Anais 1989 - 2009

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ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA 1989 – 2009

ANAIS Ano I • Volume I

Brasília, outubro de 2009


Anais: Ano I, volume I / Academia de Medicina de Brasília (1989-2009) - Brasília : Ed. do Autor, 2009. 150 p.

Coletânea de escritos apresentados em conferências.

1. Medicina. I. Academia de Medicina de Brasília (1989CDU 61

Revisão:

Maria Neves Diagramação:

Marcos Aurélio Pereira Capa:

Marcos Aurélio Pereira

Academia de Medicina de Brasília SGAS 607 – Edifício Metrópolis – Cobertura 01 Asa Sul – Brasília – DF – CEP: 70.200-670 E-mail: acadmedbr@yahoo.com.br Tel.: (61) 3346-3655


APRESENTAÇÃO

Os ANAIS que ora surgem – o primeiro volume elaborado pela Academia de Medicina de Brasília – são a expressão do trabalho cultural desta Academia, no momento em que se comemoram os 20 anos de sua fundação. Não é tarefa fácil fundar, trabalhar e manter uma entidade como esta: são indispensáveis vontade firme e determinação de propósitos, principalmente quando se tem como meta primordial a obediência aos princípios que regem os Estatutos e, por consequência, àquilo que os fundadores estabeleceram como deliberação primeira. Sabemos o quanto é difícil contar com a totalidade dos associados em nossas sessões ordinárias, em que pese residirmos na mesma cidade e exercermos afazeres afins, mas, também, é nosso entendimento que um médico, pela própria natureza da profissão que exerce, nem sempre é senhor de seu próprio tempo. Todavia, com obstinação e persistência, a Academia de Medicina de Brasília vem conseguindo superar seus desafios e manter sua proposta de trabalho, da qual um dos frutos pode ser colhido na produção intelectual agora impressa. A vida acadêmica e o trabalho científico, princípios básicos desta entidade, integram-se aos da Federação Brasileira de Academias de Medicina, por isso estes ANAIS tentam reunir as


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atividades históricas do Sistema de Saúde, do Ensino Médico e da Pesquisa no Distrito Federal – sem pretender admitir o esgotamento do assunto –, realizadas na Academia e, sob seus auspícios, de maio a outubro de 2008. Este momento histórico marca fase nova da Academia de Medicina de Brasília, não só no cumprimento estatutário de sua finalidade institucional de desempenho qualificado da Medicina, como também acentua seu conteúdo social. O nível das discussões e das ideias trabalhadas nas sessões plenárias correspondeu e, até mesmo, excedeu a expectativa ensejada pelo seu objetivo, o que gratificou de modo especial a Academia. Muito nos falta, ainda, a percorrer, mas já temos trabalho a apresentar bem como a dizer às comunidades médica, científica e cultural do Distrito Federal. Nesta oportunidade, cabe fazer registro penhorado de agradecimento da Academia de Medicina de Brasília aos membros da Comissão Organizadora dos ANAIS e a seu Relator, cujos esforços viabilizaram a competente edição dos ANAIS, importante instrumento para a geração de frutos que, por valorizar a Medicina e fortalecer a cidadania brasileira, irão influenciar a tão desejada concretização, no âmbito de nossa entidade, de um sistema integrado de educação continuada, de cultura e de pesquisa. Brasília (DF), outubro de 2009 Acadêmico José Leite Saraiva Presidente da Academia de Medicina de Brasília 4


COMISSÃO DOS ANAIS

Presidente: JOSÉ LEITE SARAIVA

Organizador e Relator: MARCUS VINÍCIUS RAMOS

Membros: FRANCISCO FLORIPE GINANI BRAULIO MAGALHÃES-CASTRO FRANCISCO PINHEIRO ROCHA ANTÔNIO MÁRCIO JUNQUEIRA LISBÔA LUIZ AUGUSTO CASULARI ROXO DA MOTTA



ANAIS DA ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA

Brasília, a nova capital federal, deveria servir não apenas como núcleo habitacional voltado para as atividades administrativas, mas, também, como novo e importante foco irradiador de cultura que teria origem em uma grande área situada entre as Superquadras e o braço norte do futuro Lago – a Universidade de Brasília. Caberia à Faculdade de Ciências Médicas da UnB a responsabilidade pela educação dos futuros médicos da capital e, também – embora de forma não explicitada, mas por todos assumida – liderar as pesquisas científicas na área da saúde. Os cuidados com bem-estar da população seriam, por sua vez, naturalmente atribuídos à recém-criada Secretaria de Saúde, que já dispunha, desde 1959, de planejamento médico-hospitalar para todo o Distrito Federal – o Plano Geral da Rede Médico-Hospitalar de Brasília. Elaborado por Henrique Bandeira de Mello, propunha dotar os habitantes da nova capital de assistência de alto padrão, apoiada numa rede médico-hospitalar ampla e diversificada, formada por unidades de dimensões e funções complementares.


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O plano estabelecia a criação de um Hospital de Base – em que as diversas especialidades e equipamentos mais sofisticados seriam concentrados –, Hospitais Distritais e Unidades Satélites, de modo a oferecer uma cobertura que abrangesse praticamente toda a população. Bandeira de Mello pretendia [...] revolucionar os sistemas até então conhecidos, romper com a rotina, corrigir métodos ora existentes nas velhas cidades e impedir que pela multiplicidade de meios de assistência, a Medicina se torne onerosa e, paradoxalmente, insuficiente. O Serviço de Saúde da Nova Capital será baseado na participação da própria sociedade, por intermédio de representantes de todas as classes, em defesa da saúde da comunidade – direito que todos devem defender1.

Bandeira de Mello propunha um modelo regionalizado que contemplava na atenção à saúde, ações preventivas, curativas e de meio ambiente, evitando as distorções praticadas no atendimento às populações pelos sistemas existentes no restante do País. A coordenação desse plano seria realizada pela Fundação Hospitalar do Distrito Federal, que centralizaria os diversos hospitais, suas unidades satélites e as demais instituições de apoio2. Nascida, nas palavras de Lucio Costa, “do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da Cruz”, a utopia 1 2

Ernesto Silva. “Revista do Serviço Especial de Saúde Publica” in: AMBr Revista 84, 2007, p. 6. O plano Bandeira de Mello também previa a necessidade de hospitais especializados para pacientes crônicos, centros de reabilitação, escola de enfermagem e um Laboratório Central. O Plano Piloto disporia de 2.500 leitos hospitalares, destinados a uma população de 500.000 habitantes.

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de seu criador confrontou-se, a partir da inauguração da cidade, com a enorme carga de problemas da sociedade brasileira, cuja realidade encontrava-se muito distante das pranchetas dos escritórios que a criaram. São justamente essas virtudes e vicissitudes pelas quais vem passando a Medicina do Distrito Federal ao longo desses quase cinquenta anos de história da cidade que compõem os textos de uma série de conferências patrocinadas pela Academia de Medicina de Brasília durante o ano de 2008, reunidas nesses Anais. Neles, encontra-se o ponto de vista daqueles que foram, em algum momento de suas vidas, protagonistas e testemunhas das decisões que influenciaram as medidas tomadas a respeito da assistência à saúde, educação médica e pesquisa avançada no Distrito Federal. Os primeiros textos correspondem ao eixo representado pela assistência à saúde. Incluídos nesse bloco encontram-se o relato de Ernesto Silva sobre o planejamento original à saúde do Distrito Federal feito ainda no Rio de Janeiro, bem como as primeiras dificuldades encontradas para implementá-lo na nascente capital. A esse se junta o depoimento de Gustavo Ribeiro sobre os múltiplos desafios enfrentados pelos primeiros médicos a aqui chegar. Segue-se uma revisão de Pinheiro Rocha sobre o porquê da necessidade de modificações daquele planejamento, contrapondo a dura realidade de uma Brasília que crescia em ritmo acelerado ao que havia sido proposto pela burocracia da antiga capital. Finalizando, Jofran Frejat conta como foi feita a regionalização da saúde no Distrito 9


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Federal e quais foram as implicações políticas que a antecederam e, eventualmente, a sucederam. O segundo bloco trata da educação médica. As conferências de Luiz Carlos Lobo e Odílio Silva referem-se à fundação e aos primeiros anos da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Brasília, responsável por introduzir na nova capital um modelo inovador e revolucionário de ensino médico que privilegiava o atendimento à comunidade sem, contudo, descuidar do paciente. Os textos sob a responsabilidade de Antônio Márcio Lisbôa e Marcus Vinícius Ramos tratam desse modelo, observado sob a ótica de professor e aluno, respectivamente. A expansão da educação médica para novas instituições de ensino é também abordada nesse capítulo, com Fábia Lassance discorrendo sobre o projeto pedagógico do curso de Medicina da Universidade Católica de Brasília, enquanto Mourad Belaciano demonstra a quebra de paradigmas na graduação médica proporcionada pela FEPECS, instituição subordinada à Secretaria de Saúde do Governo do Distrito Federal. Não menos importante, o terceiro bloco corresponde à pesquisa médica, liderada no Distrito Federal pela UnB e pela rede Sarah. Uma ideia do que vem sendo feito nesse campo pode ser encontrada nos testemunhos de Antônio R. Teixeira e Ricardo Teixeira, com um levantamento estatístico dos avanços nessa área em Brasília, e no de Campos da Paz, que acrescenta à sua vivência no comando do Sarah as novas aberturas proporcionadas pelo desenvolvimento acelerado da neurociência. Esse bloco e a série de conferências encerram-se com a parti10


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cipação de Izalci Lucas, Secretário de Ciência e Tecnologia do Distrito Federal, que, expondo dados da própria Secretaria e também da Fundação de Apoio à Pesquisa, mostra o que sua pasta pretende e quais as medidas que tem tomado no sentido de “fomentar ações de ciência e tecnologia no DF”. A Comissão optou por publicar essa série de conferências sem editá-las, com o intuito de preservar não só a originalidade dos textos como o estilo de seus autores. Contudo, e por razões de natureza exclusivamente práticas e metodológicas, não foram incluídos os recursos audiovisuais eventualmente utilizados por alguns dos expositores. Pelas mesmas razões, deixou de ser aproveitada a participação da audiência nos debates que se seguiram ao término de cada sessão. Com a publicação desses Anais, a Academia de Medicina de Brasília não só cumpre seu dever estatutário de contribuir para a preservação da memória da Medicina de Brasília e colaborar com o Poder Público no estudo de soluções das questões de caráter médico-social como dá também um passo à frente na avaliação de algumas vertentes da história da Medicina em Brasília, geralmente pouco estudada e, muitas vezes, injustamente avaliada. A Comissão

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Ata da Reunião de Fundação da Academia de Medicina de Brasília

Aos dezoito dias do mês de outubro de um mil novecentos e oitenta e nove, às vinte e uma horas, no SHIS QL 14, Conjunto 5, Casa 1, em Brasília, Distrito Federal, reuniu-se um grupo de médicos, a convite do Dr. Antônio Márcio Junqueira Lisbôa, com o fim específico de fundar a Academia de Medicina de Brasília; associação civil, sem fins lucrativos, de duração indeterminada, com sede e foro na cidade de Brasília. Estiveram presentes os médicos abaixo qualificados: Dr. Antônio Márcio Junqueira Lisbôa, brasileiro, casado, carteira de identidade nº 000375 (SSP-DF), residente no SHIS QL 14, Conjunto 5, Casa 1; Dr. João da Cruz Carvalho, brasileiro, casado, CRM-DF 337, residente no SHIS QL 06, Conjunto 11, Casa 10; Dr. Laércio Moreira Valença, brasileiro, casado, carteira de identidade nº 384.347 (SSP-DF), residente na MSPW Quadra 16, Conjunto 5, Casa 10; Dr. Ítalo Nardelli, brasileiro, casado, carteira de identidade nº 52.341 (Ministério da Guerra), residente no SHIS QI 15, Conjunto 13, Casa 24;


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Dr. Francisco Pinheiro Rocha, brasileiro, casado, carteira de identidade nº 1547899-DFSP-IFP-RJ, residente na SQS 203 – Bloco “G”, Apartamento 306. Foi apresentado e posto em discussão projeto de estatuto para reger a sociedade, o qual, após analisado, foi aprovado por unanimidade, com a seguinte redação: Art. 1º A Academia de Medicina de Brasília é uma Associação Civil, sem fins lucrativos, de duração indeterminada, fundada em vinte e seis de dezembro de um mil, novecentos e oitenta e oito, com sede e foro na cidade de Brasília, Distrito Federal. Art. 2º A Academia de Medicina de Brasília terá as seguintes finalidades: a) contribuir para o progresso da medicina e ciências correlatas; b) desenvolver atividades de cultura qual, ligadas à medicina; c) desenvolver atividades, apresentar sugestões, solicitar providências e colaborar com as autoridades constituídas em benefício da saúde e do ensino médico; d) homenagear vultos e comemorar fatos relevantes da medicina e ciências correlatas. Art. 3º A Academia de Medicina de Brasília se compõe de: Acadêmicos Titulares – Acadêmicos Eméritos – Acadêmicos Honorários – Acadêmicos Beneméritos – Acadêmicos Correspondentes. Parágrafo único. São fundadores da Academia de Medicina de Brasília os vinte primeiros titulares. 14


Anais • Ano I • Volume 1

Art. 4º A Academia de Medicina de Brasília terá quarenta cadeiras, ocupadas por igual número de Acadêmicos Titulares, tendo cada uma delas um patrono, escolhido pelo Acadêmico Titular fundado por ocasião de sua posse. Parágrafo único. Os patronos das cadeiras são vultos de destaque da medicina brasileira, já falecidos, e são definitivos e imutáveis. Art. 5º A admissão do Acadêmico Titular será feita por eleição, pela Assembléia Geral, na forma do Regimento. Art. 6º Passarão à categoria de Eméritos, se o requererem: a) os Acadêmicos Titulares com mais de setenta anos de idade; b) os Acadêmicos que completarem vinte anos de Academia. Art. 7º O título de Acadêmico Honorário, a mais alta distinção da Academia, poderá ser conferido a médico brasileiro ou estrangeiro possuidor de currículo que o habilite para tal, na forma do Regimento. Art. 8º O título de Benemérito poderá ser concedido a pessoas físicas ou jurídicas que concorreram para o engrandecimento e renome da Academia. Art. 9º O título de Acadêmico Correspondente poderá ser concedido a médico que tenha atividade científica, cultural ou profissional relevante, na forma do Regimento. Art. 10. Deixarão de fazer parte da Academia de Medicina de Brasília: 15


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a) os Acadêmicos que apresentarem por escrito a sua renúncia; b) os Acadêmicos que infringirem o Estatuto e o Regimento da Academia, após julgamento por uma Comissão designada pelo Presidente, ouvida a Assembléia Geral. Art. 11. São órgãos dirigentes da Academia de Medicina de Brasília: a) Assembléia Geral; b) Diretoria. Parágrafo único. A Diretoria será assessorada por Comissões Auxiliares, na forma do Regimento. Art. 12. A Assembléia Geral, constituída pelos Acadêmicos Titulares e Eméritos, é o órgão máximo de direção da Academia de Medicina de Brasília. Art. 13. A Diretoria é o órgão executivo da Academia de Medicina de Brasília e terá a seguinte constituição: Presidente, VicePresidente, Secretário-Geral, 1º Secretário, 2º Secretário, Tesoureiro e Bibliotecário. Art. 14. O Regimento fixará as atribuições dos órgãos dirigentes da Academia de Medicina de Brasília e estabelecerá todo o seu funcionamento. Art. 15. A Diretoria será eleita pela Assembléia Geral para um mandato de dois anos, permitida a reeleição por mais um período. Parágrafo único. As normas que regerão as eleições serão estabelecidas no Regimento. 16


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Art. 16. A Academia de Medicina de Brasília concederá os seguintes prêmios: a) Prêmio Academia de Medicina de Brasília, láurea oficial da Academia, que será conferido anualmente nos termos do Regimento; b) Outros prêmios e láureas que vierem a ser instituídas por terceiros, por intermédio da Academia. Parágrafo único. Cada prêmio terá regulamento próprio aprovado pela Assembléia Geral. Art. 17. A Academia será representada em juízo ou fora dele pelo seu Presidente ou pessoa por ele designada. Art. 18. Os Acadêmicos não respondem pessoalmente, pelas obrigações contraídas em nome da Academia. Art. 19. Os bens da Academia de Medicina de Brasília, serão caracterizados com Renda e Patrimônio. Parágrafo único. O patrimônio da Academia de Medicina de Brasília é inalienável. Art. 20. A Academia de Medicina de Brasília não remunera, por qualquer forma ou pretexto, direta ou indiretamente, os seus membros. Art. 21. A dissolução da Academia de Medicina de Brasília somente poderá ser decidida pela Assembléia Geral e pelo voto de três quartos da totalidade dos Acadêmicos com direito a voto. 17


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Parágrafo único. Nessa eventualidade, seus bens e valores serão doados a uma entidade com personalidade jurídica da escolha da Assembléia Geral. Art. 22. A reforma do presente Estatuto só poderá ser feita pela Assembléia Geral, convocada expressa e unicamente para tal fim pela maioria absoluta de seus membros. Art. 23. A Academia de Medicina de Brasília funcionará provisoriamente na sede da Associação Médica de Brasília. Nada mais havendo a tratar, lavrou-se a presente ata a qual foi lida e observada por todos os presentes, os quais a assinam abaixo. Em tempo: o Art. 1º passará a ter a seguinte redação: “Art. 1º A Academia de Medicina de Brasília é uma associação civil, sem fins lucrativos, de duração indeterminada”. Antônio Márcio Junqueira Lisbôa Ítalo Nardelli Francisco Pinheiro Rocha João da Cruz Carvalho Laércio Moreira Valença

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ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA DIRETORIA AMeB 2009 Presidente

Acad. José Leite Saraiva

Vice-Presidente

Acad. Ruy Bayma Archer da Silva

Secretário-Geral

Acad. Granville Garcia de Oliveira

1° Secretário

Acad. Braulio Magalhães-Castro

2° Secretário

Acad. Luiz Antônio Ribeiro Introcaso

Tesoureiro

Acad. João Eugênio Gonçalves de Medeiros

Bibliotecário

Acad. Ricardo Afonso Teixeira

Câmara de Cirurgia

Acad. Célio Rodrigues Pereira

Câmara de Medicina

Acad. Roberto Ronald de Almeida Cardoso

Câmara de Ciências Apl. à Medicina

Acad. Hélcio Luiz Miziara Acad. Pedro Luiz Tauil

Conselho Fiscal

Acad. André Esteves de Lima Acad. Rosely Cerqueira de Oliveira Contador Francisco Lúcio Gomes


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ACADÊMICO HONORÁRIO Rômulo Maroccolo

ACADÊMICOS BENEMÉRITOS Luzia de Lourdes Moreira de Paula Newton Lins Teixeira de Carvalho

ACADÊMICO CORRESPONDENTE Joaquim Roberto Costa Lopes

ACADÊMICOS EMÉRITOS Antônio Márcio Junqueira Lisbôa Laércio Moreira Valença Elias Tavares de Araújo Ely Toscano Barbosa Hélcio Luiz Miziara Eraldo Pinheiro Pinto Renault Mattos Ribeiro Manoel Ximenes Netto Sérgio da Cunha Camões Wilson Eliseu Sesana

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Anais • Ano I • Volume 1

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Presidente 10° Presidente (2008-2009) José Leite Saraiva

Ex-Presidentes 1° Presidente (1989-1991) Antônio Márcio Junqueira Lisbôa 2° Presidente (1992-1993) Ely Toscano Barbosa 3° Presidente (1994-1995) Elias Tavares de Araújo 4° Presidente (1996-1997) Laércio Moreira Valença 5° Presidente (1998-1999) José Antônio Ribeiro Filho 21


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6° Presidente (2000-2001) Renault Mattos Ribeiro 7° Presidente (2002-2003) Francisco Floripe Ginani 8° Presidente (2004-2005) Manoel Ximenes Netto 9° Presidente (2006-2007) Sérgio da Cunha Camões

Acadêmicos Fundadores Acadêmico

Data da 1ª Reunião

Antônio Márcio Junqueira Lisbôa

18/10/1989

Ítalo Nardelli

18/10/1989

Francisco Pinheiro Rocha

18/10/1989

João da Cruz Carvalho

18/10/1989

Laércio Moreira Valença

18/10/1989

Pedro Luiz Tauil

08/11/1989

Wilson Eliseu Sesana

08/11/1989

Tito de Andrade Figuerôa

08/11/1989

Hélcio Luiz Miziara

08/11/1989

Manoel Ximenes Netto

08/11/1989

Rosely Cerqueira de Oliveira

08/11/1989

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Anais • Ano I • Volume 1

Sérgio da Cunha Camões

08/11/1989

Elias Tavares de Araújo

08/11/1989

Ely Toscano Barbosa

05/12/1989

Fábio Lage Correa Rabello

05/12/1989

Eraldo Pinheiro Pinto

06/02/1990

Leopoldo Pacini Neto

06/02/1990

Vanize de Oliveira Macedo

06/02/1990

Renault Mattos Ribeiro

20/02/1990

André Esteves de Lima

30/08/1990 Acadêmicos

Acadêmicos

1

Antônio Márcio Junqueira Lisbôa

2

Odílio Luiz da Silva

3

Francisco Pinheiro Rocha

4

Francisco Airton Borges de Oliveira

5

Laércio Moreira Valença

6

Pedro Luiz Tauil

7

Wilson Eliseu Sesana

8

Braulio Magalhães-Castro

9

Hélcio Luiz Miziara

10

Manoel Ximenes Netto

11

Rosely Cerqueira de Oliveira

12

Sérgio da Cunha Camões

13

Elias Tavares de Araújo 23


14

Ely Toscano Barbosa

15

Fábio Lage Correa Rabello

16

Eraldo Pinheiro Pinto

17

Leopoldo Pacini Neto

18

Luiz Augusto Casulari Roxo da Mota

19

Renault Mattos Ribeiro

20

André Esteves de Lima

21

Antônio Raimundo Lima Cruz Teixeira

22

Granville Garcia de Oliveira

23

Paulo Juvêncio Gomes Tubino

24

José Antônio Ribeiro Filho

25

Oscar Mendes Morem

26

Aluizio da Costa e Silva

27

Ruy Bayma Acher da Silva

28

João Eugênio G. de Medeiros

29

Luiz Antônio R. Introcaso

30

Francisco Floripe Ginani

31

José Ferreira Nobre Formiga

32

Ricardo Afonso Teixeira

33

Roberto Ronald de A. Cardoso

34

Maria Ophélia Galvão Araújo

35

Renato Ângelo Saraiva

36

José Francisco Nogueira Paranaguá de Santana

37

Célio Rodrigues Pereira

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Armando José China Bezerra

39

José Leite Saraiva

40

Frederico Filgueira Pohl


EXPOSITORES Ernesto Silva Gustavo Ribeiro Francisco Pinheiro Rocha Jofran Frejat Odílio Luiz da Silva Luiz Carlos Lobo Antônio Márcio Junqueira Lisbôa Marcus Vinícius Ramos Fábia A. Carvalho Lassance Mourad Ibrahim Belaciano Antônio Raimundo Lima Cruz Teixeira Ricardo Afonso Teixeira Aloysio Campos da Paz Izalci Lucas



Anais • Ano I • Volume 1

Ernesto Silva

Q

uando estava no Rio de Janeiro, no Hospital São Zacarias de Pediatria, notei que cada instituto tinha um hospital, um ambulatório. O usuário que estivesse do lado do Hospital do IAPTEC, por exemplo, se fosse comerciário, não poderia usá-lo. Teria que ir ao Hospital dos Comerciários, no Leblon. A ideia de que o usuário não pudesse usar o hospital ao lado da sua casa sempre me atormentou. Se tudo é do governo, por que não se fazia uma coisa só? E isso me veio à mente aqui em Brasília. Quando estava na Novacap, cada diretor tinha uma função de acordo com suas habilidades. Sayão cuidava da questão de obras, um representante da oposição era encarregado da contabilidade. Fiquei com saúde, educação, assistência social e mais três departamentos: pessoal, imobiliário e material. No campo de departamento imobiliário, vendíamos terrenos e, quando um instituto solicitava espaço para fazer um hospital, não o dávamos, porque não havia lugar para ele. Dentro do plano Bandeira de Mello, tínhamos que colocar cada hospital distrital de acordo com determinado grupo por população. Em cada Asa havia um hospital distrital e, depois, o Hospital de Base. O plano era de complexidade crescente, começava com a unidade satélite, depois com o Hospital Rural, o Hospital 27


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Distrital e o Hospital de Base. Esse Hospital Satélite nunca foi feito, porque, com a oferta de dinheiro do Ministério da Assistência Social, vieram os centros de saúde, que foram construídos em todas as cidades-satélites, assim como os hospitais distritais. O Hospital de Base foi o primeiro hospital distrital. Foi construído com muita dificuldade, porque Bandeira de Mello fez um estudo do hospital distrital mostrando o que e como devia ser feito, em todas as unidades. Com esse programa, Oscar Niemeyer fez uma planta do hospital com 12 pavimentos e com todas aquelas características indicadas pelo plano. Esse projeto foi para o conselho da Novacap e foi aprovada a construção. Israel Pinheiro queria dar uma projeção a Pederneiras1, que começou a fazer o hospital. Acontece que todas as obras eram fixadas mais ou menos no Eixo Monumental, como a Praça dos Três Poderes e os ministérios. O hospital era construído perto da W3. Um dia, Israel Pinheiro estava passando por ali, viu aquele esqueleto na quarta laje subindo e quis ir lá. Chegou ao gabinete e disse: “Seu Ernesto, como você me enganou fazendo um hospital daquele tamanho?”. Mas o conselho aprovou. Houve até um pouco de desinteresse pelo hospital. Tanto que, quando faltava um mês para a inauguração de Brasília, retiraram 150 operários para acabar o Cine Brasília. Mesmo assim, o hospital não foi inaugurado em 21 de abril, e sim em 12 de setembro de 1960. Além disso, tivemos que fazer uma concorrência internacional de todo o material. 1

Antiga empresa construtora responsável pela construção de várias obras em Brasília.

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Consegui falar com Juscelino e explicar que havia resistência da Novacap. Ele disse: “Pode fazer concorrência internacional que vou até conseguir o empréstimo estrangeiro”. Então, foi feita essa concorrência no total de 2,6 milhões de dólares, vencida pela General Eletric. Todos que foram ao hospital viram que era um primor: tudo com muita qualidade. Lembro-me de que foi feita a relação de todo o material que precisávamos e conseguimos fazer todo o hospital distrital. Tínhamos uma comissão que foi nomeada pelo presidente da República: éramos eu, Bandeira de Mello, Amador, Rodrigo Otávio. Em uma reunião, resolvemos que os médicos deviam trabalhar em tempo integral, o que realmente aconteceu, mas, depois que Jânio veio aqui, houve a necessidade de termos alguns médicos em tempo parcial, como os do Senado e da Câmara, que trabalhavam somente quatro horas. Alguns médicos queriam também quatro horas; estava nesse conselho de médicos e fui contra. Meu voto foi publicado no Correio Braziliense e, no dia seguinte, Jânio Quadros deu um bilhetinho para o Paulo de Tarso dizendo que não admitia quatro horas de serviço. Também instituímos o pró-labore para os médicos. O médico, quando é funcionário público, geralmente diz que é funcionário público, e não um clínico. Então, o usuário tinha o direito de escolher o médico de sua preferência. Os médicos que trabalhavam mais, ganhavam mais – era o pró-labore. Depois, veio o pró-labore global, da pediatria e do clínico. Aquilo foi se esmaecendo e acabou. 29


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O hospital funcionava sempre com muita eficiência e era respeitado pela sociedade. Era, talvez, um dos três hospitais que poderiam ser considerados ótimos no Brasil; estávamos no nível do Hospital de Clínicas de São Paulo. Logo depois da mudança da capital, fizemos convênios com o Ipase, com todos os institutos, inclusive com o Exército, Marinha e Aeronáutica, antes de haver hospital militar. Todos os institutos eram usados pela Prefeitura do Distrito Federal. Então nasceu o SUS, em 1960, só confirmado em 1988. Na época em que fui diretor de Saúde, trabalhamos todos os centros de saúde e o sistema médico ficou muito bem estruturado. Havia quadras do Exército ou da Aeronáutica que não permitiam a entrada do agente de saúde para cadastramento sanitário da população, que era uma forma de recenseamento do setor de saúde, a fim de que a Secretaria de Saúde conhecesse a comunidade e pudesse cumprir a sua missão de beneficiar toda a sociedade. Encontramos uma porta de entrada muito boa. A própria Marinha, que era mais resistente, colaborou, e o êxito foi a compreensão da sociedade, principalmente daquelas pessoas que tinham médico particular. Fui ao então ministro da Saúde Maurício Medeiros pedir a indicação de alguém que pudesse fazer e organizar um sistema de saúde, um técnico hospitalar. Ele indicou Bandeira de Mello, que ganhava uma percentagem qualquer da Novacap para fazer esse serviço. Levou um ano para fazer, contou com todo o nosso apoio. Depois, veio Mário Pinotti, que concordou. O Ministério da Saúde também deixou um médico de 30


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endemias rurais aqui. Meses depois, mandou um médico (Florentino) da tuberculose, que veio com seu aparelho de raio-x portátil, percorria todos os acampamentos, fez cadastro e, quando havia casos mais graves, dávamos uma passagem para a pessoa voltar. Fizemos um hospital pequeno para internar os casos mais leves; tivemos as pioneiras sociais, que ajudaram muito com a irmã Olga e a irmã Terezinha, e fizemos um hospitalzinho em Taguatinga.

Ernesto Silva: Médico pediatra e ex-diretor da Novacap.

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Gustavo Ribeiro

A

ceitei com muita satisfação o convite desta prestigiosa Academia, como forma de contribuir com meu de-

poimento pessoal – pioneiro que sou, chegado a Brasília em 13 de junho de 1959 – na reconstituição da história da Medicina no Distrito Federal, que faz parte da própria história da Nova Capital do Brasil. Transferi-me para Brasília, vindo de um hospital universitário do Rio de Janeiro (Hospital Pedro Ernesto), para trabalhar no Posto de Atendimento de Acidentados no Trabalho (CAT – Iapi), que funcionava em uma modesta construção de madeira, na Avenida W3 Sul, Quadra 705. Lá chegando, encontrei três colegas: Evilázio Pureza Nunes, José Scarpelli e Florisvaldo Costa, e confesso a minha surpresa e decepção com a precariedade de recursos daquele Posto de Atendimento, cujo funcionamento era diário, salvo aos domingos, das 7 às 22 horas, quando o gerador de eletricidade era desligado e as obras, interrompidas. Morávamos em casa de madeira em um acampamento de obras do IAPI, na Superquadra 305 Sul. Os acidentados do trabalho eram muitos, em função da mão de obra desqualificada, particularmente para um sistema 32


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construtivo de estruturas metálicas (como as dos Ministérios e Congresso Nacional), inteiramente novo no Brasil, o que provocava acidentes, como queimaduras, quedas de andaimes, fraturas de toda natureza e, consequentemente, óbitos. A esse contingente somavam-se casos de viroses, como varicela, parotidite, sarampo, em função de residirem em alojamentos coletivos, em precárias condições de higiene e com um número excessivo de moradores. Surpreendiam-me casos de hanse­ níase e bócio, doença vulgarmente chamada de papo e que deu nome à região próxima ao Plano Piloto, a Papuda. Havia, ainda, em pequenos núcleos habitacionais inteiramente isolados do resto do País, mas, agora, relativamente próximos da Capital em construção, oligofrênicos, os “bobos”, frutos do casamento entre parentes de primeiro e segundo graus. Eram comuns um ou dois bobos em cada família, geralmente utilizados em serviços domésticos. Aproximadamente um mês após a minha chegada, fui convidado pelo colega já falecido, Cláudio Costa, a participar da reunião de fundação da Associação Médica de Brasília, que se realizou na sede da Novacap, na Candangolândia. Participaram 37 médicos, ou seja, a totalidade dos médicos do futuro Distrito Federal, que, em sua maioria, trabalhavam no único hospital de Brasília, Hospital Juscelino Kubitschek de Oliveira, do IAPI, hoje Museu da Memória Candanga. Nessa reunião, o médico pioneiro Ernesto Silva foi eleito Presidente. Anos mais tarde, coube a mim ocupar, por dois mandatos consecutivos, a Presidência da AMBr. 33


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Como se pode deduzir do exposto, só pelos problemas de saúde pública existentes no Planalto Central, já se justificaria, creio eu, a interiorização da Capital do País. Entretanto, sempre insisto que, a exemplo de grandes cidades ou capitais que no final do Século XIX foram construídas, como São Petersburgo, ou reformadas, como Paris e Nova Iorque, para afinarem-se com a modernidade, Brasília poderia incluir-se entre elas. Não apenas (e sempre tenho insistido nesse ponto) como um novo projeto de urbanismo e arquitetura, mas como projeto de novas políticas públicas de saúde e educação, que seriam referência para o resto do País. Conheci, naquela ocasião, figuras que marcaram a área de educação, como Anísio Teixeira, Paulo Freire, Frei Mateus, e da saúde, com o gênio Bandeira de Mello. Guardo até hoje um impresso do Plano Médico Hospitalar para o Distrito Federal e, ao reler alguns capítulos pude constatar que o SUS, criado na década de 1990, assemelha-se, em muitos pontos, ao projeto por ele proposto. Bandeira de Mello vinha de uma capital, o Rio de Janeiro, onde existiam vários hospitais mantidos por diversos institutos de previdência social, como o dos Industriários (IAPI), dos Bancários (IAPB) e dos Servidores Públicos (Ipase), hospitais que, em determinados momentos, dispunham de capacidade ociosa, enquanto outros estavam superlotados, ou dispunham de equipamentos não existentes em outras unidades de saúde. Pois bem, cada um desses hospitais (previdenciários) só podia atender pacientes cadastrados em seus institutos e fechavam suas portas aos demais. Esse foi um dos pontos que Bandeira de Mello procurou corrigir na sua proposta de política pública de saúde, que o SUS retomaria mais tarde. 34


Anais • Ano I • Volume 1

Bandeira de Mello propunha integrar os serviços de medicina preventiva e curativa; considerar os cidadãos que pro­ curassem esses serviços não como associados desse ou daquele instituto, ou sem cobertura da seguridade social, mas como cidadãos de Brasília (universalização dos serviços). Com esse objetivo, projetara a construção de uma rede médico-assistencial de complexidade crescente, começando nos centros de saúde, hospitais rurais, hospitais regionais e tendo como fulcro o Hospital de Base. É oportuno lembrar que, quando Bandeira de Mello fez o seu projeto, não existiam ainda cidades-satélites como Taguatinga, Sobradinho, entre outras, e a projeção para o ano 2000 era a de uma Capital com 500.000 habitantes... O Rio de Janeiro, quando capital federal, criou um entorno com cidades como Nova Iguaçu e Duque de Caxias, com carências de todo tipo no que se refere a políticas públicas, quadro reproduzido em Brasília, que, além das cidades-satélites, passou a ter um entorno formado por cidades construídas em Goiás e Minas Gerais, com as mesmas carências no que se refere à assistência médico-hospitalar. Outro aspecto do plano de Bandeira de Mello era relativo ao sistema gestor constituído de uma Fundação, cujo Conselho seria composto por representantes dos diversos órgãos interessados na prestação de serviços de saúde e seria presidido por um membro indicado pelo Prefeito do DF. Em 1960, foi inaugurado o primeiro hospital no Plano Piloto, que, posteriormente, transformou-se em Hospital de Base. Iniciava-se a implantação do Plano Bandeira de Mello e, com 35


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ela, a discriminação dos médicos que faziam parte do corpo clínico do velho hospital de madeira, o HJKO, do qual fui diretor durante dois anos e onde vivi momentos difíceis e amargos na minha vida profissional, entre os quais aquele em que fui obrigado a tomar a decisão de amputar, no local do sinistro, as duas pernas de um passageiro de um ônibus que ficara imprensado nos vãos de um viaduto da estrada Brasília – Belo Horizonte, porque, após inúmeras tentativas, os bombeiros não conseguiram retirá-lo das ferragens. A discriminação dos médicos pioneiros só foi resolvida quando nosso colega Francisco Pinheiro Rocha assumiu a então recém-criada Secretaria de Saúde do Distrito Federal e iniciou uma política de contratação progressiva pela Fundação Hospitalar (subordinada à Secretaria de Saúde) dos médicos pioneiros. Ele deu prosseguimento ao Plano de Bandeira de Mello, construindo mais três hospitais e centros de saúde, política que foi seguida também por seus sucessores Wilson Sesana e Jofran Frejat. A rede, que estava sendo ampliada, tornava-se, no entanto, progressivamente insuficiente, tendo em vista o crescimento das cidades-satélites, o surgimento das cidades do entorno, mas a procura dos moradores de cidades distantes da nova Capital pelos serviços de saúde do DF foi um dos primeiros fatores que estimularam também a migração para o Distrito Federal. O crescimento populacional do DF agravou a situação, em virtude do fenômeno da migração do campo para as cidades em nível nacional, o crescimento demográfico e, finalmente, o aumento expressivo da expectativa de vida da população. 36


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Por outro lado, a política pública de saúde do Distrito Federal sempre encontrou dificuldade em interagir com outras políticas públicas como a de educação e a de assistência social. Falo como titular que fui, por sete anos, da Secretaria de Estado de Ação Social. A política pública de assistência é dirigida para seguimentos da população em situação de risco, como crianças, adolescentes, idosos, portadores de necessidades especiais e mulheres vítimas de violência. Políticas públicas de saúde, educação e assistência social necessitam interagir. Exemplo disso são as crianças vítimas de violência e de abuso, cuja situação envolve as três áreas mencionadas. Finalmente, gostaria de deixar para reflexão minha preocupação com a necessidade de revisão do modelo de atenção pública à saúde no Distrito Federal, particularmente no que se refere à atenção primária, que corresponde aproximadamente a 70% do atendimento à saúde. A revisão dos níveis de atenção é fundamental. Tão fundamental quanto formar um profissional capaz de prestar o atendimento primário, mormente quando sabemos que esse profissional não é adequadamente preparado para esse fim no curso de graduação médica. Necessário também se faz rever o financiamento do setor saúde e o modelo de gestão. A legislação que criou o SUS prevê (e não conseguimos efetivar) o que diz respeito ao controle social da política pública de saúde, não somente por meio das conferências de saúde, mas por encontros frequentes entre representantes das comunidades de usuários com profissionais e dirigentes da área. 37


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Para concluir, insisto na importância desse encontro, tendo em vista que toda cidade tem uma história, que serve de referência para as gerações que se sucedem. Permito-me reproduzir um trecho da última entrevista do sertanista Orlando Vilas Boas. Ele dizia que, no seu convívio de muitos anos com as nações indígenas, aprendeu um princípio ditado pela secular sabedoria das gerações dos povos da selva: “O índio é o dono da aldeia, o velho é o dono da história e a criança é a dona do mundo”.

Gustavo Ribeiro: Médico cirurgião do Hospital de Base do Distrito Federal e ex-presidente da Associação Médica de Brasília.

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Francisco Pinheiro Rocha

I

niciando este depoimento, quero agradecer aos colegas que fazem parte dessa jornada da Academia de Medicina

a oportunidade que me foi concedida para falar sobre a história da Medicina de Brasília. Indiscutivelmente, é um assunto bastante palpitante, principalmente pela presença, neste recinto, de várias pessoas que participaram, não só da evolução da Medicina nesta cidade, como também da evolução e construção da rede hospitalar do DF. Antes de abordarmos o sistema médico de Brasília como foi projetado, temos que retroagir para falar sobre o Hospital Pioneiro de Brasília, o chamado JKO (Juscelino Kubitschek de Oliveira), que foi construído, provisoriamente, para dar assistência médica àqueles que vieram edificar a cidade. Esse hospital, que ficava ao lado da Cidade Livre, primeiro núcleo residencial de operários, engenheiros e comerciantes (atual Núcleo Bandeirante), prestou assistência à população por mais de dez anos, vindo a ser desativado em 1966. O JKO era administrado parcialmente pelo Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários (Iapi), Ministério da Saúde e Novacap. Vários colegas que trabalharam naquela instituição permanecem em Brasília. É importante que seus nomes sejam citados para que também 39


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venham colaborar, explicando o funcionamento e a história do JKO que hoje abriga o Museu Vivo da Memória Candanga. Gostaria de lembrar os nomes de Gustavo Ribeiro, que ocupou o cargo de diretor da instituição, Edson Porto, Fran Teixeira Lima, Isac Ribeiro e José Richilieu de Andrade Filho. No decorrer da construção de Brasília, o Departamento Administrativo da Novacap foi dirigido pelo médico Ernesto Silva. Consciente da peculiaridade de Brasília, cidade projetada para o futuro, moderna, não apenas em seu aspecto arquitetônico, Ernesto Silva convidou o técnico em organização hospitalar Henrique Bandeira de Mello para elaborar o Plano Médico Hospitalar do Distrito Federal, que ficou pronto em 1959. O Plano Bandeira de Mello em tudo se diferenciava dos planos hospitalares em vigência então no Brasil. Em sua concepção, ele era constituído por dez Hospitais Distritais, um Hospital de Base, Hospitais Rurais e Unidades Satélites. Toda a rede hospitalar, prevista para o atendimento da saúde preventiva e curativa de uma população de 500 mil habitantes, seria administrada por um único órgão, totalmente independente das demais entidades prestadoras de assistência médica pública no País. Esse órgão, a Fundação Hospitalar do Distrito Federal, foi criado em 1960, com a inauguração da capital. O primeiro Hospital Distrital de Brasília foi inaugurado no dia 12 de setembro de 1960, pelo Presidente Juscelino Kubitscheck. Ele funcionava em sua quase totalidade, na grande área ambulatorial. O prédio vertical, com onze andares, ainda não estava concluído, abrigando apenas algumas clínicas. No lugar onde, atualmente, situa-se o ambulatório de Cardiologia ficava 40


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o Centro Cirúrgico, constituído por duas salas onde as equipes operavam simultaneamente. Em 1964, na administração do engenheiro Plínio Catanhede, quando então fui nomeado Secretário de Saúde e Presidente da Fundação Hospitalar do DF, é que foi possível concluir o primeiro Hospital Distrital de Brasília. Iniciamos pela infraestrutura hospitalar e inauguramos casa de força, cozinha, lavanderia. O Centro Cirúrgico foi transferido para onde hoje funciona o Centro de Procedimento. Novas enfermarias clínicas foram criadas. Fizemos a urbanização da área hospitalar e, em 1965, tínhamos um Hospital Distrital em sua quase plenitude. Convidamos, então, o professor Odair Pedroso, técnico em organização hospitalar e primeiro diretor do Hospital das Clínicas de SP, para implantar o organograma funcional do primeiro Hospital Distrital. Com sua equipe, o Professor Odair Pedroso trabalhou, por seis meses em Brasília, elaborando também o plano direcional do segundo Hospital Distrital (atual Hospital Regional da Asa Sul), então em construção. A explosão demográfica da cidade, a demanda por serviços especializados, nos fez, sob a orientação do Instituto Nacional do Câncer – na pessoa de Ozolando Machado – criar o Serviço de Cancerologia. Do Inca – RJ vieram Juraci Couto Mergulhão e Félix Gollo, pioneiros da rádio e quimioterapia em Brasília. Em novembro de 1965, inauguramos o Hospital da L2 Sul que seria, preservando a concepção Bandeira de Mello, o segundo Hospital Distrital. Entretanto, pela necessidade premente de leitos na área de ginecologia, obstetrícia e pediatria, o hospital deu ênfase a esses serviços. 41


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Cinco anos haviam decorrido da inauguração de Brasília e criava-se um problema para a implementação, na íntegra, do plano Bandeira de Mello. Aos poucos, o primeiro Hospital Distrital, acrescido de serviços especializados (cirurgia cardiovas­ cular, rádio e quimioterapia, entre outros) foi se transformando no atual Hospital de Base de Brasília. Em 1965, a população de Brasília já atingia 200 mil habitantes e a explosão demográfica era nas áreas periféricas, nas cidades-satélites. O estudo de Bandeira de Mello previa os Hospitais Distritais ao longo das Asas Sul e Norte, com 300 ou 400 leitos, prestando assistência, cada um aproximadamente, a 50.000 pessoas. Nossa realidade, entretanto, era outra. Taguatinga já era um centro populacional grande e em desenvolvimento crescente, mas era servida pelo Hospital São Vicente de Paula – hospital provisório, mantido pela FHDF, mas dirigido por entidade religiosa – que amenizava os problemas de saúde da população naquela cidade. Sobradinho, entrada norte da cidade, com quase 30 mil habitantes foi escolhida para abrigar um hospital. Esta decisão foi de minha responsabilidade como Secretário de Saúde. O Hospital Distrital de Sobradinho foi inaugurado em dezembro de 1966 com 260 leitos e entregue à Universidade de Brasília em convênio assinado com a Secretaria de Saúde e o reitor da UnB, Laerte Ramos de Carvalho. Esse convênio permitiu que, por um período de dez anos, a comunidade de Sobradinho tivesse assistência preventiva e curativa em condições condignas. A Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho – Hospital Escola 42


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– deu continuidade ao curso de Medicina e diplomou os primeiros médicos em 1970. Na entrada sul de Brasília surgira a cidade do Gama. Decidimos construir ali outro hospital e o inauguramos em 14 de março de 1967, desafogando os hospitais do Plano Piloto e dando assistência à população do entorno, que crescia assustadoramente. O Hospital do Gama, também com 260 leitos, mantinha a integração das medicinas curativa e preventiva e possuía um pavilhão para pacientes portadores de tuberculose. Brasília contava então, em 1967, com quatro hospitais em pleno funcionamento, o que permitiu certo alívio em relação à assistência médico-hospitalar da população. O Plano Hospitalar Bandeira de Mello previa a construção de uma Escola Superior de Enfermagem. Demos prioridade, entretanto, à construção de uma Escola de Auxiliares de Enfermagem, pois grande era a carência de profissionais técnicos para as instituições hospitalares. A Escola foi construída em anexo ao primeiro HDB e inaugurada em 30 de novembro de 1965. Outro trabalho, realizado foi a construção e inauguração do Centro de Profilaxia da Raiva, onde também funcionou o Setor de Cirurgia Experimental. Gostaria, também, de registrar o nome dos Médicos e Enfermeiros que formaram o corpo clínico do primeiro HDB nos primórdios de seu funcionamento. Limitar-me-ei ao período que vai de sua inauguração até 1976 quando este hospital passou a ser designado com Hospital de Base do DF.* Acadêmico Francisco Pinheiro Rocha: Médico cirurgião do Hospital de Base do Distrito Federal e ex-Secretário de Estado da Saúde do Distrito Federal. * A lista à qual se refere o expositor encontra-se nos Anexos.

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Jofran Frejat

A

ntes de falar especificamente de Brasília, é preciso falar um pouco da evolução dos sistemas de saúde do mundo para termos uma ideia de como chegamos aqui. As coisas começaram a ter uma organização sistematizada há mais de 100 anos, com a industrialização da Alemanha, quando foram criados os primeiros sistemas previdenciários, que passaram a atender a população. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, percebeu-se a necessidade de dar amparo àquelas pessoas que estavam sem nenhum atendimento previdenciário e de saúde. Eram pessoas que iam ao hospital quando tinham dinheiro. E quando não tinham, não havia possibilidade. No Brasil, não foi diferente. A partir de 1929 foram criadas as caixas de Previdência Social com os institutos (os IAPB, IAPC e Iapi), cujo excedente de receita acabava sendo transformado em recursos para a saúde. Havia uma resistência grande dentro da Previdência em transferir esses recursos para a saúde. Na época da Segunda Guerra Mundial, a orientação no Brasil era no sentido do saneamento básico. Era o Brasil de Manguinhos, o Brasil de Oswaldo Cruz, cujo objetivo era sanear os portos para abri-los ao comércio exterior. Quem tinha dinheiro, ia para o médico particular, o “semideus” da época, e quem 44


Anais • Ano I • Volume 1

não tinha recursos, acabava nos hospitais públicos estaduais ou municipais, em prontos socorros ou nas santas casas de misericórdia. Era onde eram atendidos os indigentes, os inválidos e os doentes mentais. Com a criação da ONU e da OMS houve uma verdadeira necessidade de se atender mais a população, que não tinha um espaço para atendimento. Naturalmente, no Brasil, a Previdência Social foi um elemento importante para que se começasse a sistematizar o atendimento de saúde. Foram os hospitais previdenciários, como o Ipase, por exemplo, que deram um grande salto de qualidade no desenvolvimento da Medicina no Brasil. O Hospital do Servidor do Estado foi um grande hospital e era referência nacional. A Previdência também teve outro período, em 1970, em que houve o Plano de Pronta Ação. Embora privatizante – caminhava-se para a privatização – teve uma grande possibilidade de desenvolver rapidamente o atendimento médico, apesar de ter levado à especialização, deixando de lado o generalismo. Brasília foi um modelo avançado, à frente de tudo isso. Iniciou com o Plano Diretor de Saúde, criado pelo Bandeira de Mello, que naturalmente era um plano com uma visão desenvolvimentista, como era tudo na época de Juscelino. Pensava-se muito grande. Bandeira de Mello imaginou, por exemplo, 11 hospitais distritais para o Plano Piloto. Aconteceu que vieram outros administradores, que começaram a pensar na distribuição, na regionalização do sistema de saúde. O primeiro secretário a fazer o trabalho de regiona45


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lização foi Francisco Pinheiro Rocha. Foi ele quem, sob críticas, criou o segundo Hospital Distrital (o L2), o Hospital do Gama, e entregou o de Sobradinho para a Universidade. A UnB tem grande responsabilidade pelo trabalho que fez em Sobradinho. Foi esse o primeiro trabalho de regionalização, ou seja, acompanhando aquilo que era a ideia inicial de Bandeira de Mello, vinculado ao Plano Piloto. Até porque ele não imaginava que fossem surgir Taguatinga e Gama. Não existia perspectiva de hospitais nessas áreas. Ele pensava em postos de saúde rural. Isso se desenvolveu com um trabalho aqui no Distrito Fe­deral, que pretendia a unificação dos vários sistemas, embora inicialmente não começasse assim. Pelo menos na Secretaria de Saúde foi assim, mas ainda existia o IAPM, IAPI e IAPC e uma porção de centros de atendimento regionalizados e localizados nesses institutos. Brasília teve um plano exemplar. A Fundação Hospitalar foi uma criação inteligente e que permitia um trabalho importante do profissional, vinculado à população. Isso se desenvolveu bem até algum tempo. Depois, essa sistemática começou a decair, mas foi cumprida em grande parte a tentativa de fazer com que tivéssemos um serviço único de saúde. Brasília era o protótipo, que serviu de exemplo para que, na Constituinte de 1988, fosse criado o Sistema Único de Saúde, que havia começado na Previdência Social com o Previsaude, o SUDS e o SUS. Na verdade, havia uma intenção política de fazer um sistema que atendesse a todo mundo. Acontece que se ampliou o atendimento e não se cuidou do sistema na outra ponta. O excedente da receita que ia para a Saúde era de 20 a 30%. 46


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Na administração Brito (ex-ministro da Saúde), logo depois da Constituinte, esses recursos foram retirados da Previdência para a Saúde. Quando estávamos saindo da Constituinte, esse grupo da reforma sanitária pretendeu que o Inamps saísse do Ministério da Previdência e fosse para a Saúde. Estabeleceu-se nas disposições transitórias que 30% iriam para a saúde e, durante algum tempo, isso aconteceu. Até que Brito cancelou esse repasse e a União teve que bancar parte disso. Veio o Jatene (ex-ministro da Saúde), que percebeu que não tinha dinheiro, e trouxe a proposta do imposto do cheque, a CPMF, que foi aprovada graças ao prestígio dele. Ninguém queria isso, mas Jatene tinha muita força política e era uma pessoa respeitável. Ele disse que não havia dinheiro, pois a Previdência não repassava; insistiu com isso e foram realmente aprovados os 0,20% para a Saúde. Aprovamos 0,20% com a condição de que o recurso fosse especificamente para a saúde, e foi, mas o governo, retirou a parte com que entrava. O problema ficou do mesmo tamanho, tanto é que Jatene saiu do Ministério da Saúde em seguida. Depois, ampliaram a CPMF para 0,38% – que correspondiam a 41 bilhões de reais – e começaram a partilhar: 41% para a Saúde, 21% para a Previdência Rural, 21% para programas sociais, 15% para o superávit primário e um percentual pequeno para administrar tudo isso. A utilidade foi passada para outros setores, e o imposto acabou caindo, porque o dinheiro não era de fato para a saúde, como devia ser. Agora, há tentativas de aprovar outro imposto do cheque para disponibilizar recursos para a saúde – que devem gerar algo em torno de 10 bilhões 47


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de reais. Ora, se com R$ 17 bilhões (os 41%) não se resolveu, não será com 10 bilhões que vão resolver. É necessário investir nos setores que realmente precisam. As pessoas passaram a ser exigentes, a saúde passou a ser direito do cidadão e dever do Estado, e surgiram programas paralelos, como o Saúde da Família, com atendimento domiciliar. O agente de saúde foi criado aqui no Distrito Federal, em Planaltina, com o Átila (médico do SES-DF), e depois foi estendido aos centros de saúde. O Estado do Ceará pegou a ideia e o Ministério da Saúde ampliou para o Brasil inteiro. O declínio do setor de saúde teve início quando acabaram com a Fundação Hospitalar, que era fonte de recursos para os secretários. O dinheiro passou todo para a Secretaria de Fazenda e o secretário de Saúde solicitava os recursos financeiros à Secretaria de Finanças para ver se conseguia comprar as coisas necessárias. A segunda razão desse declínio é que a Secretaria se tornou trampolim político. Pessoas com interesse político passaram a assumir a função por serem detentores de tal ou qual conhecimento. No momento em que se impõe política na saúde, a coisa não funciona, pois ela tem que ser técnica, tem que funcionar tecnicamente, como foi a regionalização, a criação dos centros de saúde e dos postos rurais e a ampliação feita por vários secretários, cada um tentando criar um sistema de saúde, que hoje está cada vez mais distorcido. À medida que cai o padrão do serviço público, surgem os planos de saúde e, naturalmente, suas operadoras. Chegou-se à marca de 500 hospitais geridos por operadoras de plano de 48


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saúde no País inteiro. O último é o Nove de Julho, em São Paulo, que acabou de passar para a Amil. O médico é refém desse tipo de procedimento. Preocupa-me muito a situação para a qual o Distrito Federal está caminhando. Já tivemos um bom sistema de saúde, tivemos dificuldades e, em determinado momento, achei que, como tínhamos uma rede pronta, criada desde a base até o ápice, poderíamos começar a fazer uma formação de pessoal com outra visão que não a que hoje a população tem do médico. E isso nos levou à criação de uma Faculdade de Medicina, com o objetivo de dar aos profissionais de saúde da Rede Hospitalar a oportunidade de ensinar aquilo de que tinham conhecimento. Tínhamos gente de alta qualificação. Tentei várias vezes fazer um plano docente assistencial com a Universidade de Brasília e não consegui. Na primeira vez em que tentei, em 1980, quando a UnB devolveu o hospital de Sobradinho, a proposta do reitor era que eu entregasse todos os cargos comissionados da Fundação para que ele fizesse o programa docente assistencial. Quer dizer, eu teria que tirar os colegas que tinham criado o sistema de Brasília; não iria tirar todo esse pessoal. A última vez foi ainda com o reitor Lauro Morhy, que nem resposta me deu. Decidimos fazer uma Faculdade de Medicina, e nosso objetivo futuro é fazer uma universidade temática: que tenha Medicina, Enfermagem, Odontologia, Farmácia, Fisioterapia, Administração Hospitalar. Temos a rede, que é o maior campus de que se pode dispor para isso, mas parece que já querem incluir outras áreas. Onde se vai conseguir pessoal especializado para 49


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ensinar e o campus para treinamento? Essas preocupações me assaltam e não sei se é um bom caminho, porque parece mais uma ação política, como a terceirização de um hospital que estão tentando fazer. Essa terceirização, em princípio, diz-se que funciona bem, mas, primeiro, o hospital terceirizado só atende no limite da capacidade: se há 200 leitos, 200 pessoas serão internadas. Ultrapassado esse limite, as pessoas vão voltar para o Hospital do Gama, para o Hospital de Base ou de Taguatinga. Isso porque o pessoal de lá não vai atender, não há possibilidade. Um hospital funcionando assim vai driblar a Lei de Responsabilidade Fiscal, porque seu limite não inclui o pagamento de serviços, como em um hospital terceirizado. É possível colocar quem se quiser para trabalhar, pessoas sem concurso e sem especialização. A briga hoje da terceirização é entre empresas operadoras de planos de saúde e algumas Organizações Sociais que estão se estabelecendo. O passo seguinte é congelar salários, como o Inamps, e extinguir carreiras. Não sei como é que as pessoas não estão percebendo o caminho que está sendo seguido. É isso que vai acontecer: terceiriza-se, esvaziam-se os hospitais, mais gente é colocada, tira-se de um hospital para outro, congelam-se os salários e, depois, extinguem-se as carreiras. Não vejo pessoas com muita experiência, que acompanharam a história da Medicina, dando opiniões sobre isso. É bem verdade a alegação de que os funcionários não querem trabalhar, mas o serviço é a cara do chefe. Quem é que não sabe disso? Se o chefe é ruim, o serviço é ruim. Se não tem quem 50


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busque, quem mande, quem vá atrás, a coisa não vai andar. Preocupo-me com isso, porque pode até ser que alguns profissionais se interessem por essa terceirização, mas será que isso é bom para a população e para Brasília? Será que foi com isso que sonhamos quando viemos para cá? Viemos com um objetivo diferente: queríamos participar de um programa de saúde unificado que atendesse a população, tanto o mais pobre quanto o mais rico, e, seguramente, sabemos que o hospital público é sempre um referencial até para a clínica particular. Vocês são referência dentro do serviço público mas fora dele, o paciente só vai à primeira consulta e o retorno não é remunerado. O número de exames é reduzido, porque as operadoras de planos de saúde estabelecem o número de exames que se pode usar. Por que eles querem os hospitais? Porque querem reduzir custos e, reduzindo custos, isso bate nas costas do paciente e nas costas do profissional. O profissional não vai poder utilizar tudo aquilo de que precisa e que acha importante. O resultado dessa decadência do atendimento é que a relação médico/paciente está cada vez pior. Primeiramente, porque o paciente reclama do médico o tempo todo – até porque a mídia coloca isso. Em segundo lugar, judicializaram o atendimento médico. É preciso que os Secretários de Saúde que estão entrando comecem a discutir com a Justiça sobre o que está sendo determinado. O Ministério Público está fazendo diagnósticos e procedimentos. Há uma ação correndo contra mim. Um juiz mandou que eu determinasse a revascularização miocárdica de determinado paciente, que mandei para o Hospital de Base, os colegas analisaram e disseram não haver indicação. Lamentavelmente, 51


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há colegas no Brasil inteiro que têm entendimentos com empresas que importam medicamentos que sequer são reconhecidos e registrados na Anvisa. Assim, o profissional é obrigado a aplicar, porque o doente ouviu dizer que aquilo é bom e o Ministério Público manda comprar. Estamos diante de uma situação extremamente delicada, sendo cada vez mais pressionados, não só pela população. A mídia sempre tem notícia na porta do hospital. A pessoa reclama que está esperando há três, quatro horas, mas está bem. Eles não pensam que você pode estar em cirurgia ou atendendo a um paciente mais grave. Ele fica uma hora na fila do banco, mas não fica meia hora aguardando no serviço hospitalar. O doente não é bobo, prefere o pronto socorro ao centro de saúde. Ele vai atrás daquilo que pensa ser melhor, embora, muitas vezes, o atendimento não precise alcançar esses limites. O que se pode fazer? O que move o médico? Só há duas coisas que movem o profissional: ciência e dinheiro. Se ganha mal e não exerce a profissão com dignidade, não adianta. No interior do Brasil, o programa Saúde da Família é inteiramente desvirtuado. O médico sai da capital, vai para o interior uma ou duas vezes na semana, receita muita gente, e vai embora. Aquele acompanhamento é uma balela. O programa Saúde da Família não está sendo feito como deveria ser, porque o colega chega lá e não tem um exame de laboratório, um Raio-X, não tem absolutamente nada. Como podemos resolver? Só há um caminho. Temos que valorizar o profissional, dar a ele a condição para que possa trabalhar, e não é difícil. 52


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Quando se passava 30% da receita da Previdência para a Saúde, tínhamos o valor correspondente a 104 bilhões de reais. Hoje, o orçamento do Ministério da Saúde é de 48 bilhões de reais. Cortaram mais da metade dos recursos. Como se quer resolver o problema da saúde, que tem uma tecnologia que se desenvolve tão rapidamente quanto a informática? Eu não conheço nenhuma outra atividade que exija tanta tecnologia quanto a Medicina. Alegam que os pacientes vêm das cidades-satélites para cá, o que aumenta muito a pletora desses pacientes nos hospitais e o sistema não estaria preparado. Isso não acontece só em Brasília, acontece em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. A solução é resolver com o prefeito, mas o prefeito não quer doente; hospital, enfermeiro e doentes dão trabalho. Então, não interessa a ele fazer o hospital. Ele prefere uma ambulância, em que bota o paciente e diz que ele será atendido no melhor hospital do Centro-Oeste. O mecanismo para fazer o prefeito construir o hospital é “meter a mão no bolso” que é onde dói. Falei isso com o Serra, na época em que era candidato à Presidência da República, mas ele não quis mexer com os prefeitos. Se não tem compensação bancária, se desconta da cidade de onde o paciente veio e passase o recurso para a localidade do atendimento. No mínimo, o prefeito será obrigado a pensar duas vezes. Não há outro caminho. Nenhum prefeito está interessado em construir um hospital, porque sabe que hospital dá trabalho e é um problema difícil de resolver. 53


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Acho que a Faculdade de Medicina do GDF é um ponto de inflexão na formação dos profissionais e nós, os mais velhos, temos obrigação de manifestar nossas posições sem medo. Dizer que o Ministério Público está errado em fazer isso, que ele está nos obrigando a cometer uma infração penal, nos obrigando a dar um medicamento que a Anvisa sequer reconhece em registro. Como vou utilizar um medicamento que a lei não ampara? A saúde é um direito de todos e dever do Estado, desde que não agrida a profissão sagrada, que é a profissão médica.

Jofran Frejat: Médico cirurgião do Hospital Regional da Asa Sul e ex-Secretário de Estado da Saúde do Distrito Federal.

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Odílio Luiz da Silva

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nicio este depoimento afirmando que a implantação do curso de Medicina na Universidade de Brasília foi um acontecimento histórico, único e grandioso; para mim, uma verdadeira epopeia. A vivência na faculdade, especialmente na Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho, foi, para mim, e certamente para muitos que lá trabalharam, a mais bela e notável experiência profissional na área médica. Gostaria de começar com a origem da UnB. Criada em dezembro de 1961, iniciou as atividades acadêmicas em 1962, com a implantação de três troncos básicos: Direito, Administração, Economia, Letras Brasileiras, Arquitetura e Urbanismo. Darcy Ribeiro era reitor na época, um dos incentivadores da criação. O regime acadêmico da universidade era livre, não obedecia mais àquelas normas severas do MEC. Em novembro de 1963, autorizado para janeiro de 1964, houve o primeiro vestibular da Universidade de Brasília para aquelas áreas-troncos e, para o segundo semestre de 1964, o vestibular de Medicina. O vestibular foi criado sem a existência do curso de Medicina. O reitor na época (Anísio Teixeira, que ficou até 13 abril de 1964, naturalmente deposto pela revolução) saiu e assumiu Zeferino Vaz, conceituado e notável professor, que implantou a 55


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Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Durante essa época, já havia um coordenador – Antônio Cordeiro – que também saiu com Anísio Teixeira. Em 1964, portanto, houve demissões, cassações, perseguição política de cerca de 200 professores que, subitamente, sumiram da universidade. Apesar de ter ficado um vazio, fez-se o vestibular, mas podia-se fazer o vestibular porque a universidade inovou: o aluno não entrava direto para o curso de Medicina, teria que, no seu vestibular, escolher uma opção: entraria para Ciências Exatas, Ciências Biológicas, e uma série de cursos dessa ordem, preparatórios, que duravam cerca de três semestres e em que o aluno era preparado antes de fazer o curso profissional no qual ia se graduar. Assim, nesse intervalo entre 1964 e essa desestruturação toda, os alunos puderam continuar lá, mas sem a perspectiva de ter o curso de Medicina. Em substituição a Zeferino Vaz entrou outro professor de São Paulo, Laerte Ramos, que trouxe para o curso Edgar Barroso do Amaral, também conceituado professor, para coordenar o Curso de Medicina, mas aí houve o convite. Ernani Braga, diretor de Recursos Humanos da Organização Mundial da Saúde, que durante algum tempo foi diretor da Pan-americana de Educação Médica, sugeriu ao então ministro Muniz de Aragão e a Laerte e a Barroso do Amaral que convidassem José Roberto Ferreira. Ele aceitou e trouxe Luiz Carlos Lobo, que também estava voltado à educação médica, que veio como organizador do curso, enquanto Barroso continuava a exercer as atividades de coordenador do curso. Então se criou um grupo de trabalho de professores dirigido pelo Edgar, além de José Roberto e Luiz Carlos Francisco 56


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Pinheiro Rocha, secretário de Saúde e presidente da Fundação Hospitalar, Walter Sidney Leser, professor de Medicina Preventiva da Escola Paulista, Otávio de La Serra e Isaias Raw, professores da Universidade de São Paulo. Esse grupo recebeu a missão de estruturar o curso de Medicina, porque os alunos estavam na expectativa, praticamente com o curso pré-clínico e pré-profissional já concluído. Dois meses depois, esse grupo chegou à conclusão de como seria o currículo da faculdade. Em março de 1966, concluíram o documento básico da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Brasília. É uma epopeia: com a pressão dos alunos para criar um Curso de Medicina, em cinco meses as instalações, totalmente inovadoras na época, estavam prontas. O que estávamos acostumados na nossa formação? Cerca de seis laboratórios multidisciplinares de onde o aluno não saía. Ele ficava estudando, recebia aulas práticas, tinha sua guarda e ali se dedicava inteiramente ao curso. Em 8 de agosto de 1966 iniciaram-se as aulas. Barroso do Amaral, por questões de saúde, pediu desligamento em outubro, e Luiz Carlos Lobo foi indicado como diretor da faculdade e coordenador do curso. Começava outra etapa. O curso precisava de um hospital e, pela lei da época, não se poderia criar mais hospitais ligados ao ensino. Tarso Dutra era ministro da Educação, era do Rio Grande do Sul e criou a Faculdade de Medicina com o hospital. Como era ministro da revolução, ele podia criar, mas nós não. Por iniciativa do presidente da Fundação Hospitalar, estabeleceu-se um convênio para a Universidade. Parece fácil assinar isso, mas não foi. A briga foi tremenda, por57


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que os que estavam aqui não queriam as condições que foram implantadas: a dedicação exclusiva. Foram convidados, não aceitavam e também não permitiam que houvesse um hospital. Esse hospital foi dado graças a Francisco Pinheiro Rocha, que assinou o convênio por dez anos. Nesse convênio constava que a assistência médica era da universidade, mas as despesas médicas seriam rachadas. Havia produção e essa produção cumpria perfeitamente as despesas da universidade, 50% para cada um. Assim foi entregue esse hospital, para que a fa­ culdade pudesse gerir e desenvolver o seu inovador programa. Hoje, quando revejo aquilo tudo, percebo que é tudo o que o governo sempre quis fazer: ir ao encontro do doente e não o doente à procura da saúde. Esse hospital era simples, para uma população de 30 mil habitantes. A população de Sobradinho foi insuflada por aqueles que eram contrários ao hospital, porque não queriam que a faculdade tomasse conta. Diziam que as pessoas serviriam de cobaias, pensamento totalmente sem sentido. Foram feitas várias reuniões e Luiz Carlos Lobo participava de todas, tentando mostrar o benefício que eles trariam àquela população. Em menos de um ano de atividade, os índices de mortalidade infantil daquela cidade simplesmente caíram com um trabalho de assistência. Em todo o Brasil, apesar de as faculdades serem bem tradicionais, o curso era essencialmente teórico, os professores praticamente nem queriam saber dos alunos. Era um curso que dependia mais do aluno do que da escola. Era só teoria. Se o aluno não procurasse o serviço, não entrasse no hospital, não aprendia 58


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Medicina. Quando terminava o curso, queria ir para o interior fazer um curso de cirurgia em cima de cadáveres. Não se participava dos cursos de Medicina, mas aqui foi o contrário: o aluno participava, era preparado no ensino básico, em um sistema integrado da Medicina que Luiz Carlos Lobo implantou. Tudo era aprendido de forma intensiva por meio de nove sistemas que preparavam o aluno de forma integrada. Ele aprendia anatomia, embriologia, histologia, fisiopatologia, mas o modo de examinar não era aprendido no hospital. E o hospital também esnobou. Não era mais aquela divisão departamental, mas uma casa única. Distinguiam-se três ou quatro áreas básicas de internação: obstetrícia, pediatria, unidade de cirurgia e de clínica médica, apoiadas por serviços complementares. Isso tudo foi implantado lentamente. O ciclo profissional básico tinha essas disciplinas, uma era pré-requisito para a outra: mecanismos de agressão e defesa, sistema nervoso (Braulio com o Saraiva), sistema locomotor, sistema hematopoiético (Fernandinho), cardiovascular – inicialmente com Jacques Bulcão, que morreu subitamente dentro do hospital. Iniciei dizendo que esta era, para mim, a maior experiência. Concluo dizendo que a implantação do curso de Medicina na UnB foi, sem dúvida, a maior inovação didática até hoje realizada em nosso meio. Não porque eu tenha participado, mas foi. O País tem novos cursos surgindo, mas igual àquele nunca vi. Ele se tornou, na época, um paradigma para as outras escolas no Brasil e para os países em desenvolvimento, sendo apoiado pela Organização Mundial da Saúde e pela Organização Pan-americana de Saúde. Era comum recebermos delegações de africanos, trajados a caráter, querendo saber das coisas, e recebermos pro59


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fessores de outras escolas, das mais distintas. Uma vez perguntaram se trabalhávamos de manhã e à tarde. Íamos para lá todos os dias de manhã, cada um revezando o seu carro. Lisbôa, às vezes ia com aquele Volvo muito ruim, azul, mas que subia a serra de Sobradinho. Saíamos por volta de seis e meia, sete horas, deixávamos os filhos nos colégios; descíamos, inclusive aos sábados, e produzíamos. Muitos colegas achavam estranho a gente trabalhar integralmente naquele hospital, mas foi realmente uma vivência extraordinária. Tenho, até hoje, tanto tempo depois de formado, muita admiração pelo que fiz e pelo que aprendi. O curso permaneceu de 1966 até 1985 com a mesma orientação, mas perdeu essas características por uma razão fundamental: tivemos que devolver o Hospital de Sobradinho em 1980, por razões políticas e administrativas – e sem a visão daqueles que o administravam. O secretário de Saúde exigiu, então, que a Universidade assumisse toda a assistência médica sem a Fundação entrar e mudar. Os alunos, por sua vez, queriam participar de outros hospitais no internato e a exigência foi criar os preceptores da Fundação, que ganhariam 20 salários mínimos, mais que o professor titular em dedicação exclusiva. Não houve meios de continuar nessa situação. Em 1980, o hospital teve que ser entregue à Fundação e nos entregaram o hospital do Ipase. Logo depois, o curso perdeu todas aquelas características, tornando-se como os demais. Hoje, Luiz Carlos Lobo está aqui, dando assessoria à Faculdade para tentar implantar mais uma vez novos sistemas de ensino. Acadêmico Odílio Luiz da Silva: Médico ortopedista e professor emérito da Faculdade de Medicina da UnB.

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Luiz Carlos Lobo

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Faculdade de Medicina foi uma criação coletiva; todos participaram, inclusive os alunos. Foi uma experiên­

cia gratificante porque contou com a participação de todos na construção e na definição do que se faria. Estava preparado para vir para cá por coisas fortuitas. Carlos Chagas, com quem sempre trabalhei, praticamente me obrigou a fazer docência livre de Biofísica no Rio de Janeiro. Eu era o mais jovem a fazer docência livre lá e ele disse que eu tinha que ficar encarregado do curso de Biofísica na Faculdade Nacional de Medicina. Eu, que gostava da biofísica e da bioquímica, fiquei muito curioso em saber por que os alunos detestavam a biofísica. Fui perguntar aos professores da área clínica se o que a gente ensinava naquelas disciplinas tinha alguma relevância para a atividade clínica e, para meu estarrecimento, a resposta foi que estávamos ensinando coisas absolutamente irrelevantes. A escola, de certa forma, copiava a escola francesa. Ensinávamos conforto térmico em um país tropical e eu pensava: “como posso fazer um curso na área básica que seja interessante para o aluno?”. Verificamos que na área educacional é necessário pensar de trás para frente. O que o aluno quer? Quer ser médico? Então, a partir de um problema clínico, destrincha-se 61


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aquilo e começa-se a estudar o componente básico para que ele entenda o porquê. Não adianta ensinar pressão osmótica; tenho que ensinar o mecanismo de contracorrente no rim, de retenção de água e, a partir daí, fazer todo estudo de pressão osmótica. Não é possível ensinar ciência básica isoladamente. A gente aprendeu que tinha que começar a integrar por problema. Havia uma universidade nos Estados Unidos chamada Western Reserve em que, durante a guerra da Coreia, nove professores titulares tinham morrido. O novo decano substituiu os professores e essa foi a primeira escola a fazer integração no ensino básico com sistemas orgânicos. A Universidade de Stanford seguiu esse modelo, assim como várias outras universidades americanas. Eu já tinha a experiência do que se fazia lá e junto com o diretor da escola, Carlos Chagas, que me dava todo apoio, começamos a fazer ensino integrado com muita dificuldade na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Chagas foi convidado para ser embaixador do Brasil na Unesco e foi embora. O diretor que o substituiu não tinha o menor interesse em educação médica e resolvi voltar para o meu laboratório (eu fazia endocrinologia), para minha pesquisa de campo. Aceitei o convite de José Roberto para orientar a criação da Faculdade de Medicina. Vim essencialmente como consultor e essa foi uma oportunidade muito grande, porque a Faculdade de Medicina, com a perspectiva do tempo, foi o fator mais importante para manter em funcionamento a Universidade de Brasília. A UnB deve o seu soerguimento após a crise de 1964 à Faculdade de Medicina. Cheguei a perguntar a vários ex-alunos se nos viam como traidores ou como pessoas que vieram de62


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senvolver algum projeto interessante. E foi muito interessante, pois, como ninguém sabia o que fazer, poderíamos propor o que quiséssemos. Quando veio, Edgar Barroso Amaral tentou fazer uma criação igual à de Ribeirão Preto, trazendo professores da Europa, mas no período em que se criou Ribeirão Preto – por volta do final dos anos 1940 – a Europa estava devastada. Era tudo diferente 20 anos depois; estava em franco desenvolvimento e não havia condições de fazer o mesmo modelo. É difícil criar uma massa crítica de gente pensante para fazer ensino integrado, mas, fazendo o ensino em blocos, eu poderia trazer professores de outras universidades, por um período de tempo menor e que podiam participar desse bloco. Vinha muita gente do Rio e de São Paulo. Com isso, conseguimos, com um núcleo relativamente pequeno de gente, fazer um curso de alta qualidade, adotando o princípio de ensino integrado na área básica. Acredito muito em mudanças conceituais, acho que as pessoas vêm em função de um conceito, de uma ideia, de uma filosofia, e a filosofia que se transmitia era a seguinte: a escola não ensinava, a escola oferecia oportunidades para o aluno aprender; essa era a grande diferença. O conceito de ensino é socialmente irresponsável porque o professor acha que a responsabilidade dele é ensinar. A primeira aula que dei no Rio ninguém queria dar. Era uma aula de estatística e estava muito nervoso. Um professor mais velho me disse: “Você vai lá dar sua aula. Se o aluno aprende ou não, é problema dele”. Esse é conceito que se tinha e que se continua tendo. Todo o sistema educacional é centrado no professor e, 63


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por isso, ele é mensurado em horas/aula, o que é uma bobagem. O tempo de o aluno aprender é o tempo que ele define e que ele precisa. A ideia de passar de ensino para aprendizagem, de usar o aluno em uma etapa superior para orientar a primeira etapa como monitor, funcionava bem. Acho que a faculdade foi uma criação coletiva e que todos contribuíram. O aluno fiscalizava o tempo todo, para saber o que fazíamos, o que comprávamos, quem contatávamos, e isso era ótimo. Outra grande bobagem é dizer que o ensino público é de graça. O aluno está pagando com uma coisa que é muito mais importante e é a mais cara no mundo: seu tempo de vida. É a única coisa que não volta. Ele está gastando anos de sua vida, no período mais produtivo, para estudar. Não existe isso de ensino gratuito. O problema é colocar o aluno como sujeito ativo do processo, e não como objeto. É preciso discutir com ele o que vai aprender. Ele precisa sentir motivação no que está fazendo. A escola fazia isso, discutia com o aluno o que ele ia aprender e isso permitia que se sentisse motivado. Quando fomos para Sobradinho, Pinheiro Rocha já havia nos oferecido muitas opções: o L2 Sul; mais tarde, o Gama... A população de Brasília é uma população que não representa hoje o Brasil. Então, se você quer formar alguém com uma visão mais ajustada ao País, não é bom ficar no centro da cidade. Fomos para Sobradinho e aí se fez a segunda mudança conceitual em Brasília. A primeira foi deixar de falar em ensino para falar em aprendizagem. A segunda mudança conceitual foi deixar de falar em assistência e passar a falar em cobertura. 64


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Assistência é outro conceito irresponsável, porque eu atendo, eu assisto e sou responsável por quem me procura. A cobertura é a aceitação, por um grupo de médicos, de que eu sou responsável pelo que está acontecendo. Se morresse alguém em Sobradinho, era responsabilidade do grupo da escola. Não é possível reestruturar o serviço de saúde adequadamente se não se mudar para um sistema de cobertura com territorialidade, com regionalização. A escola de Sobradinho foi criada conceitualmente. Era preciso discutir o problema de como aprender, como fazer melhor, como envolver o aluno, dar oportunidade para ele aprender e orientar esse aprendizado. Isso é o que a gente procurava fazer lá. O aluno tem que entender o processo patológico vendo como se origina: começava pela comunidade, porque estudando essa situação é que entenderia o processo mórbido resultante. Essa oportunidade se fazia plenamente. Lembro-me de que Jairo Ramos, da escola paulista, chegou em uma turma do quinto ano e perguntou: “Quantos de vocês já fizeram um parto?”. Todos levantaram as mãos e ele ficou surpreso. Então, era uma escola que fazia o aluno pensar, pois tinha que atender no ambulatório, tinha supervisão. Dava-se responsabilidade para o aluno. Não existiam férias, porque o aluno era envolvido no serviço. E se ele é parte do serviço, ele se incorpora, vai aprendendo na medida em que está incorporado como parte da engrenagem. Os hospitais de ensino têm que ter menos gente do que seria normal em um hospital qualquer. Se você equipa o hospital de ensino com todo o pessoal que for necessário, nem o aluno, nem o residente e nem o interno terá o que fazer. 65


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Outro dia eu estava lendo um discurso do Carlos Chagas (pai), em uma aula inaugural no ano de 1928, e ele dizia que você tem que aprender praticando e ensinar fazendo. Esse conceito é muito bom. Há uma diferença enorme entre saber e aplicar o conhecimento. Não havia teoria, no sentido de definir aulas teóricas. Ela emergia da prática. O aluno era jogado em um problema prático e recebia um alicerce de conhecimento teórico na medida em que necessitasse. No sistema clássico, o professor é altamente defendido, porque escolhe o momento, o assunto e toda a situação. O ensino como se fazia era diferente, porque um aluno vinha procurar o professor e ele não sabia o que o aluno queria. O conceito que se tinha na escola era de integração de ensino e depois de integração também na área clínica. O ensino na comunidade, no centro de saúde, no posto periférico e no hospital fazia com que o aluno tivesse a integração de todo o conhecimento necessário para fazer o atendimento da pessoa. A grande preocupação era em atender o doente – e não necessariamente a doença –, cuidar das pessoas, dar atenção ajustada à característica de cada um, e acho que essas eram as premissas básicas da faculdade que, de certa forma, faziam as pessoas ficarem muito interessadas no que estávamos fazendo lá. Lembro-me de que tivemos um reitor – Caio Benjamim Dias – que veio de Minas Gerais e dizia não saber por que vinha tanta gente visitar o hospital se não tínhamos uma escola bonita. Ele dizia que, em Minas Gerais, era tudo de mármore e ninguém ia lá. Mas vinham aqui para ver uma ideia, e não o edifício. 66


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Uma vez recebi um antigo professor que tinha criado uma universidade na Turquia. Chamava-se Zandogramassi e era presidente da Unicef na época. Ele veio visitar e achou maravilhoso o programa materno-infantil integrado, mas disse que eu fracassaria ali, porque estava propondo uma porção de coisas diferentes e não tinha prestígio científico e nem político. Então, José Roberto e eu percebemos que precisaríamos também de prestígio político, e foi planejado o Hospital Escola Presidente Médici para ser o hospital de especialização, pois daria a atividade especializada que o aluno queria. O aluno estava fazendo Medicina Geral lá, mas queria uma especialização. Lembro-me de que Jacques Bulcão dizia que precisava ter uma unidade de hemodinâmica aqui e eu perguntava quantos casos ele teve que necessitavam de estudos de hemodinâmica. “Seis”, ele dizia. Então, propus um convênio para ele estudar e ele dizia: “Você está sacrificando meu futuro profissional”. O Hospital Presidente Médici foi pensado como hospital de especialidades e, ao mesmo tempo, era um hospital que me daria prestígio político, pois tinha 40 quartos no último andar onde eu pretendia atender toda a classe política de Brasília para conseguir o prestígio e manter a escola operando. Conseguimos fazer com o Ipase um convênio para ceder o hospital como referência para a UnB, mas o reitor disse que não precisava de dois hospitais, que eu estava fazendo uma besteira, e não assinou o convênio que dava por dez anos todo o custeio do hospital pago pelo Ipase e que permitiria que tivéssemos um hospital de pós-graduação ou de especialização. Iniciaram-se aí conflitos que resultaram, inclusive, na minha saída da escola. 67


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Acho que a escola ousou muito, porque saiu dos paradigmas que existiam para propor o ensino integrado. Os problemas que a gente vive são interdisciplinares sempre. Você pode estar estudando cardiologia, mas o seu paciente é interdisciplinar, o real é interdisciplinar. Então, isso era o que se falava na época e, agora, 40 anos depois, a gente descobre que todo mundo quer esse tipo de ensino. Querem voltar a integrar a escola ao serviço. Existe um projeto no Ministério da Saúde (Pró-Saúde) distribuindo quase R$ 100 milhões para dar apoio às escolas que quiserem integrar a sua formação no serviço de saúde. Na Universidade de Brasília, por exemplo, assessoramos um projeto e conseguimos trazer R$ 4 milhões para integrá-la no Paranoá. Vamos fazer o aluno integrar-se ao serviço de saúde lá; era esse o aspecto de inovação que se falava na época, e era muito discutível. Para se ter uma ideia da dificuldade, fui chamado por um ministro da Saúde para perguntar o que tinha a ver a Medicina Comunitária com o comunismo. As dificuldades que se tinham eram enormes – com a invasão da universidade, a prisão de alunos. Tínhamos que vencer e vencemos. Ousava-se muito. A escola era inteiramente ilegal, não tinha nada a ver com o currículo mínimo. E o que aconteceu? Quando Roberto Santos, presidente do Conselho Federal de Medicina, resolveu fazer diretrizes curriculares, adotou os princípios da UnB como modelo de desenvolvimento curricular em Medicina. Só não foi tão completo como ele queria, porque os detentores das cadeiras queriam ver as suas disciplinas bem focalizadas e não pensavam em um ensino mais integrado. Esse 68


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conceito de se ter aprendizagem e não ensino, cobertura e não assistência e integrar todos os professores foram conceitos que há 40 anos eram muito agressivos. Hoje, voltei para dar assessoria ao Ministério e verificamos o seguinte: é isso tudo o que eles querem. A proposta do que o Ministério pretende hoje é exatamente o que a gente pretendia fazer há 40 anos. Na realidade, acho que fomos um pouco punidos por termos proposto coisas antes do tempo. Se isso fosse proposto hoje, seria muito mais fácil. Odílio fala que foi uma epopeia, e foi. Em três meses, a gente começou todo o curso básico; em quatro ou cinco meses, colocamos o hospital funcionando para receber os alunos. A questão é que tínhamos um reitor que não sabia o que fazer e nos dava recursos para fazermos o que quiséssemos.

Luiz Carlos Lobo: Médico endocrinologista e 1º Coordenador da Faculdade de Medicina da UnB.

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Antônio Márcio Junqueira Lisbôa

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stava no Rio de Janeiro em um sábado atendendo no meu consultório quando chegou o Fernando, chamado Fernandinho, que era professor e hematologista. Naquele momento, ele trabalhava em três hospitais e ganhava um salário de hospital, que era, talvez, um pouco pior do que é hoje; levou o filho para eu ver e me disse que havia sido convidado para ir a Brasília. Era dezembro de 1966. Perguntou a minha opinião; disse para ele aceitar imediatamente. Fernando saiu, voltou uma hora depois e perguntou se eu aceitaria o convite e falei que não, porque minha situação não tinha nada a ver com a dele. Naquele momento, eu tinha a segunda clínica do Rio de Janeiro, atendia de 20 a 25 crianças por dia em uma clínica de gente muito rica. Ganhava o meu tempo, se eu quisesse trabalhar 24 horas por dia, ganharia muito mais. Trabalhava no Hospital do Servidor do Estado, meu sonho de recém-formado. Fiz concurso e entrei lá, estava no berçário, chefiando, trabalhando, ou seja, minha situação não tinha nada a ver com a dele. Mesmo assim, ele perguntou se eu aceitaria o convite. No dia 6 de janeiro de 1967, eu estava em um restaurante chamado Centenário com Cláudio Souza Leite, que era cirurgião pediátrico no Rio. Eu falava das minhas angústias e brinquei dizendo que seria riquíssimo e sem fazer o que queria, 70


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porque o meu sonho era ser professor universitário, mas no Rio não tinha jeito, as faculdades estavam todas ruins e, mesmo que entrasse em uma, não iria fazer nada. Então veio o convite que me pegou em uma fase extremamente vulnerável. Dia 10, mais ou menos, e vim para Brasília no dia 28. Esse dia da conversa foi em 6 de janeiro, dia do meu aniversário, há 40 anos. No fim do mês, eu vinha para cá e encontrei aqui com o Lobo. Já trouxe minha mulher e meu filho mais velho para perceber como é que seria. Eu ganhava em torno de 10.000 para trabalhar e me ofereceram 1.250 com dedicação exclusiva. As promessas do que teria eram tão boas que meu filho mais velho dizia que Luiz Carlos Lobo tinha muita força, porque tudo o que eu pedia eles me davam. Dois dias depois, dia 1º, eu já estava com os meninos matriculados em um colégio daqui. A promessa aqui era um hospital, aquele de Sobradinho, em dedicação exclusiva, mas eu queria fazer carreira de universidade. Na época, em todo local eu falava mal do ensino médico e fui chamado para ir à faculdade organizar do zero o serviço; pensei: “ou eu vou ou nunca mais vou querer saber de ensino médico”. Cheguei aqui e fui morar em um apartamento na 313. Fiquei cerca um ano almoçando e jantando em caixote, pois estava de mudança. Fui para Sobradinho e me deparei com uma situação que adorei, pois aquilo casava com tudo o que eu pensava em pediatria: prevenção da doença, recuperação, reabilitação. E com o diferencial de ter liberdade para fazer o que eu quisesse em termos de ensino. Podíamos fazer o currículo de maneira diferente, assim como a metodologia e as técnicas. O local escolhido foi Sobradinho. Naquela época, a cidade ti71


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nha de 35 ou 36 mil habitantes, 61% com menos de 20 anos e 25% com menos de quatro anos e um nível de educação muito baixo. 84% das famílias recebiam menos de um salário mínimo. Outro desafio seria ter um hospital comunitário, pequeno, numa cidade em que seríamos responsáveis pela saúde de todos. Então nós tínhamos que formar médicos. Havia dois titulares com livre docência: Luiz Carlos Lobo e Hélio Barbosa. Os outros tinham, no máximo, residência. Aquele desafio para mim foi o máximo. Cheguei e não tinha nada. Era meu sonho, do jeito que pensei no Rio de Janeiro. No dia 31 outubro de 1966, foi confirmado um convênio entre a coordenação da Faculdade de Ciências Médicas, representada por Lobo e o secretário de Saúde, Pinheiro, por quem foi cedido, por quase dez anos, um hospital para a Faculdade de Ciências Médicas em Sobradinho, utilizado para a prestação de serviços. Achei ótimo, por isso, vim trabalhar. Havia um hospital provisório, de madeira. Ali havia ratos, cobras e até um museu de escorpiões e cobras vivas para mostrar que, além de gente, havia outros habitantes estranhos. No tempo em que eu estive lá, todos os prematuros morreram. A enfermaria e o pronto-socorro co-existiam. Tínhamos uma biblioteca pequena da qual tirávamos os livros e colocávamos as crianças para se hidratar nas prateleiras, como um beliche. Ficamos nesse prédio um tempo, até 15 de maio, cerca de dois meses e meio. Foram iniciadas as atividades no hospital Unidade Integrada de Sobradinho. Nesse dia, começava um grande desafio: um punhado de médicos, somente dois com 72


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titulação universitária, com muita garra e vontade de ensinar, se propunha a formar médicos em um hospital comunitário com 200 leitos e localizado numa cidade com população de 30 mil pessoas. Até então, isso parecia impossível. Comecei a trazer os médicos do Servidores do Estado e a luta foi tremenda, porque a maioria desse pessoal queria transformar o hospital comunitário em “hospital da USP”. Isso foi uma luta, e até acho que, na clínica médica, conseguiram. Mas aquilo não tinha nada a ver com o Servidores. Tínhamos que fazer diferente. Não iríamos competir, e nunca competiríamos, com a USP. Tínhamos que fazer uma coisa que não existia. Esse foi um dos trabalhos mais difíceis que tive. Em 1969, foram instalados os postos periféricos urbanos e rurais. Em março de 1969, as disciplinas de pediatria e obstetrícia foram colocadas em centros de saúde de área rural, e, nisso, fomos pioneiros. Nessa época, já havia duas modificações importantes. Os berçários funcionavam em três divisões: normais, prematuros e infectados. Havia crianças prematuras de três quilos que ficavam em um berçário de cuidados especiais e recém-nascidos mais doentes, que ficavam no normal. Passamos a dividir os berçários em baixo, médio e alto risco, e infectados. Essa divisão no Hospital de Sobradinho foi difundida pelo Brasil inteiro. Além disso, as primeiras disciplinas de Neonatologia e Crescimento foram criadas, em 1969, aqui. Não existia nenhuma faculdade de Medicina no Brasil que tivesse a disciplina de Neonatologia e nem de Crescimento do embrião. Hoje, todas têm. 73


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Tivemos uma integração muito boa nas áreas de obstetrícia e de pediatria. Tão boa que, pela primeira vez, os residentes e internos de pediatria tinham que estagiar na sala de parto e no pré-natal. Outra coisa que fizemos foi essa colocação na área rural. Em Belo Horizonte, onde falei sobre ensino médico, houve um colega que defendeu a existência de preceptor. Discordo disso. O problema do preceptor é que o professor começa a tentar modificar o serviço de saúde. Quando cheguei lá, a primeira coisa que Átila falou foi em fazer sessões clínicas, mas isso seria mau. Por exemplo: se chegasse uma requisição de doença infecciosa, como faríamos? Como vacinar toda a população? Assim, montamos o serviço. E muitos iam para a área rural aprender coisas que não tinham dentro do Hospital. Ali, eu quis que eles aprendessem coisas de centros de saúde. E foi um sucesso tão grande que os alunos não tinham subsídio nenhum – eles tinham que arranjar o transporte, comer sanduíche pago – mas nunca reclamaram, porque estavam aprendendo. Quando o aluno aprende, ele é um indivíduo tranquilo, mas quando o aluno sente que aquilo não o leva a nada, começa a criar caso por estar insatisfeito. Tínhamos lá o ensino em unidade; em área urbana, na quadra 16, a visitação domiciliar; na Fercal, o atendimento das crianças em área rural, e atendimento em centros de saúde e nos postos ligados ao centro. Isso porque o aluno tem que aprender que, se há uma criança com diarreia e dali a um mês ela volta, é necessário ver onde essa criança mora para entender por que ela está voltando todo mês. Caso contrário, ele não terá esse conceito ecológico. Havia um mapa e, para 74


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todo o pessoal que chegava, nós alfinetávamos esse mapa no local onde a pessoa vivia. Se uma favelinha, por exemplo, ficava cheia de alfinetes, ou se consertava a favelinha, ou não se conseguia atender o número de pacientes no hospital. O problema não é dentro do hospital. Ele está nas comunidades. Eu queria que o aluno tivesse essa visão. Os alunos também participavam de projetos de desenvolvimento comunitário. Havia uma rua que apresentava muitos casos de verminose, o local não tinha esgoto e não havia coleta de lixo. Então, os alunos iam com a Míriam, assistente social, para mobilização comunitária. Assim, aprendiam como usar as comunidades para ajudar a saúde. Então a Miriam chegou lá e fez um convênio com a prefeitura. O pessoal pagava o que podia mensalmente, ela arranjou um empréstimo no BRB e a população pagava R$ 20, R$ 30 ou o que decidisse pagar. Foi feita a ligação de esgoto e depois fizemos exame de fezes para verificar a incidência de diarreia. O médico tem que saber que ele não resolve o problema de saúde sozinho. Ele tem que resolver junto com a população. O único problema que tive durante minha gestão apareceu em uma reunião mensal com a comunidade. Eles estavam aborrecidos com a parte de obstetrícia porque não estávamos dando canja de galinha para as pacientes e, culturalmente, eles achavam que a canja era uma forma de recuperação rápida para a mulher que pariu. Então, mandei dar a canja e todos ficaram satisfeitos. Em 1972, Simões Barbosa assumiu com o Átila. Embora exitoso, o programa foi desativado em 1980 pela reitoria. E os resultados: grande número de estudantes brasileiros e es75


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trangeiros queria conhecer o pioneirismo dos trabalhos produzidos em Sobradinho. Estava vencido o desafio. O trabalho desenvolvido em Sobradinho provou que, na Medicina, podem-se formar médicos em hospitais comunitários de baixo custo utilizando professores profissionais que, embora sem titulação acadêmica, sejam competentes. A meu ver, não é necessário fazer mestrado e doutorado, a não ser que seja para ser professor, e o professor tem que saber muita coisa: pedagogia médica e avaliação. Aqui, tudo funcionou bem com dois titulares. Uma das coisas de que tenho certa mágoa da universidade é que, quando cheguei, o primeiro que convidei para ser professor foi o Cristovam do L2 e o Edson Porto, também do L2, e abri o convite. Antes de convidar qualquer outro, chamei o pessoal de Brasília, que não queria, porque teria que ter dedicação exclusiva para ganhar cerca de R$ 1.200,00. Redigi três convênios, mas, no final, o pessoal da universidade não assinava. Entendo o porquê. No momento em que se democratiza o ensino, existe o pensamento de que “sou professor com mestrado e doutorado e aquele carinha ali de Taguatinga é o paraninfo, porque os alunos gostam dele e acham que ele sabe mais do que eu”. Outra coisa que nós fizemos lá em Sobradinho foi esse programa de Mãe Acompanhante. Até aquela época, a criança era deixada no hospital e as visitas eram feitas em 30 minutos. Resolvi mudar isso. No programa, as mães poderiam ficar com a 76


Anais • Ano I • Volume 1

criança. Muitas pessoas não gostavam disso. Um dia, o Mozart reclamou porque uma criança teve uma parada e a mãe acordou todos. Disse que o filho dela teria morrido se todos estivessem dormindo. Conseguimos passar esse programa para os outros hospitais de Brasília e para a Sociedade Brasileira de Pediatria. Tive a satisfação de introduzi-lo no Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse programa começou em Sobradinho em 1969 e hoje é lei, coisa que ninguém sabe.

Acadêmico Antonio Márcio Lisbôa: Médico pediatra e professor aposentado da Faculdade de Medicina da UnB.

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Marcus Vinícius Ramos

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ei que todos nós, médicos de profissão, temos no fundo algum interesse outro que não a Medicina. Minha paixão fora da Medicina é a História, e vou falar a respeito da Faculdade de Ciências Médicas da UnB como um de seus exestudantes, adotando um viés histórico. Os primeiros passos para a criação de uma genuína universidade brasileira foram dados ainda na década de 1930 (até então, o ensino superior no Brasil contava basicamente com escolas esparsas, não centralizadas), quando Anísio Teixeira fundou a Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, uma universidade revolucionária para a época. Anísio Teixeira apoiava-se no modelo norte-americano e foi o primeiro indivíduo a ter uma visão crítica de como deveria ser tratada a educação no Brasil. Aquela universidade teve, porém, vida curta, sendo fechada com o advento do Estado Novo. Ao final dos anos 1950, já no governo JK, Darcy Ribeiro retomou as ideias de Anísio Teixeira e a UnB pôde ser considerada, de certa forma, como sucessora da Universidade do Distrito Federal. O Plano Orientador da UnB apoiava-se em um tripé formado por binômios – instituto central e faculdade, ensino e pesquisa, integração acadêmica e economia administrativa. Isso não 78


Anais • Ano I • Volume 1

existia em nenhuma universidade brasileira. O Instituto Central de Biologia englobava os cursos de Medicina, Psicologia, Ciências Biológicas, Ciências Agrárias. O ensino e a pesquisa eram feitos dentro do instituto e havia enorme economia administrativa, uma vez que não se dividia ou não se pulverizava a universidade com inúmeros departamentos semelhantes, um em cada setor. Em abril de 1962, começaram as aulas na Esplanada dos Ministérios, no prédio do MEC, com cursos que não exigiam laboratórios, hospitais ou pesquisa de campo, ou seja, a UnB começou a funcionar com os cursos de Direito, Administração, Economia e Letras sendo que o campus que nós conhecemos, na Asa Norte, só seria inaugurado no 2º semestre. A partir do movimento militar de 1964, a UnB passou a experimentar um verdadeiro pesadelo. A universidade foi invadida em abril e muitos professores foram presos e demitidos. Zeferino Vaz substituiu Darcy Ribeiro, com nova invasão do campus no segundo semestre de 1965. Zeferino foi substituído por Laerte Ramos de Carvalho, mas continuaram as prisões e demissões, culminando com a demissão coletiva de mais de 200 professores que se solidarizaram com os colegas. Os alunos foram mandados para casa, a UnB tornou-se um fantasma e a Faculdade de Ciências Médicas só viria de fato a funcionar em abril do ano seguinte. Os poucos cursos de Medicina instalados no Brasil, até então funcionavam procurando seguir o paradigma Flexner, que priorizava, entre muitas outras sugestões para o ensino médico, a utilização de alta tecnologia. Havia, no entanto, sérios proble79


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mas para a adoção desse modelo, especialmente nos países em desenvolvimento. A introdução de alta tecnologia na prática médica de certa forma distanciava o médico do paciente, multiplicava o número de procedimentos diagnósticos, encarecia o custo do tratamento e tornava os gastos crescentes, aumentando a parcela de custos sobre os ombros do Estado. Alguns modelos alternativos só começaram a surgir a partir do final da Segunda Guerra. Procuravam dar maior ênfase à medicina preventiva e desenvolver um tipo de medicina que permitisse aos profissionais de saúde uma maior integração com a comunidade a respeito da prevenção. Procuravam também uma forma mais atuante de agir na comunidade sob seus cuidados, usando-a como sócia e voluntária nas missões de saúde. Estimulavam um modelo de medicina docente-assistencial, em que o professor não se limitaria a dar aulas, mas participaria também dos trabalhos de campo. É interessante notar que todos os modelos se superpunham e todos eles, em maior ou menor grau, foram utilizados na UnB. Ao contrário do relatório Flexner, que considerava a saúde como a ausência de doença, essas alternativas, apoiadas nos conceitos adotados pela OMS, definiam a saúde não somente como a ausência de doença, mas como também um estado de bem-estar físico, mental e social. Como era organizada essa faculdade? Ela foi estruturada à semelhança da Case Western Reserve nos EUA e também com alguma coisa de Stanford. Tinha os blocos integrados na parte primária do curso – a parte teórica – em que se estudava um sistema de cada vez, das matérias básicas à integração indivíduo e 80


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sociedade. Já o ciclo profissional era feito fora do campus, depois de um acordo entre o governo do Distrito Federal e a UnB para a cessão de um hospital-escola em Sobradinho. Era um hospital novo, com atendimento ambulatorial organizado em diferentes módulos – medicina integral, medicina de adultos e medicina materno-infantil, com a atenção aos pacientes estendendo-se aos domicílios, onde era verificada a eficácia (ou eventual fracasso) do tratamento proposto. O enfoque era sempre no trabalho em equipe, com uma abordagem multidisciplinar e a participação conjunta da comunidade. Isso era a base do que chamávamos de Medicina Comunitária. Nela trabalhavam, de forma integrada, profissionais de outras áreas, como enfermagem, sociologia e psicologia. O objetivo não era mostrar o máximo de eficiência e sofisticação, mas sim treinar o médico para ser o mais eficiente possível face às diversas condições dos serviços existentes no País. O hospital contava com cerca de 230 leitos para uma população de 30 mil habitantes, uma proporção quase ideal nos termos recomendados pela Organização Mundial da Saúde e recebeu o nome de Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho para ser condizente com o modelo de ensino adotado pela universidade. Correspondia no plano Bandeira de Mello, a um nível intermediário. Os alunos, professores e enfermeiras fizeram um levantamento de praticamente tudo na cidade, a chamada Carta de Sobradinho. O hospital sabia desde o número de habitantes, como era a sua distribuição social e econômica, qual era o poder aquisitivo de cada família, que fé professava, 81


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quão alto era o nível de pudor experimentado pelo paciente ao fazer uma consulta médica. A Carta servia de base para as medidas de saúde domiciliar que usávamos. O sucesso do modelo adotado na Faculdade de Ciências Médicas foi usado como fator de recuperação da UnB que, quase totalmente destruída e sem seus professores, precisava voltar a funcionar o mais rapidamente possível. O modelo adotado pelos fundadores da faculdade de Ciências Médicas era muito semelhante à concepção original de Darcy Ribeiro e do plano orientador da UnB, de modo que não houve problemas para os estudantes o aceitarem. A dicotomia entre o curso básico e o curso profissional era diluída pela multidisciplinaridade dos blocos, onde tanto os alunos quanto os professores eram avaliados. Mas as fissuras não tardaram a começar. Havia insatisfação dos docentes, que achavam que Sobradinho era um hospital que atendia apenas um nível intermediário, não permitindo o desenvolvimento de um trabalho mais sofisticado, do ponto de vista tecnológico, por parte dos docentes. A partir de 1968 – com a promulgação do AI-5, da deterioração das relações entre a reitoria e a direção da faculdade, da aproximação da formatura da primeira turma e do aumento da demanda de profissionais qualificados pelo mercado (estavam sendo inaugurados os hospitais das Forças Armadas e o dos Servidores da União) – o modelo começou a perder força. A singularidade da UnB e a singularidade, ainda maior, da Faculdade de Ciências Médicas, perdiam espaço e não tinham mais lugar dentro dessa nova 82


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realidade. A não renovação do convênio entre Fundação Hospitalar e a UnB ao final da década de 1970, com a consequente devolução do Hospital de Sobradinho (UISS) ao GDF, assinalou o fim do modelo de ensino médico que vinha sendo adotado pela faculdade. Contudo, Sobradinho até hoje funciona como hospital universitário. Não tem mais nada a ver com a UnB, mas a Faculdade de Medicina ligada ao governo do Distrito Federal ainda usa Sobradinho como hospital universitário e muito da época em que a UnB o administrava ainda persiste. Acredito que o espírito da UISS ainda vagueia por lá, não como fantasma, mas como um anjo protetor do hospital. Darcy Ribeiro dizia que a UnB não era uma universidade qualquer e que muito havia lutado pra criá-la. Contudo, a criação da Faculdade de Ciências Médicas da UnB – e seu modelo de ensino – não contou apenas com ajuda de autoridades, com a necessidade imperiosa de se reerguer uma universidade gravemente ferida ou com o esforço de alunos, professores e funcionários. Contou, sobretudo, com o apoio da comunidade de Sobradinho, sem cujo engajamento, total e desprendido, teria fracassado. Muitos lutaram para criar essa faculdade que ainda hoje é motivo de orgulho para Brasília.

Marcus Vinícius Ramos: Médico radiologista e aluno da 1ª turma da Faculdade de Medicina da UnB.

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Fábia A. Carvalho Lassance

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ostaria de começar a apresentação mostrando o que é a nossa realidade, hoje, na Universidade Católica

de Brasília. Para estruturar o curso de Medicina, a UCB precisou montar a sua história para coroar o Curso de Medicina entre os cursos da graduação. Foi um dos últimos cursos – entre os mais procurados – que foi implantado, há sete anos. A Universidade Católica começou em 1972, quando foi criada a mantenedora, chamada União Brasiliense de Educação e Cultura (Ubec). Em 1974, após a criação da união, foi instalada a primeira Faculdade Católica de Ciências Humanas na região de Taguatinga. Em 1980, foi feita a união de todas as faculdades criadas até aquele período, chamadas de Faculdades Integradas da Universidade Católica. Em 28 de dezembro de 1994, foi feito o reconhecimento político não mais de Universidades Integradas, mas de Universidade Católica, passando a ter o status de universidade, não apenas de uma instituição de ensino superior. Em 23 de março de 1995, foi realmente feita a instalação com todo o corpo docente, discente e funcionários da UCB. José Teixeira, da Congregação dos Salesianos e idealizador da Ubec, foi o primeiro diretor-geral da Faculdade Católica no período que correspondeu de 1974 a 1978. 84


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O primeiro vestibular em Taguatinga ocorreu em 1975. Houve uma reunião da diretoria da Ubec com a diretoria da Faculdade de Ciências Humanas da UCB para assinatura da compra do terreno em Taguatinga – até então a universidade não tinha terreno próprio. Já em 1979, foi lançada a pedra fundamental da UCB com os membros da diretoria da Ubec. Os primeiros blocos da Universidade Católica são hoje chamados de A, B, C e D e ali está o prédio da Reitoria. São quatro prédios mais antigos e unidos por detalhes similares da arquitetura. Como todos os prédios da UCB têm o nome de santidades, esse bloco foi chamado de São João Batista de La Salle. Por questões que fogem ao meu conhecimento, a partir de determinada data foram atribuídas à gestão da universidade em primeira, segunda e terceira gestão. Estamos na quarta gestão, até mesmo pela configuração da Universidade Católica. A gestão atual é composta pelo Padre José Romualdo Degasperi, José Leão da Cunha Filho, que é o Pró-Reitor de Graduação, e Luiz Síveres, que é o Pró-Reitor de Extensão, sem contar todo o aparato que compõe a universidade. São essas as pessoas mais diretamente ligadas ao curso de Medicina. A Universidade Católica tem uma missão com caráter humanitário: formar pessoas com uma visão humanitária, atendendo a pessoa de forma integral, comprometida com todos os valores éticos, desde os princípios humanísticos, mas também muito reportado à questão religiosa. Nós devemos tudo o que temos no curso de Medicina à eficácia, eficiência, atuação e à capacidade de articulação de Armando e da sua equipe para 85


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instalar o curso. Ele esteve à frente do curso de agosto de 2001 a dezembro de 2005. No momento da criação do Curso de Medicina, o Hospital das Forças Armadas teve uma participação muito importante, dando apoio para a estruturação do curso. Uma das iniciativas de Armando eram as reuniões com o grupo de docentes, que tinham um caráter muito menos administrativo e muito mais conciliador, e até mesmo agregador. O segundo diretor do Curso de Medicina foi Florêncio Figueiredo Cavalcanti Neto, que esteve à frente do curso de janeiro de 2006 a agosto de 2008. Florêncio continuou o trabalho iniciado por Armando e deu novos ares ao curso pela sua atuação e articulação constantes na busca de melhorias para o curso de Medicina. Osvaldo Sampaio Netto foi e continua sendo um dos assessores de maior importância dentro do curso, porque ele é uma pessoa extremamente qualificada na questão do gerenciamento do curso. O Curso de Medicina procura manter fiel o compromisso com sua clientela, com estudantes e com os pacientes. Hoje, respondo interinamente pela diretoria e temos como assessores Osvaldo Sampaio e Alexandre Brick. O curso está habilitado para formar médicos, o horário é integral, a duração do curso pode ser integralizada em, no mínimo, 12 semestres ou seis anos e, no máximo, em 18 semestres ou nove anos. O internato, no currículo antigo, era feito em três semestres, mas agora o internato passa a ser de quatro semestres. São oferecidas 40 vagas pelo vestibular, quatro vagas para o ProUni e quatro vagas de avaliação seriada (PAS). O Curso de Medicina foi autorizado pelo 86


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Conselho Federal de Educação em 31 de maio de 2001, e com algumas portarias até julho de 2001, sendo publicado no Diário Oficial da União em 6 de julho de 2001. A instalação do curso foi em 15 de agosto de 2001. Ele recebeu parecer favorável da auditoria do Ministério da Educação em 27 de novembro de 2006. A relação candidato/vaga no processo seletivo do Curso de Medicina no primeiro semestre de 2008 foi de 24,68 e, no segundo, foi de 23. O corpo docente é formado por 89 docentes, especialistas, mestres doutores e livres docentes. A equipe desenvolve seu trabalho primando pelo mais alto nível de competência pedagógica e ética na formação de nossos estudantes. O corpo discente atualmente conta com 514 estudantes. Observamos que nas atividades intraclasse, no laboratório, nas atividades com pacientes, e até mesmo no desempenho da residência médica, nossos egressos têm índice de aprovação em torno de 93% e 94% nos concursos de Residência Médica. A ideia é desenvolver cada vez mais as metodologias ativas de aprendizagem, não apenas aquela tradicional em que o professor fica no quadro negro e o aluno sentado na cadeira. Sempre procuramos integrar alternativas de metodologias ativas de aprendizagem para o estudante participar mais do seu processo de aprendizagem. O estudante inicia sua formação em áreas básicas, é inserido precocemente na comunidade, e termina sua formação de estágio em quatro períodos de internato. O Hospital da Universidade Católica é um cenário fora do Campus I, foi inaugurado em 30 de abril de 2004, com a presença da Reitoria, do Secretário de Saúde, do Pró-reitor e toda 87


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a Diretoria do Curso de Medicina. Foi um evento que marcou o grande anseio de ter um hospital que poderia ser referendado como a nossa casa. Seguimos as orientações do MEC no objetivo de formar médicos generalistas, com perfil humanista e em condições de atender pacientes com qualquer queixa, independente de especialidade, além de ter a capacidade de, pelo menos, dar a primeira condução para o atendimento do paciente. Queremos que o estudante prime pela integridade moral e ética, que queira aprender a aprender, que tenha interesse científico, interesse e preocupação pelos problemas sociais e humanos, capacidade de tomar decisões, ser integrador e empreendedor, capaz de assumir posições de liderança, ter comunicação verbal e não verbal, habilidade manual, coordenação motora, capacidade de observação, análise, síntese e crítica, simplicidade e humildade. Sobre o mercado de trabalho, acreditamos no retorno e na realização que os futuros profissionais terão. Todos eles estão muito bem inseridos no mercado de trabalho. A maioria está fazendo aquilo que planejou ao longo de sua vida. A primeira turma fez sua colação de grau em 3 de agosto de 2007, a segunda em 19 de dezembro de 2007 e a terceira em 1º de agosto de 2008. Iremos agora para a quarta turma de egressos. Pedagogicamente, o curso tem a disciplina de Bioética. Eles têm a oportunidade, ao longo de um semestre, de tratar diretamente essa questão. Todos os docentes estão comprometidos com o aspecto da ética. No nosso processo de aprendizagem, repetimos muito o que vemos. Então, o compromisso 88


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do corpo docente é muito importante, visto que as avaliações nesse aspecto podem ser muito subjetivas, podendo ser justas e, até mesmo, injustas. Evidente que a questão ética está inserida em um contexto muito mais amplo, desde o nascimento de quem vai ingressar na universidade. Nós nunca tivemos problemas sérios do corpo discente em relação a comportamento ético. Claro que sempre há problemas, mas não sérios do ponto de vista do tratamento com o público. Pelo contrário, temos recebido muitos elogios. A nossa maior preocupação é quando o estudante “sai de baixo da nossa asa”, mas o retorno tem sido muito gratificante em relação ao comportamento ético dos nossos estudantes. Acredito que a universidade tem o seu papel, mas também que a oportunidade de acesso diferencia muito o perfil do nosso corpo discente. Há, na universidade, uma comissão de avaliação para cada unidade educacional e tudo isso é retornado para essa comissão de avaliação para que todas as queixas ou falhas detectadas sejam aperfeiçoadas. Cada curso, não só a Medicina, tem o retorno, não só de uma avaliação quantitativa, mas também de uma avaliação qualitativa a respeito do desempenho de todos nós. É uma forma de retroalimentar positivamente o aprimoramento tanto na qualidade dos recursos humanos quanto pedagógicos. A Universidade Católica é a única universidade privada na nossa região geoeconômica. Eu entendo que as pessoas que lutaram para a criação do Curso de Medicina seguiram a sequência natural de uma universidade, uma vez que ela já tinha 89


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toda uma estrutura de mais de 30 cursos em que praticamente todos na área de saúde estavam estruturados. Ela foi coroada pela sua própria demanda da necessidade do convívio com a área que estava faltando dentre esses cursos. Naturalmente e por já bastante tempo, esses cursos pertencentes ao quadro da UCB estavam sendo reconhecidos como cursos importantes na avaliação do MEC e com notas altas. O princípio não é a criação de novos médicos, mas a criação de médicos com formação especial, diferenciada. Na época, foi feito todo um estudo de demanda de mercado, de populações carentes, o que realmente justificou, perante as instituições julgadoras, a pertinência dessa solicitação. Havia uma demanda que necessitava da criação de pelo menos mais um curso que oferecesse médicos capazes de atender a toda aquela região geoeconômica. Entendo que o argumento político tenha sido esse e o argumento filosófico é toda uma história da UCB, pautada em mais de 35 anos de história. Seria um processo natural e não um processo que surgiu do imediatismo de qualquer outra circunstância. A Universidade Católica já está na sua terceira reestruturação do projeto político-pedagógico para atender às exigências do MEC. Hoje, o Ministério não impõe que o curso seja regido por um tipo único de metodologia, mas recomenda que haja metodologias ativas de aprendizagem. Nossos estudantes têm atividades na comunidade do primeiro ao último semestre. A metodologia usada é ativa com participação em pequenos grupos, em diversas disciplinas, a partir do pré90


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clínico e do clínico, podemos dividir assim. São disciplinas já trabalhadas em pequenos grupos de seis a oito estudantes assistidos por um docente ou preceptor. Não sei como está o projeto pedagógico da Universidade de Brasília, mas na UCB nós, que temos avaliações mais frequentes pelo MEC, estamos seguindo todas as orientações. Estamos em um processo natural de atendimento. Isso dá ao estudante a responsabilidade de assumir seu processo de aprendizagem. Nas duas disciplinas das quais participo desde a primeira turma, trabalhamos com metodologia ativa.

Fábia Aparecida Carvalho Lassance: Médica proctologista e Coordenadora da Faculdade de Medicina da UCB.

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Mourad Ibrahim Belaciano

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uero registrar meus agradecimentos pelo convite que recebi para analisar, sete anos depois, o que está acontecendo com a escola e tentar vislumbrar alguns cenários futuros desta instituição que, em um breve espaço de tempo, tem contribuído com a história da saúde aqui do Distrito Federal. Em 2000, uma inquietação que aconteceu dentro da Universidade de Brasília repercutiu nos dirigentes da Secretaria de Saúde da época, que começaram a tomar medidas para implantar um curso de graduação numa atitude política e institucional extremamente ousada. Abriram as portas de uma instituição que tem uma missão assistencial para consolidar dentro dela uma estrutura de ensino, e isso era inovador, diferente. Houve a necessidade de se criar uma mantenedora da escola, que foi a Fepecs, e essa ousadia trouxe uma inquietação para a Secretaria de Saúde que, na época, já contava com uma experiência educadora que não era reconhecida como tal – a formação de residentes. Alguns colegas foram convidados para montar um grupo de trabalho, vieram algumas pessoas de fora, do Rio de Janeiro, do Ministério da Saúde e três colegas da UnB, entre eles eu, e redigimos um projeto político-pedagógico, consideran92


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do uma conjuntura de mudança na área de educação no Brasil. O Brasil vivia uma crise sem precedentes no modelo educacional. Refiro-me, em particular, às grandes universidades públicas federais. Essa conjuntura educacional buscava novos modelos acadêmicos e a discussão, no âmbito do setor educacional brasileiro, ainda não terminou. Nessa inquietação, eles trouxeram a possibilidade e a necessidade de novos desenhos curriculares; de novas metodologias, chamadas construtivistas; de uma ruptura com modelos acadêmicos verticais, que negam a horizontalização; das relações entre setores da própria academia, entre aluno e professor, que negam a possibilidade de se fazer uma educação de maneira diferente. No final de 2001, o MEC aprovou as chamadas Diretrizes Curriculares Nacionais, fruto de um movimento que havia, não só na esfera oficial (no MEC, no Conselho Nacional de Educação), mas também na área específica da saúde. Vínhamos de intensas discussões capitaneadas pela Comissão Interinstitucional Nacional de Educação Médica (Cinaem), um movimento que resgata a Abem como entidade representativa das escolas, dos educadores, de alunos preocupados com a qualidade da formação. O Cinaem sustentou politicamente essa entidade, que vinha muito fragilizada no início dos anos 1990, e colocou um diagnóstico do País na educação médica, sustentado pelo Conselho Federal de Medicina, pela Associação Médica Brasileira, pela Federação Nacional dos Médicos, pelo Cremesp, que é o Conselho regional mais forte do País, e outras entidades que apresentavam a necessidade de mudanças na área de formação médica. 93


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Uma inquietação muito grande era a abertura indiscriminada de escolas médicas que já vinha acontecendo. Em um prazo de tempo muito curto, pulamos de oitenta universidades, quase todas públicas, para 176 escolas médicas, a maioria delas privada. Nada contra o ensino privado, desde que se adéque à legislação, às normas e ao interesse público. Surgiu também a questão da falta de regulação por parte do órgão da educação, o MEC, e de instrumentos efetivos de controle da qualidade da educação médica. Essa discussão continuou acontecendo nos anos 2000 e, sensíveis a essa conjuntura, os dirigentes da Secretaria de Saúde da época ousaram então estabelecer esta escola. Eles deram as condições mínimas iniciais, com um currículo inovador e com uma diferença fundamental em relação às outras escolas, isoladas nos seus campi, isoladas da vida social concreta enquanto estruturas de formação. Trouxeram para dentro da estrutura de ensino a questão do mundo do trabalho, no nosso caso específico, o trabalho médico desenvolvido pela Secretaria de Saúde. Esse novo desenho curricular exigia, como exige, que se fizesse uma análise criteriosa de como se constituía a prática médica no mundo contemporâneo. Algumas experiências que vinham acontecendo no mundo e no Brasil serviram de guia para que pudéssemos elaborar nosso currículo. A prática médica não é apenas um conjunto de saberes na cabeça dos profissionais. Ela é uma prática social e que tinha de ser analisada enquanto prática profissional, sociologicamente e historicamente estruturada, que traz questões não apenas técnicas, mas das relações sociais. A prática médica foi decodificada em várias estruturas e foi apropriada pelo setor educacional. 94


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Então, vieram os chamados currículos inovadores. Optamos por um que nos apresentava uma sistematização maior: o chamado currículo integrado na metodologia PBL – Aprendizagem Baseada em Problema, sem negar as origens e o grande valor que teve aqui em Brasília a experiência da Secretaria de Saúde na Unidade de Saúde Integrada de Sobradinho. Também naquele momento, a UnB ousou fazer um currículo inovador que, por razões históricas, foi deixado para trás. Basicamente, o que é o nosso currículo e a formação que procuramos dar a esses futuros profissionais? Em primeiro lugar, vou apontar quatro fortalezas desse currículo, que vão mostrar a lógica com que organizamos nosso processo educacional. Primeiro, ele é um currículo que procura integrar o saber básico e o saber clínico de tal maneira que, desde o início do curso, o aluno entenda a necessidade de levar para o resto da vida os elementos constitutivos da prática médica nos aspectos básicos para a clínica. Desde o início, procuramos fazer essa integração. Os chamados módulos, que executamos na escola da primeira à quarta série, são pluridisciplinares. Eles têm elementos inicialmente mais básicos do que clínicos, mas esses estão presentes desde o início. E mesmo os módulos clínicos têm elementos das ciências básicas. O segundo nível de integração é entre teoria e prática. A ideia é nunca fazer com que a teoria seja trabalhada isoladamente, mas ver os seus aspectos práticos para tentar mostrar a importância do avanço das teorias, e enriquecer as práticas com as teorias que estão sendo colocadas cotidianamente pe95


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los novos conhecimentos. A terceira dimensão da integração é integrar o ensino com o serviço, nunca trabalhar o ensino isoladamente, pois ele sempre está referido ou em conjunto com uma estrutura de prestação de serviço. A integração ensino/ serviço é uma questão-chave e complicada de ser executada. É uma busca constante das escolas médicas brasileiras e nós temos um modelo que avançou bastante, porque nascemos dentro de uma estrutura da prestação de serviços. O quarto nível de integração é a integração da dimensão individual da saúde do indivíduo com a chamada saúde coletiva, em que uma expressa a outra. Elas não são tratadas isoladamente, mesmo tendo dimensões isoladas, há uma correspondência. A segunda fortaleza do nosso currículo são as chamadas práticas educacionais, que têm uma dimensão da área cognitiva. Toda a parte do conhecimento médico tem que ser passada por módulos interdisciplinares. Não há uma disciplina isolada. São conjuntos organizados sob a forma de módulos. Da primeira à quarta série, o aluno é obrigado a frequentar e a ser avaliado no que incorpora do conhecimento médico a partir de uma dinâmica tutorial, que tem toda uma lógica educacional. A segunda prática educativa é o chamado treinamento em habilidades e atitudes profissionais que, por sua vez, também são observados da primeira à quarta série, incluindo as atividades da semiologia, da relação médico/paciente, entre os procedimentos mais importantes. É um conjunto de treinamento prático; seja na área psicomotora, para desenvolver habilidades; seja na área do reconhecimento da importância da relação médico/paciente – na consulta, na extração das informações, no exame 96


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físico, na valorização da clínica. Essa relação é trabalhada à exaustão, no sentido de que é uma relação socialmente determinada, não é uma pratica técnica apenas. Trabalha-se muito esses aspectos da relação médico/paciente, da relação do médico com a família e com a comunidade, e com o contexto em que aparece esse conjunto. O terceiro programa educacional do nosso curso de Medicina é chamado “Interação Ensino, Serviços e Comunidade”, que tenta entender a lógica de organização do sistema, a atenção básica como porta de entrada, com a valorização da saúde da família e dos diferentes níveis hierárquicos de um sistema de atenção. Ele valoriza também, não somente a atenção básica, mas os níveis intermediários da atenção, os níveis das especialidades, compondo uma rede de atenção que dê proteção e segurança às pessoas que precisam de proteção e de recuperação da sua saúde. Esse programa faz com que o futuro profissional saiba que a doença aparece em determinado contexto, que os pacientes são diferentes por área e que a inserção da família na comunidade e na sociedade influencia, sim, o desenvolvimento da patologia. E, finalmente, o internato em cinco grandes áreas. Estruturamos o internato também em saúde coletiva; é internato intenso, de dois anos, e mais da metade da carga horária do nosso currículo está concentrada nesses dois anos. A terceira fortaleza que quero citar, e que geralmente é descuidada no currículo tradicional, é a gestão do currículo. O currículo tem que ser cuidado e acompanhado turma por tur97


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ma, grupo por grupo de alunos, no seu processo de aprendizagem. O ideal é que a gente chegue a fazer a ficha individual de cada um dos nossos aprendizes. Na gestão do currículo, procuramos entender a questão educacional na lógica do aluno, como ele aprende, como ele se capacita, como adquire desempenho. Ele é avaliado e retreinado naquilo que não conseguiu alcançar dentro de um determinado padrão de desempenho que é esperado. A gestão cuida fundamentalmente dos educandos, procurando também cuidar do educador, que é o mediador entre a estrutura curricular e o aprendiz. A quarta fortaleza é que a prática do nosso currículo se dá em cenários reais. Não procuramos reproduzir as condições em que acontece o processo de saúde-doença, mas as práticas reais de uma secretaria que tem suas dificuldades estruturais, suas dificuldades de prestar assistência a um determinado grupo da população. Esses cenários são de hospitais das especialidades, dos hospitais gerais, dos ambulatórios, do pronto-socorro, dos centros de saúde, do programa Saúde da Família e da própria comunidade. Quero destacar nessa fortaleza a importância que tem a Secretaria de Saúde na sustentação desse modelo assistencial. Temos hoje no nosso currículo 153 docentes, cerca de 10% deles trabalhando em tempo integral e, os demais, tendo 20 horas no serviço e 20 horas com práticas educacionais de graduação. O cenário de primeiro ano é diferente do segundo, que é diferente do terceiro, e assim por diante. A garantia desses cenários e a garantia de cessão de médicos são muito importantes. 98


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Reconhecemos o esforço que a Secretaria fez esse tempo todo em manter essa estrutura integral. No momento, estamos defasados em relação a esse quantitativo. Estamos vendo como vamos continuar a suprir esse quantitativo, sob risco de voltarmos a ter aulas em auditórios, o que desestruturaria nosso currículo. E esses médicos, alguns psicólogos, alguns farmacêuticos, são capacitados de uma maneira muito simples no início. Eles precisam aprofundar-se na educação médica e nós não conseguimos ainda estender essa educação. Há um projeto nosso para tentar fazer um curso de especialização para todos eles. Chamando a atenção de que, quando falo de secretaria e do curso dentro dela, estou me referindo a conjunturas que facilitam esse trabalho e de outras que não conseguem dar as condições que a escola requer, ou seja, há uma tensão permanente na busca dessas condições ideais. Como produto desse trabalho de sete anos, temos algumas avaliações externas, e faço questão de dizer que não nos contentamos com as avaliações externas. Poderíamos não atender ao chamamento das avaliações externas, como a USP faz. A Unesp e a Unicamp, por lei, não são obrigadas a atender. Pela legislação, apenas as universidades federais e as privadas são obrigadas a atender, desde que criássemos o nosso alternativo. Não compensa criar um sistema de avaliação externo só para um curso, em uma única escola aqui dentro. Portanto, aproveitamos e fazemos essas avaliações externas – seja o Enade, seja o IDB, seja um CGC – e a Escola saiu-se muito bem, mas temos outros parâmetros de avaliação dos egressos, que são o ingresso de nosso alunado nos programas de residência 99


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médica, não somente no DF. Temos egressos em hospitais universitários, na Federal de Goiás, aqui no HUB, em Ribeirão Preto, na USP, na Santa Casa... Enfim, nossos alunos estão conseguindo ingressar, o que é um indicador da qualidade, de que eles não estão aquém dos outros que também disputam esses cenários de residência, essas especializações. Outro parâmetro é o mercado de trabalho. Estamos montando a rede de egressos da escola, em parceria com a associação de ex-alunos, e temos recebido demandas de prefeitos da região do entorno e até de municípios distantes do Centro-Oeste que dizem que nosso aluno tem algum diferencial. Eles querem o nosso aluno, oferecendo inclusive salários bastante atrativos. Mesmo no setor privado, temos demandas de home care e de algumas outras empresas que sabem que há uma diferenciação nessa formação. Recentemente, um desses egressos da segunda turma, ao encaminhar um paciente para a UTI, fez um relatório que foi muito elogiado. Ele mostrou o cuidado que se deve ter quando se encaminha um paciente de um nível de atenção para outro. Temos informações de que nosso aluno é crítico e reflexivo. Sabemos da postura que eles vêm tendo dentro do serviço, fruto daquele trabalho de habilidades e atitudes. Medicina não é somente uma prática técnica, é uma prática eminentemente social. E as iniciativas, o poder de convencimento, de liderança, de agrupar, de trabalhar em grupo, que estão no nosso currículo, apresentam-se também nesses cenários em que esses profissionais exercem sua prática no mercado. 100


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Acho que podemos começar a dizer que esse currículo não ensina apenas Medicina. Ele ensina uma determinada forma de praticar a Medicina – é o construtivismo que o MEC tanto procura e que está nas diretrizes curriculares nacionais. Não é apenas o saber, é o saber fazer, o saber ser, o saber agir. Essas questões estão na prática educacional e essa formação não deixa nada a dever à formação clássica da Academia. Entretanto, sete anos depois, continuamos com algum grau de insegurança e de incerteza. Estamos ainda no meio do caminho. Temos certeza de que a ousadia que a Secretaria teve em abrigar um curso de Medicina com essas características permitiu a criação de um novo modelo de formação médica. Temos relatos e relatórios de que, tanto pelo MEC quanto pelo Ministério da Saúde, esse modelo implantado aqui é o que eles estão buscando para todo o resto do País. Temos sido convidados para fazer parte de grupos de trabalho para discutir como podemos ajudar esses dois ministérios, para que outras escolas promovam mudanças nos seus currículos e na sua metodologia de formar médicos. Recentemente, fomos pro­curados por um consultor do Ministério da Saúde que nos delegou o desafio de ajudarmos a UnB na sua tentativa de fazer um currículo, não somente dentro do Hospital Universitário, mas também atuando em uma regional de Saúde. Acho que quebramos paradigmas, e essa quebra tem um preço muito alto. Não é um preço pequeno de desgastes individuais, de desgastes institucionais, de desgastes nas relações entre grupos e entre pessoas. Diria que quando as normas – 101


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numa quebra de paradigmas – são quase quebradas, há conflitos de várias ordens colocados, hoje, dentro dessa experiência. Acho que sete anos depois ainda temos fragilidades dentro da escola, no sentido da sua segurança, para que ela possa alcançar novas etapas do seu projeto estruturante. Um exemplo é a questão da residência médica, que sequer foi trabalhada por nós aqui. Precisamos rever a estrutura da escola, a questão do quadro de docentes. Comparamos a busca por novos modelos de gestão com experiências exitosas que aconteceram, e vêm acontecendo, em Recife, Porto Alegre, e outras experiências dentro da lógica do Sistema Único de Saúde. Estamos em aberto em relação à contratualização desses nossos hospitais como hospitais de ensino. Todos eles foram credenciados como hospitais de ensino, mas a contratualização ainda não se deu e, na nossa visão, com uma perda muito grande para a Secretaria, e não apenas para a Escola. Estamos concluindo uma pesquisa e, de lá para cá, tentando achar um caminho para a gestão dos hospitais públicos, não somente aqui no DF. O esgotamento do modelo clássico da gestão hospitalar da Administração direta é evidente. Vários estudiosos, no Brasil, têm procurado alternativas. Juntamosnos a alguns desses pesquisadores e estamos em vias de fechar esse relatório de pesquisa; vamos apresentá-lo no momento apropriado, nos fóruns apropriados. O processo de integração ensino/serviço é um processo institucional complexo, mas que tem condições de avançar e dar resultados, tanto para a área assistencial de atenção, como 102


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para a área educacional. Acreditamos que esta escola não é como as outras, ela não pode ser encarada como mais uma escola que ocupa espaços de ensino dentro da Secretaria. Ela tem um diferencial que está na sua gênese, no seu propósito, na relação que estabeleceu com os serviços. Nossos módulos são unidades de assistência e é com esse olhar que acho que qualquer crítica é bem feita para continuarmos crescendo, além de devolver para a Secretaria tudo o que ela vem investindo.

Mourad Ibrahim Belaciano: Médico e Diretor da ESCS/FEPECS-SES-GDF.

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Antônio Raimundo Lima Teixeira e Ricardo Teixeira

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enho conhecido, ao longo da vida, quase todas as pessoas que estão aqui e sei o que significou a presença delas na área de saúde do Distrito Federal. Acompanhei-os de longe, porque tudo o que é feito, que é um gesto humano e de solidariedade, toca-me. É um privilégio estar aqui; primeiro, pelo gesto de civismo que representa esse momento. Os senhores, com a experiência que adquiriram, estão semeando civismo e a questão da qualidade do mérito, da excelência. Passo a palavra para um ex-aluno que junta os princípios do humanismo e transfere tudo isso: Ricardo Teixeira. Ele tem uma acessibilidade muito grande pela questão da cultura médica e exerce em Brasília uma função que eu admiro muito: a comunicação. Sempre de forma simples, fazendo a sociedade acreditar na nossa profissão e com que ela tenha as informações que podem ser perfeitamente apreciadas, degustadas, de maneira simples e agradável. Quando recebi o convite, não me preocupei. No momento, eu não podia fazer isso, mas conhecia uma pessoa que foi criada para fazer o que foi pedido. Esse projeto de atualizar os dados sobre a ciência que tem sido construída no Distrito Federal 104


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é surpreendente, porque ela nasce em diversos setores, e também em instituições privadas, como os hospitais assistenciais, que dão contribuições importantíssimas para a cultura médica. Não tive mais do que poucas conversas com Ricardo, e ele me disse que esse é um trabalho exaustivo. O que ele conseguiu fazer foi pegar um apanhado geral do que existe nas bibliotecas e em bancos de dados que têm acesso direto pela internet. A notícia boa é que a gente pode ir navegando até 1990, mas a quantidade de dados armazenados é tão grande que, para hoje, foi possível revisar dois anos. Eu achei isso muito bom, porque todos vão compreender o tamanho da empreitada que representa a cultura médica do Distrito Federal, de forma que o verdadeiro ator dessa sessão especial é o Ricardo.

Ricardo Afonso Teixeira

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a verdade, todo o esqueleto da ideia partiu de uma discussão conjunta, que seria buscar esses dados para

saber o que tinha acontecido nos últimos anos. Quando fizemos uma primeira pesquisa médica digitando a palavra “Brasília”, surgiram 1.990 artigos, e ainda tínhamos que buscar pelo Distrito Federal. Então, chegamos a um acordo de tentar apresentar um projeto que possa ser desenvolvido ao longo do tempo. Realmente, é um trabalho artesanal, artigo por artigo, buscando a filiação de cada instituição e assunto. 105


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Isso permanece até hoje no meu dia a dia: “Brasília precisa estar estruturada para controlar o forte ritmo da ciência e da tecnologia nas áreas de saúde. É claro que estar preparado para isso não se resume em ter capital para a aquisição de equipamentos de última geração. Estamos falando de cultura, e é nesse ponto que a assistência de saúde não pode estar distante da educação. Essas duas dimensões devem andar de mãos dadas, pois são interdependentes. Uma forte cultura científica forma novos talentos, atrai grandes talentos vindos de outras regiões e evita a fuga de cérebros da nossa região”. No mundo contemporâneo iniciam-se grandes transformações, que têm como fator propulsor a concentração e a disseminação de conhecimento. A atual reprodução científica tecnológica aponta para a crescente participação de novos atores nesse processo, com forte necessidade de estratégias que estimulem interações interinstitucionais. Vamos ver um mapeamento das diferentes instituições do Distrito Federal. Acho que temos muito a refletir sobre isso. Este é um trabalho de busca de artigo por artigo. Conseguimos, para esta data, fechar os anos de 2007 e 2008. Selecionei todo o ano de 2007 e até 31 de julho de 2008. Tivemos um trabalho muito grande, também porque tem muita coisa do México e de Portugal que aparece com a palavra-chave “Distrito Federal”. O critério de exclusão foram artigos não associados à saúde humana. Nesse caso, apenas uma pessoa tomou a decisão. Os trabalhos da UnB na área de física não tinham relação com a física médica. Áreas básicas foram incluídas, assim como 106


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toda a área de biotecnologia e a parte experimental, desde que tivesse alguma ligação com o fenômeno da saúde humana. Foram incluídos também pelo menos quatro artigos desse grupo de entendimento de novas tecnologias, para se tentar melhorar a aplicação de alguns testes usados em medicina laboratorial em termos de exame. Dentro desse período de 2007 e 2008, temos 293 artigos na área de saúde com esses critérios. Não tivemos uma linha de progressão de produção. Desde 1990, quando se coloca a palavra Brasília, teríamos mais de 10% no último um ano e meio. Nos últimos cinco ou dez anos, há uma produção muito maior do que no início da atividade científica em Brasília. Usando algumas categorias nessa ideia-piloto, vimos que a maioria dos artigos foram publicados em revistas nacionais. São 170, contra 123 em revistas internacionais. Outra categoria buscada nos artigos foi determinar se eram originais, se eram casos clínicos, revisões ou de outra categoria. Essas outras categorias foram cartas, normas técnicas – muito frequentes no grupo do Ministério, trabalhando a área epidemiológica. Por instituições, optamos por avaliar da seguinte forma: universidades públicas, universidades privadas, Secretaria de Estado de Saúde, o Sarah e o Poder Executivo. Tirei o Sarah da categoria do Executivo, mas incluí todos os ministérios, o Hospital das Forças Armadas e qualquer outro órgão que esteja vinculado. Outras categorias: instituições privadas; público/ público – que significa uma cooperação entre duas instituições públicas; privado/privado – uma cooperação entre duas insti107


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tuições privadas; público/privado; público/nacional e público/ internacional. No resultado, tivemos 293 artigos, sendo 156 publicados por universidades públicas (desses, 152 pela UnB), 26 de universidades privadas (22 da Universidade Católica de Brasília). A Secretaria de Saúde contribuiu com 13 e o Sarah com 27, quase todos do Javier. Ele está em todas as revistas mais importantes e, apesar de não conhecê-lo, faço questão de exaltar a importância que ele tem para a instituição Sarah. O Poder Executivo contribuiu com 29, sendo que 20 são do Ministério da Saúde. Há 14 artigos de instituições privadas, alguns brilhantes. Fiquei surpreso com a área de Oftalmologia, por exemplo. A área experimental envolve toda a área de biotecnologia, de cirurgia experimental. O grupo de cirurgia de Brasília tem uma grande parcela dessa fatia experimental, e isso não está refletido nesses 34 artigos da cirurgia, que são artigos clínicos. Nas especialidades clínicas tivemos 67 artigos e, no universo experimental de biotecnologia, 55, sendo 43 vinculados à saúde pública. O peso da produção do Poder Executivo é muito forte nesse sentido, pois representa quase metade disso. Acho muito interessante o que Paulo Melo falou em entrevista em 2006: “Acredito que os alunos devem ter sua formação prática majoritariamente junto a docentes com formação acadêmica, e não junto a profissionais com experiência prática”, ou seja, quem está ensinando a nossos alunos todos esses princípios ideológicos talvez não tenha como passar esse vírus de gostar de pesquisa. É muito interessante que ele fala também 108


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que, na época, o Hospital de Base chegou a manter quase 20 profissionais no exterior para fazer especialização, ou seja, o jovem precisaria acreditar que ia ter uma chance de ter benefícios que o ajudasse a seguir aquela carreira. Uma coisa que também precisa ser bastante trabalhada no meio é que muitas pesquisas deixam de ser publicadas porque são feitas e, só depois de serem feitas (na área química principalmente), são submetidas ao comitê de ética. Às vezes, isso fica emperrado. Grande parte das revistas de peso de todo o planeta não recebem nem mesmo só com a aprovação da comissão de ética. Ainda assim é necessária a inscrição no Comitê Internacional de Ética Médica nesse sentido. Esse é um problema que está sendo sempre divulgado. A comissão de ética não é nenhum bicho papão, ela precisa ser desmistificada. A publicação é um novo gargalo importante dessa nossa produção científica. Hoje em dia, as grandes revistas já não aceitam que você só submeta o seu artigo. Eles leem, dão a negativa e devolvem, mas cobram para isso. Então, tem que se pensar duas vezes se é para lá mesmo que o seu artigo tem cacife para ir. Ainda hoje existe esta nova tendência de que, quando se publica uma coisa que para você é muito importante, que se entende como um dos pilares da vitrine do seu laboratório, do seu grupo, você pode pagar à revista para que aquele artigo seja disponibilizado imediatamente como artigo livre na internet. Isso é uma colocação do que eu vivo hoje. Acho que é preciso desmitificar essa cultura de que a ciência está só den109


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tro da universidade. A ciência é coisa séria e precisa ser levada como patente, como marca das grandes empresas e, por que não, das empresas privadas. Por que se afastar desse caminho se não estamos mais na universidade? Não temos alunos, mas, além da realização pessoal e intelectual, é uma responsabilidade cívica registrar e dividir conhecimento, além de se fazer uma análise crítica do próprio trabalho. É um controle de qualidade do seu próprio trabalho e não deixa de ser um marketing natural do seu produto. A medicina que você faz é mais reconhecida quando escrita. Quem escreveu tem menos medo de mostrar aquilo do que quem só fala. Essa é uma provocação. Buscar alguém que já sabe fazer é um caminho mais fácil. Uma tendência de quase todas as revistas hoje é criar a página do paciente. A Academia Americana de Neurologia tem a página do paciente. Se sair um artigo importante de impacto no dia a dia das pessoas, seja sobre exercício físico, ou mesmo que seja uma doença, aquilo é decodificado para o próprio doente entender qual foi o avanço daquilo, onde estávamos e onde fomos parar. Outro caminho são os “boxes”, com discussões específicas com colunistas. É um time peso-pesado discutindo sobre diversos assuntos. Eu tenho entendido o quanto isso é uma coisa séria hoje em todas as dimensões do conhecimento, seja no “jornalismo New York Times”, seja no jornalismo científico formal. Acho que toda decodificação de conhecimento ao leigo retroalimenta a própria ciência vista como ortodoxa. A divulgação científica é uma importante ferramenta para que a socieda110


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de passe a entender o quanto a ciência é vital para o desenvolvimento da nossa sociedade. Essa conscientização pode fazer com que a ciência seja aceita e estimulada pela população por meio de seus representantes, e que as ações que fomentam o desenvolvimento científico e tecnológico dos países passem a ter impacto na geração de votos nas eleições. As pessoas têm que começar a entender que ciência não é coisa de gringo, que a ciência também é feita aqui. Temos que acelerar esse processo. O jornalismo científico é muito importante nesse sentido. Também é importante levar as crianças, já no ensino fundamental, para essa construção de cultura. Tive a oportunidade de receber os primeiros cadernos da série do GDF com um kit experimental para as crianças. Esperamos que esse seja um projeto sustentável.

Acadêmico Antônio Raimundo Lima Teixeira: Pesquisador e Professor da Faculdade de Medicina da UnB. Acadêmico Ricardo Afonso Teixeira: Médico neurofisiologista.

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Aloysio Campos da Paz

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rimeiro, é preciso considerar o Sarah como uma contradição. No dizer de um dos indivíduos que participou do início do projeto – e era secretário executivo do Ministério da Saúde na época em que o projeto foi apresentado – ele usou uma expressão interessante: chamou de “pedra da contradição”. Isso porque, já naquela época, o que acontecia com a assistência médica em Brasília e no Brasil era contrário a tudo aquilo que o Sarah propunha: manter-se exclusivamente como uma instituição pública. Por causa da questão da UnB foi baixado o Decreto-Lei nº 200, que dava a prerrogativa ao presidente da República de nomear os presidentes das fundações. Antes, eles eram indicados pelo próprio corpo da instituição. Logo depois, foi criada a norma de que toda instituição que recebesse recursos públicos, fundações ou não, seriam regidas pelo Sistema Jurídico Único. Isso queria dizer que as instituições que tinham dedicação exclusiva não tinham estabilidade e eram regidas pela CLT passaram a ser, na prática, repartições públicas. Comecei, então, a trabalhar em uma lei, aprovada no Congresso com maioria absoluta na Câmara e com a totalidade de votos no Senado, que criou, pela primeira vez, uma instituição pública não estatal. A intenção foi preservar as características públicas da instituição. Caso contrário, eu perderia todos os 112


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meus pesquisadores, porque os salários foram congelados, a inflação estava aviltando e então começaram a criar artifícios, como o pró-labore e o atendimento de particulares dentro das instituições públicas. Portanto, o Sarah apresentou-se cada vez mais como um modelo contraditório ao modelo privatizante que se implantava no Brasil, não só na assistência médica, mas praticamente em tudo. Eu tinha uma opção a fazer. Não vim aqui para falar abobrinhas, mas para responder às coisas tais como elas são. O Brasil é um país colonizado culturalmente, então o que fizemos foi seguir uma política de estabelecer vínculos fortes com instituições internacionais e, a partir disso, conseguimos aumentar a consolidação do Sarah, da rede que surgia, como uma instituição com prestígio internacional. Os reflexos disso no Brasil foram os mais variados. O Sarah tornou-se uma instituição cada vez mais polêmica, simplesmente porque era a antítese do que estava acontecendo nas outras instituições, inclusive as públicas. Esse isolamento foi proposital, e foi a maneira pela qual a instituição foi preservada. Se ela tivesse se deixado amalgamar no sistema público brasileiro tal como ele veio a se constituir, todo aquele esforço de várias gerações seria destruído. Lembro de uma frase quando decidi sair do Hospital Distrital, em 1968. Disse ao Moren que sairia, pois recebera um convite para voltar ao tempo integral (foi por isso que vim para Brasília) e ele me disse: “vou ficar segurando até o último pilar”. Isso não saiu da minha cabeça. Assistimos à decadência que surgiu de dentro para fora nas instituições médicas brasileiras, elas não foram destruídas 113


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de fora para dentro. A nossa geração não pode negar que teve participação definitiva nisso, cedendo ao canto da sereia, cedendo às ofertas de ganhar mais ou aos empregos que começavam a surgir com a implantação de casas particulares em Brasília. Isso destruiu o plano médico-hospitalar que trouxe a minha geração a Brasília. A primeira razão pela qual esse isolamento existe não é uma questão pedante, é uma questão ideológica, porque o que a gente “recebe de chumbo” todo dia é muito difícil de definir. Imagine que cada doente, formador de opinião ou não, que vem de São Paulo, do Rio ou do exterior tratar-se no Sarah representa alguém de qualquer lugar que está ganhando menos. Isso resulta em tiroteio grosso. A melhor maneira de responder a uma situação dessas é se acautelar, e foi o que fizemos. Por outro lado, na formação de pessoas, existe outro componente que é muito importante. Não adianta só ter um jovem bem treinado sob o ponto de vista técnico, é preciso ter uma pessoa que aceite os pressupostos ideológicos da instituição, senão ela será destruída. Formar uma pessoa competente tecnicamente, mas que nega a ideologia institucional é o mesmo que dar uma metralhadora para o Al Capone. Essas são as variáveis que fizeram com que, deliberadamente, procurássemos fechar um link de relações internacionais e selecionar muito as pessoas que, por uma razão ideológica, procuram e ficam no Sarah. É feita uma seleção pública nacional dividida em três etapas. A primeira etapa é de conhecimentos, a segunda é a entrevista, e a terceira etapa prolonga-se de 114


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seis meses a um ano, que é o treinamento em serviço. Quem passa nas três etapas passou por um critério de seleção e fica. Não é um contrato de vida, fica enquanto quiser. O rapaz ou a moça que sai de lá com o jaleco do Sarah tem emprego em qualquer lugar do Brasil e, geralmente, para a chefia, porque sabem que o profissional veio de uma instituição reconhecida internacionalmente. Não há uma atitude isolacionista de dentro do Sarah em relação à comunidade médica ou científica. Ele foi isolado por causa da sua inflexibilidade em manter princípios ideológicos. Em segundo lugar, o isolamento é de fora para dentro. Terceiro: ao fazer sucesso lá fora, garante-se uma posição aqui dentro. Por último, não adianta treinar uma pessoa bem se ela não aceita esses pressupostos. Em uma das últimas reuniões do Conselho de Administração, que é formado por uma gama de pessoas díspares, que pensam diferente (eu pensei muito no antigo conselho de administração da Fundação Hospitalar que o Pinheiro presidiu e em que havia pessoas de todos os matizes), um parlamentar trouxe um dado quase que cruel: estamos ficando fora de moda. O que está acontecendo no País é uma destruição sistemática do serviço público, a começar pelas universidades. O episódio recente da UnB é um dos fatos mais contundentes da decadência de uma instituição pública, e por absoluta impunidade. Quando se vê que se pagam impostos para que Fernandinho Beira Mar viaje de baixo para cima e, ao mesmo tempo, um sujeito de colarinho branco é solto em 24 horas, o que isso passa para uma geração que está se formando? Não 115


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adianta ter um título de doutor. Adianta ter princípios sólidos, e hoje estou convencido de que a maioria traz de casa. Não é a universidade que dá. Eu não conheço nenhuma universidade no mundo que forme gente sob o ponto de vista ético. Isso se traz de casa. Se você tem princípios inflexíveis, evidentemente que não vai agradar a todos. Não há uma posição hostil do Sarah em relação à comunidade médica e científica. Por que não temos nenhuma oposição na comunidade científica internacional? Por uma razão muito simples: porque não estamos competindo com eles em termos de dinheiro. Vamos realizar o Congresso Nacional de Neurociência. Até agora, já temos mais de 700 congressistas inscritos, da Coreia do Norte, Coreia do Sul, Vietnã, de todos os países asiáticos, China, Estados Unidos, Canadá, toda a Europa etc. Esse pessoal vem para Brasília, com passagem paga por eles, para participar de um congresso de neurociência que vai se desenvolver em setembro e que será dentro dos espaços do Sarah. Calculamos que vamos chegar a mil inscritos. Mas quantos brasileiros se matricularam? Cerca de 25% em relação a 75% que vêm do exterior. Há um “desbalanço” em relação ao interesse nacional, porque as pessoas não acham muita graça em prestarmos um serviço gratuito. Em termos de serviço, nada no Sarah é de graça, porque tudo aquilo é aplicação de impostos, é o conjunto de recursos com que cada um de nós contribui para fazer o orçamento da União. Os custos são menores do que em qualquer hospital público brasileiro. Como se explica isso? Não tem comissão, não tem liquidificador, não tem apartamentos luxuosos, cada um de nós 116


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vive do salário. Eu ganho um salário que dá para ter uma casa, um carro e sustentar minha família. Eu estou hoje na Academia de Medicina de Brasília e acho que não se pode tergiversar. Existem duas posições hoje dentro da sociedade brasileira, e de todas as sociedades, decorrente da crise mundial de saúde: de um lado, a sociedade; do outro, as corporações. Ao consolidar uma instituição, de que lado você fica? Eu escolhi a sociedade. Nunca tive a pretensão de resolver o problema de assistência médica do meu país, os conflitos sociais, éticos e morais. A minha pretensão foi tratar bem o doente. Eu descobri que tratar bem o doente é fazer uma revolução. O Sarah é mais elogiado pelo chão limpo e impecável do que por atendimento médico competente. As pessoas estão tão acostumadas a serem aviltadas que ficam absolutamente perplexas e comovidas. Venho de uma família militante de esquerda que pagou um tributo muito alto por isso. Meu avô, Manoel Venâncio, é personagem de Memórias do Cárcere, foi presidente da Aliança Nacional Libertadora e meu tio foi preso com ele, simplesmente porque o estava visitando no consultório. Tornou-se militante na prisão. Meu avô era um homem curioso, porque era profundamente envolvido nas questões sociais, no ambiente da família. Quando houve a chamada redemocratização, coisa em que não acredito (saímos de uma ditadura militar e entramos em uma ditadura econômica), ofereceram-me ser eleito. Eu fui procurado por militantes de esquerda – um deles foi o Sérgio Arouca, que dizia que eu devia me candidatar, pois seria eleito. Disse que não precisava candidatar-me. O presidente de uma fundação como a 117


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minha era nomeado pelo presidente da República. Ele dizia: “mas você tem que se candidatar, porque vai haver eleições na UnB, na Fiocruz”. E eu: “Arouca, se eu aceitar esse princípio, eu não fecho um plantão de domingo, porque no dia seguinte isso vai ser cobrado de mim”. Fui um indivíduo meio perigoso no período militar (fui preso só duas vezes, mas fui solto logo, porque a minha família era muito grande e também havia o lado militar). Foi um período terrível, em que ficamos sitiados com uma pseudogreve, que não era greve coisa nenhuma. Essa visão equivocada de representatividade levou ao baque das instituições públicas brasileiras. Felizmente, fui formado na Inglaterra num período em que ela saía do pós-guerra, depois de uma luta titânica, e tinha muito claro o compromisso social. Fui funcionário do National Health Service. Era o que equivale ao residente, enquanto fazia minha pós-graduação na Universidade de Oxford. A pessoa declarava que era membro do NHS com orgulho, ou seja, ser funcionário público era uma coisa que dava orgulho. E era muito semelhante ao sistema francês, não tinha nada a ver com o sistema americano. Quando eu voltei, via Estados Unidos, assustei-me, porque eu vi uma coisa muito confusa. Não é que não fosse um sistema hierarquizado, mas era um sistema em que não se podia identificar com clareza as razões de aquela pessoa ter chegado à posição de docente. Havia uma espécie de conluio, um jogo de interesses que eu senti logo quando cheguei à América. E isso, evidentemente, teve influência no ensino. A minha família era muito grande e era uma família de prestígio. Quando eu sentava à mesa em dia de domingo, metade das 118


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pessoas estava na faculdade de Medicina. Quando surgiu a oportunidade de Brasília, eu discuti com minha mulher, que era funcionária do Senado e, portanto, eu podia vir. A verdadeira razão pela qual quisemos vir foi essa. Eu era interno da Santa Casa do Rio de Janeiro, pois tinha passado em um concurso. O provedor da Santa Casa era o ministro Lafayete de Andrada, da família dos Andrada, e meu pai, um grande administrador, foi convidado para dirigila. Um belo dia, o ministro Lafayete me chamou e disse que meu pai estava muito aflito porque eu estava querendo ir embora para Brasília. Ele disse que ia dividir a 17, que era uma das enfermarias, entre mim e o Ivo Pitanguy, que tinha chegado da América. Eu era um estudante de Medicina. Então, eu falei: “ministro, essa é a verdadeira razão pela qual eu vou para Brasília. Se é para ser alguma coisa, vou ser por mim mesmo, e não pela minha família”. E vim embora. Essa busca de um espaço para que a gente se realizasse foi muito forte na nossa geração, e Brasília abriu essa possibilidade. Aconteceu uma coisa muito grave que não foi percebida, que é o que eu chamo de dicotomia. A Medicina julga o indivíduo pelo que ele perdeu. Já a Neurociência trabalha em cima do potencial restante. É uma dicotomia fundamental, entre a prática médica convencional – a prática do não – e aquilo que está surgindo na Neurociência, o que restou. Se não tivéssemos trabalhado assim, não teríamos colocado o Herbert Viana para fazer shows de novo. Ele tinha um problema de memória que era muito fácil de ser resolvido. Assim como o Joãozinho Trinta, que queria desfilar na avenida; se ele desfilasse, estaria reabilitado. Então, preparamos um carrinho elétrico para ele, foi treinado e desfilou na avenida. 119


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Acho que esse conceito de se trabalhar naquilo que restou, e não naquilo que foi perdido, é a grande abertura da Neuro­ ciência. Evidentemente, o avanço tecnológico serviu para comprovar uma ideia ou uma questão filosófica que agora é comprovada concretamente – a questão do eu, do desejo. A grande contribuição da Neurociência à Medicina vai ser na ruptura do preconceito em relação à dificuldade que a pessoa tem de exercer uma ação. Quer dizer, quem lida com uma pessoa com uma incapacidade não pode imaginar a beleza de um gesto. Uma coisa que fazemos normalmente e que para eles é uma conquista. Eu comecei como ortopedista e, em determinado momento, vi que aquela coisa de ficar apertando, parafusando e transplantando não teria nenhum sentido se eu não soubesse como era o comando daquilo. Gradativamente, fui me aproximando, treinando pessoas e entrando por esses campos. Acho que é um campo fascinante, o futuro do conhecimento médico está aí. Felizmente, o avanço tecnológico permitiu que a gente tivesse mais instrumentos hoje do que havia antes. Finalmente, a questão da empresa. Eu acho que toda instituição tem que ser administrada como uma empresa, sendo pública ou privada. Não se pode pedir a um jovem para seguir o seu discurso se você não pratica aquele discurso. Agora, se você o pratica, alguns jovens vão te seguir, outros vão te renegar, isso faz parte da vida. Eu fico feliz em falar da dicotomia. Realmente, acho que o futuro da Medicina é avaliar o homem pelo que restou, na medida em que a doença o agrediu, e não pelo que ele perdeu. Aloysio Campos da Paz: Médico ortopedista e Diretor da Rede SARAH.

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Izalci Lucas

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política de Ciência e Tecnologia do Governo do Distrito Federal tem grandes desafios pela frente, mas talvez o maior deles seja, justamente, aproximar a academia do setor empresarial e do governo. No Brasil temos uma cultura de que o conhecimento está apenas na universidade. Não temos tradição de inovação e pesquisa nas empresas. Temos conhecimento demais nas universidades, mas não conseguimos ainda transformá-lo em produtos, em qualidade de vida. Lembro-me de que quando foi criada a Secretaria de Ciência e Tecnologia, foram chamadas para integrarem sua composição diversas representações, entre outras a empresarial e acadêmica. Uma observação interessante ocorrida na primeira reunião foi a de descobrirmos que elas não se falavam – enquanto o mercado precisava de profissionais para determinadas áreas, a academia preparava profissionais para aquelas que não estavam sendo exigidas pelo mercado. No caso específico da tecnologia cito, por exemplo, que as empresas estavam precisando de profissionais que dominassem a linguagem Java, mas as universidades os preparavam para uma linguagem até já ultrapassada. No Governo do Distrito Federal o principal objetivo é aumentar o Índice de Desenvolvimento Humano e, principalmente, diminuir as diferenças existentes entre as regiões administrativas. 121


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Regiões como os Lagos Norte e Sul têm índices equivalentes aos melhores do mundo, porém temos regiões com os piores, como Arapoanga e Estrutural. A tecnologia, na prática, é um agravante nesse sentido, pois se não conseguirmos universalizar o acesso à tecnologia essas diferenças só tenderão a aumentar. Registre-se o papel da Secretaria de Ciência e Tecnologia, bem como o da Fundação de Apoio à Pesquisa, na missão de liderar, promover e fomentar ações de ciência, tecnologia e inovação para induzir o desenvolvimento no Distrito Federal. Na Secretaria há um processo em andamento no qual sistematizamos a política de Ciência e Tecnologia em três grandes programas: Construindo Cidadania com Ciência e Tecnologia, que é mais voltado para a área de inclusão social e digital; Empreendendo Cidadania, na área de geração de emprego, em que também entram os parques tecnológicos; e a Difusão da Ciência, também como um programa importante dessa política. Na área da inclusão social por meio da inclusão digital há vários projetos, como a Escola Digital Integrada, que é um projeto de inclusão nas escolas públicas e o Geração III, programa voltado para a inclusão digital na terceira idade, com cursos específicos para as pessoas com mais de 60 anos. O DF Digital é o maior programa de inclusão digital que temos no Brasil. De 2007 até o presente foram expedidas 122 mil certificações, capacitando mais de 35 mil alunos em parceria com o setor empresarial. O Expresso Digital é mais um de nossos projetos, uma espécie de inclusão digital para a área rural por meio de um ônibus com laboratório da informática e rede de internet sem fio. 122


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Outro projeto de lei em fase bastante adiantada é o que cria a Universidade Regional de Brasília e Entorno (URBE), entidade que incluirá a atual Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) e já em janeiro do próximo ano, a de Enfermagem. O Polo de Conhecimento faz parte desse projeto. Existe também um acordo com a Embrapa e com a UnB para a criação do Parque de Biotecnologia e Agronegócios. Esse projeto é diferente da Cidade Digital, pois irá trabalhar mais com as incubadoras. Será um espaço para desenvolvimento de pesquisas nas áreas de fármacos e agroenergia, e para isso, temos que estar preparados para dar capacitação e formação que as sustente. A Secretaria de Ciência e Tecnologia também participa do programa de biodiesel e a ideia é criar algumas usinas no entorno. Há, ainda, o Programa de Iniciação Científica Júnior, que tem como objetivo despertar os alunos do segundo grau (CNPQ exige o acompanhamento por parte de um pesquisador), enquanto o Pronex é mais voltado para a área da Saúde. A vocação do Distrito Federal é a tecnologia de informação, uma indústria limpa. Para tanto, estão destinados 123 hectares próximos à Granja do Torto, para a instalação do Parque Tecnológico Capital Digital, que abrigará empresas de tecnologia de informação, comunicação e telecomunicações. Queremos trabalhar com inovação. O objetivo é tornar a indústria de tecnologia uma das mais evoluídas, promover o desenvolvimento da economia nessa área, atrair investimentos, transformar o parque em um agente indutor de políticas de tecnologia e ino123


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vação no País e estimular a integração do setor produtivo com a academia e o governo. Finalmente, uma última palavra quanto aos Centros Comunitários do DF Digital – foi feita uma parceria com a Igreja Católica por meio do Programa Previdência, que dessa forma disponibiliza espaço físico em 46 paróquias para o programa de inclusão digital.

Izalci Lucas Ferreira: Contador/auditor e Secretário de Estado da Ciência e Tecnologia do Distrito Federal.

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Anexos



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Ata da Reunião de Fundação da Academia de Medicina de Brasília

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CORPO CLÍNICO DO 1º HDB (1° HOSPITAL DISTRITAL DE BRASÍLIA)

1960 – 1976 Corpo Clínico UNIDADES CLÍNICAS EXISTENTES EM 1960: Clínica Médica / Cardiologia / Pediatria / Oftalmologia / Gineco-Obstetrícia / Ortopedia / Otorrinolaringologia / Urologia / Anestesiologia / Cirurgia Geral / Cirurgia Plástica / Odontologia/ Psiquiatria 1. Serviços Complementares: Patologia Clínica / Radiologia / Banco de Sangue. 2. Enfermagem

UNIDADES CLÍNICAS de 1960 a 1976 Unidade de Clínica Médica: Primeira chefia: EVILÁSIO VELOSO Era composta por todas as especialidades clínicas. Primeiros clínicos: CÉLIO MENECUCCI, RENAULT MATOS RIBEIRO, ADIB 133


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CURI, ANTÔNIO MACEDO DE FRANÇA FILHO, RONALDO CASTRO, JUSTINO BALMAN DAS NEVES, SILVIO PEREIRA DE JESUS, DEMÓSTENES RIO BRANCO e ROGÉRIO ULISSEIA. Só em 1964, a Unidade de Clínica Médica se desmembra em várias especialidades. Em 1965, a Clínica Médica realiza sua primeira hemodiálise por JOSÉ LUIZ VELOSO e RENAULT MATTOS RIBEIRO. Unidade de Cardiologia: Primeira chefia: ELY TOSCANO BARBOSA A Unidade de Cardiologia desempenhou um papel de relevância no DF, sendo seus pioneiros CLAUDIO DE PAULA PENA, ADY PRATES FLORES, FERNANDO RIBEIRO DE MORAES, LUCIANO VIEIRA e JUAREZ ABDULMASSIH. Em 1964, foi criada a unidade de CIRURGIA CARDÍACA (funcionando junto à cardiologia) chefiada por ANDRÉ ESTEVES DE LIMA. Foram seus assistentes PAULO HORTA BARBOSA, LÚCIO FLÁVIO e RODOLFO PINK. ANDRÉ ESTEVES DE LIMA iniciou, junto com PAULO HORTA BARBOSA, a fabricação de válvulas cardíacas no Centro de Profilaxia da Raiva, construído também em 1964. Unidade de Pediatria: Primeira chefia: SÁVIO PEREIRA LIMA Pertenciam à Unidade de Pediatria JOSÉ FLORES ALVES, OSCAR MENDES MOREN, RICARDO LEMOS DE OLIVERA, RO134


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DOLPHO P. COSTALLAT, JOSÉ GERALDO FONSECA, RUBENS PEDROSA PAIVA, ERNESTO SILVA e ROBERTO CASTRO. OSCAR MENDES MOREN substituiu SÁVIO PEREIRA LIMA na chefia da unidade em 1961, exercendo-a até sua aposentadoria. Unidade de Cirurgia Geral: Primeira chefia: ABADIO MARQUES NEDER Pertenciam à Unidade de Cirurgia AMADOR CORRÊA CAMPOS, FRANCISCO PINHEIRO ROCHA, CARLOS GONÇALVES RAMOS, JOSÉ FARANI, RODRIGO OTAVIO e NILO CARDOSO DE MENEZES. Em 1961, a unidade de cirurgia recebe os primeiros residentes: PAULO HORTA BARBOSA, MILTON RABELO FILHO, PAULO DE ANDRADE MELO e ENNEMANN DA COSTA PIMENTEL, que ao fim da residência, são integrados ao corpo de cirurgiões. Em 1963, mais um ex-residente é admitido no corpo médico: JOSÉ DA COSTA GOMIDE. Em 1964, a Unidade de Cirurgia é acrescida por JOÃO GONÇALVES, ADAMASTOR ALVES CORDEIRO, JOSÉ ARISTEU PEDROSA PINHEIRO e GUSTAVO RIBEIRO, responsável pela implantação do setor de Coloproctologia. Unidade de Otorrinolaringologia: Primeira chefia: JOSÉ MARIA DUARTE Ainda em 1960, assume a chefia da unidade VICTOR TANNURE. Faziam parte da unidade SUDÁRIO SALES, EMIL GOMES VIEIRA e JESUS DIVINO DE FREITAS SOUTO. 135


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VICTOR TANNURE permaneceu na chefia por muitos anos. Ele não só implantou a Cirurgia Otológica, mas dedicou-se à formação de profissionais na área. Primeiros residentes: EDGAR PEREIRA DO PRADO e BETTINELLE PEREIRA DE FARIAS. A unidade englobava a broncoscopia, depois autônoma, que teve como chefe EDSON CRUZ. Em 1970, MARCOS PRATES PAULINO inicia a cirurgia de cabeça e pescoço. Unidade de Cirurgia Plástica: Primeira chefia: FÁBIO LAGE CORRÊA RABELLO Integravam a unidade JOSÉ LINO e CARLOS GOMES. O primeiro residente da unidade foi OTACÍLIO COSTA, logo seguido por RODRIGO OTÁVIO e VALDIR ALVES DE LIMA, que passaram ao quadro clínico da instituição. Unidade de Gineco-Obstetrícia: Primeira chefia: BAYARD LUCAS DE LIMA Médicos pioneiros que completavam o quadro da unidade: VICTOR LACOMBE, JOSÉ VALTER MARINHO, JOSÉ DA COSTA GOMES, JOSÉ LINHARES DE ALBUQUERQUE, POLÍBIO GOMES PAIVA PEDROSA, ÍTALO NARDELLI e JUREMA TOSCANO BARBOSA. Unidade de Anestesiologia e Gasoterapia: Primeira chefia: ROMEU NOGUEIRA DA GAMA Médicos que pertenciam à unidade: XÊNIA S. GERHARD, RONALDO ANGRA MACHADO, JOSÉ CARLOS DIAS FERREIRA, 136


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JARBAS TORRES DANTAS, MILTON CELESTINO FERREIRA e MARIA AUXILIADORA BATISTA. Mais tarde, sob a chefia de EDNO MAGALHÃES, foram realizados vários concursos e com a ajuda de MIRIAM RODRIGUES PEREIRA fez-se o treinamento de residentes que, posteriormente, foram integrados à unidade. Primeiros residentes da unidade: ALDE DA COSTA SANTOS e AÍDA SANTOS. Unidade de Odontologia: Primeira chefia: GUSTAVO DEMERVAL DA FONSECA Integravam a unidade de Odontologia FREDERICO SALES e ADRIANO MAGALHÃES FREIRE. Foi criada a residência odontológica e implantam-se várias unidades nos novos hospitais. FREDERICO SALLES foi o pioneiro da cirurgia bucomaxilofacial no DF. Unidade de Oftalmologia: Primeira chefia: CLÁUDIO COSTA Em 1965, assume a chefia JOÃO EUGÊNIO GONÇALVES DE MEDEIROS, que ampliou a unidade, instituiu a residência médica oftálmica, estabelecendo um convênio com o Prof. Hilton Rocha. JOÃO EUGÊNIO realizou o primeiro transplante de córnea da unidade. Pertenciam à unidade: CELSO GENEROSO, VITORINO LIMA, JOÃO CRISTÓVÃO PALMIERE, AUGUSTO JUVENAL MARQUES, JOSÉ DOMINGOS DA COSTA, VALTER VIANA e ROBERTO SENA. 137


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Unidade de Urologia: Primeira chefia: MIGUEL PAES DE CARVALHO Médicos pioneiros: RÔMULO MAROCCOLO e ROMUALDO NEIVA. Em 1962, integrou a unidade MARCELO COSTA LIMA, que permaneceu apenas três anos em Brasília. Em 1965, pertenciam à unidade DIVAL GOMES DA COSTA, EUDES FERNANDES DE ANDRADE, TEOFILO FORTUNA, GILMAR BORGES e LUIS RONALDO VIEIRA. RÔMULO MAROCCOLO e GILMAR BORGES foram os precursores dos transplantes renais no DF. Unidade de Traumatologia e Ortopedia: Primeira chefia: EUCLIDES FREIRE Integravam a unidade JOSÉ SANSEVERINO e ALOYSIO CAMPOS DA PAZ JÚNIOR. Em 1964, juntam-se à unidade os médicos EDSON ANTUNES, EUGÊNIO SARMENTO, JOÃO BATISTA MENDONÇA, EULER DA COSTA VIDIGAL, EDSON W. DE ALMEIDA, EVILÁSIO PUREZA NUNES e OSVALDO SANTOS, entre outros. A fisioterapia, que funcionava integrada à unidade de ortopedia, evoluiu para a Unidade de Medicina Física e Reabilitação, chefiada por FLORISMAR MONTALVÃO. Unidade de Patologia Clínica: Primeira chefia: TITO DE ANDRADE FIGUEROA Médicos pioneiros da unidade: HÉLIO PACHECO TAVARES e EUMIL PORTILHO. Em 1964, a unidade é acrescida por BECHA138


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RA DAHER NETO, HUGO DO CARMO MUNDIM e ORLANDO MONTENEGRO. É importante destacar o trabalho técnico de ÍTALA COSTA e MARIA LUIZA ALBURQUERQUE. Unidade de Radiologia: Primeira chefia: MÁRIO ALFREDO SARAIVA Componentes da unidade: WILSON ELISEU SESANA, MANOEL SCARTEZINI, FAUSTO BRENNER, CARLOS TORQUATO e EDUARDO BARREIROS. Unidade de Hematologia e Hemoterapia: Primeira chefia: HÉLIO VAZ Em 1960, existia, apenas, o BANCO DE SANGUE funcionando com grande eficiência. A partir de 1961, integraram a equipe UBIRATAN OUVINHA PERES, RAMOM COELHO e MARISA BOSCO. Em 1964, a Drª. MARIA JOSÉ PETRUCCELLI assume a chefia, ampliando a unidade, criando vários setores de hematologia para diagnóstico e tratamento, treinando e formando médicos residentes e técnicos, suprindo, assim, as necessidades de toda a rede hospitalar do DF. Unidade de Anatomia Patológica: Primeira chefia: HÉLCIO LUIZ MIZIARA, que implantou e organizou esta unidade. Dividiu a chefia com a WALDETE MORAES, sua primeira residente. A partir de 1964, integraram a unidade os médicos 139


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MAURÍCIO ALVIM DUSI, MARIA OPHÉLIA GALVÃO ARAÚJO, JOSÉ CARLOS SEGURA, HEBE MAGALHÃES, KÁTIA HENRIQUES e ELIAS FERNANDO MIZIARA. Unidade de Psiquiatria: Primeira chefia: CAIUBY MARQUES DE AZEVEDO TRENCH Em 1960, compunham o quadro da unidade ARTY RISSA NEIVA, MIGUEL JORGE SOBRINHO e ODILON ALVES DE OLIVEIRA. Em 1964, integram a unidade AGNELO CORREIA, RIDETE CARVALHO, RONALDO CASTRO, CÉSAR BAIOCCHI, QUINTINO RODRIGUES DE CASTRO e ARTUR RIBEIRO MAGALHÃES. Seus primeiros residentes (1967) LÚCIA DE ALENCAR, CÉSAR AUGUSTO e RAUL EVARISTO MONTEIRO. Unidade de Neurocirurgia: Primeira chefia: PAULO DE ANDRADE MELO Anteriormente, fazia parte da neurologia, tornando-se independente mais tarde. Outros médicos que a integravam: ARNOLDO VELOSO e JOÃO DA CRUZ. Seu quadro é ampliado com a admissão de vários ex-residentes como AILTON ANTÔNIO MORAES, PAULO ANGOTTI RAMOS e MIGUEL FARAGE FILHO Unidade Cirurgia Toráxica: Primeira chefia: HILDEBRANDO DE BIASE A unidade foi criada em 1964. Foi também chefiada por ORTIZ DUVAL MARRA e MANOEL XIMENES NETO. 140


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Alguns ex-residentes da cirurgia-geral passam a integrar esta unidade: MARCOS AMORIM PIAULINO, REINALDO OLIVEIRA DA SILVA e LUIS FERNANDO. Unidade de Terapia Intensiva: Primeira chefia: MIGUEL MARCONDES A unidade foi criada em 1964 e funcionava no 2° andar do hospital. Foram chamados vários profissionais de outras especialidades para compor seu quadro, como EDNO MAGALHÃES, ITACIR ARLINDO FRANCISQUINE e ALUÍSIO TOSCANO FRANCA. Unidade de Cirurgia Pediátrica: Primeira chefia: ENNEMANN DA COSTA PIMENTEL A unidade foi criada em 1965, sendo a 3ª existente no País depois de São Paulo (Prof. Carvalho Pinto) e do Rio de Janeiro (Prof. Otávio Vaz – HSE). LEONARDO FIERRO SEVILLA foi o segundo chefe da unidade, sucedido por CÉLIO RODRIGUES PEREIRA. Unidade de Radioterapia e Oncologia Clínica: Primeira chefia: JURACY COUTO MERGULHÃO e FÉLIX GOLLO A unidade foi instalada em prédio construído sob a orientação de Ozolando Machado (INCA-RJ). Tornou-se o embrião para o tratamento complementar do câncer em todo o Planalto Central. A primeira residente, WALQUÍRIA DUARTE SERRA, foi in141


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tegrada à unidade, vindo chefiá-la depois. Pertenceu, também, a esta unidade, o cirurgião oncológico AMAURI BARBOSA. Unidade de Reumatologia: Primeira chefia: CÉLIO MENECUCCI A unidade foi criada em 1966. Corpo médico que a integra desde a criação: Lúcia Maria Gonçalves de Macedo. Unidade de Alergia: Primeira chefia: SÉRGIO DA CUNHA CAMÕES A unidade foi criada em 1966. Corpo médico que a integra desde a criação: ROBERTO RONALD DE ALMEIDA CARDOSO. Unidade de Dermatologia: Primeira chefia: JORGE GOUVÊIA DO NASCIMENTO A unidade foi criada em 1960, juntamente com o HDB. Unidade de Mastologia: Primeira chefia: ANTÔNIO RIBEIRO A unidade foi criada em 1976. Corpo médico que a integra desde a criação: MAURÍCIO CARIELLO, MARIA APARECIDA STIVAL, FERNANDO HENRIQUE DE MIRANDA, RACSO YULE QUEIROZ, AGENOR PORTO RICO MOUSINHO, SÉRGIO ZAMBINE, SELMA ARAÚJO, JOÃO BOSCO E MARIA APARECIDA QUEIROZ. 142


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Tendo apresentado a história do Primeiro Hospital Distrital de Brasília, exaltando os profissionais médicos pioneiros desta instituição, faz-se necessária uma homenagem ao grupo de enfermeiras de nível superior, chegadas aqui na década de 1960, exemplares em seu trabalho profissional e responsáveis pela formação e valoração da Enfermagem no DF. Neste trabalho ressalta-se a figura de MARIA JOSÉ DE ABREU que, além de ocupar a Primeira Chefia e implantar o Serviço de Enfermagem do 1º HDB, idealiza a criação da Primeira Escola de Auxiliar de Enfermagem de Brasília. ENFERMEIRAS (1960 – 1970) MARIA JOSÉ DE ABREU – primeira chefia do Serviço de Enfermagem do 1º HDB e primeira diretora da Escola de Auxiliar de Enfermagem. JOANYLCE CAVALCANTE COSTA, JURACI ALMEIDA, JESULINA CHAVES DE OLIVEIRA, ADY RAMOS, ADÁLIA LEMES DOS SANTOS, ADELAIDE ALVARENGA, CLÉLIA MÁRCIA CORDOVA, ELZA MARTINS, EULÁLIA SANTANA, EUZÉBIA GONÇALVES NOLETO, FREURIPES RODRIGUES GALVÃO, MARTA MARGARETTE K. E. SOUZA, MARIA ZILMA ALENCAR XAVES e MARIA FRANCISCA ALTEREDO. Concluídos estes comentários sobre as diversas clínicas do 1° HDB, ressaltando a profissionalização de médicos e enfermeiras pioneiros, gostaria, ainda, de me referir a dois aspectos que me parecem relevantes: a criação da Residência Médica em 1960, sua evolução em 1964/1965 e a integração da classe médica em 1965. 143


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RESIDÊNCIA MÉDICA Transcrevo, a título de curiosidade, a resolução que criou a Residência Médica. RESOLUÇÃO N° 11, DE 10 DE NOVEMBRO DE 1960. O Conselho Diretor da Fundação Hospitalar do Distrito Federal, no uso das suas atribuições que lhes são conferidas pelas letras a e b do art. 11 do estatuto, resolve: Fica criado na FHDF um curso de pós-graduação destinado ao aperfeiçoamento técnico dos profissionais recentemente formados no Distrito Fe­ deral e de outras unidades do País. Brasília, 10 de novembro de 1960. Presidente: BAYARD LUCAS DE LIMA No final de 1960, recebemos os primeiros médicos residentes: EDSON ANTUNES, EDSON CRUZ, ENNEMANN DA COSTA PIMENTEL, MILTON RABELO, PAULO DE ANDRADE MELO e PAULO HORTA BARBOSA. No final de 1961, o Hospital recebe os seguintes médicos residentes: CLAUDIO PEREIRA CUNHA, DJACIR DE OLIVEIRA MARTINS, MARCELO DAMASCENO WEYNE, JOSÉ DA COSTA GOMIDE, JOSÉ VENTURINE DE ARAÚJO e OTACÍLIO COSTA. 144


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É interessante notar que todos estes médicos passaram a integrar o corpo clínico do 1º HDB. Em 1964, acrescentou-se à Residência Médica, o curso de estudante estagiário e em 1965, criou-se o Regimento dos Médicos Instrutores de Residentes e Internos: Resolução n° 67/1964 O Conselho Diretor da Fundação Hospitalar do Distrito Federal, no uso de suas atribuições legais, resolve: Manter curso técnico prático de formação e especialização pós-universitária a serem ministrados de acordo com os critérios a serem adotados pelo Conselho; Poderão matricular-se nos cursos: O estudante do 6° ano de Medicina no curso de estudante estagiário (interno); Os médicos recém-formados, nos cursos de médico estagiá­ rio residente, modalidade do 1°, 2° e 3° anos; Para efeito de ajuda a esses estudantes ou equiparados, a Fundação Hospitalar institui as seguintes bolsas de estudo: Para o estudante estagiário a bolsa será de Cr$ 60.000,00 mensais; Para os médicos estagiários residentes, as bolsas serão de: 1° ano: Cr$ 120.000,00 mensais; 2° ano: Cr$ 140.000,00 mensais; 3° ano: Cr$ 160.000,00 mensais; 145


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Os estudantes estagiários e os médicos estagiários residentes estarão sujeitos à disciplina curricular estabelecida; Não há qualquer relação de emprego público entre a Fundação Hospitalar e os referidos estudantes estagiários residentes; Os bolsistas aceitam expressamente as condições previstas no instrumento de admissão, denunciado, expressamente, qualquer pretensão contrária aos itens da resolução. Brasília, 9 de julho de 1964. FRANCISCO PINHEIRO ROCHA Presidente da Fundação Hospitalar do Distrito Federal

INSTRUTORES DOS RESIDENTES Em 1965, pela Resolução n° 8/1965, foi aprovado o Regimento dos Médicos Instrutores de Residentes e Internos, estabelecendo uma gratificação mensal de 50% de seus salários ou vencimentos básicos. A relevância dos serviços prestados por esta Comissão está atestada em documento de 1969, que incluo neste depoimento: Estamos convencidos de que se a FHDF não tivesse, logo após sua instalação, iniciado o treinamento de Internos e Residentes, estaria, hoje, com grandes dificuldades para suprir as suas necessidades com profissionais realmente capacitados nas diversas especialidades médicas. 146


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Além de enorme vantagem de suprir as necessidades da capital da República com profissionais bem formados, podemos enumerar outras que se seguem: 1. Formação do médico dentro das peculiaridades nos setores de Medicina Preventiva e Assistencial no Planalto Central; 2. Fixação de especialista no meio em que foi formado, prevenindo possíveis prejuízos de mão-de-obra especializada, pois nem sempre é possível convencer os especialistas de outros estados a aqui se fixarem; 3. Formação de especialistas para outros Estados da Federação. JOÃO DA CRUZ DE CARVALHO CÉSAR BAIOCCHI

JOSÉ GOMIDE Brasília, 24 de abril de 1969.

INTEGRAÇÃO MÉDICA Até 1965, os médicos do 1° Hospital Distrital de Brasília eram admitidos na instituição após seleção feita pela Comissão de Credenciais e eram remunerados com um salário fixo e outro variável, chamado de pró-labore. Era-lhes permitido, após as 16 horas, atender, no recinto do Hospital, seus clientes particulares. Havia em Brasília, nessa época, aproximadamente, 200 médicos radicados na cidade, exercendo suas atividades clíni147


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cas fora da FHDF. Este grupo exercia sua profissão com certo constrangimento, pois não dispunha de hospital para internar seus pacientes e não participava de debates ou atividades científicas. Graças ao esforço, realizado pela Secretaria de Saúde do DF e pela Associação Médica de Brasília, foi possível integrar esses profissionais no quadro da FHDF. A Secretaria de Saúde contou, nesse momento, com a ajuda valorosa dos médicos MAURÍCIO DUZE, GUSTAVO RIBEIRO e JOSÉ RICHILIEU DE ANDRADE FILHO. Os médicos integrados em 1965 foram locados, em sua maioria, para o 1° HDB e os demais para os novos hospitais que se inauguravam. Realizava-se, assim, um dos postulados do plano Bandeira de Mello que determinava a integração de todos os serviços médicos subordinados a uma única instituição. Concluindo, gostaria de deixar aqui registrado o decreto que nomeia o primeiro diretor do HDB e, logo em seguida, as primeiras portarias assinadas por BAYARD LUCAS DE LIMA:

DECRETO DE 18 DE MAIO DE 1960. O Prefeito do Distrito Federal resolve determinar que o Secretário Geral de Assistência, BAYARD LUCAS DE LIMA, tome as medidas necessárias à organização e regular funcionamento dos serviços do Hospital Distrital de Brasília, cuja direção 148


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exercerá diretamente auxiliado pelo pessoal que lhe será subordinado. Brasília, 18 de maio de 1960. ISRAEL PINHEIRO PORTARIA N° 1, DE 25 DE MAIO DE 1960. O Diretor do Hospital Distrital de Brasília, no uso de suas atribuições, resolve: designar o Sr. FERNANDO RIBEIRO DE MORAES, para responder pela direção do Hospital Distrital de Brasília, durante sua ausência. Brasília, 25 de maio de 1960. BAYARD LUCAS DE LIMA PORTARIA N° 2, DE 7 DE JUNHO DE 1960. DESIGNAÇÕES DE MÉDICOS Designo, em caráter provisório, para responder pela chefia dos diversos serviços e outros setores hospitalares, os seguintes médicos deste hospital: CLÍNICA MÉDICA Fernando de Moraes Ribeiro CIRURGIA CLÍNICA Abadio Marques Neder 149


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SERVIÇOS COMPLEMENTARES José Farani ASSESSORES DO DIRETOR Amador Corrêa Campos Cláudio de Paula Pena Alfredo Ribeiro Brasília, 7 de junho de 1960. BAYARD LUCAS DE LIMA

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