Lilli poder exercer sua bondade. O tema e o estilo da história estão distantes do universo familiar aos leitores das histórias transcorridas no Sítio do Pica-Pau Amarelo. D’aprés Nature lembra os contos para crianças de Olavo Bilac, Júlia Lopes de Almeida, Coelho Neto ou Prisciliana Duarte de Almeida, esses dois últimos colaboradores da revista Educação. São vários os contos desses autores que retratam uma criança ou uma mãe moribunda, em um cenário miserável. A presença de uma criança rica e bondosa, que ajuda os pobres, também é frequente. O ‘Rato’ 7, conto de Coelho Neto, é uma dentre as diversas narrativas, escritas na virada do século XX, que tematizam essa situação. Trata-se da história de um “rapazola de nove anos”, apelidado Rato, filho único de uma mulher pobre e “prostrada pela moléstia”, que é obrigado pela mãe a mendigar. O exame de anotações do escritor, presentes em algumas de suas primeiras edições, pode ser de grande auxílio para a melhor compreensão de sua obra. Também serão de enorme utilidade as pesquisas que enfoquem, na correspondência de Lobato, aspectos relacionados à sua produção literária. O fundador da moderna literatura infantil brasileira ainda tem muito que ensinar sobre a construção de livros para crianças.

João Batista Rozon Cadeira 05 Patrono Visconde de Taunay ARCA | 39

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Mudanças...

Estamos vivendo um momento histórico de grandes transformações que se processam num ritmo muito acelerado. Quando falamos dessas transformações, estamos falando de mudança social que em si mesma é uma realidade em qualquer sociedade. Entretanto, o que observamos é que estamos diante de um momento de ruptura e transformações que se dão de uma maneira muito intensa. No século passado, por exemplo, ao colocar seus filhos na escola, a expectativa dos pais era a de que iriam repetir o caminho das gerações anteriores. As pessoas tinham um sentimento real de que estavam progredindo, mudando de vida, subindo na escala social. A escala estava dada, as opções eram poucas, mas bem delineadas; havia modelos a serem seguidos. Hoje, percebemos que há uma grande mudança em curso, algo próprio, original, de difícil compreensão, que está enfraquecendo todas as antigas estruturas. Os caminhos são novos, a escala não está dada e as opções são muitas. Surge uma nova sociedade que é definida pela expansão vertiginosa dos meios de comunicação e a capacidade das pessoas se conectarem por sua própria iniciativa.

O celular chega a todas as partes e hoje é um minicomputador. Hoje, temos uma sociedade fragmentada em que a pessoa tem um maior poder de decisão. Estão cada vez mais se conectando por sua própria iniciativa: o importante é compartilhar, contar o que fizeram. A privacidade, que era um bem maior, torna-se secundária, o que se quer é o contrário, que saibam o que você está fazendo. Surgem, então, as comunidades virtuais. No passado, a identidade de um indivíduo era vinculada a uma instituição a que pertencia, hoje, cada um pensa e decide por si. O interessante é que esse novo momento coexiste com o antigo. A interação entre comunidade virtual e o mundo real é permanente. As novas gerações passam seus conhecimentos para a geração antiga. Observamos avós pedindo aos netos ajuda para também se conectarem. Surge, então, a questão: “será que essa sociedade,

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baseada na conectividade, estaria criando pessoas egoístas, isoladas, fechadas em si mesmas, apesar das comunidades virtuais?” Os fatos, entretanto, mostram que em determinado momento, cada um, por caminhos imprevistos, é levado a ações coletivas. Temos, como exemplo, a manifestação ocorrida recentemente, que através da irradiação das informações levou milhões de brasileiros às ruas, manifestando-se contra o governo e a corrupção.

Estamos num momento em que respostas do passado não explicam os acontecimentos atuais e que, ou nos adequamos às circunstâncias, ou nos colocamos à margem dos acontecimentos.

Maria Ignez D’Ávila Ribeiro Cadeira 07 Patrono Coelho Neto

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Uma de minhas músicas preferidas tem esse título. Lembra-me os tempos áureos de nossa Academia, ainda nas dependências da Pagu com o Décio Madruga ao violão cantando-a, convidado de nossa saudosa Aparecidinha. Fala, obviamente sobre elas, esse suprassumo da criação divina. Mulher tem um dom especial de compreender, ajudar, intuir, amar, sofrer, aguentar, agradar... Seu hemisfério direito cerebral predomina, fazendo com que ela seja mais emoção, mais sensível, mais tudo! Um cientista britânico vai lançar um livro sobre as mães e a gravidez. Diz ele que só mesmo uma mulher pode arcar com esse ônus (emocional, psíquico e físico) de carregar um novo ser consigo. Até sugeriu que usem cadeiras de rodas durante tal período pelo tanto que esse sobrepeso prejudica seu corpo; nenhum homem aguentaria uma etapa tão conturbada, ainda que natural e benéfica de nove meses, com todos os seus hormônios, expectativas, ansiedades, medos, instabilidades... Mesmo assim, elas continuam belas, íntegras, seguindo ilesas e ainda: amando aquele pequeno ser que geraram, durante toda a sua vida, mais que a si próprias. Seu corpo elástico e versátil logo volta ao normal e uma beleza transcendental se instala em seu rosto, tornando até a menos bonita em “uma linda mulher”, aqui também recordando a Julia Roberts. Digo sempre, e nisso devo ser criticada vorazmente, mas, é uma dura verdade: uma mãe nunca mais se livra de seus filhos! Eles podem crescer, sair de casa, casar-se, se aposentar, envelhecer, morrer... a mãe estará sempre pensando neles, querendo ajudar (até sendo chata!). Ela cuida de sua família, sua casa, vê tudo, encontra tudo, pensa em tudo! Antigamente, essa era sua grande e única missão; aguentava traições, rudezas, desaforos, bebedices. Mãe é teimosa, repetitiva, preocupada (Pegou o guarda-chuva? Está levando o casaco? Não toma chuva, heim! Olha o sol quente!).

Desde o século passado, as mulheres começaram a trabalhar fora, ter seu sustento e a sua tão necessária independência; já não “engolem” tantos “sapos”! Sabem que podem subsistir sozinhas e sustentar os filhos. Daí tantos divórcios que atualmente a lei lhes faculta. Por outro lado, igualando-se nas lutas pela sobrevivência e até se sobressaindo, mais até que o chamado “sexo forte”, elas também se igualaram nos vícios: fumam e bebem como os homens; tornaram-se escravas de um corpo que tem mais realce e foco que sua mente e espiritualidade; são mulheres-objeto de desejo, chegando a um nível animalesco; jogam suas crias fora; se prostituem a troco de quase nada; matam e se rebaixam... Mas, isso é a exceção que confirma a regra. Mulheres têm-se salientado através dos tempos, umas por seu lado positivo e outras, infelizmente, sendo ruins, maléficas e negativas. Assim: Maria, Cornelia, Lady Godiva, Ester, Madame Curie, Joana D’Arc, Helen Keller, Nightingale, Anita, Ana Neri, Tereza, Dulce ... Agora vire a página: Jezabel, Dalila, Cleópatra, Mata Hari, Messalina, Lucrécia, Bonnie... Ainda bem que seu número é bem menor! Boas ou más; cultas, bonitas ou nem tanto; ricas, pobres... elas sempre terão essa primazia de trazer um novo ser ao mundo, o maior e mais encantador dos milagres! Não só em 8 de março, mas em todos os dias do ano, a mulher merece ser homenageada, respeitada e, sobretudo, muito amada! “A mulher sábia edifica a sua casa, mas, a insensata, com as próprias mãos a derriba”. Pv. 14-1.

Clineida Andrade Junqueira Jacomini Cadeira 43 Patrono Rubem Braga ARCA | 43

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Papai: olha a cara deste funcionário! Sou fã declarado da Disney! Todos os anos passo boa parte das minhas férias nos domínios do ratinho Mickey, na Flórida. Este ano, não foi diferente. Entre as festas de final de ano e o início de 2015, fiquei por lá quase 1 mês com minha família. É um tempo de encantamento, diversão, reflexão, gratidão a Deus e de aprendizados múltiplos. É um tempo literalmente mágico ao lado das pessoas que mais amo. Empresa que fascina e encanta pelos seus incríveis personagens, mas, principalmente, pelo cuidado e carinho que dedica aos seus milhões de “convidados” (é assim que eles chamam seus clientes), nas mais diversas linhas de negócio em que se faz presente, a Disney é, definitivamente, a maior referência no mundo inteiro em excelência no atendimento ao cliente. Como eles tão bem nos ensinam, concorrentes são todas as empresas com as quais nossos clientes possam comparar-nos. Dizem, defendem e ensinam isso por uma razão lógica: todas as empresas dos mais diversos setores lutam pelo mesmo recurso finito chamado dinheiro, que uma vez alocado em determinado produto ou atividade tem seu “destino” para gastar e investir com outras empresas diretamente impactado. E quando estamos na “Disney” (que virou sinônimo como outras marcas campeãs como Gillette, Band-Aid e Maizena – pois quando as pessoas viajam para Orlando elas dizem que estão indo para a

“Disney”), as comparações tornam-se inevitáveis. Desta vez, fomos 10 dias nos quatro parques da Disney em Orlando: Magic Kingdom, Epcot Center, Animal Kingdom e Hollywood Studios. Outros sete dias foram dedicados aos parques concorrentes: Universal Studios, Islands of Adventure, Aquatica e Sea World.

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A diversão em todos eles é garantida. No entanto, isso é o mínimo que se espera de um “parque de diversão”, certo? É no detalhe que você consegue encantar os seus clientes ao oferecer a eles experiências sensacionais e inesquecíveis que criem o imediato desejo de vivê-las novamente o mais rápido possível. De forma bastante resumida, esta é a explicação mais simples e prática para o que chamo de “processo de transformação de clientes em fãs” que tem na Disney o seu exemplo mais bem definido e seu estudo de caso como um dos mais utilizados em todo o mundo. Minhas filhas são crianças (10 e 13 anos), e por mais incrível que possa parecer já têm um senso crítico muito aguçado. Ao final de todos os dias, fazíamos no carro uma “revisão” do dia com a classificação das melhores atrações e dos momentos inesquecíveis que tínhamos vivido ao longo de cada dia. O que mais impressionava eram as “conclusões” sobre os Parques da Disney: todos nós tínhamos gostado de praticamente tudo e ficado mais uma vez absolutamente encantados com o incrível nível de serviços e carinho que nos tinham dado ao longo de todo o dia. Eis que, por volta das 9 horas da noite de mais um dia intenso na Universal Studios, já quando uma Paradinha da Macy’s chegava ao seu final, minha filha mais nova vira para mim e diz: “Papai, olha a cara deste funcionário guiando a caminhonete!” Ela se referia à cara de pouquíssimos amigos dos motoristas de caminhonetes que participavam dessa Parada que tem lá seus encantos, mas está longe de atingir o status de sequer merecer ser comparada às Paradinhas da Disney, onde praticamente todos nós chorávamos quase todas as

vezes (ainda que já tenhamos ido para lá outras incontáveis vezes), tamanho o impacto emocional provocado em cada um de nós. O que mais me impressionou é que este foi um comentário espontâneo de uma criança de 10 anos e que já exige um elevado nível de atendimento das empresas com as quais se relaciona, onde cada detalhe é absolutamente fundamental para criar uma experiência realmente memorável e que idealmente crie o desejo de vivê-la novamente. E o que podemos extrair como principal aprendizado desta passagem específica? Que no mundo super competitivo e comoditizado que hoje vivemos não basta oferecer aos seus clientes um ótimo produto ou um bom serviço. É preciso oferecer aos seus “convidados” um produto espetacular e um serviço excepcional em cada elo da sua “cadeia de experiências”, onde cada detalhe é cuidado com o maior carinho do mundo, pois pode ser exatamente aquele detalhe específico que vai criar o seu diferencial competitivo de existência. Atos simples como um sorriso no rosto, cortesia e prontidão no atendimento e ações fundamentais como o entendimento pleno das necessidades, desejos, expectativas e sonhos dos seus clientes e, acima de tudo, um propósito grandioso, apaixonante e compartilhado por todos são elementos mais do que essenciais para criar uma empresa espetacular que coloca sempre as necessidades e sonhos dos seus clientes acima de tudo. Se uma criança de 10 anos já é tão exigente, imagine você o nível de exigência dos seus clientes! Pense nisso e coloque o atendimento excepcional como a sua grande obsessão para este desafiador ano de 2015! E a propósito: a Disney não tem funcionários. Eles têm “membros do elenco” (“cast members“).

José Ricardo Bitencourt Noronha Cadeira 18 Patrono João Cabral de Mello Neto ARCA | 45

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NOSSOS TIPOS FOLCLÓRICOS (A Maria Cebola, a Nikita, a Maria Chouriço...) Durante minha infância e juventude, a cidade não possuía tantos bairros e vilas como agora, muito embora a população do município permaneça quase inalterável desde então. Que eu me lembro, existiam apenas três “vilas”: a Vila Brasil, a Vila Conceição e a Vila Operária; bairros eram os do Rosário, Pratinha, São Lázaro, São Benedito, Santo Antonio e Perpétuo Socorro. O resto era Centro. A multiplicação dos bairros e vilas talvez se explique com o fenômeno do êxodo rural, verificado a partir da década de sessenta, ou seja: a população é a mesma, mas houve o deslocamento campo/cidade. Também, na roça, as famílias eram mais numerosas, sendo comum encontraremse casais com dez a doze filhos, o que hoje é impensável. Bem, mas sendo a área urbana tão menor, as pessoas conheciam-se mais e eram mais tolerantes e caridosas com os “desafortunados pela vida”. Esses personagens não tinham família nem moradia fixa. Eram os famosos pedintes, andantes, doidinhos, pinguços e outras figuras folclóricas que zanzavam pelos bairros. Os mais populares para nós, residentes da parte alta da cidade, eram figuras como: o “Zé das Moças”, a “Maria Chouriço”, a “Nikita”, o “Shimith”, o “Dito Fóca”, a “Sá Carabina”, os “Mudos da Santa Casa”, o “Miro das Chaves” e os casais “João Guarda/Piquitita” e “João Alho/Maria Cebola”. A Nikita, que antes morara na baixada do Cubatão, em meu tempo vivia numa casinha branca, no final da Rua 14 de Julho bem ao lado do barracão do DER (“derréia do Tio Nicolau”, como ela dizia). A cidade terminava ali e bem em frente a sua porta, havia um campo de futebol. Os jogadores viviam judiando da coitada... Ela costumava muito a ir até à Prefeitura e “mandar” os prefeitos descerem as escadas para atendê-la. Isso ocorreu muito com o Dr. Octávio Bastos e com o Dr. Pirajá, a quem chamava de irmão.

Então, ela chegava ao saguão do prédio e dizia para a atendente: - Chama o meu irmão que eu quero falar com ele! E não é que eles obedeciam! De vez em quando ela subia, na época do Dr. Octávio. Trazia uma marmita e sentava dentro do gabinete. Comia, tranquilamente, e depois jogava a vasilha e o resto da comida dentro do lixo, encostado à mesa do Prefeito. O “Tiéh Mula Manca”, esse era forte e muito bravo. Mesmo com uma perna menor do que a outra corria pra caramba! O “Miro das Chaves” (cujo verdadeiro nome era Valdomiro) tinha longos cabelos, andava descalço, mas, usava, sempre, paletós. Carregava consigo um molho de chaves e imaginava ser um automóvel. Dava a “partida” enfiando uma chave nos vãos dos paralelepípedos e fazia baliza para estacionar. Caminhava pelas margens das ruas, sempre obedecendo à direita e nunca na contramão, engatava todas as marchas, respeitando todos os semáforos. Ele tinha casa e família, falava muito pouco e era muito teimoso. No fundo, era uma criança grande que adorava animais, principalmente gatos e não deixava ninguém maltratá-los. Morava na Vila Conceição. Os “Mudos da Santa Casa” eram irmãos e pareceme que foram criados por ali. Quando eu saía da escola, passando pelos fundos do hospital, frequentemente avistava o mudo capinando o terreno ou cuidando do jardim, enquanto sua irmã passeava pelas ruas, muito bem vestida, com rouge e batom. Não me lembro, ou nunca soube, do nome deles... O “Zé das Moças” era meio tarado e tinha um beiço que mais parecia com uma chupeta. As meninas corriam léguas dele... O “Dito Foca” era, mesmo, gordo como uma foca, só que “bebia como uma vaca”...

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Já o “Dito Carrapato” tinha umas pintas pretas na cara (daí o apelido) e quando sua cachorra estava no cio, ele amarrava um paletó velho na bunda dela - É pra num pegá cria! - explicava ele. O “Shimith”, bem inteligente, dizia ter lutado na Revolução de 32. Nunca caminhava normalmente; apenas corria, para cima e para baixo... Era um atleta. Acho que morava no Bairro Alegre e, mais tarde, na Rua João Pessoa. Morreu aos cem anos... A “Maria Chouriço” era bem zureta e vivia sempre suja, xingando a molecada da rua. Uma vez, quando ainda moleque, eu deparei com ela, fazendo xixi bem em baixo do caminhão do Geraldo Colosso, nosso vizinho. Foi a primeira vez que visualizei uma bunda de mulher! Bem poético... A “Sá Carabina” era uma mulher bastante alta, de fala grossa. Fazia sabão de cinzas para vender. Lembro-me dela, entrando pelo nosso terreiro, com uma cesta na mão para buscar o torresmo que minha mãe fornecia. - Óia, Dona Árzira! – dizia ela – A senhora entra com o torresmo, mais o breu que eu arranjo as cinzas. Daí, nóis faiz sabão de ameia. Sempre que chegava em casa, sentava-se na soleira da porta da cozinha, acendia seu cigarro de palha e ficava proseando, até a noite chegar. Certa vez, como não achava os fósforos, tentou acender o pito na lâmpada acesa da cozinha. A “Sá Carabina” adorava meu irmão e sempre dizia, com olhar meio safado: - A senhora me discurpe dizê, mas teu fio Rubertu é o ômi mais bunitu de São João! O casal “Piquitita e João Guarda” (ele ganhou esse apelido pois que vivia imitando um apito, como se guarda fosse) uniu-se pelo amor... puro amor à bebida e aos inúmeros cachorros que os acompanhavam.... Já “João Alho” e “Maria Cebola” frequentavam muito as igrejas e chegaram até a se casar, apesar das deficiências que apresentavam. Iam a todas as missas de domingo, desde as seis da manhã até às sete da noite.... O “João Alho” (na verdade, seu nome verdadeiro era Mauro), era um homem trabalhador e bem mais novo que a companheira. Lembro-me de que numa certa celebração eles estavam particularmente irrequietos, falando alto e brigando. Na hora da comunhão, o padre recusou-se a dar-

lhes a hóstia e os dois simplesmente saíram da fila dançando, mo-vidos pelo ritmo alegre do cântico da comunhão... Doutra feita, a “Maria Cebola” recebeu quase a metade de uma torta de atum deliciosa que sobrara de nosso almoço. Quando minha mãe foi pegar a forma de volta, viu que haviam jogado a torta para o cachorro que àquela altura lambia prazerosamente a vasilha de vidro. O casal levou Zé da Moças a maior bronca... Não posso deixar de lado o “Zé Brinquinho”, aquele senhor que ficava o dia inteiro com o radinho de pilha na orelha, no Largo das Palmeiras, defronte à Padaria da D. Elza ou da Farmácia Cruzeiro. Era inofensivo e possuía família e residência. Partindo dessas histórias passo a receita da torta de atum que, realmente, é “boa pra cachorro!”. TORTA SALGADA: 1 cebola batidinha; salsa e cebolinha picadinhas; 100 gramas de azeitonas picadas; 3 tomates picados; 1 lata de atum ou sardinha; 1 pires de queijo ralado; 1 xícara (chá) de óleo; 8 colheres de farinha de trigo; 3 gemas e 3 claras em neve; 1 colher (sopa) de pó Royal; sal e pimenta a gosto. Misturar tudo (as claras em neve, por último) e levar ao forno em assadeira untada e enfarinhada.

João Batista Gregório

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Histórias do NICOLINO Roberval, o filósofo “Seguramente Deus escolhe seus servos ao nascerem, ou talvez antes mesmo do nascimento”. Epíteto Roberval é uma figura ímpar. Seu caráter, “modus vivendi”, inteligência, cultura, enfim, em tudo ele diferia das outras pessoas. Eclético, leciona várias matérias, mercê da vida que leva, afeito sempre em adquirir conhecimento. Distancia-se, sobremaneira, da nossa ignara. Em suas aulas de Francês, Português, Direito, Matemática..., sempre ensina a seus discípulos: “Segundo um grande filósofo, que sou eu, ser rico é melhor do que ser pobre; ser forte, melhor do que ser fraco, ser culto, melhor que ser analfabeto, e outras filosofias mais. Conquanto viva sozinho, sua casa é frequentada

por um número muito grande de pessoas, máxime por seus alunos e amigos (poucos). Segundo Roberval, é preferível ter poucos amigos (Beto, Renato, Zé Pedro, Colabardini, João, Bira, Neno e alguns outros), mas leais, a muitos duvidosos. Certo domingo, após ter ido à feira, almoçado no Tekinfin, assistido a um horrível programa de televisão, dirigiu-se à Praça Joaquim José e fez demorado footing naquele local. O tema escolhido para aquela noite filosófica foi o livre-arbítrio ou o determinismo. Começou por discordar da Bíblia alusivamente a

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ter Deus criado o homem à sua imagem e semelhança. O ser humano jamais se assemelharia ao Criador; é ruim demais. Outrossim, algumas pessoas já nascem com determinadas características, como o pedreiro, o pintor de parede, o mecânico, o político, e, conforme o Sr. Joaquim, o 171, sempre muito simpático, muito solícito. Segundo diálogo com o filósofo Dr. Proite, o joão-de-barro não fez nenhum curso no SENAC para aprender a construir sua casa. Tal dom já nasceu com ele. As pessoas já nascem com determinadas qualidades e defeitos, com certo caráter, nada é adquirido no curso da vida. Honesto nasce honesto, puta nasce puta. No entendimento do grande filósofo Roberval, o casal Celso e sua

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esposa Regina já vieram ao mundo para levarem aquela vidinha insossa. Trabalham arduamente o dia inteiro e à noite dormem com o cansaço do labor, com um pum daqui, outro dali, sem nenhuma centelha sexual para iluminar a escuridão noturna. E se julgam felizes. Em suas meditações, o filósofo Roberval se dizia fruto do DNA de seu querido pai e não menos amada mãe, e de outras vidas passadas; a Juliane e o Juquinha já nasceram médicos; o Santo nasce Santo; o homossexual nasce homossexual, por isso não se justifica o preconceito; o caloteiro nasce caloteiro; o honesto, honesto; enfim, nada se transforma, tudo já está escrito. De nada adiantam rezas, trabalhos espirituais, orações, mandingas, pois tudo está DETERMINADO. O que é será! O acaso não existe. A propósito de sua breve morte, o filósofo Roberval preconiza: Oxalá eu vá para as profundezas do Inferno, porque viver na monotonia do Céu será grande castigo! DETERMINISMO JÁ! ET C’EST FINI!

Vedionil do Império Cadeira 41 Patrono Lima Barreto ARCA | 49

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Apesar de bem saber que para todos nós, mais cedo ou mais tarde, chegará o instante final, é difícil imaginarmos isso acontecendo conosco e com as pessoas que amamos. No mês de março, foi a vez do Walther Castelli, ou nosso Warthi! Amigo que trouxemos da adolescência, de mente brilhante, cultíssimo, generoso e de muita paz. Era “arteiro” também; fazia arte e “artes”. Lembro-me das “travessuras” realizadas por ele, Netão, Pistelli e Carioca, ainda nos tempos da Fazenda Cachoeira. Da admiração que todos nutriam por seu intelecto. Daí fiquei a imaginar como seria sua chegada aos céus.... Imagino o Walthinho ao chegar até o Portão Celestial e em vez de encontrar o tão famoso São Pedro com suas chaves, depara com um Anjinho Pé Rapado, que ali estava a tomar conta do tal Portão enquanto São Pedro foi atender a um chamado do Grande Mestre. Precisando de um pouco mais de inspiração, apelei ao meu querido e inspirado amigo Lauro Borges, que também era amigo do Walther para desenvolver esse pequeno texto em sua homenagem.

A CHEGADA DO WALTHER CASTELLI AO PORTÃO CELESTIAL! - Por obséquio, poderia informar-me onde estou neste momento? Vejo em demasia coisas que não entendo. - Hã? Responde o Anjo. - Me encontro confuso, quanta luz aqui! Esse lance de Paraíso é real? Sempre fui um puta cético com essa coisa espiritual. O cenário impressiona pela perfeição, quase surreal. A beleza é muito simétrica, ortodoxa demais para a poesia concreta, cartesiana demais pra quem veio de um mundo tão deliciosamente anárquico. E você, meu caro da espécie angelical, pode me dar explicações mais abrangentes sobre essa minha nova morada? Esse conceito estético é um bocado entediante, não? - Moço, que mal lhe pergunte, de onde está vindo? - Acho uma questão um tanto descabida, perdoeme pela franqueza. A confirmar-se tudo que sabemos sobre Jardins Celestiais e demais concepções divinas, você,

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seus superiores e o Superior Maior sabem tudo sobre mim. Minha ficha mundana deve estar fácil aí, a dois cliques da sua vontade. Nossa! Por que estou a falar dessas coisas? - Me parece que o senhor está bem confuso, não é? E eu aqui também estou. Não poderia simplificar as coisas, por favor? - Olhe aqui, Mocinho, é um Mocinho, não é? Da última vez, estava deitado em casa, acometido por uma moléstia que insistia em me tirar a saúde dia a dia. De repente deparo com esse local de traços delicados, de luz abundante, de paz insuportavelmente silenciosa, de antíteses terráqueas, de paradoxos existenciais.... É para deixar qualquer um em confusão, não acha? - Então o senhor não sabe mesmo o que aconteceu? - Óbvio que não, responde Walther. Se soubesse não estaria aqui a te questionar. - Vou fazer o seguinte: não vou conseguir mesmo compreender algumas coisas de que fala; vou chamar São Pedro, creio que ele poderá falar melhor com o senhor. Daí o Anjo pede para um Querubim que passa pelo local correr e chamar São Pedro. São Pedro aparece todo afoito, questionando o porquê dessa interrupção de sua conversa com o Divino. -Walther, Walther... eu já esperava isso de uma personalidade tão inquieta, tão instintivamente contestadora do status quo... - Pera lá, homem de Deus, literalmente, cá nesta minha entrada ainda não quero me aprofundar em dogmas religiosos, em divagações filosóficas. Ainda, que fique bem claro, mais pra frente tem muita coisa para embalar nossos colóquios. O que quero, por enquanto, é conhecer questiúnculas mais comezinhas da minha estada eterna aqui. - Por exemplo? - Existe uma segmentação por afinidade? Sendo mais específico: cantores sertanejos, pagodeiros e escri-

tores de autoajuda frequentarão os mesmos espaços de convivência que os meus? No refeitório: veganos, macrobióticos e outras tribos sem tempero dividirão a mesa comigo? Conflitos de idiossincrasias, resumindo. -War thi, pra usar o dialeto da sua aldeia, aqui há uma certa uniformidade de gostos, condutas, paisagens... - Repito o que afirmei perguntando ao anjinho: entediante, não? - Eu não diria assim... - Ok, podemos florear com eufemismos: ambiente de estada infinita padronizado por parâmetros politicamente corretos, esteticamente neutros e poeticamente nulos. - Warthi, Warthi.... Por que insiste em falar assim comigo? Muita coisa não compreendo e quero mesmo ajudá-lo. Hum! Já sei! - Querubim! Vá lá dentro e chame Olavo Bilac, Castro Alves, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Orides Fontela, Ariano Suassuna, Jorge Amado, Clarice Lispector e quem mais encontrar, peça que venham imediatamente aqui ao Portão me socorrer! Um abraço apertado, querido amigo! Silvia Ferrante & Lauro Borges ARCA | 51

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O arquivo central do Estado Português recebe o nome de “Torre do Tombo”. Esse arquivo, com um acervo invejável, tem documentos reunidos desde a Idade Média. Embora já com mais de 600 anos, é uma das mais antigas instituições portuguesas ativas.

Esse arquivo passou por momentos difíceis, que deixaram lacunas históricas e extravio de documentação. Os graves prejuízos aos documentos aconteceram nos seguintes momentos: no terremoto de Lisboa, em 1755; em incêndios; na transferência da Corte Portuguesa para o

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Torre do Tombo Rio de Janeiro; no desvio de documentos, quando Portugal passou ao domínio filipino e nas invasões francesas. Seu nome se prende ao fato de o arquivo ter permanecido, desde 1378 até 1755, em uma torre do Castelo de São Jorge, denominada Torre do Tombo, ou melhor, Torre do Arquivo. Essa torre ficou em ruínas com o terremoto acontecido naquele ano. A transferência se deu para o Mosteiro de São Bento e, hoje, todo arquivo está em modernas instalações na Cidade Universitária de Lisboa. Nele, está a Carta de Pero Vaz de Caminha, perdida na confusão do terremoto e encontrada, por acaso, pelo Padre Aires do Casal, no século XIX. Só assim, os brasileiros puderam saber a data exata do descobrimento do Brasil e mudar a versão do descobrimento “por acaso”! Vejam a importância de um documento tombado! Também lá eu pude ler os termos do Tratado de Tordesilhas, ver as assinaturas dos Reis de Portugal e a dos Reis Católicos de Castela. Há, também, as cartas doando as Capitanias Hereditárias! Hoje, a “Torre do Tombo” e todo organismo pertencem ao Ministério da Cultura e foram, oficialmente, denominados (IANTT) Instituto dos Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo (2006). No Brasil, a instituição, homóloga à Torre do Tombo, tem o nome de Arquivo Nacional. Em nível estadual temos o Arquivo do Estado, localizado na Rua Voluntários da Pátria, em Santana, Capital. Em São João da Boa Vista, com toda modéstia e em formação, temos o

Arquivo Municipal Público e Histórico “Matildes Lopes Salomão,” que luta para manter seu acervo, mas já deu mostras de sua importância. Mais um tombamento ocorreu em nosso Arquivo. Foi o prontuário escolar de Orides Fontela. Agora os documentos, contidos nessa pasta, pertencem ao povo e à história de São João da Boa Vista. Isto é tombar, ou melhor, preservar por lei um bem de interesse para a comunidade. Com as explicações acima ficam esclarecidos: o que é tombo e a origem da palavra. Não se tomba só o que é bonito, mas, sim, o que tem significado histórico para a coletividade: lugares, costumes, prédios, objetos e documentos, que é o caso do Arquivo. Agora, qualquer cidadão poderá ter livre acesso aos documentos da poetisa sanjoanense, imortal pela suas obras, documentos estes que retratam a vida da menina e da adolescente que, mesmo com sua vida plena de controvérsias, se transformou em uma das mais importantes figuras da literatura moderna.

João Baptista Scannapieco

Cadeira 17 Patrono Francisco Paschoal ARCA | 53

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Facebookson was Born! Viva o Facebookson! Notícia publicada na rede mundial: “O motoboy Anderson Cerqueira e a auxiliar de escritório Janete dos Santos se conheceram por uma rede social. Os dois casaram-se e tiveram um bebê lindo, que nasceu saudável no último sábado. O conto de fadas contemporâneo tinha tudo para ficar no anonimato não fosse por um detalhe: os dois batizaram o bebê com o nome de Facebookson, em homenagem à rede na qual se encontraram pela primeira vez. Anderson contou que teve de ir a dois cartórios antes de conseguir registrar a criança. ‘Eu queria chamar de Facebook, mas eles disseram que não pode dar nome estrangeiro, então eu coloquei Facebookson, porque eu sou Anderson’, explicou ele. A história ganhou o mundo depois que o jornal americano Daily Bulletin, de Los Angeles, publicou o caso. Nas redes sociais, o casal foi alvo de críticas. Para muitos, o episódio reforça a popularização do Facebook no Brasil. A matéria, publicada na editoria de economia, usou o caso como exemplo de como a rede de Zuckerberg está avançando até no Brasil, onde o domínio do Orkut era absoluto havia alguns anos. Alheio a toda a polêmica, o pequeno Facebookson dormia tranquilo no colo da mãe. Resta saber se até ele ficar adulto alguém ainda se lembrará do Facebook”. O caso foi imediatamente replicado por muitas pessoas e a história se alastrou, dando margem aos comentários mais mordazes em toda rede. Porém, os replicadores não notaram que o texto foi publicado no site O Sensacionalista dedicado ao humor

“com notícias fictícias, baseadas ou não na realidade”, cujo “objetivo é um só: fazer rir”. Então, na verdade – substantivo do qual o veículo de comunicação citado se declara isento, de antemão -, o Facebookson não existe... Mas, tenho certeza de que isso não se deve à vontade de pais de duvidosa criatividade. Tanto assim, que todo mundo que leu acreditou. Esse tipo de estupidez já foi bastante comum entre nós. O Facebookson iria crescer, apelidado de Face pela família, e poderia, até ter irmãos: o Yahoodisney, a Googleiele e o Twitterson. Os tios das crianças logo lhes providenciariam primos: Orkutson, Gmaililson, Winsdowscila, Mozzilaldo, Linuxele, Iphoneson, Tabletson, Ipadson e os gêmeos Softwareson e Hardwaresley. E seria uma festa quando a garotada se encontrasse!!! Na escola, então, um show! Naturalmente, que os prenomes citados seriam compostos, para dar um toque de sofisticação: Facebookson Wiliam, Yahoodisney Washington, a Googleiele Priscila, Twitterson Antônio, Orkutson José, Gmaililson Astolfo, Winsdowscila Fabiane, Mozzilaldo de Jesus, Linuxele Gisela, Iphoneson Wellington, Tabletson Cristiano, Ipadson Aparecido e - os gêmeos - Softwareson Vítor e Hardwaresley Léo. É a natural evolução das homenagens que se prestavam às figuras proeminentes do passado: generais, reis, presidentes, evangelistas, santos e papas, hoje substi-

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tuídos por artistas de novela, cantores sertanejos e jogadores de futebol. Aliás, os termos em inglês parecem exercer verdadeira fascinação sobre alguns pais e mães, devido a sua mera sonoridade. É preciso aproveitá-la. Quantas pessoas há no Brasil que carregam nomes constrangedores e ridicularizantes, em cima dos quais constroem sua identidade e referência de vida... Como disse minha colega professora de psicologia jurídica: candidatos ao divã... Alguns se animam e recorrem ao judiciário para a mudança. O Facebookson, seus irmãos e primos só não existem porque os oficiais de registro civil estão bem mais cônscios de sua atuação, quer por bom senso, quer seja por força do estabelecido no artigo 28 da lei nº 6.015/1973, que prescreve que eles são “civilmente responsáveis por todos os prejuízos que, pessoalmente, ou pelos prepostos ou substitutos que indicarem, causarem, por culpa ou dolo,

aos interessados no registro.” Juntando isso com a moda do dano moral, imagine o que iria acontecer quando a criatura completasse 18 anos? Imediatamente, iria usar a faculdade do artigo 56 da mesma lei e requereria a alteração de seu prenome, processando o oficial por danos morais, é claro. Na verdade, enquanto não temos uma população mais educada e menos deslumbrada com os estrangeirismos e pseudo-herois, o que segura o furor registral de pais desgovernados é que o parágrafo único do artigo 55 da lei determina que “os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores”. Aleluia!

Wilges Ariana Bruscato Cadeira 26 Patrono Gregório de Mattos ARCA | 55

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Desejo de nascer para dentro, fechar os olhos, calar o pensamento. Sentir na pele e ouvir — limpos do rumor das ideias — fluir a água, passar o vento. Walther Castelli Júnior

LuzGrafia

REMANSO ...

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Aqui Aconteço... Trofeu “AMIGO DAS LETRAS” Na noite de 11 de dezembro de 2014, em jantar bucólico, na plataforma da Estação, para confraternização e retrospectiva da gestão 2013|2014, também lançamento da 4ª edição da ARCA, ocorrido na SEDE da Academia de Letras, homenageou-se com o Trofeu “Amigo das Letras” os patrocinadores e apoiadores da Arcádia na gestão da presidente Lucelena Maia, 2013|2014. Homenageados: Sequoia Loteamentos BVCi Serviços 1º Tabelionato Ceschin Cimentolânida Prefeitura de São João da Boa Vista Fundação Curimbaba Sempre Vale Supermercados S.E.S Sociedade Esportiva Sanjoanense UNIFEOB – Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos UNIFAE – Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino Diretoria de Ensino Região de São João da Boa Vista Faça Festa Locação de Mesas Gráfica Sanjoanense Jornal Edição Extra Jornal a Gazeta de São João TV União – Fundação União de Comunicação Lamesa Cabos Elétricos Julio Manoel de Lima Sidney Estanislau Beraldo Davis Barreto de Carvalho 58 | ARCA

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Posse de José Ricardo Bittencourt Noronha Tomou posse, na Sede da Academia de Letras, em 31 de janeiro de 2015, para ocupar a cadeira de nº 18, Patrono João Cabral de Mello Neto, o neoacadêmico José Ricardo Bittencourt Noronha. Foi apresentado pelo confrade Lauro Augusto Bittencourt Borges, que usou de leveza e alegria em sua fala ao citar a biografia do também amigo e, naquele momento, novo integrante da Arcádia. Devidamente empossado, José Ricardo fez apresentação de tema livre cumprindo uma das exigências do Estatuto. Ao final, foi oferecido coquetel aos presentes: parentes e amigos de José Ricardo B. Noronha, confrades, confreiras, autoridades e amigos da Academia de Letras.

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Posse da Diretoria 2015/16

Tomou posse no dia 31 de janeiro, na SEDE da Arcádia, a nova Diretoria Biênio 2015|2016, de acordo com a alteração Estatutária de 2014. Ficou assim composta: Presidente: Lucelena Maia Vice-presidente: Antonio Carlos Rodrigues Lorette 1ª Secretária: Silvia Tereza Ferrante Marcos de Lima 2ª Secretária: Carmen Lia Batista Botelho Romano 1º Tesoureiro: Lauro Augusto Bittencourt Borges 2ª Tesoureira: Vânia Gonçalves Noronha Conselho Fiscal: Donisete Tavares Moraes de Oliveira Marcos Cesar Pavani Parolin Sérgio Ayrton Meirelles de Oliveira

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Chá Literário No dia 21 de março, às 17h, sábado, na Sede da Academia de Letras, aconteceu o 1º Chá Literário do ano. O escritor Érico Veríssimo foi homenageado pelo confrade Antônio “Nino” Barbin em comemoração aos 110 anos de nascimento do escritor. Os quitutes foram servidos pelo Sempre Vale Supermercados. A Livraria Letra Viva e a Calldan Móveis ajudaram a montar o cenário da apresentação.

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VIII Séculos de

um pouco de História, um pouco Com esse tema, o Professor Renato Miguel Basso, doutor e mestre em Linguística pela Unicamp e Professor da Universidade Federal de São Carlos, (UFISCar), na noite do dia 21 de maio, quinta-feira, na Sede da Academia de Letras, apresentou um pouco da história da Língua Portuguesa, começando com suas origens latinas e passando suas principais alterações estruturais. Num segundo momento, comentou a história do português no Brasil – a chegada dessa língua, sua implementação, suas peculiaridades e diversidades em solo americano. Finalmente, na terceira parte, o professor discorreu sobre o português atualmente falado no Brasil, apresentando algumas de suas tendências de mudança. A Casa de Letras esteve lotada de estudantes do ensino médio e superior, professores, diretores, amigos da Academia de Letras e acadêmicos. Contou ainda com a presença do Diretor de Cultura Municipal, Sr. João Roberto Simões. Na ocasião, o professor autografou os livros: História Concisa da Língua Portuguesa; O Português da Gente e Semântica, Semânticas, disponibilizados pela Letra Viva. Apoiaram este evento: Departamento de Cultura e Turismo, Unifae, Lamesa, Unifeob, Sequoia, 1º Tabelionato Ceschin, BVCi, Letra Viva, LeaderAlarm e Calldan.

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e LĂ­ngua Portuguesa

o

do Presente e um pouco do Futuro

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Sopa de Letras

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Chocolate Acadêmico Com esta receita gostaria de homenagear nossa confreira Maria Aparecida Mangeon Oliveira, pois foi ela quem me introduziu nas lides culinárias em nossa reuniões festivas. Por gostar muito do chocolate que eu servia às minhas amigas em meu aniversário, ela me pediu que este gosto se estendesse à nossa Arcádia para que, assim, pudéssemos compartilhar com nossos confrades.

Chocolate para as Efemérides Acadêmicas:

Esta receita serve 6 pessoas. Obs: Quanto mais amigos, melhor será o sabor! Ferva 2 litros daquele líquido pela vez primeira sentido depois de esgotado o alimento materno; Acrescente todas as especiarias que até nós chegaram por “mares nunca dantes navegados”, tais quais: cravo, canela, aniz, ervadoce... Quando a fragrância exalar pela casa toda e o gosto de festividade aguçar nossos desejos, junte 4 colheres de pó de delícia cor de

chocolate (tem de ser puro cacau), mais 2 colheres daquele amido feito com a espiga que nos oferece tantas opções; Aquele néctar que nos vem das exímias abelhinhas deve constar da poção: 4 colheres são suficientes; Se seu paladar pedir, acrescente “cognac” para dar um toque de finesse; O edulcorado fica por conta de cada um para seu agrado.

P.S.: Como toda receita tem seu segredo, aqui vai o meu: esta receita só dará certo se vier acompanhada de muito carinho por quem a manuseia!

Maria José Gargantini Moreira da Silva Cadeira 39 Patrona Clarice Lispector ARCA | 65

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Breve história da Língua Portuguesa O Português, a língua que herdamos dos colonizadores, está comemorando oitocentos anos, pois foi a partir do século XII que aparecem textos inteiramente redigidos no então dialeto português, desmembrado do galaico. Leite de Vasconcelos, eminente linguista, filósofo, arqueólogo e etnógrafo português, divide a história de nossa língua em três grandes épocas: pré-histórica (até séc. IX) proto-histórica ( IX ao XII) e histórica (XII em diante). A pré-histórica começa com as origens da língua e se prolonga até o século IX, quando surgem os primeiros documentos latino-portugueses. O material linguístico é reduzido. Antes da chegada dos romanos à Península, muitos povos já a haviam disputado: um grupo cântabro-pirenaico e outro mediterrâneo. Destes povos ter-se-iam originados os bascos e os iberos, daí Ibéria, o nome da região dado pelos historiadores gregos. Sabemos, por meio da arqueologia, que muitos povos habitaram a Península até a chegada dos romanos, os tardelanos ou tartéssios, fenícios, gregos e lúgures. No século V a.C., chegam os celtas que, miscigenados aos iberos, formarão os celtiberos. Somente no século III, após a vitória de Roma nas guerras púnicas (nos anos 264 a 146), é que se inicia a romanização da região. Os legionários, funcionários públicos, colonos e comerciantes falavam o latim vulgar, o qual, ao se misturar aos falares da região, resulta nos vários romances, entre eles o galaico-português; apenas o basco não absorveu o latim.

Com a invasão dos bárbaros no século V, mais povos chegaram. Foram os vândalos os primeiros, seguidos dos suevos e, por último, os visigodos que, após construírem um sólido reinado de trezentos anos, serão vencidos pelos árabes. Porém, numa região denominada Astúrias, formou-se um grupo de resistência que lutou por séculos pela reconquista do território. Para tanto, formavam-se cruzadas entre os cristãos, estimulados pelos papas que lhes concediam indulgências do mesmo valor das empreendidas ao Oriente para conquista ou defesa dos “Santos Lugares”. Graças à eficiência dessas cruzadas é que constituíram os reinos de Leão, Castela e Aragão nas terras conquistadas aos mouros. Entre os fidalgos empenhados nas cruzadas, destacou-se D. Henrique, conde de Borgonha, o qual tanto empenhou-se nas lutas, que o rei D. Afonso VI, rei de Leão e Castela, deu-lhe em casamento sua filha D. Tareja e as terras do Condado Portucalense, desmembrado da Galiza, contido entre os rios Minho e o Vouga e, a partir de 1095, os domínios chegam até o rio Tejo. Após a morte de D. Henrique numa batalha, seu filho Afonso Henriques proclama-se rei de Portugal em 1143. Nascem o reino, a nacionalidade e a língua que se separa definitivamente do galaico e surgem os textos inteiramente escritos em português. Em 1290, foi criada a Universidade ou Estudos Gerais o que contribuiu para o cultivo também das letras.

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Afiando a Língua A primeira forma literária cultivada foi a poesia. Surgiram as cantigas à moda provençal registradas nos Cancioneiros, livros que abrigam tais textos, e também as compostas ao gosto da terra, as populares. Nossa língua disseminou-se vigorosa pela América do Sul, África, Índia e China levada pelos navegadores portugueses a partir do século XVI, continua viva e forte, sempre em evolução, como língua viva que é. Já nos brin-

dou com Camões, Gil Vicente, Fernando Pessoa, um prêmio Nobel para José Saramago, um Machado de Assis, um Guimarães Rosa, um Mia Couto e muitos mais, cujos nomes seria impossível elencar neste espaço. Como num álbum de fotografias antigas vejamos o primeiro texto escrito em português diretamente dos anos 1198 ou 1189. Cantiga da Ribeirinha Paio Soares de Taveirós

No mundo non me sei parelha*, mentre**me fôr como me vai, ca já moiro por vós - e ai! mia senhor branca e vermelha*, queredes que vos retraia* quando vos eu vi em saia*! Mau dia me levantei que*vos enton non vi fea!

*não conheço quem se compare a mim **enquanto * alva e de faces rosadas *retrate, represente *sem manto *pois

E, mia senhor, dês aquel dia’, ai! me foi a mi mui mal, e vós, filha de don Paai Moniz, e bem vos semelha* *bem vos parece d’haver eu por vós guarvaia* *que eu deva receber por vosso pois eu, mia senhor, d’alfaia intermédio, um luxuoso vestuário de côrte nunca de vós houve nen hei valia d´ua correa*. *qualquer coisa de ínfimo valor Por ser escrito em português arcaico, custa-nos a leitura e a compreensão das dores de amor sentidas pelo trovador queixando-se do desprezo de sua senhor (não existia ainda a palavra senhora).

Sônia Maria Silva Quintaneiro Cadeira 08 Patrono José Lins do Rego ARCA | 67

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Livros Sendo professora de História, minhas indicações não poderiam fugir do tema:

mixa história com fantasia com muito humor. Inclui uma expedição a um reino do Oriente governado por um líder católico, lendas do Santo Graal, rumos das tribos perdidas de Israel, a procura do Santo Sudário e até uma homenagem à construção de Alexandria, cidade natal do autor, no Piemonte. O CASTELO DE PAPEL

A primeira, uma obra de ficção bem humorada e divertida, o livro BAUDOLINO de Umberto Eco, nos transporta para a Idade Média. Conta a aventura do jovem Baudolino, adotado por Frederico I, o Barba Ruiva, em uma saga que vai desde a coroação deste imperador à invasão de Constantinopla pelas Cruzadas. Montado como uma narrativa em flashback feita por Baudolino ao historiador Nicetas Coniate (1150-1215), o romance

Escrito por Mary Del Priori, relata a biografia da Princesa Isabel, herdeira do trono brasileiro, tendo por

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base seu casamento com o conde D’Eu. Um casamento arranjado entre a família imperial brasileira e a dinastia de Orléans, que não impediu que fossem apai-xonados por toda a vida, representando o retrato acabado do romance do século XIX. Mary Del Priori é conhecida por combinar o rigor da pesquisa historiográfica com uma narrativa fluida e romanceada. Neste livro, ela apresenta, através da vida do casal, um tempo em que reis perdiam suas coroas, barões eram aposentados de sua nobreza, mas que, como mostra o romance, príncipes e princesas ainda se casavam e eram felizes para sempre. QUIXOTE NAS TREVAS - O EMBAIXADOR SOUZA DANTAS E OS REFUGIADOS DO NAZISMO,

Escrito por Fábio Koifman. O livro é o resultado de três anos de pesquisa e estudo realizados pelo autor. Fundamenta-se numa coleção de mais de 7.500 documentos reproduzidos, trinta horas de entrevistas gravadas e dezenas de outros depoimentos recolhidos, somados ao tanto que leu da historiografia relativa ao tema e período tratado, Era Vargas/ Estado Novo. O livro trata da questão dos refugiados do nazismo durante o período 1930/1940 e a ação do Senador Souza Dantas ao conceder, na embaixada em Paris, vistos de entrada para judeus no Brasil. Esta atitude custou ao Senador um inquérito administrativo, que o governo Vargas fez correr sem alarde, em razão do alinhamento do Brasil com os Estados Unidos. “Lembro que não havendo aqui consulado, me vi obrigado, sem perder um minuto, a assumir funções consulares para, literalmente, salvar vidas humanas, por motivo da maior catástrofe que sofreu até hoje a humanidade. Fiz o que teria feito, com a nobreza d’alma dos brasileiros, o mais frio deles, movido pelos mais elementares sentimentos de piedade cristã” – trecho do telegrama enviado pelo embaixador Souza Dantas ao MRE em 01.05.1942. Espero que gostem das sugestões.

Carmen Lia Batista Botelho Romano Cadeira 36 Patrona Patrícia Rehder Galvão ARCA | 69

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Jornalista Responsável: Francisco de Assis Carvalho Arten Projeto Gráfico: Fernanda Buga Edição: Neusa Menezes Gerência Administrativa e Financeira: Lucelena Maia Distribuição: Academia de Letras de São João da Boa Vista Revisão: Antônio “Nino” Barbin Vedionil do Império

FOTOS: Silvia Ferrante 12-15-16-20-23-25-27-31 33-34-35-38-42-46-47-48-49-50--54-65 Júlio Lima 2-40 Davis Carvalho: 56-57-58-59-60 Internet: 10-11-29-46-63-65-66-67 Marcus Vinícius Alvarenga 53

Academia de Letras

Acervo Academia de Letras: 19-45

Presidente Lucelena Maia 1º Vice Presidente Antônio Carlos Rodrigues Lorette 1ª Secretária Silvia Tereza Ferrante Marcos de Lima 2ª Secretária Carmem Lia Batista Botelho Romano 1º Tesoureiro Lauro Augusto Bittencourt Borges 2ª Tesoureira Vânia Gonçalves Noronha

Stefani Costa: 2 Bia Castilho: 8 Acervo GLOC 4-5-6-7

Contato Assistente de Secretaria Stefani Costa Praça Rui Barbosa, 41 - Largo da Estação 13870-269 - São João da Boa Vista-SP academiadeletras@alsjbv.com.br www.alsjbv.com.br

Junho de 2015

fotografia de capa: Silvia Ferrante

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