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do exige compromisso, entrega, esforço, interesse.

e já tinha presenciado, em festas, papos idênticos aos que vão ao ar na Tv. Idênticos, não: bem mais pesados! O Marcelo, eu conheço desde que fui editor responsável pelo Segundo Caderno do Globo, com o qual ele e o Hubert Aranha colaboram escrevendo o Agamenon Mendes Pedreira. Somos amigos há mais de dez anos. O quadro passa uma impressão de entrosamento e espontaneidade porque é precisamente assim. Somos amigos e não há roteiro.

Jornal da ABI — As qualidades exigidas do jornalista são também as do cronista ou colunista? Afinal, você escreve sobre música no site NoMínimo, mas no Globo sua coluna vai de filosofia e política a futebol, cinema, Tv — e música também, claro. O quanto é verdadeira a história de que o jornalista sabe um pouco de tudo e, no fundo, não sabe nada de coisa alguma?

Dapieve — Não, as qualidades exigidas não são as mesmas. Mais que outros colaboradores do jornal, o cronista/colunista está liberado de exigências ou de apego a temas. Quando cheguei ao Globo como subeditor, vindo da Veja Rio, comecei escrevendo basicamente sobre o que já havia escrito no JB: música, cinema e literatura. Quando me tornei colunista, levei estes temas e acrescentei outros, como filosofia, história, futebol.... Concordo em que o jornalista sabe um pouco de tudo, mas ele também deve, cada vez mais, saber muito de uma determinada coisa — no meu caso, esta coisa é a música. Jornal da ABI — Autocrítica é fundamental no trabalho do cronista ou colunista?

Dapieve — Sim. Se não, com o nome no alto do texto, antes até do título, ele corre o risco de se perder numa tremenda egotrip, que não interessa a ninguém, além dele mesmo e do seu círculo íntimo. O leitor não merece ser excluído, nunca.

Da música de seu início na profissão, Dapieve passou a escrever sobre tudo em suas crônicas, desde filosofia a futebol.

Dapieve — Funciona, né? Às vezes, a gente troca: o Marcelo se torna o jornalista, cheio de informações,

Dapieve — Eles têm muita curiosidade sobre jornalismo cultural. Muitos sonham escrever nos chamados segundos cadernos. Ótimo, mas tento mostrar a eles que é um trabalho como qualquer outro, que isso não os torna artistas ou amigos dos artistas e que o lazer periga se confundir perigosamente com o trabalho. Cada disco que se ouve, cada filme a que se assiste, tudo, tudo pode virar pauta. Ao mesmo tempo, enfatizo que o conhecimento específico sobre as diversas formas de arte deve nascer até antes da faculdade de comunicação, de um hobby, por exemplo. A principal diferença que noto diz respeito às revoluções tecnológicas. Os alunos de hoje têm mais informação do que os de 20 anos atrás, mas elas são

“Uma imprensa livre e independente dos três Poderes é fundamental para a manutenção da democracia e da ética.” Jornal da ABI — Como nasceram o quadro Sem controle — do programa Armazém 41, do GNT — e a parceria com o Marcelo Madureira?

Dapieve — Foi uma idéia do primeiro diretor do programa, Pablo Pessanha. Ele nos conhecia (tinha sido meu aluno na Puc em meados dos anos 80)

Um retrato da imprensa pela ótica da morte O suicídio é algo que assusta. Seja ele contado em algum clássico da literatura, como Werther, de Goethe, ou O mito de Sísifo, de Albert Camus, seja como uma notícia nas páginas de jornais. Porém, nestes últimos, até pela natureza do próprio jornalismo, seria de se esperar que recebesse um tratamento diferenciado, talvez menos condicionado. Coisa que, em quase todos os casos, nunca acontece, pois quando se trata do tema, longe de ser formadora de opinião, a mídia torna-se uma reprodutora de idéias e preconceitos já formados na sociedade. Em Morreu na Contramão (192 páginas, Jorge Zahar Editor), o jornalista e escritor Arthur Dapieve, professor da PUC do Rio de Janeiro, analisa como a imprensa trata a questão do suicídio. Mais especificamente, o autor trabalha a questão no noticiário do jornal O Globo, um dos quatro diários de maior circulação no País. O que encontra é uma série de eufemismos do tipo “as causas da morte não foram divulgadas” ou “a morte se deu por acidente com arma de fogo”. Ou quando era impossível utilizar esse tipo de recurso, a alternativa era desqualificar o suicida como um “fanático religioso”, “louco” ou

Jornal da ABI — O Marcelo é engenheiro de formação e tornou-se humorista, tem um jeitão gaiato. Você é jornalista com fama de tímido. Como funciona essa mistura? Você diria que há algo de jornalístico no programa ou ali só aflora sua veia humorística, exposta também em Manual do mané (co-autoria com Sérgio Rodrigues e Gustavo Poli)?

Jornal da ABI — Nas palestras, o contato com estudantes de Jornalismo também deve ser constante. Qual o principal interesse que você nota neles? Há muita diferença entre os alunos de hoje e os de 20 anos atrás?

e eu o humorista, cheio de piadas. Acho, na verdade, que eu sempre fiz piadas, em mesas de botequim ou redações, a diferença é que agora me profissionalizei... No livro, com o Sérgio e o Poli, e na tv, com o Marcelo. Jornal da ABI — Repercutem de alguma forma sobre você declarações irreverentes mais radicais do Marcelo? Colegas jornalistas e intelectuais mais conservadores fazem patrulha ideológica?

Dapieve — Patrulha, não, ao menos não ainda. Acho que os colegas sabem separar quem disse o quê, a gente vive discordando e discutindo. O espectador comum, este sim, às vezes confunde quem disse o quê e cobra correção política dos dois. Bem, tudo o que tanto eu quanto o Marcelo não pretendemos ser, não só na tv, é politicamente corretos. Jornal da ABI — E o veículo? Já tinha intimidade com as câmeras da tv?

ainda “criminoso”. Longe de ser esclarecedora ou imparcial, a imprensa prefere refletir o senso comum, condenando o ato quando motivado por razões particulares, como dissabores amorosos, e absolvendo, quando motivado por idealismo. Sempre com um toque analítico – que traz a discussão para o campo da filosofia e faz a inquietante pergunta: qual é o verdadeiro sentido da vida? –, Dapieve não apenas mostra como o suicídio é tratado na notícia, mas também consegue um inusitado perfil do modus operandi da imprensa brasileira e um retrato da própria sociedade e seus tabus. (Marcos Stefano)

Dapieve — Já tinha dado um número razoável de entrevistas e depoimentos para a tv, sem maiores problemas, em parte porque dar aula ajudou a quebrar a minha timidez essencial. Jornal da ABI — Ia falar sobre isso, de timidez não combinar com turmas cheias. E você ainda é constantemente chamado para dar palestras. Quais são os temas mais comuns?

Dapieve — Falo basicamente sobre jornalismo cultural, música ou, menos freqüentemente, história da Segunda Guerra e política internacional. Por achar que tenho domínio do que falo, nem penso muito se as platéias têm dez, 20 ou 200 pessoas. Abro a boca e falo, simplesmente. Frio na barriga só dá antes ou depois...

fragmentadas, confusas. O professor precisa estabelecer conexões entre elas, limpar um pouco a área, organizar as cabecinhas. Jornal da ABI — E como os estudantes da área e recém-formados estão percebendo o mercado jornalístico no Brasil?

Dapieve — Tento animá-los. Embora hoje tenhamos menos jornais impressos, temos sites, temos mais canais de Tv abertos e pagos, mais rádios. Tanto há mais postos de trabalho quanto há mais possibilidades dentro do próprio mercado. Quando me formei, na metade de 1985, apenas uma pessoa tinha um estágio bem encaminhado na área de Jornalismo. Hoje, a cada formatura da qual participo quase todos os alunos têm um caminho diante dos olhos. Estão estagiando ou trabalhando na área. Ou nas áreas próximas. O jornalista é multiuso. Jornal da ABI — Há alguma mensagem especial que você dê em suas aulas e palestras aos futuros jornalistas ?

Dapieve — Adapto a mensagem a cada turma ou momento. Atualmente, me preocupo que eles não considerem a própria profissão uma forma de crime, como os políticos flagrados com as calças na mão dizem e repetem. A nossa profissão é nobre — o mesmo não pode se dizer do propósito deles. Somos importantes exatamente para vigiar e alertar os leitores sobre o desvio do dinheiro público, sobre o exercício do poder em proveito próprio. Uma imprensa livre e independente dos Três Poderes é fundamental para a manutenção da democracia e da ética. Entrevista publicada em 10 de fevereiro de 2006. Dapieve concluiu e publicou depois sua tese de nestrado: imprensa e sucídio. Ver texto ao lado.

Jornal da AB ABII 325 Janeiro de 2008

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