Revista Conceitos - Edição 15

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porque desobedeceu a um código moral. Cabe à instância de autoridade que defende o código moral, no caso o Poder Judiciário, punir a infração ao código, cometida pelo indivíduo. Os Dez Mandamentos, por exemplo, “as leis sagradas”, são códigos morais a que se deve obedecer, são leis que determinam o comportamento daqueles que professam o Cristianismo. Se esses indivíduos não se comportarem como mandam essas leis, como “sujeitos cristãos”, não terão o Paraíso e serão, portanto, punidos. Segundo Foucault (2004a: 215), na instância dos códigos de comportamento, a subjetivação se realiza, basicamente, de uma forma quase jurídica, na qual o sujeito moral se refere a uma lei ou a um conjunto de leis à qual ele deve se submeter, sob pena de cometer faltas que o expõem. O segundo aspecto da “moral”, o das formas de subjetivação diz respeito à consciência de si, à relação consigo próprio, à decifração de si por si, ao exame de si, para as transformações que buscam operar em si mesmo. Como foi dito anteriormente, estes dois aspectos são indissociáveis na constituição do sujeito moral, pois a ação moral relaciona-se ao código, às regras, ao que está exterior ao indivíduo, ao próprio indivíduo em sua relação consigo mesmo, ao conhecimento de si. Tomando como base a filosofia da antiguidade, Foucault (2004a) afirma que, apenas conhecendo a si, o sujeito poderá “vencer as tentações” e seguir os códigos, tornando-se um sujeito moral. A “moral” dos códigos de comportamentos, código moral, de caráter prescritivo, diz respeito a conjunto de valores e de regras de conduta que são propostas aos indivíduos (...) por meio de diversos aparelhos prescritivos, como podem ser a família, as instituições educativas, as igrejas (Foucault, 2004a: 211). A “moral” das formas de subjetivação diz respeito ao comportamento real dos indivíduos em sua relação com as regras e valores que lhes são propostos, à forma como os indivíduos reagem ao “código moral”. Os códigos morais, como jogos de verdade, certamente, não são aceitos sem conflitos, pacificamente. Como relações de poder, estratégias que os sujeitos usam para conduzir a conduta dos outros, os jogos de verdade sempre instaurarão resistências. A “moral” dita códigos de comportamento. Desta forma, tanto a “moral” dos códigos de comportamento quanto a “moral” das formas de subjetivação estão localizadas no universo das técnicas de si. Foucault (1997: 109) assim define as técnicas de si: ...os procedimentos, que sem dúvida, existem em toda civilização, pressupostos ou prescritos aos indivíduos pra fixar sua identidade, mantê-la ou CONCEITOS

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Março de 2009

transformá-la em função de determinados fins, e isso graças às relações de domínio de si sobre si ou de conhecimento de si por si.

Pensando na questão das técnicas de si, as fábulas, por exemplo, a partir de seus ensinamentos morais, podem ser usadas como técnicas de si, como procedimentos pressupostos ao indivíduo para fixar sua identidade, para torná-lo um sujeito moral. Ao mostrar os vícios, os defeitos e virtudes humanas, geralmente através da figura animal, as fábulas estão propondo modelos de conduta a fim de “modelar” a identidade do indivíduo, procurando levá-lo a tomar consciência de si, de seus atos, e, assim, a respeitar o “código moral,” tornando-se sujeito moral. Como dissemos, essas pequenas “historietas” podem também ser vistas como técnicas de si. Evidentemente que os ensinamentos presentes nas fábulas e a forma como eles são apresentados estarão relacionados às peculiaridades de cada época e à identidade de sua função-autor. As fábulas de La Fontaine, por exemplo, não trazem as mesmas formas de apresentação dos ensinamentos nem as mesmas marcas identitárias que aquelas de Monteiro Lobato. Estas, por sua vez, divergem das fábulas fabulosas de Millôr Fernandes. Podemos citar ainda, como técnicas de si, as parábolas bíblicas que visam à constituição de sujeito da moral cristã. Faz-se necessário salientar que as técnicas de si não estão relacionadas apenas ao “código moral”, mas a todo procedimento que visa “modelar” uma identidade, constituir o indivíduo em sujeito. Numa sociedade como a nossa, por exemplo, há um conjunto de procedimentos que visa à constituição do sujeito da beleza. Jogos de verdade que promulgam esse sujeito, através das propagandas publicitárias e dos programas de televisão, por exemplo. É preciso ser “belo” para entrar na “ordem do discurso”. Assim, os indivíduos buscarão através de todas as maneiras, se identificarem com esse modelo de beleza, promulgado por esses jogos de verdade. Esses indivíduos buscam reconhecer-se como sujeito da beleza: moldam sua identidade para também se constituírem como sujeito da beleza, havendo, portanto, a sujeição a esses jogos da verdade. No entanto, como jogos da verdade, portanto, relações de poder, existe a possibilidade da resistência, existem as técnicas de afrontamento. Nem todos os indivíduos irão se sujeitar a esses padrões, aos jogos de verdade que constituem esse sujeito da beleza. Se assim não fosse, a sociedade não seria heterogênea, seria um todo homogêneo em que todos teriam os mesmos ideais, os mesmos objetivos, talvez não existisse sociedade. As técnicas de si relacionam-se a uma outra 39


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