Consciência & Liberdade 30 (2018)

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Liberdade Religiosa, Segurança e Laicismo

fazê-lo – sendo este país o paradigma da livre iniciativa – não valem de nada; contratar funcionários que se opõem aos objetivos da empresa e não poder demiti-los quando a sua inclinação ideológica vital é contrária ao que essas empresas promovem – como, por exemplo, no que diz respeito à proteção da vida. Da mesma forma, as famílias Católicas e as agências de adoção são forçadas a entregar crianças a casais do mesmo sexo, etc.. Em suma, a Liberdade Religiosa é subordinada ao agressivo igualitarismo ideológico, combativo e destrutivo do pessoal, do qual o Governo – não importa quão poderoso possa ser em termos de armas nucleares – não é nada mais do que uma simples pantomima do coletivo beneficiário. De facto, nos Estados Unidos da América, o país da democracia nativa, a forma da família não pode ser estabelecida democraticamente ou por um referendo da maioria. Na medida em que os determinantes morais e salvíficos (autenticamente religiosos) são dispensados, “a questão de quem cada homem pode ser” deixa de ser colocada, e “só pode ser resolvida pelo objeto do seu desejo e não, como pensavam os Estoicos, pela supressão do próprio impulso de desejar: ‘cada um é, como é o seu amor’ (Homilias da Primeira Epístola de João, II, 14)”.9 Isto envolve uma transformação da personalidade que foi convincentemente apontada por Voegelin. Ele diz que a [u]nião num Estado com um soberano pode manifestar-se de forma legal, mas é, primeiro e mais importante, uma transformação psicológica das pessoas unidas. [...] As partes contratantes não criam um Governo que os represente [...]. Pelo ato do contrato, deixam de ser pessoas que se regem a si mesmas, e fundem os seus impulsos de poder numa nova pessoa, o Estado. O portador dessa nova pessoa, o seu representante, é o soberano [...]. A criação dessa pessoa do Estado, Hobbes insiste, é por “concordância mais do que por consentimento”, como sugere a linguagem do contrato. As pessoas humanas individuais deixam de existir e fundem-se na pessoa que o soberano representa”.10 Isto mostra-nos o impacto aterrorizante da transformação do “pessoal” em político. Mas esta metamorfose implica, em primeiro lugar, uma transformação religiosa: a que está implícita na noção de pessoa, sem a qual não só ela não teria aparecido, como não teria significado. Kantorowicz descreve o surgimento da ideia sobre a qual o seu livro magistral se desenrola: “Um dia, encontrei na minha caixa de correio a versão impressa de uma publicação periódica litúrgica de uma Abadia Beneditina nos Estados Unidos da América, que trazia a apresen9 ARENDT, H.: El Concepto de Amor en San Agustín, p. 36. 10 VOEGELIN, E.: La Nueva Ciencia de la Política, p. 217-219.

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