Afundação Roberto Marinho

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pagar a uma pessoa física (a-tor, por exemplo) e não se quisesse envolvimento (leia-se pagamento) de I. Renda, INPS, ISS, etc, comprava-se uma Nota fiscal (pagando de 10% a 12%). Ou seja: Dava-se o dinheiro ao ator e a per-centagem ao vendedor da Nota. Esta era a Nota fria de "boa-fé". Já a nota fria de "má-fé" era aquela que não se pagava nada a ninguém, a não ser a percentagem do vendedor da nota, e o dinheiro ficava para o Gerente ou o Diretor que fazia o negócio. A grande surpresa é que isto não era exceção e sim a regra. 0 que rolava na Fundação era nota de PJ. (Pessoa Jurídica. E, Graças a Deus nota não fala. E depois de um tempo, até que pareciam honestas. Perguntado ao Matsumi sobre como ele distinguia uma nota de outra, ele respondeu: — Eu não distingo. Se a produção quiser roubar, rouba. Se os diretores quiserem roubar, roubam. Não há controle algum. E, todos, inclusive eu, são suspeitos e passíveis de desvios de toda sorte. E, uma vez que não há controle, tudo é possível. — A que se deve este estágio alarmante de descontrole? — Perguntei ao Matsumi. — A própria Globo, que institucionalizou a sacanagem. Veja bem, vem de lá a criação de pagar uma pessoa física como PJ (Pessoa Jurídica). Isto ocorreu, inicialmente, por uma questão de mercado, depois virou zona. É o seguinte: Por uma questão de concorrência, a Globo consegue pagar mais aos seus artistas e diretores porque não os paga como pessoas físicas (que têm altos impostos na fonte, e cujo valor líquido é baixo e raríssimas deduções são permitidas na declaração final de renda). Ao contrário, pagando a estas pessoas (artistas e diretores) como pessoas Jurídicas (PJ), o valor bruto é alto e você só paga impostos se for burro pois a retenção na fonte não existe ou é insignificante, e você deduz tudo (qualquer despesa) como custo (até papel higiênico). — Mas isto é uma puta sacanagem. Não que isto seja novidade. Até entendo que a Globo o faça, por estar politicamente impune. É compreensível. Mas, a Fundação é a vidraça do Dr. Roberto. . . É o passaporte dele pro céu. — Disse eu. — Machado. Aqui é igual à Globo. Quando você atinge uma faixa salarial alta ou um cargo elevado você deixa de ser pessoa física, para não pagar imposto e passa ser uma pessoa Jurídica. E aí começa a zona. Afinal, você não está na Suíça. Existe alguém neste país que ganhe muito e pague imposto? Quem paga imposto no Brasil não é a classe média? Então? Aqui é igual. É Fundação. É Globo. É Brasil. Pode ver que todos os diretores, todos sem exceção, recebem por PJ (Pessoa Jurídica), inclusive eu, Jorge Matsumi. A frieza e firmeza do Matsumi às vezes me assustava. Era tão franco que parecia cínico. Era frio diante do inevitável e absolutamente calmo e consciente em relação ao seu papel social. O "Japonês" (apelido do Matsumi) partia de uma lógica racional bem simples: "Sou só eu?" E, me desconcertava com sua retinilidade lógica: Ele tinha consciência de que não roubara nada. Não era responsável pela desorganização. O que havia de errado na Fundação era cópia da Globo. E a Globo era o Brasil. Cabeça cheia. Eu tinha que me preparar para abrir o Calazans. Mas antes, tinha que selecionar a massa de informações que estava recebendo, e fazer um grande mergulho interior para buscar forças dentro de mim. Embora não fosse artista, e tivesse horror de pensar nesta possibilidade, valia-me de um recurso artístico: o laboratório. Nestas horas a "pilha" ia gastando (eu trabalhava 12 ou 14 horas, em média, por dia) e costumava ir tornando-me diferente, calado, introspectivo. Era preciso me policiar. Eu tinha que estar alegre, feliz, despreocupado, para poder assimilar tudo sem sentir. Estar apto a ouvir o maior absurdo e não mover um músculo nem demonstrar o golpe. E, para isso tinha que me por em equilíbrio. As providências eram simples: Primeiro trocar de hotel. (Por causa do Jair eu acabei me hospedando num hotel tipo Shopping Center.) Eu detestava hotéis impessoais tipo Shopping Center e como eu vivi minha vida como auditor hospedando-me em hotel, eu era muito intolerante com as más qualidades de um serviço. Queria um hotel fora do tumulto. Por isso escolhi o Eldorado — Higienópolis, pois o local é arborizado, silencioso, relaxante, e eu poderia ir andando até a Fundação (pela manhã), colocando todos os meus pensamentos em ordem. (Era parte da higiene mental e tranqüilidade que eu precisava.)


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