Trívio n. º 9 + Suplemento, maio 2018

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CULTURA

MURALIZA(-TE!) Cont. cap da lata de spray para obter um traço fininho.” Foi numa altura em que as intervenções artísticas em locais públicos eram consideradas ilegais. Devido a isso, as pessoas também não levavam esta arte de uma forma aceitável, tal como o fazem hoje em dia. “Tens sempre a pessoa que te dá um elogio, aquele que te insulta, e isso depende também daquilo que fazes. Se fizeres um trabalho bem desenvolvido, as probabilidades de te insultarem são menores do que se fizeres uma simples linha na parede. Eu lembro-me de uma vez estar a pintar em Cascais e de duas mulheres quase ao mesmo tempo terem visto um graffiti que eu estava a fazer, na altura, e de uma ter dito “uau, que lindo” e outra “ai, que horror” (risos). Uma viu a luz e a outra a escuridão.” Nomen e os seus companheiros usavam e abusavam das muitas paredes e prédios que viam abandonados. Apropriavam-se daquilo que achavam que poderia ser seus, mas havia sempre o risco de serem presos, dado que poderiam estar a invadir propriedade privada. Foi assim mais de 20 vezes, dado que tiveram de fugir muitas dessas vezes para não serem presos, “mas safámo-nos sempre. Muitas vezes, o proprietário não apresentava queixa. Por vezes, gostava do graffiti e deixava ficar, outros não gostavam e aí lá íamos nós pintar a parede de branco para não haver chatices. A maioria das vezes retiravam a queixa e não avançavam com nada.” Nada disso deteve Nomen de continuar a desenvolver a sua arte e de transformar cada vez mais locais. O seu trabalho aparece em quase todos os sites e revistas de graffiti mundial e influenciou toda uma geração de artistas em Portugal e no estrangeiro. Pintou com os melhores do mundo em Espanha, França, Inglaterra e Suíça por várias vezes. O graffiti é, hoje em dia, o seu modo de vida, que explora através de eventos, decorações, telas e workshops. O que antes era vandalismo agora é arte! Vandalismo para uns, destruição para outros e arte para ainda outros. É assim que pode ser percecionado o tão conhecido graffiti. Neste momento, o que está em voga é chamar de arte urbana a maior parte dos graffitis presentes em várias paredes. Mais do que chamar à atenção e assim cumprir o seu objetivo, esta ideia atrai cada vez mais

pessoas de todo o mundo, começando mesmo já a surgir um novo modelo de turismo. Isto porque, a par com o projeto Muraliza, já existem vários roteiros turísticos em Lisboa para descobrir as melhoras pinturas artísticas da capital. Um pouco por toda a Europa, edifícios antigos e emblemáticos estão a ser transformados em autênticas paredes coloridas, expressivas e cheias de vida com fortes mensagens de cariz político e social. Este último ponto é precisamente o destaque da arte urbana. Encontra-se cada vez mais veiculada como uma arma de combate às desigualdades e uma forma de expressão, que expõe os problemas sociais de uma forma bastante própria, despertando a atenção de qualquer um que se depare com uma destas representações. Há um leque bastante vasto de fenómenos, que vão à boleia dessa palavra “graffiti”. E esse leque de fenómenos tem várias características, que funcionam num sentido legal e ilegal, num sentido de alta e de baixa cultura e no sentido espacial e temporal, os espaços onde são feitos e em que momento são feitos. E, normalmente, quando falamos no sentido legal e de alta cultura, estamos a falar de arte contemporânea, arte pública e produção de murais. Quando estamos a falar do eixo ilegal e de baixa cultura estamos a falar de escritos de casa de banho ou de palavras erráticas, que surgem nos viadutos, ou seja, há um leque bastante vasto entre uma coisa e outra. Em poucos anos, assistiu-se a uma revolução na forma de olhar o graffiti, antes sinónimo de vandalismo. Aos poucos, e graças a vários artistas, o graffiti foi conquistando espaço e admiradores. “A mentalidade das pessoas mudou, pois a qualidade de oferta visual e a filtragem desses artistas é agora muito mais qualitativa e impactante no que se refere ao muralismo. No entanto, o vandalismo existirá sempre à margem”, comenta Nomen. Lisboa tem sido pioneira e considerada uma das maiores capitais, a nível mundial, de arte urbana. A capital é tida como um exemplo a seguir, pois as autoridades colaboram, apoiam e promovem este tipo de arte, ao invés desta ser restringida. É mesmo a única cidade com um departamento urbano de arte de rua, patrocinado pelo Estado. Em 2008, a Câmara Municipal de Lisboa desenvolveu uma programação

dirigida a este fenómeno, que se traduziu na criação de uma Galeria de Arte Urbana (GAU), através do Departamento de Cultura. O município quis publicamente reconhecer que o grafitti tem lugar na cidade de Lisboa. São expressões artísticas válidas, tal como a arquitetura, a cultura ou a azulejaria. O GAU veio promover a cidade, a sua cultura e os artistas. A criação deste gabinete foi benéfica para todos, especialmente para os jovens, que tinham vontade de mostrar o seu trabalho e já o faziam de forma espontânea, mas assim foram-lhes proporcionados meios para o que desenvolvessem numa escala ainda maior. Apesar de a fronteira entre a arte e o vandalismo ser cada vez mais ténue, é fácil percebermos a razão pelo qual os vários murais e paredes com graffitis serem considerados arte. São obras chamativas, pintadas por diversos artistas, com uma mensagem presente, cheias de cor e luz, que vão eliminado a mentalidade de muitas pessoas relativamente ao graffiti e ao vandalismo. Têm tanta força visual e comunicativa, que o era ilegal passou a ser legal. Longe vão os tempos em que o graffiti era o “patinho feio” da arte. Era considerado um ato de vandalismo, muitas vezes punido por lei, que retirava o prestígio e a beleza às cidades. Nos dias que correm, é um fenómeno global que tem captado a atenção não só de turistas e viajantes, como também de artistas e críticos de arte. Começa a impulsionar um modelo de turismo muito próprio, que tem levado diversas capitais, sobretudo europeias, a apostar na arte urbana. É dessa forma que, principalmente, Lisboa e Cascais estão colocadas no mapa mundial da arte urbana, por serem duas autênticas cidades com centenas de paredes e fachadas pintadas por artistas nacionais e internacionais.

https://madalenacosta.atavist.com/ muraliza-te


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