Boletim ADUFPB 186

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TERÇA-fE!RA, 04 DE SETEMBRO OE 2018

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NOTA À COMUNIDADE

ADUFPBrepudia política de cortes que transforma em cinzas a ciência e a cultura no Brasil A ADUFPB vem a público manifestar o seu veemente repúdio à política de cortes do governo golpista que, obedecendo aos ditames do mercado, tem atingido com particular ferocidade a ciência, a inovação tecnológica, a educação e a cultura em nosso país. Tal escolha de prioridades produziu como o mais recente de seus crimes o incêndio no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na noite desse fatídico 2 de setembro de 2018. O Museu Nacional era a instituição científica mais antiga do país. Fundado por D. João VI em 6 de junho de 1818, abrigava um acervo da ordem de 20 milhões peças, o maior conjunto de História Natural e Arqueologia da América Latina. O Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, como era mais conhecido, sediava ainda 9 cursos de pós-graduação e centenas de pesquisas documentadas e em andamento. Era um patrimônio nacional histórico, cultural, identitário e afetivo. Trata-se de uma perda inestimável e irrecuperável. O incêndio em questão não foi um acidente. Eledeve ser considerado como produto do total descaso do atual governo para com a ciência e a tecnologia brasileira. Estádiretamente vinculado aos cortes de investimentos produzidos a partir da ascensão do golpista Temer à presidência da República e da aprovação/promulgação da criminosa Emenda Constitucional 95 (ECj95), que colocaram na ordem do dia a dilapidação e privatização do patrimônio público, a destruição da soberania nacional e a regressão dos direitos conquistados pelos trabalhadores desse país ao longo da nossa história cruenta. No momento em que o nosso país vive uma de suas maiores crises institucionais, historicamente, o governo

Temer aponta o caos econômico e social e o arbítrio político cada vez mais evidente como caminho. A tão propalada "ponte para o futuro" consolidou-se como caminho para um passado de privilégios para corporações poderosas e opressão sobre o conjunto dos trabalhadores brasileiros. Está em pleno curso a maior inversão de prioridades - se tivermos a constituição de 1988 como referência - de nossa construção enquanto democracia. Simbolicamente, o descasocom o patrimônio histórico e científico é também uma forma de dominação e opressão das classesdominantes,uma autêntica apropriaçãoparadestruir,porque uma sociedadeque não se referenciaem seu passadodeixa caoticamente aberta as possibilidadesde construção do futuro. Sãoos pilaresde nossajovem democraciaque estão em xeque. Encerramos conclamando ao conjunto dos docentes para que faça de seu cotidiano laboral um momento de permanente diálogo no sentido de construir a unidade de nossas forças para os enfrentamentos que precisamos desenvolver contra o abandono da produção e preservação do conhecimento. Mais que isso, devemos ocupar todos os espaços possíveis no sentido de fazermos a denúncia da política de destruição do conhecimento nacional e de nossos direitos, e afirmarmos o único caminho possível para que possamos derrotar e superar a crise em curso: a retomada de nossa democracia e seu aprofundamento com justiça social. João Pessoa,03 de setembro de 2018 DIRETORIA EXECUTIVA DA ADUFPB


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186 lERÇMEIRA. 04 DE SETEMBRO

DE 2018

A catástrofe se aproxima das universidades federais e do sistema de ciência e tecnologia Roberto Leher (Publicada no dia 14 de agosto de 2018) Em meio à neblina cerrada que recai sobre o futuro dos conhecimentos científico, tecnológico, artístico e cultural, provocada pela emenda dita do Teto (declinante) dos Gastos (EC 95/2016), a rigor, emenda da reforma não consentida do Estado, a ponta do iceberg emerge ameaçadoramente. Como consagrado no dito popular, a parte visível da catástrofe que se aproxima oculta a grande massa submersa, justamente a referida EC 95. Um alerta à comunidade acadêmica: manobras de pequena envergadura não livrarão o país dos problemas advindos da obtusa alteração constitucional. As dimensões visíveis dos efeitos da EC 95 são importantes e, por isso, devem ser cuidadosamente examinadas. Em 1º de agosto, a direção da Capes veio a público para alertar que, com os cortes estimados para 2019, as 93 mil bolsas de pós-graduação e as 105 mil de formação docente deixarão de ser pagas em agosto. É sistêmico. Uma semana depois, o presidente do CNPq manifestou a mesma preocupação sobre o futuro do órgão. A previsão é de que o orçamento despenque do irrisório R$ 1,2 bilhão em 2018 para apenas R$ 800 milhões em 2019. Nem sequer as bolsas poderão ser pagas. É necessário lembrar que em 2014 o orçamento foi de R$ 2,8 bilhões. Ademais, em virtude do teto, recursos advindos das empresas para o fomento científico e tecnológico não poderão ser integralizados no orçamento do CNPq em 2019 por inexistência de limite orçamentário. Com isso, as bolsas de pós-graduação e de pesquisa e os investimentos em ciência e tecnologia serão literalmente interrompidos no país. A parte visível das consequências sobre a área de ciência e tecnologia é devastadora. Mas é preciso ampliar o olhar para a destruição do sistema de educação superior, ciência, tecnologia e inovação em sua amplitude. As atividades apoiadas pela Capes e pelo CNPq são desenvolvidas, em sua grande maioria, nas universidades públicas federais, e elas estão sobrevivendo por meio de respiração artificial, na iminência de risco de colapso. De modo direto: a crise orçamentária da Capes e do CNPq não pode ser vista de modo desvinculado do apagão orçamentário das universidades federais. De nada resolveria alocar mais recursos para a Capes retirando ainda mais recursos das universidades e institutos federais de educação tecnológica. Tampouco dos programas destinados à educação básica. Igualmente, de nada resolveria melhorar os recursos da educação canibalizando as verbas do MCTIC ou do Ministério da Saúde. O problema real é a armadilha produzida pela EC 95/2016. Nenhum país sobrevive sem investimentos públicos. Recente estudo de Vilma Pinto e Manoel Pires, do Ibre/FGV, confirma o iminente colapso do funcionamento do Estado Federal. As verbas discricionárias que pagam o custeio e o investimento dos órgãos federais podem ser reduzidas de R$ 126 bilhões, em 2018, para R$ 100 bilhões em 2019, e, em 2020, para R$ 70 bilhões. Isso considerando-se que o salário mínimo e a remuneração dos servidores não serão corrigidos, hipótese socialmente deletéria.

Contudo, o custo mínimo da máquina pública é de R$ 120 bilhões. Episódios como a suspensão da emissão de passaportes se repetirão em todos os órgãos. Com isso, toda a grande área associada à ciência será desmoronada ao longo de 2019. A pesquisa não é uma linha de montagem em que, desligadas as máquinas, elas podem ser religadas em momento mais favorável. Linhagens de seres vivos precisam ser mantidas. Processos de investigação são cumulativos. Os jovens pesquisadores e estudantes precisam de mensagens positivas sobre o futuro. É fantasioso supor que o mercado irá preencher esse vazio. Um exemplo concreto ajuda a dimensionar o problema. Em 2015, na UFRJ, a maior federal do país, as verbas da União autorizadas pela LOAforam de R$ 341 milhões para o seu custeio e investimentos, sendo que R$ 53 milhões foram contingenciados. Em 2018, o orçamento da União está reduzido para R$ 282 milhões. E novos cortes estão sendo anunciados. Assim, as verbas de investimento despencaram de R$ 51 milhões, em 2016, para R$ 6 milhões em 2018. E com isso prédios estão com a construção interrompida, os prédios prontos estão sem fornecimento de energia, moradias estudantis ficam atrasadas, alimentando a evasão de estudantes. E o estoque da dívida somente não cresce em virtude do forte corte de gastos de custeio empreendido desde 2015, ceifando mais de 1,3 mil postos de trabalho terceirizados. Mas os cortes chegaram ao limite. o país necessita de uma concertação democrática e comprometida com o desenvolvimento social, o que requer, obrigatoriamente, recolocar no eixo da política nacional a valorização do trabalho. É preciso uma coalizão que permita um pacto republicano que impeça a desorganização do exitoso sistema de ciência e tecnologia lastreado pelo sistema federal de ensino superior. A premissa, lastreada pelas evidências empíricas, é a revogação da EC 95. Frente à necessidade de sustentabilidade do fundo público, outras medidas mais abrangentes e inteligentes terão de ser apresentadas, envolvendo reforma tributária, isenções e renúncias fiscais, melhor abordagem da problemática da dívida, entre outras. Na transição, é preciso impedir que a EC 95 salgue o solo do porvir da educação, da ciência, da tecnologia, da arte e da cultura. Para que as universidades federais não entrem em colapso, a Lei Orçamentária terá de restabelecer, no mínimo, o montante corrigido da média das LOAsdo período 2013-2016, anterior à EC 95, e alocar recursos que possibilitem a conclusão das obras interrompidas e a correção do orçamento do Programa Nacional de Assistência Estudantil, assegurando, ao mesmo tempo, que o CNPq e a Capes recebam o valor real médio do mesmo período.

*ROBERTOLEHER é reitor da Universidade Federal do Riode Janeiro (UFRJ)

* Artigopublicado originalmente no Jornal do Brasil

Boletim produzido pela ASCOMIAOUFPB. Jornalistas responsáveis: Ricardo Araújo e Maurício Meio. Revisão: Nana Viscardi.


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