Revista Viver Bem Casa e decoração

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Daliane Nogueira :: Levar a vida no design e partir sempre da forma e do material mais simples parecem ser os lemas dos irmãos Fernando e Humberto Campana. Eles são, sem dúvida, os nomes mais conhecidos do design nacional e seus trabalhos estão expostos nos principais museus do mundo. O ponto de partida de boa parte dos móveis, objetos e instalações criados por eles é o que chamam de “artesanato funcional”, que se vale de materiais comuns e desvalorizados, como rejeitos da indústria. Durante a terceira edição da Casa Brasil, feira de design contemporâneo que aconteceu em Bento Gonçalves (RS) no início de agosto, eles conversaram com a revista Viver Bem Casa & Decoração.

Falar em Irmãos Campana é falar de design brasileiro. Como vocês percebem e vivem essa realidade? Humberto: É engraçado porque nossos produtos precisaram ser editados lá fora para depois receber reconhecimento por aqui. Levamos 15 anos para começar a viver do design. De dois anos para cá, vejo que há pessoas novas com peças publicadas em revistas internacionais. É um momento profícuo e uma conquista do design nacional.

O que é o design brasileiro para o mundo? Humberto: O Brasil não é muito bem percebido, mas há grande curiosidade em relação a nossa cultura. O caminho para emplacarmos é unir a funcionalidade e a cultura territorial. Em nosso caso, tentamos retratar o nosso meio, sem estereotipar o Brasil em carnaval e cores vivas.

O estúdio de vocês fica em Santa Cecília, em São Paulo, uma região em que convivem imigrantes nordestinos e coreanos. Isso ajuda na produção criativa? Fernando: Todo movimento agrega. Nossa referência é a rua, a vida, o comportamento e também a relação com as pessoas com as quais trabalhamos.

O fato de vocês terem vivido a infância e a adolescência no interior (Brotas, SP) influencia de que forma o trabalho ? Humberto: Nosso trabalho com fibras naturais têm ligação com esse mundo mais rural. Carregamos a valorização de uma vida mais simples e discreta. Lá, tínhamos o hábito de ir ao cinema quase todos os dias. Em nossas brincadeiras recriávamos o que tínhamos visto no cinema. Foi dessa forma que o design tornou-se nossa linguagem de expressão.

Você estudou Direito, Humberto, e você, Fernando, Arquitetura. Como o perfil de vocês se integra no trabalho como designers? Humberto: Eu estudei Direito, mas abandonei a profissão. O que sei sobre design aprendi na prática, visitando museus e conhecendo o trabalho dos outros. Meu trabalho é mais intuitivo e o do Fernando mais racional, mas também criativo. Ele dá corpo ao que eu sonho e nossas criações se dão a quatro mãos.

A instalação de vocês para a Casa Brasil foi toda feita com garrafas pet. Não é a primeira vez que vocês trabalham com esse material. O que ele pode oferecer? Fernando: A ideia foi explorar a forma, desmaterializando o pet, dando uma segunda funcionalidade às garrafas. Encontrar novas funções para os materiais mais simples é o que gostamos de fazer e pesquisar. O plástico já deu origem a outras peças nossas, como a Cadeira de Plástico Bolha.

O design brasileiro já despertou para isso que vocês exploram tanto? Humberto: Quase toda a escola de design no Brasil é focada em design industrial. E eles esquecem que a gente tem uma grande quantidade de mão de obra, habilidade manual com artesanato. Isso acaba sendo relegado a segundo plano. O artesanato é uma saída para o design brasileiro, como foi para o design italiano no pós-guerra. Foi olhando para os seus valores culturais que eles conseguiram desenvolver produtos reconhecidos por todos.

Perfil Idade: Humberto, 58 anos. Fernando, 50 anos. Principal característica profissional: “Só fazemos o que gostamos e nos dá prazer. Nesse momento, pesquisar e encontrar possibilidade de mais de um uso para o mesmo material é o que nos motiva.” Objeto de decoração que mais apreciam: entre as peças que criaram, elegem como representativas a Cadeira Vermelha, que consideram um símbolo de liberdade, e a Cadeira Favela, que tem ligação com as ruas, a cidade.

E em que ponto estamos nesse processo? Humberto: Antes de mais nada é preciso olhar o Brasil com as raízes e não fazer design igual ao parisiense ou ao alemão. Depois é preciso orientação, pessoas que observem o artesanato, que mostrem o caminho. Ampliar a comunicação entre designers e as comunidades de artesãos é a principal solução. Acreditamos que, ao se trabalhar com quem está do nosso lado, com as pessoas menos favorecidas, não se cria barreiras, cria-se uma produção sustentável.

Qual o futuro dos Campanas? Humberto: Estamos investigando novas áreas, estivemos dois anos envolvidos no restauro do café do Teatro Municipal de São Paulo e estamos projetando algumas residências. Experimentar é sempre enriquecedor.

Conteúdo extra Veja a entrevista completa no

www.gazetadopovo.com.br/viverbem/casaedecoracao

GAZETA DO POVO

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