Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA - 203

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20 de Outubro de 2009 | Terça-feira | a

cabra | 15

ARTES FEITAS

OUVIR

LER

Octahedron”

A

nunciado em Março de 2009 no site oficial, saiu Octahedron, no segundo dia de Verão o quinto álbum de estúdio o quinto dos já aclamados Mars Volta. Apenas um ano depois do bem sucedido “Bedlam in the Goliath”, estes texanos de El Paso estão de volta. Um fã mais tradicional e mais incauto de Mars Volta pode desenganar-se: este é diferente. A banda de Omar Rodriguez-Lopez e de Cedric Bixler Zavala apresenta-nos desta vez um trabalho que parece ser mais ponderado e mais maduro mostrando assim que são capazes não apenas de explosões de energia e guitarras, mas também de conceber um álbum mais calmo e melodioso, sem perder a identidade do DE seu já tão peculiar rock progressivo THE MARS VOLTA com influências latinas. Álbum este que, segundo Bixler-Zavala, estava EDITORA para ser acústico. MERCURY RECORDS Nota-se uma evolução na sonoridade da banda e apesar da saída de 2009 membros tão preponderantes nos álbuns anteriores, a essência do grupo, pautada pelos dois líderes, mantém-se. Paul Hinojos (que fez parte da totalidade do projecto At the Drive-In) e Adrián Terrazas-González (membro do grupo nos últimos três trabalhos) foram convidados a sair por Rodriguez-Lopez ainda em 2008 (ano em que visitaram Portugal), devido à viragem de rumo do som dos Mars Volta para este novo álbum. O primeiro single de “Octahedron” foi escolhido de maneira diferente para a Europa e para os Estados Unidos. “Since We’ve Been Wrong” foi o tema seleccionado para single nos EUA enquanto “Cotopaxi” fez as honras por cá. As duas merecem uma breve análise: a primeira é novidade por se traduzir num oceano de tranquilidade melodioso, invulgar nas músicas de uns Mars Volta que habituaram o seu público a paragens mais revoltosas. Quanto ao segundo, já se identifica mais com o som que deles nos acostumámos a ouvir. “Cotopaxi” é talvez a faixa mais eléctrica do sucessor de “Bedlam in the Goliath”, o que nos faz vir à memória algumas músicas bem sucedidas de álbuns anteriores. A destacar ainda neste LP, para além dos singles, há ainda a agradável surpresa que é “Halo Of Nembutals”, e o seu refrão sonoro que lhe confere particular força, assim com “Teflon”, “Desperate Graves” ou “Luciforms”, que segue o caminho delineado para o single do álbum para os EUA. Este trabalho não pode ser tido em conta faixa a faixa, ele vale como um todo e pode não ser o melhor que estes texanos já conseguiram fazer até agora. Não é um “De-Loused in the Comatorium”, é certo, mas pode ser considerado como uma boa adição a uma discografia de qualidade.

O Crime do Padre Amaro ”

O crime de não ler Eça

DE EÇA DE QUEIRÓS EDITORA LIVROS DO BRASIL 1999

P

O crime do padre Amaro não é nada disto, e é isto tudo. É o jovem fraco de vontade que se deixa empurrar para o seminário e fazer-se padre sem vocação. É o padre que se apaixona e abandona os seus votos, arrastando consigo outra alma pela qual devia zelar espiritualmente em vez de tentar com os pecados da carne. É o homem da igreja que fecha os olhos aos pobres do seu rebanho e vencido se lhes junta. Ensinado pelo cónego Dias, o padre mestre, imagem bafiento da Igreja e que alimenta há anos uma relação pouco privada e nada católica com a mãe de Amélia, Amaro, o aluno, depressa ultrapassa o mestre em despudores. Feito filme, em mais do que uma ocasião, teve o mérito de levar milhares de portugueses ao cinema, número dificilmente ultrapassado em leitores. Encontramos n’ O Crime do Padre Amaro o desfilar de figuras que Eça tanto gosta de trazer ate nós e os vícios que lhes encontra. Desta vez, o alvo da crítica social é a Igreja, com uma imagem corrupta, vencida e impura, mas sobretudo hipócrita. O traço forte, a ironia e o humor com que retrata as personagens dão a escrita de Eça um estilo inconfundível. E as fraquezas humanas, intemporais e persistentes fazem da sua obra leitura incontornável em qualquer século, década ou ano. Tudo bons motivos para aconselhar: não veja só o filme, leia o livro. SOFIA PIÇARRA

VER

Almoço de 15 de Agosto”

Almoço de frete

CAMILO SOLDADO

GUERRA DAS CABRAS A evitar Fraco Podia ser pior Vale a pena FILME

A Cabra aconselha A Cabra d’Ouro

EXTRAS

Artigos disponíveis na:

ouco há quem não conheça a infeliz história queirosiana d' O Crime do padre Amaro. A obra dá conhecer os destinos de Amaro Vieira e Amélia Caminha, duas almas caridosas e cristãs. A primeira, jovem e padre, hospeda-se na casa da segunda, também jovem e devota. Amélia, que Eça de Queiroz não pinta com as cores que o cinema mais tarde lhe deu, é, aliás, roliça, gorda, até, e com “um bucozinho que lhe punha aos cantos da boca uma sombra subtil e doce”, e não resiste aos encantos do padre garboso. Na casa, sob o olhar desatento da mãe de Amélia, desenvolve-se a afeição dos dois que, apesar dos votos de castidade e pureza do padre e da virgem, termina abandonada na cama de uma entrevadinha de quem Amélia caridosamente cuidava. Caída em desgraça perante os olhos divinos, Amélia há-de engravidar e a mando do amante, abortar a criança para que a intriga humana não descubra os enlevos dos dois, proibidos perante as leis da igreja e dos homens. Mas a operação acaba por ditar também a morte de Amélia, e Amaro, que ainda há pouco tínhamos visto chegar a Leiria, parte pouco depois, sem grandes remorsos e com uma nova visão das suas funções de pastor, incutidas pelos costumes dos seus companheiros de fé, já gastos pela erosão dos anos e dos vícios.

DE GIANNI DI GREGORIO EDITORA ATALANTA FILMES 2009

m romano vê-se obrigado a passar o Ferragosto – feriado tradicional italiano, que marca o início das férias de Verão – enclausurado no seu apartamento, com o encargo da mãe e mais três idosas. Resignado ao seu bairro, completamente despojado de habitantes, o decrépito protagonista contempla a sua paciência posta à prova pelas exigências e pelas tropelias das suas protegidas. “Almoço de 15 de Agosto” é tão só e simplesmente isto. É escusado esperar mais de um argumento, que entre a gestão de conflitos e a mesa de uma cozinha tipicamente italiana, encontra na simplicidade narrativa a sua natureza. Mas a mais recente obra e primeira realização de Gianni Di Gregorio é mais do que um filme em si. É uma resenha da história do grande cinema italiano, onde facilmente encontramos pastiches do realismo de Rossellinni e toda aquela representação autêntica de Fellinni, e onde as “Romas” de ambos se cruzam com o toque de tragicomédia e autobiografia empregado pelo autor. Mas a incursão na imagética do cinema italiano vai mais longe e desvendamos laivos de Garrone e Moretti, es-

U

pecialmente numa viagem de scooter pelas ruas e margens de Roma. Depois de uma curta, mas gloriosa, passagem pelas salas de cinema portuguesas, chega-nos finalmente a edição DVD, tutelada pela óbvia Atlanta Filmes, em que somos brindados com uma vasta gama de extras, para uma edição que só conta com um disco. A cerimónia de antestreia do filme em Portugal, que encerrou “8 1/2 – Festa do Cinema Italiano” teria invariavelmente que constar do cardápio e aqui conta com uma entrevista ao realizador, bem como uma a sessão de apresentação da película. Mas o rol de extras continua e somos ainda premiados com uma entrevista de Lara Marques Pereira, para o programa “Cinemax” da “Antena 1”. O restante grupo de complementos ao DVD – que passam por uma galeria de imagens do filme e um secção DVD-ROM com fotos de rodagem e um dossier de imprensa – poderia passar-nos ao lado, não fosse a genial receita de culinária do almoço de 15 de Agosto.

JOÃO MIRANDA


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