Primeira Pauta - Edição 155

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primeira.pauta JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA FACULDADE IELUSC

JULHO DE 2021 | EDIÇÃO 155 | GRATUITO

O MUNDO SINGULAR DE JUAREZ MACHADO

Da infância na cidade das bicicletas até a vida na cidade dos croissaints, o artista construiu um legado de sucesso REPORTAGEM p. 18 a 20


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seja bem-vindo

Vamos falar de cultura (mais uma vez) A turma da sétima fase, que apresenta esta edição, tem uma relação com a editoria de cultura que começou lá em 2018, desde o primeiro semestre do curso. Nos trabalhos de fotojornalismo, telejornalismo, e até mesmo em outras edições do Primeira Pauta, muitas vezes acabávamos escolhendo temas que remetiam à cultura. Fosse a joinvilense, a popular, a brasileira… Embora esse possa ser considerado um tema fácil de escrever, a verdade é que a cultura é uma parte extremamente necessária do jornalismo. Sem isso, uma sociedade se desenvolve pobremente. O que somos nós sem a arte, o teatro, o cinema, a gastronomia, a arquitetura? Faz parte da nossa identidade enquanto seres humanos. E uma das principais missões do jornalista é conectar o ser humano com o que acontece no mundo através da informação. Desde o início de 2020 tivemos provas atrás de provas da essencialidade do jornalismo. A pandemia do Covid-19 mostrou que precisamos de informação tanto para saber se é seguro ficar em casa quanto para descobrir como ficar entretido durante a quarentena. Talvez tenha sido por isso que, inconscientemente, a gente tenha escolhido

mais uma vez falar sobre cultura. Mesmo em uma cidade como Joinville, que não é a maior referência quando se trata de incentivos e investimentos nesse quesito. Porque o nosso trabalho em um momento como esse vai muito além de copiar e colar o número de casos naquele dia e publicar em um site. Vai além da própria pandemia, apesar de estar inteiramente ligado a ela. Não é apenas sobre conscientizar a população a como se proteger do vírus, mas também a cultivar esperança e gerar debates que serão relevantes depois que “tudo voltar ao normal”. Por esses e tantos outros motivos, resolvemos fazer uma edição especial sobre cultura. Mesmo em 2021. Mesmo com a pandemia ainda preocupando grande parte dos brasileiros. No ano em que muitos de nós vão se formar, depois de três semestres tão pesados, de aulas online, trabalhos adaptados para o modelo remoto, desabafos sinceros e muita empatia, falar sobre um tema tão importante - e, ao mesmo tempo, leve - pareceu natural. Até consideramos mudar de assunto. Sair do comodismo. Mas, no final das contas, nada do que essa turma já fez em quase quatro anos de faculdade foi dentro da zona de conforto. Com muito orgulho, apresentamos a Edição 155.

Expediente FACULDADE IELUSC Rua Princesa Isabel, 438 - Centro 89201-270 - Joinville - SC (47) 3026-8000 jornalprimeirapauta@gmail.com Diretor Geral | Silvio Iung Diretor Ens. Superior | Paulo Aires Coordenadora do Curso | Marília Crispi de Moraes Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo Professores Responsáveis | Sandro Galarça e Kérley Winques Editora-Chefe: Jéssica Horr Editora Executiva: Heloisa Krzeminski Repórteres: Amanda dos Santos Primo, Dielin da Silva, Elisa Scherer, Gabriele Abatti, Gabriele Morais, Heloisa Krzeminski, Jéssica Horr, Jucilene Schneider, Júlia de Almeida, Larissa Leite, Luana Verçosa, Mateus Lino, Társila Elbert, Vinícius Sprotte.

Editores: Dielin da Silva, Gabriele Abatti, Heloisa Krzeminski, Jéssica Horr, Jucilene Schneider, Luana Verçosa, Mateus Lino, Társila Elbert, Vinicius Sprotte. Diagramadores: Amanda dos Santos Primo, Elisa Scherer, Gabriele Morais, Júlia de Almeida, Larissa Leite. Capa: Elisa Scherer Fotos da capa: Arquivo Instituto Juarez Machado, Mariê Balbinot e Arquivo Histórico de Joinville, Jéssica Horr, Arquivo Teatro Harmonia Lyra, Emanuelle Torres. Edição | 155 Tiragem | 1.000 exemplares Impressão | Gráfica Grafinorte


sumário p. 5 Os personagens que compõem a cidade da dança

p. 8 Em busca do sucesso nacional p. 11 Seria esse o fim do cinema?

p. 14 O teatro na cidade da dança p. 16 Memórias de Vila Maria p. 18 Procura-se Juarez

p. 21 Arte e Feminismo Quer saber mais sobre a Edição 155? A sétima fase e os alunos do curso de Sistemas para Internet desenvolveram o Galarcinha, um chatbot interativo! Ele está no site do Primeira Pauta e vai te contar algumas curiosidades interessantes sobre as reportagens desta edição. Acesse com o QR Code acima!

p. 24 Diversidade cultural ganha destaque em Joinville

p. 27 Leia Mulheres: uma das poucas formas de discutir literatura

p. 30 As diferentes experiências dos cafés de Joinville

p. 32 Do tombo à revitalização de patrimônio históricos em Joinville

p. 34 Cadê a cultura que estava aqui?

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opinião Rubens Herbst

Jornalista. No Jornal A Notícia, foi repórter e editor do suplemento Anexo e colunista de cultura (Orelhada); na Udesc FM Joinville, é co-apresentador do Programa “É Rock!”.

A cultura quer ser notícia. Mas onde? Não é preciso ter olhos de lince para perceber que a cultura sumiu do noticiário joinvilense. Perto dos grandes temas do cotidiano - política, economia, segurança, saúde -, ela foi para o fim da fila, atrás até das fofocas de (sub)celebridades. Com o encolhimento das redações e o estreitamento da pauta, a editoria ganhou enfim o carimbo de desimportante, só dando as caras quando o assunto é Festival de Dança, Bolshoi, Juarez Machado ou outro evento de vulto. Quando muito, assessores cavam espaços para seus clientes aqui e ali, numa excepcionalidade tremenda. Ironia é que há muito tempo não se precisava tanto da arte e da cultura como agora, pandemia correndo solta e a sociedade se olhando no espelho em busca de uma cara que faça sentido em meio a tanta perda, dor e medo. Pois, como disse Leonardo da Vinci, “a arte diz o indizível; exprime o inexprimível; traduz o intraduzível”. Mas não. Aparentemente, a classe não vale o esforço e, para piorar, de uns tempos para cá, artistas e produtores têm sido taxados de inúteis e sanguessugas do dinheiro público. Esquecidos na pauta, o distanciamento dos assuntos culturais locais aumenta até que a população em geral os perca de vista, sem sentir falta. Será

mesmo? Será que as vozes artísticas de uma comunidade importam tão pouco assim? Essa é uma questão que não se resolve em poucas linhas nem com uma única opinião. Bem como não existe uma saída simples para esse beco a que chegou a presença dos temas culturais nos meios de comunicação da cidade. Para além das pequenas bolhas criadas pelos próprios artistas e produtores e os canais tocados por abnegados da causa, vejo o rádio - veículo que, a despeito da dominação digital, ainda possui enorme apelo em Joinville - como um possível atenuante para o gap entre o que é produzido e o que é divulgado. Não o rádio comercial, esse que joga conforme suas próprias regras de lucro e audiência. Mas as emissoras públicas, cujo viés cultural já consta de sua orientação educativa. Sim, falo da Udesc FM e da Joinville Cultural, rádios que poderiam potencializar o prestígio que detêm sendo as grandes porta-vozes da cena cultural local. Claro, suas respectivas grades já dão espaço para os artistas daqui, o que as torna uma feliz exceção no dial joinvilense. O caso é ampliar essa vocação natural para se tornarem ponto de partida e de chegada obrigatório para qualquer um interessado no que a arte, a cultura e o entretenimento

feitos na cidade têm a oferecer. Blocos musicais, agenda, debates, podcasts, reflexões, entrevistas, interatividade... Difusores tanto das novidades quanto da história dessa cena, alimentando o público consumidor e, quiçá, forjando novas plateias que não convivem nos pequenos nichos internéticos. Por sinal, ondas radiofônicas e presença online teriam que andar lado a lado, de mãos dadas e trocando confissões. Hoje, sem o impulso das redes sociais só se chega até a metade do caminho, então turbinar tal aspecto é fundamental, inclusive com as já protocolares transmissões via YouTube, Facebook e Instagram. Nessa aliança de bytes e frequências, é praticamente inevitável o maior alcance da programação. Ganha a cena cultural com divulgação e ganha a rádio com o crescimento da audiência. Claro que tudo isso é um pensamento em caixa alta. Existem soluções em andamento para melhorar a divulgação da arte e da cultura em Joinville, e outras sendo pensadas pelos integrantes do Fórum de Comunicação em Cultura. Consta ainda que a Joinville Cultural analisa uma reformulação na grade para ampliar o espaço para o assunto. Ótimo. Para quem produz tanto e aparece tão pouco, qualquer transmissão é bem vinda.

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Dança

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Os personagens que compõem a cidade da dança De bailarinos a empreendedores, Joinville se tornou uma referência neste mercado nacional Texto: Gabriele Abatti Fotos: Luiza Martin Joinville conquistou o título de Capital Nacional da Dança devido ao esforço de cada um dos personagens dessa arte, que iniciam no mundo dos ritmos desde criança. Isabela Luisa, de 9 anos, começou a apresentar as características de uma bailarina desde os três anos. “Nas apresentações das

escolas, como dia das mães, dos pais, Páscoa, ela sempre se destacava”, compartilha Carolina Simone de Souza de Oliveira, mãe de Isabela. Logo que Carolina percebeu os dons da filha, colocou-a em uma escola de dança para se desenvolver. Isa, como gosta de ser chamada, conta que o

que mais ama fazer é subir nos palcos e se apresentar para um grande público. “Quando eu crescer quero virar bailarina e me apresentar várias vezes.” A pequena dançarina foi acompanhada pela mesma professora desde o início de sua trajetória artística. Eliane Lemos, coreógrafa de Isa,

declara que consegue perceber em todas as aulas a evolução na concentração e ritmo de sua aluna. “Eu percebo um crescimento absurdo, principalmente na consciência corporal dela. Os comandos nas aulas ela corresponde melhor”, enfatizou a professora.

Os ensaios para uma competição iniciam-se cerca de 10 meses antes da data da apresentação. Para realizar a inscrição no Festival de Dança de Joinville é necessário enviar um vídeo com a prévia da coreografia que o dançarino ou o grupo pretende apresentar. Mesmo sem a certeza de que irão participar, já se iniciam os trabalhos de muitos ensaios pela frente. São ensaiados os detalhes mínimos até os mais importantes. Como, por exemplo, o movimento que as mãos irão

fazer no final da apresentação em ritmo de música ou até mesmo o figurino, elementos que irão compor todo o conjunto da obra. Outra preocupação que ronda os estúdios de dança são as questões psicológicas de cada participante. Não importa se é primeira vez ou até mesmo a décima participação, cada momento se torna único e muito marcante. A ansiedade toma conta de todos os envolvidos, desde dançarinos e coreógrafos e até mesmo os familiares. A psicóloga Camila Paola

Baier destaca a importância do acompanhamento emocional de cada participante, principalmente antes dos ensaios começarem. “Qualquer tipo de pressão psicológica, seja ela de família ou até nos testes que participamos, estamos submetidos a uma pressão, que faz com que fiquemos mais cansados, estressados, ansiosos, entre outros.” A profissional enfatiza que para os casos mais recorrentes de crises de ansiedade é necessário o acompanhamento de um

profissional da área para analisar caso por caso. O professor Paulo Roberto diz que em todas as aulas as conversas com os alunos se tornam fundamentais. Fazer com que cada dançarino entenda sobre o ato de ganhar ou perder ajuda no combate contra a ansiedade e na preparação para uma apresentação. “Sempre passamos aos alunos a importância de participar e dar o melhor de si, isso já vale para toda a carreira de dançarino”, finalizou.

Ansiedade nas competições

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Dança

Uma forma de terapia O mundo da dança exige muita persistência e dedicação. Outra jovem que nunca desistiu dos sonhos foi Beatriz Peres de Oliveira. Aos 10 anos, foi diagnosticada com câncer no cerebelo, o que a fez perder os principais movimentos do corpo. A chegada da doença foi um choque para toda a família. Fabiane Peres, a mãe de Beatriz, conta que no momento em que descobriram ficaram sem chão. “Nós nunca imaginamos que iria acontecer com a gente né”, relembra Fabiane.

Os familiares hoje contam dos momentos com muita emoção. Cada apresentação de Beatriz é considerada uma vitória. A dança ajudou a bailarina a evoluir na fisioterapia, nos movimentos do corpo, e até mesmo na coordenação motora. A psicóloga Maria Aparecida de Freitas sempre trabalhou com as artes em suas terapias. A especialista explica sobre a importância para diversas ações do corpo e da mente, não só para pessoas

com deficiência física ou mental, como também para todos os familiares. “A criança em seu desenvolvimento já busca o ritmo, a expressão de si. Hoje em dia qualquer criança que tem a necessidade de explodir em emoção, já começam a ser diagnosticadas precocemente.” Maria ressalta que a participação de todos os envolvidos é fundamental para uma terapia eficiente. “A música é essencial para o desenvolvimento da criança, elas necessitam se

O mercado em Joinville A capital nacional da dança enfrenta grandes desafios na pandemia do coronavírus, com eventos parados e festivais cancelados. As danças foram para as telas dos celulares e se adaptaram a um novo formato digital. Mas as dificuldades do mercado na cidade não são de agora. Os dançarinos enfrentam problemas para dar continuidade aos seus sonhos em Joinville, afinal as opções são poucas: sair da cidade ou abrir um novo negócio no ramo. Bianca Thaís decidiu abrir a própria escola de ballet. Formada na Escola do Teatro Bolshoi, abriu sua primeira turma após três anos tentando inovar no mercado de trabalho. “No começo foi difícil, recebi muita ajuda dos meus pais que acreditaram no meu sonho junto comigo. Não ganhei apenas alunos, e sim pequenas e grandes amigas”, detalhou a bailarina. Bianca iniciou as aulas com alunas muito jovens, e já expandiu para diversas idades. Além de criar o próprio estúdio de dança, o mercado em Joinville também dá possibilidades de agir com criatividade. O município abriga hoje a primeira fábrica de pole dance

do sul do Brasil. Gladson Pazinho Maranho é o responsável de perceber esse desfoque no mercado joinvilense, após sentir a necessidade de matéria-prima em seu estúdio de pilates. “Eu sofri muito preconceito quando comecei, por ser uma modalidade denominada sensual, mas isso serviu para me fortalecer ainda mais.” O empreendedor explica que o pole dance expandiu muito nos últimos anos, e fez com que as vendas para fora do Brasil dobrassem. “Na pandemia encontramos um novo público. Além dos estúdios de dança, hoje nosso público alvo se tornou os próprios dançarinos, que querem uma barra em casa”, disse o diretor técnico e engenheiro da fábrica, Pedro Lafaiete Schmitt. Empreendedores e bailarinos vivem na incerteza em 2021. Os profissionais do ramo permanecem ansiosos para a próxima edição do Festival, afinal é um dos principais eventos que movimentam o mercado dessa arte. Ely Diniz, presidente do Instituto Festival de Dança Joinville (IFDJ), explica o quanto o festival movimenta a economia da cidade. “Para parte de

hotelaria, turismo da cidade, é o que chamamos de alta temporada. Nós temos a feira da sapatilha, que compõe os principais fabricantes de produtos de dança do país, que vem para cá, e consideram o festival de dança como a principal mola propulsora de venda durante todo o ano.” Devido à pandemia, o 38º Festival de Dança de Joinville será realizado em outubro de 2021. As inscrições permanecem abertas até meados de agosto, quando forem selecionados os grupos. Em nota, o IFDJ anunciou que serão seguidas medidas sanitárias e criado um Grupo de Trabalho, coordenado pela Secretaria Municipal de Saúde, com a participação da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. O Festival de Dança não é apenas um encontro de artistas, como dito no início de sua história, mas se tornou também referência e renda para muitas pessoas. O momento é atípico, mas a garra de professores, empresários, dançarinos e instituições que prezam pela arte mantêm as raízes da dança vivas em Joinville e em todo o mundo.

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expressar de alguma forma. Se eu pudesse falar para todos os pais, pediria para que pudessem usar a expressão corporal no seu dia a dia, para todas as pessoas”, finalizou. Beatriz usou e abusou da música em todas as suas terapias. Mas, além de bailarina, também tinha um sonho de lançar o próprio livro infantil. Alguns anos se passaram, e ela conseguiu conquistar mais um título: de Escritora.


Como Joinville se tornou o destino de bailarinos Foi em 1983 que Joinville deu os primeiros passos no mundo da dança. Tudo começou com a ideia de juntar bailarinos de diversos cantos do país para trocarem experiências. Carlos Tafur, o então coordenador da Escola Municipal de Ballet de Joinville (EMB), teve a ideia de fazer um intercâmbio de bailarinos, com eventos e atividades simultâneas, da realização de mostras até cursos, oficinas e ações para a discussão de temas relacionados à dança. Albertina Tuma, gestora da Casa da Cultura na época, sonhou mais alto e propôs um festival de dança na cidade.

“Um sonho transformado em realidade, o maior festival de dança do país, em uma época em que Santa Catarina enfrentava uma grande enchente”, relembrou. Os aeroportos estavam fechados e as estradas interditadas, mas nenhum obstáculo impediu os integrantes dos grupos de dança de persistirem em seus sonhos. Já no primeiro festival, 40 dos 47 inscritos compareceram, totalizando 400 bailarinos vindos de diversos lugares do país, como Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Espírito Santo. Infelizmente, devido ao tem-

poral que atingiu diversas cidades, os gaúchos e as equipes de Florianópolis não conseguiram participar. Entretanto, não faltou competição para novos grupos conhecerem o que se transformaria no maior festival de dança do Brasil. No primeiro dia do evento, a Sociedade Harmonia Lyra se tornou palco para as apresentações, e, mesmo com todas as adversidades, o local lotou até as principais ruas do centro de Joinville. A partir dali, o festival cresceu em números e apresentações. “A feira da sapatilha, gincana cultural, concurso de

Chegada da Escola do Teatro Bolshoi do Brasil A virada de um novo século marcou a inauguração da primeira filial da Escola do Teatro Bolshoi da Rússia em Joinville. Em 1996 a escola fez uma turnê pelo Brasil e participou do evento em Joinville. Após a apresentação, o grupo do Bolshoi recebeu o convite de Luiz Henrique da Silveira, prefeito do município na época, para jantar em sua casa. Após algumas conversas, o prefeito descobriu o desejo da Escola de ter uma filial

no Brasil, quando ofereceu a cidade para sediar a Escola do Teatro Bolshoi do Brasil. “Dentre todas as capitais, que algumas também tiveram interesse, ele foi o único prefeito que saiu daqui e foi até Moscou, e se comprometeu a manter essa Escola”, declarou Célia Campos, diretora administrativa do Bolshoi. No dia 15 de março de 2000, foi inaugurada a única filial da Escola do Teatro Bolshoi da Rússia no Brasil.

Joinville como capital nacional da dança Em 2005 o Festival de Dança foi parar no Guiness Book como o maior do mundo. Com a marca que ultrapassa 4,5 mil dançarinos de todo o país e do mundo, 140 grupos amadores e profissionais, com uma assistência de mais de 200 mil pessoas a cada ano. A citação está no capítulo Festivais e Tradições - O mundo moderno: “O Festival de Dança de Joinville, em Santa Catarina, Brasil, é o

maior do mundo.” “A Harmonia Lyra estava lotada, deu até um medo de desabar tudo, pois tinham muitas pessoas na galeria”, declarou Lucienne da Costa, de 62 anos, telespectadora do primeiro Festival. A aposentada conta que foi algo inusitado na cidade, pois até então não havia nada parecido. “Todas as apresentações eram muito coloridas, muito vibrantes.”

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Dança

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biquíni, entre outras atrações que contribuíram muito para todo esse sucesso’’, explicou Tuma. Em 1998 foi criada a Feira da Sapatilha, hoje considerada a maior do setor no país, com a participação dos principais fabricantes nacionais de artigos de ballet. Após 15 anos de sua primeira edição, o Festival de Dança de Joinville ganha palcos maiores com o Centreventos Cau Hansen. O novo espaço tem a capacidade de abrigar cerca de 4,5 mil espectadores, com camarotes, arquibancada e espaço para lanchar.


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música

Músicos de Joinville lutam pelo sucesso nacional A Cidade da Dança também possui grandes artistas na Música que esperam por reconhecimento Texto: Luana Verçosa e Vinicius Sprotte Foto: Arthur Andrade Joinville, a maior cidade de Santa Catarina, que ostenta o título de Manchester Catarinense, é projetada para abrigar as grandes indústrias que movimentam a economia local. Não apenas a música, mas as artes, de forma geral, recebem pouca visibilidade do povo joinvilense, como confirmam Jeancarlo Reeck, professor de música, Victor Hugo Kühn, Ronaldo de Espindula e Vinícius Leonardo, vocalistas das bandas Cachorro do Mato, VITHOR e Fairans. Ronaldo e Jeancarlo indicam que é reservado pouco espaço nos veículos de comunicação joinvilenses para apresentar os talentos locais. “Além disso, falta apoio do governo também, tem muita gente compondo e gravando pelo país”, desabafa o

vocalista da Cachorro do Mato, Jeancarlo. Na opinião dele, o gosto musical do povo brasileiro muda constantemente, o que obriga as bandas que queiram uma carreira produtiva a se adaptarem ao que o público pede. “Dá para viver de música, mas da própria música é complicado”, reflete. O vocalista define a carreira do músico como “comercial”, e ressalta que quem não quiser se adaptar ao público deve buscar plateias específicas para o estilo de cada banda. “A gente continua tentando fazer sucesso, mesmo sabendo que é muito difícil”, conta. Para ele, ter bons empresários e produtores ajudam uma banda a se destacar. Jeancarlo aconselha os iniciantes na carreira musical a investirem nas

redes sociais “Às vezes uma pessoa posta um vídeo cantando e viraliza”, conclui. Victor Hugo considera fundamental ter uma boa condição financeira para subir de patamar na carreira. “Te dá boas vantagens para começar e fazer sucesso mais rápido’’, disse. Vinícius observa que Joinville não tem tradição de revelar talentos musicais e acredita que a cidade precisa de maior divulgação para mudar isso. “No Rio Grande do Sul e Paraná há mais incentivo, em São Paulo e Goiânia o sertanejo, que é o meu estilo musical, também é forte”, afirma. O cantor elogia a propaganda feita pelos músicos para serem mais conhecidos, mas lamenta que na maioria das vezes não consigam destaque nacio-

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nal. “Fazemos uma divulgação bem legal, mas ela acaba aparecendo mais para a cidade e região. Expandir para outras regiões é mais complicado”, avalia. Antes da pandemia de COVID-19, Jeancarlo apresentava-se em diversos lugares de Joinville, como formaturas e bares. Além disso, ele e sua banda faziam shows em outras cidades catarinenses, como Piçarras e Jaraguá, e também fora do estado, em Porto Alegre. “Quando tocamos no Rio Grande do Sul, foi pela Rádio Gump, uma banda cover que eu tinha entre 2012 e 2014”, relembra. Para o cantor, é mais fácil tocar em outros estados quando se interpretam outras bandas. Diferente de Jeancarlo e Victor Hugo, que deram uma


música pausa na carreira devido ao isolamento social, Vinícius segue persistindo na carreira de cantor. O jovem sertanejo faz lives semanais para divulgar o seu trabalho. “Por causa das minhas lives venho conseguindo mostrar o meu trabalho fora de Joinville. Tenho seguidores de Maceió, Feira de Santana e São Paulo”, comemora. Antes da pandemia, o músico costumava se apresentar em bares, festas e aberturas de shows. Algumas competições que Victor Hugo participava tinham como premiação a oportunidade de abrir shows de artistas famosos. “Em São Paulo abri um show da Charli XCX, uma cantora britânica, e foi muito legal por causa do público, que varia entre seis e sete mil pessoas. Vivi uma experiência parecida quando fiz um cover dos Beatles, com um público de três a quatro mil pessoas”, recorda. Outra realização do cantor ao longo da carreira foi gravar videoclipes e o álbum VTHOR. “Cada música é uma conquista diferente”, define. A música trouxe lições para Victor Hugo. Por causa dela, aprendeu a ser mais insistente. “Tenho em mente que preciso treinar muito e lutar bastante para conquistar as coisas”, destaca. Além disso, o jovem viveu a experiência de viajar para Los Angeles e mostrar seu trabalho. “Lá ou tu é

muito bom ou tá fora do ‘jogo’. Precisa ser muito profissional para fazer sucesso lá”, avalia. Na opinião de Victor Hugo, os estadunidenses não são um povo receptivo, principalmente quando alguém de fora chega para concorrer com eles. “Apesar da grande competitividade de Los Angeles, eles buscam

Possibilidades

A área de eventos, principal fonte de renda para músicos e diversos outros artistas, foi a mais afetada pela pandemia. Porém, muitos espaços continuam funcionando com o objetivo de promover música de qualidade em Joinville. O engenheiro de processos André Ferreira dos Santos conta que esse foi um dos principais motivos para abrir, em 2017, o Box 80, Hamburgueria e Choperia que fica no bairro Guanabara. Atualmente, o estabelecimento abre

de quarta a domingo, sempre com apresentações ao vivo. Ele destaca que as apresentações são um diferencial para o público. “Alguns clientes fazem questão de pedir as músicas autorais de cantores mais conhecidos regionalmente”, menciona. No entanto, André observa que a preferência do público sempre é por músicas já famosas, de cantores consagrados. Por isso, praticamente todas as apresentações no Box 80 são covers. “Temos muitos músicos

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trocar experiências, mostrando o caminho mais fácil para evoluir.” O jovem acredita que falta para o povo joinvilense um pensamento coletivo, para que a cidade seja reveladora de grandes talentos musicais. “Diferente de Los Angeles, sinto que aqui buscam te jogar para o caminho mais difícil”, comenta.

O vocalista da VTHOR, Victor Hugo, tentou parcerias em Joinville, que não deram certo por causa da mentalidade individualista dos colegas de profissão. “Muitas vezes as pessoas não tem em mente que vamos crescer juntos, eles pensam que um vai se destacar mais , roubando o lugar do outro”, declara.

talentosos aqui na nossa cidade e região, que fazem muita música autoral, então eu abro espaço”. Ronaldo Espindula, da Fairans, acredita que, mesmo com a dificuldade das novas bandas em conquistar o público com seus projetos autorais, há a possibilidade de crescimento para os músicos de Joinville. “Hoje a internet facilita bastante com que mais pessoas ouçam a nossa música e também o sucesso não necessariamente está ligado à

fama.” Ele avalia que o mais importante é ser valorizado no seu lugar de origem e revela que recebe muitos agradecimentos, elogios e incentivo de pessoas que admiram seu trabalho. É o que arrisca o maestro Rafael Huch, titular do Setorial de Música do CMPC e presidente da AMUJ (Associação dos Músicos de Joinville). Ele acredita que o maior crescimento pode vir da conexão entre os músicos locais e outros setores de economia criativa, para que

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música

possam se fortalecer enquanto classe. “Temos muitos desafios para serem vencidos e estamos animados para alcançar as nossas metas.” O gerente de Cultura da Secult, Cassio Correa, adianta que existem planos para criar campanhas com foco no desenvolvimento da produção artística como um todo em Joinville, inclusive os trabalhos musicais de autoria de joinvilenses. “Por meio da Rádio Joinville Cultural (FM - 105,1), estamos sempre recebendo e divulgando nossos artistas com entrevistas e veiculação de seu trabalho autoral”, acrescenta. Além disso, a Ação

Cultural da Secretaria está em contato com veículos de comunicação a fim de entender melhor quais medidas podem ser tomadas para ampliar a participação nestas mídias e, principalmente, mantém um diálogo constante com a Associação dos Músicos de Joinville. A AMUJ, como evidencia o maestro Rafael, exerce um papel importantíssimo para a categoria. Na aprovação da Lei do Mecenato Estadual Catarinense, no ano passado, a associação foi fundamental para que houvesse interlocução dos músicos do município com o Governo do Estado.

Planos da nova gestão No Plano de Governo do atual prefeito, Adriano Silva, está prevista a “Universalização do acesso aos espaços públicos e eventos culturais, com o fomento ao uso dos palcos abertos e a redução da burocracia para os eventos”. No cenário atual da pandemia, os projetos que envolvem eventos tendem a ficar em stand-by. Além disso, o Secretário de Cultura, Guilherme Gassenferth explica que a ação para desburocratização, por conta de todos os processos que existem hoje, pode acabar levando um bom tempo para ser concretiza-

da. “Mas certamente quando isso for alcançado, a música será beneficiada a partir da facilitação do uso das praças”. Ele também relembra que os palcos abertos já estão disponíveis para uso da população. Também existem menções no Plano para a criação de um “Distrito Criativo” e para revitalização da Cidadela Cultural Antarctica, que poderiam abrir mais portas para os músicos da cidade. “A ideia é fazer da Cidadela um espaço multicultural”, esclarece o Secretário da Secult. “Estamos estudando parcerias com a iniciativa

privada: qual é o melhor modelo, quais as áreas que serão concedidas, se serão todas de uma vez só… tudo isso está sendo pensado em paralelo à questão do projeto de restauro.” E ele garante que faz parte do planejamento que a música entre no projeto. “Ainda não sabemos exatamente de que formas, mas com certeza teremos ambientes ligados à música”, Guilherme conclui. Sobre o planejamento para a concretização do Distrito Criativo de Joinville, Guilherme utiliza uma analogia para esclarecer: “iremos dar mais

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software para o centro que já tem o hardware”. Ou seja, a ideia é utilizar os espaços culturais, praças e ruas estratégicas para promover ações culturais, concedendo uma “alma” ao centro da nossa cidade industrial. “A proposta do Distrito Criativo é justamente que se faça um trabalho para ocupação desses espaços”, reforça o Secretário. Ele também adianta que outras ações serão feitas na área de urbanismo e incentivos fiscais, projetos que estão sob os cuidados da Secretaria de Planejamento Urbano e Desenvolvimento (Sepud).


entretenimento

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Seria esse o fim do cinema? No ano de 2020, as assinaturas de serviços de streaming tiveram um crescimento de 145%

Texto e fotos: Heloísa Krzeminski

Desde o seu surgimento, no século XIX, o cinema passou por diversos desafios que colocaram sua existência em ameaça, mas sempre encontrou uma forma de se reerguer. Na crise de 1929, os filmes se tornaram uma forma de escapismo em meio a Depressão. O movimento foi desestabilizado com o surgimento das TVs nos anos 50, mas se adaptou para conquistar seu espaço novamente. Mas qual é a relação disso com as novas tecnologias de distribuição de filmes, os streamings? Plataformas como Netflix,

Globoplay, Disney+ e Amazon Prime estão presentes na vida de 73,5% dos brasileiros, conforme mostra uma pesquisa realizada pela divisão de Mídia da Nielsen Brasil em parceria com a Toluna, em 2020. Com a pandemia, esses serviços têm se tornado um fenômeno crescente com cada vez mais qualidade e variedade de conteúdo, sendo capazes até mesmo de competir no Oscar. Cineastas como Steven Spielberg e Christopher Nolan já deram entrevistas afirmando acreditar que esses novos serviços ameaçam a ativida-

de das telonas, mas existem respostas controversas neste meio. Para o roteirista e diretor cinematográfico Anderson Dresch, os streamings não vão matar a sétima arte já que a experiência do cinema não tem como se repetir em casa da mesma forma. O cineasta compara esta situação com os restaurantes. “É a mesma coisa que falar que não vai mais ter restaurante, todo mundo vai comer em casa”, disse. Para Vincent Sesering, jornalista e cinéfilo, sem qualquer crise ou presença dos streamings, a maneira como

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as distribuidoras e exibidoras operam sempre tende a inclinar para o lado mais lucrativo, dando destaque aos blockbusters e filmes infantis. Portanto, os streamings podem fazer com que o consumidor opte por não assistir a todos os filmes que estão em cartaz e aguardar para assistir em casa por questão de variedade. “Não mata o cinema. Embora vá tornando isso uma atividade cada vez mais de nicho”, opinou. Na visão de Brian Hagemann, mestre em comunicação e coordenador do curso


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entretenimento

de Cinema e Audiovisual na Univille, o cinema é imortal, afinal já sobreviveu a muitas crises, entre elas a televisão, as locadoras de VHS e DVD e a pirataria. “Mas claro, dentro de cada desafio imposto, o cinema sobrevive se adaptando às novas tecnologias e mercados”, completou. Para ele, o que está ameaçado é a variedade do conteúdo disponível nas salas de cinema. O surgimento de novas plataformas se tornou uma tendência mundial e possibilitou uma variedade imensurável de conteúdos exclusivos disponível para todos que podem pagar por ela. Apesar disso, todas essas novas possibilidades também possuem seus contras. Para Brian Hagemann, o grande problema é que com muitos serviços de streaming é difícil para o consumidor

acompanhar tudo, já que fica caro mantê-los todos. “O ideal é que os serviços de assinatura unificassem streamings e barateassem para o consumidor”, considerou. Vincent Sesering comparou os streamings com as locadoras para ilustrar a desvantagem da grande variedade de plataformas. Segundo ele, nas locadoras os filmes se amontoavam ao longo dos anos e existiam diversas opções de filmes de todos os países e de todas as épocas, diferente do que acontece nos streamings, que se limitam aos lançamentos e filmes de no máximo 30 anos. “Muita gente hoje vê filmes da década de 80 e 90 e enxerga isso como clássicos antiquíssimos. Ignorando aí 100 anos de filmes que vieram antes disso e todo um planeta além dos EUA”, criticou.

Pirataria Um dos episódios de pirataria mais conhecidos no Brasil foi o vazamento de Tropa de Elite, em 2007. De acordo com a empresa Nagra/Kudelski Group, em 2020 o Brasil foi o país com o maior consumo de pirataria online no mundo. A indústria do cinema luta contra essa atividade desde o avanço das tecnologias e do surgimento da Internet. “A pirataria é inevitável, visto que nem todos podem pagar por todo o conteúdo que deseja”, disse Brian. De acordo com ele, a pirataria digital é mais atrativa por ter uma qualidade semelhante ao produto original. Apesar de seus malefícios aos trabalhos independentes, Vincent se considera um en-

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tusiasta da pirataria, pois há muitos anos é o lugar ideal para consumo do cinema clássico e alternativo. “Não existe neste momento, por exemplo, uma maneira de se assistir As Vinhas da Ira, do John Ford, de 1940, que não seja ilegalmente baixando o filme ou indo atrás de um DVD antigo”, explicou. Para o cinéfilo, a pirataria contribui mundialmente com a distribuição e preservação de títulos que não estão nos streamings e que são difíceis de encontrar em mídia física, como o filme brasileiro A Falecida. “A pirataria sempre vai existir. E eu torço para continuar. Porque ela faz muitas vezes um trabalho de preservação que empresas e Estado não conseguem fazer.”


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Clássicos do cinema Filmes como 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968), O Poderoso Chefão (1972) e O Iluminado (1980) marcaram sua época de lançamento de tal forma que possuem relevância até hoje. São muitos os clássicos responsáveis por importantes tendências e marcos do cinema que retratam comportamentos e tempos diversos. Para Vincent, a definição de clássico está intrinsecamente relacionada com o tempo. “É uma obra que perdura, que marca uma época ou que, vista em perspectiva, reflete esse tempo”, disse. Nesse sentido, os impactos podem ser definidos pela questão de revolucionar a linguagem do cinema ou pelo impacto cultural. Por pior que sejam em outros aspectos. O Nascimento de uma Nação, de David. W. Griffith, é um exemplo. “Um filme escancaradamente racista e condenável de muitas maneiras e que glorifica a Ku Klux Klan”, contou o jornalista. Apesar disso, é considerado um clássico por ter utilizado pela primeira vez no cinema recursos como montagem paralela (mostrar dois eventos na tela acontecendo simultaneamente) e contar uma história de forma complexa do ponto de vista da estética. Para Brian, o requisito que um filme precisa ter para ser considerado um clássico é ter o sucesso comercial aliado a aclamação da crítica, não ter necessariamente grande bilheteria, mas ser reconhecido e ganhar prêmios importantes da indústria. Por esse motivo é possível arriscar títulos recentes que sejam considerados clássicos no futuro, como Mad Max: A Estrada da Fúria (2015), Parasita (2019), Corra! (2017), entre outros. Tratando-se de streaming,

Vincent e Brian acreditam que podem existir produções deste meio que se tornem clássicos no futuro. Para Brian, assistir na TV pode não ter o mesmo impacto que no cinema, “mas 13 as produções cinematográficas originais dos streamings ainda são um fenômeno recente, e só o tempo vai dizer quais entrarão no panteão dos clássicos”, concluiu. Ambos citaram o filme O Irlandês, produção da Netflix, como um exemplo de potencial clássico dos streamings. “Ser um clássico ou não, ou uma obra prima, pra mim independe da plataforma de lançamento”, defendeu Vincent. A visão de Anderson Dresch é divergente. O cineasta acredita que o streaming não tem o mesmo glamour do cinema e que consequentemente é complicado surgirem clássicos dele. “Aquilo que está no streaming é muito passageiro, é um filme que você assiste e passa para o próximo”, explicou. Independentemente das opiniões que se formaram desde o surgimento do primeiro serviço de streaming, é incontestável que o cinema se tornou uma das artes mais relevantes que existem. Todo o imaginário construído desde o século XIX sobre o ato de ir assistir aos lançamentos resultou nas 176 milhões de vezes que os brasileiros foram ao cinema em 2019 conforme dados do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual. Portanto, a resposta para a tão polêmica pergunta sobre a morte da sétima arte é não, ela não irá morrer, mas isso não significa que continuará a mesma para sempre. O que resta aos fãs e a indústria é se adaptar às novas tendências cinematográficas, assim como tem feito há mais de 100 anos.

“Ser um clássico ou não, ou uma obra prima, pra mim independe da plataforma de lançamento”

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Vincent Sesering, jornalista e cinéfilo

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entretenimento

O teatro na cidade da dança

Joinville tem uma história com as artes cênicas desde o século XIX, com espetáculos que encantam o público até hoje Texto: Larissa Leite Imagens de arquivo do Cine Palácio e Fábio Borba O Teatro Harmonia-Lyra, um dos primeiros espaços culturais de Joinville, nasceu no ano de 1858. No século XIX imigrantes suíços, alemães e noruegueses chegaram à Colônia Dona Francisca em Joinville, fugindo de perseguições políticas, crises econômicas e buscando uma forma de recomeçar a vida. Os imigrantes europeus queriam acabar com a tristeza em tempos difíceis de adaptação na cidade, e o teatro foi um dos primeiros lugares que proporcionaram entretenimento para as pessoas. “O teatro tem a capacidade de fazer as pessoas se conectarem por meio da arte, o que foi muito importante para os imigrantes durante o período de adaptação no novo país, na nova cidade”, afirmou o ator e historiador Silvestre Ferreira, 58 anos. De acordo com historiadores, o Harmonia Lyra era conheci-

do na época do seu surgimento como Teatro Amador. Os trabalhadores da época, que em grande parte não eram da cidade, apresentavam as peças em um palco nada luxuoso, montado sobre cavaletes, em um salão de madeira numa Joinville ainda pouco urbanizada. Só em 1930, a nova sede foi inaugurada na rua XV de Novembro, após a Sociedade já conhecida como Harmonia se juntar com a Sociedade Musical Lyra, e então ganhar o nome que carrega até hoje. Os relatos históricos contam que pessoas de todas as idades subiam no palco, e a população lutava para continuar com as apresentações mesmo em momentos de crise econômica.“Foi no palco do Harmonia Lyra que pude assistir peças infantis quando criança, além de apresentações de concertos”, disse Paulo Roberto da Silva, amante de teatros e administrador da

página Theatro Municipal de Joinville no facebook. Mas não parou por aí, em 1917, nasceu também um dos primeiros espaços culturais da cidade, o Cine Palácio, por iniciativa do empresário e empreiteiro de obras, Francisco Nicodemus, de família alemã e com muita influência nas construções realizadas na época. Localizado no centro da cidade, na Rua XV de Novembro, esquina com a Rua Dona Francisca, que fica em frente à Praça da Bandeira, o Cine Palácio recebia espetáculos de teatros e outras expressões artísticas, que marcaram a vida da comunidade joinvilense. Ao longo dos anos as peças apresentadas foram diminuindo e o cinema começou a ganhar mais espaço no lugar. “Eu frequentei o Cine Palácio já na época do cinema, lembro das poltronas azuis no auditório imenso. Eu tinha mais ou me-

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nos dez anos quando vi filas quilométricas para o filme Guerra nas Estrelas, que foi assunto por um bom tempo”, comentou Paulo Roberto. O Cine Palácio começou a enfraquecer com a concorrência de novos espaços, como o Cine Colon, que abriu as portas em 1956. O novo cinema trouxe conforto, mas o foco já não era mais o teatro e sim o mundo cinematográfico. “O Cine Colon se tornou o preferido, creio que nenhum outro deixou mais saudades. É uma pena que agora esteja semidestruído, sem uso, em plena área central da cidade”, relatou Paulo Roberto. Depois de alguns anos resistindo, o Cine Palácio fechou as portas com a expansão de mais atrações, como shoppings e a televisão. Atualmente, o prédio do antigo teatro no Centro de Joinville abriga a Igreja Universal do Reino de Deus.


Quais são os teatros que funcionam em Joinville nos dias atuais?

São mais de seis espaços para as apresentações e shows, entre elas estão o Harmonia Lyra, que ainda recebe eventos, Liga da Sociedade, Juarez Machado, Galpão Ajote (Associação Joinvilense de Teatro), Belas Artes e algumas universidades da cidade que também recebem apresentações. O Juarez Machado foi criado com o objetivo de ser um laboratório cênico da Escola do Bolshoi. Mas, após a conclusão da construção, em 2001, começou a ser utilizado como palco para diversas atrações musicais, apresentações de dança e shows. O nome Juarez Machado é em homenagem ao artista plástico mundialmente conhecido e que nasceu em Joinville. O auditório foi construído junto ao Centro Eventos Cau Hansen, que é um cartão postal da cidade.“Atualmente, o Juarez Machado é mantido pela secretaria de cultura e tu-

rismo de Joinville, já recebeu produtores de todos os lugares do Brasil e também de fora. Contando com apresentações da Globo e também de escolas e instituições da cidade”, relatou Joana Hespanhol Bezerra, assistente administrativa do espaço. Entre os anos de 2000 a 2001, a Ajote foi fundada como um Fórum Permanente de Teatro, com o intuito de ser um local de reflexão e representação das artes cênicas na sociedade. A Associação se tornou um fórum para associados e artistas joinvilenses, e atualmente conta com 13 grupos associados à AJOTE. “A Ajote não é somente um galpão de teatro, mas é um acolhimento a grupos de teatro e artistas solos que buscam lutar pela arte. Além de proporcionar um espaço de apresentações e ensaios para os grupos e artistas associados, também propor-

entretenimento

ciona eventos culturais para o público Joinvilense”, contou o diretor da Ajote, Fábio Borba. Já são 163 anos de história, desde o começo das primeiras apresentações até os dias atuais. Joinville tem um grande caminho nas artes cênicas, contribuindo em mudanças, participando de novas fases e influenciando pessoas. “Uma cidade sem arte é uma cidade vazia, as pessoas se conhecem melhor através do teatro, observam melhor, se conectam com personagens e com elas mesmas. Além disso, atuar pode ser um lugar de reflexão sobre a realidade em que vivemos, e fortalecer o poder da crítica”, comentou o diretor cultural e ator Cristovão Petry, que tem 29 anos de experiência nas artes cênicas. Não se tem dúvidas do quanto o teatro já contribuiu na construção de Joinville e na vida das pessoas. Porém, ainda precisa estar em constante evolução para melhorar sua influência na sociedade. “Estamos atrasados perto de outras cidades, e o nosso espaço

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vem sendo conquistado aos poucos. Não posso dizer que a culpa da falta de desenvolvimento das artes cênicas na cidade seja algo somente governamental, acho que a falta de interesse e procura da própria população implica muito no crescimento da área na cidade”, relatou o ator e diretor da Ajote, Fábio Borba Atualmente com a pandemia da Covid-19, diversas peças foram canceladas e as atuações foram deixadas de lado, o momento requer cuidados importantes para a saúde tanto dos atores e atrizes quanto para os amantes de peças. “Quando passar essa pandemia será necessário uma grande campanha para que o público retorne ao teatro, e não se esqueça da importância da arte”, acrescentou Cristóvão. Para o diretor da Ajote, Fábio Borba, também é preciso investir em divulgação pelas redes sociais para que as pessoas vejam mais sobre o teatro, além de espaços e equipamentos de qualidade com preços acessíveis.


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Perfil

Memórias de Vila Maria As histórias do casarão que quase foram apagadas por um incêndio

Texto: Mateus Lino Fotos: Arquivo histórico de Joinville Bombeiros para todos os lados. Pessoas desesperadas. Gritos que predominaram na noite do dia 1° de junho de 2018, na rua Procópio Gomes de Oliveira, 934, em Joinville. O trânsito parou. Os olhos, que antes estavam voltados para a zona que fica ao lado, tomaram um novo rumo. Uma multidão reuniu-se em frente ao prédio para ver o que estava acontecendo. Os estudantes, que tinham aula próximo dali, chegaram atrasados naquela noite. A rotina intensa das pessoas foi inter-

rompida por alguns instantes. Em meio ao falatório, começam os ruídos. Vidros quebrados. Portas derrubadas. Fumaça para todos os lados. No chão se viam entulhos, lixos e até restos de cigarro. Eram as próprias memórias do casarão Vila Maria que estavam em chamas naquela noite. Aos poucos, o fogo se alastrou pelos corredores da casa de dois andares. De acordo com os bombeiros, as chamas atingiram 22 metros de altura do segundo pavimento do casarão. Mas logo veio a notícia: ape-

nas o segundo andar sofreu com os danos do fogo. As perguntas sobre a causa do incêndio são muitas. Não foram os espíritos que ali estavam? (Afinal, a casa sempre foi considerada um mistério para muitos). E se foi um incêndio criminoso? Essas dúvidas nunca foram respondidas. De acordo com o que a polícia declarou na época, o fogo pode ter sido causado por uma briga entre pessoas em situação de rua, que usavam o local como moradia. Em seus mais de 100 anos

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de história, Vila Maria foi casa para muitos. O prédio foi construído em 1913, ano de um importante acontecimento histórico: centenas de mulheres norte-americanas foram às ruas de Washington exigir o direito do voto. Na época, elas não foram levadas a sério, mas ali começou uma revolução. Já em Joinville, em um contexto histórico machista e opressor do século XX, Procópio Gomes decidiu homenagear sua companheira Maria Balbina e deu o nome ao casarão de Vila Maria.


Entre um corredor e outro da casa, as fotos de uma família feliz estavam fixadas nas paredes. Nos quartos, o aroma era de perfume a todo instante. Maria Balbina não gostava de ver poeira no chão. Ao olhar pela janela, o cenário mostrava uma cidade com um futuro promissor. Ao forçar um pouco a visão, era possível ver a água cristalina do Rio Cachoeira. No assoalho de entrada, feito de madeira da mais alta qualidade, ficaram as marcas de sapato dos políticos da época. “Track, track, track” era o som que saía da grande escadaria. No segundo andar, as grandes salas eram palcos para as conversas que aconteciam em família. Em questão de segundos, a mente do político era invadida pelo choro de um de seus 12 filhos. Os pensamentos do ex-prefeito foram silenciados no ano de 1934, quando faleceu. Cinco anos depois, em 1939, foi a vez de Maria Balbina descansar. Após a morte, a Vila Maria ficou de herança para os filhos. Por ser uma estrutura construída no início do século XX, com o passar dos anos, a casa começou a apresentar problemas cotidianos. As telhas começaram a cair com as fortes chuvas. O assoalho deteriorou-se. Os cupins apareceram. E mesmo com os problemas,

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a casa tinha um cuidado especial da família Gomes. Em 2004, os descendentes do ex -prefeito deixaram o imóvel e alugaram para uma empresa de eventos. Nesse momento, tudo mudou. Todo fim de semana a casa era cercada de crianças. Berros para um lado, chutes nas paredes, vômitos nos cantos. Vila Maria tinha se transformado em uma casa de festas infantis. Não há uma só criança em Joinville que não quisesse participar de um aniversário naquele lugar mágico. Em 2010 a casa foi desocupada pela empresa de eventos. Ratos, baratas, lixos, todo tipo de praga começou a aparecer. O lugar já não tinha mais o brilho original, nem o perfume que Maria tanto prezava. Aos poucos, a força da natureza destruía o casarão. Além dos animais que se alojaram no imóvel, as pessoas em situação de rua também invadiram o local para passar as noites. Em 2013, o casarão foi vendido para um comerciante do Paraná, proprietário do sistema funerário Prever. Mesmo com um novo dono, a casa ficou fechada até 2018, quando um incêndio resgatou as memórias de um casarão com mais de 100 anos.

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A restauração Fazer a restauração de uma casa antiga pode causar dor de cabeça aos proprietários e, muitas vezes, o processo é deixado de lado por falta de recursos. De acordo com a Fundação Catarinense de Cultura (FCC), o custo de uma obra de restauro depende do estado de conservação geral do imóvel. A falta de manutenção e conservação faz com que o local fique mais danificado ao longo do tempo. Em 2001, o casarão Vila Maria foi tombado pela FCC, que reconheceu o valor histórico

que a casa tinha para Joinville. No ano de 2016 o órgão aprovou um projeto de restauração da Vila Maria, que é coordenado pela arquiteta Lívia Falleiros, da Vega Engenharia e Arquitetura. “Um dos principais objetivos da obra é recuperar grande parte do forro e do assoalho que foram danificados com o passar do tempo. O projeto ainda contempla uma fachada com vidro e banheiros para os visitantes”, afirma Lívia. De acordo com informações da arquiteta, o projeto ainda

não começou a ser colocado em prática, pois faltam recursos financeiros. Hoje, o imóvel está para alugar. Assim como a Vila Maria, existem outros 44 patrimônios tombados pelo Estado em Joinville. Segundo a arquiteta especialista em patrimônios tombados, Simone Schroeder, a falta de ações mais efetivas na área de educação patrimonial é um dos principais motivos para o abandono de imóveis históricos. “Existem interesses financeiros que apostam no abandono do bem para

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que com o tempo o imóvel esteja degradado a ponto de inviabilizar economicamente uma restauração, especulação imobiliária, problemas judiciais, disputas familiares entre herdeiros, acúmulo de dívidas com taxas municipais”, disse. Ela relata que há um “tabu” em achar que o imóvel está “congelado” e que não é possível fazer mudanças. Hoje, o casarão aguarda o processo de restauração. Mas, enquanto o projeto não sai do papel, Vila Maria está eternizada nas memórias de Joinville.


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PROCURA-SE JUAREZ Texto: Társila Elbert e Júlia de Almeida Foto: Fotos de arquivo Instituto Juarez Machado e fotógrafo Daniel Machado

É uma festa de aniversário, mas o aniversariante ainda não foi visto. Bolo e champagne estão servidos sobre a mesa retangular, apinhada de pessoas que se espremem à sua volta. Homens fortes, de feição parecida, seguram as tradicionais taças longas ainda cheias da bebida, enquanto são abordados pelas mulheres voluptuosas que irão esvaziá-las. Na ponta esquerda do cenário, uma mulher de cabelos lisos ouve sussurros galanteadores de um homem com a face escondida.

Na ponta direita, uma mulher de cabelos crespos descuida da alça do seu vestido, que escorrega pelo braço e deixa à mostra o que já deve ter sido perdição e paraíso de quem chegou àquele lugar. A luxúria é palpável em todos os cantos da cena, da sala e, principalmente, da mesa, onde embaixo de bolo, champagne, toalha branca e madeira, um casal esconde-se dos olhos curiosos e engalfinha-se nu, com seus desejos e gemidos abafados pelo burburinho dos convidados.

Perfil Juarez nasceu artista. O primeiro desenho registrado dele foi feito aos três anos de idade, quando o mundo vivia o auge da Segunda Guerra Mundial. O objeto? Um tanque de guerra rabiscado no canto de um jornal diário, provavelmente descartado mais cedo pelo pai. Ah, o pai. Juarez teve o pai que todo artista gostaria de ter. João Machado era um colecionador de coisas e de causos. Como caixeiro viajante, sustentava as necessidades da casa; como escultor e fotógrafo, alimentava suas outras paixões. Pai dedicado, encontrou, na mesma distância que o afastava da esposa e dos filhos, uma forma de estar presente: trazia na mala extra - monta-

da só para a família - as bugigangas e experiências mais interessantes da viagem. Juarez e o irmão mais novo, Edson, adoravam o presente, e toda a saudade era perdoada quando se reuniam, após o jantar, para cear as histórias do pai. Com a família completa, as noites eram sempre as mesmas. Após a refeição, a mesa que servia o jantar preparado pela mãe se transformava em uma estação de trabalho para o pai, onde suas melhores fotos e esculturas eram espalhadas. Leonora, a matriarca, contribuía para a exposição com o resultado do trabalho fora de casa, feito para complementar a renda da família. Confeccionava leques de seda impecavel-

Os movimentos que parecem tão vivos, não são, e as vozes que parecem tão altas, não existem. No mundo real essa cena é estática, criada e decorada ricamente à mão, para ser exposta em uma parede sortuda. A imagem, que poderia mesmo ser de uma festa de aniversário, é mais um dos quadros emblemáticos de Juarez Machado, o aniversariante faltante, que, assim como na pintura, desapareceu dos olhares do público desde o início da pandemia da Covid-19.

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mente detalhados, que pintava para a Companhia Hansen, atual Tigre. Tanta atenção e estímulo só poderiam ter um resultado: os dois filhos passaram a dividir, além do quarto, a inspiração pela arte. Apesar do mesmo amor, os irmãos seguiram carreiras diferentes. Juarez queria criar, Edson preferiu a curadoria escolhas distintas na juventude, mas que se uniriam na vida adulta. “Juarez sempre foi muito generoso. Há uma afinidade e um respeito muito grande, desde muito tempo atrás. Nossos interesses pela arte foram se afunilando e isso criou uma parceria divertida e competente em nosso trabalho, que vai além da família”, conta Edson.


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Sem qualquer dúvida sobre seus objetivos, Juarez iniciou aos 19 anos os estudos na Escola de Música e Belas Artes do Paraná, mudando-se para Curitiba. A decisão sobre o curso já estava tomada desde sua primeira experiência de trabalho. Ainda na adolescência, teve contato com a produção de materiais artísticos ao criar rótulos de remédio, embalagens e cartazes no Laboratório Catarinense. A primeira mostra individual de Juarez aconteceu ainda no último ano de faculdade, na Galeria de Arte Cocaco, em Curitiba, com um tema conhecido da terra natal do artista: as bicicletas. Na ocasião, a obra “Operários do Itaum”, criada em 1960, levou o primeiro dos inúmeros prêmios que o joinvilense receberia ao longo de sua carreira. Após o diploma, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde viveu por 20 anos. Lá, contribuiu ativamente para o movimento cultural da cidade e tornou-se amigo de personalidades importantes para a dramaturgia brasileira, como Ary Fontoura, Paulo Goulart, Nicette Bruno, Ziraldo e Fernanda Montenegro. Nesse período, ex-

plorou seu talento em lugares diferentes da arte, criando charges para grandes jornais e ilustrando capas de discos, cadernos e livros. Chegou até a produzir peças para Oscar Niemeyer e a atuar na televisão, quando estrelou um quadro de sucesso no Fantástico como mímico – ou, em sua própria definição, “desenhista de gestos”. A atração foi exibida até 1978. No trabalho que produz, o artista é meticuloso, motivo que o levou a criar seu principal ateliê em Paris, no bairro de Montmartre. O lugar também foi casa e inspiração para ninguém mais, ninguém menos, do que Picasso, Renoir e Edith Piaf. Várias de suas obras mais importantes foram concebidas na Rue des Abbesses, após a França acolher Juarez com o mesmo amor do que o Brasil. A força da presença do artista é tanta que levou o cineasta Jean -Pierre Jeunet a replicar a mesma paleta de tons, característicos das obras do joinvilense, nas cenas do filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2001), um clássico do cinema francês contemporâneo . Além das cores é possível perceber no filme, gravado

também em Montmartre, quadros de Juarez decorando o quarto da protagonista. Sonhador como todo artista, Juarez sempre falou sobre a importância de levar arte a todos os lugares - algo que fez por onde passou, inclusive em sua cidade natal. Em 2014, foi inaugurado em Joinville o Instituto Juarez Machado, uma pinacoteca para exposição de suas telas, esculturas e memórias de vida. Enganam-se os que acham que o instituto foi obra de ego ou idolatria própria. Não. A construção veio de uma promessa feita a si mesmo, logo após o diploma de ensino médio no Colégio Bom Jesus: trazer mais cultura a uma cidade fabril. Para o projeto, aliou seu trabalho com o do irmão, Edson, diretor artístico do espaço. Apesar das roupas impecavelmente passadas e do sapato sempre lustrado, o local escolhido para abrigar o instituto é a prova mestra de sua simplicidade: a casa dos Machado. A mesma cozinha onde sua mãe preparava o jantar, o mesmo quarto que os irmãos dividiam, a mesma porta que recebia o pai de volta em

Momentos de Juarez Machado

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todas as viagens continuam lá. Agora, como lar exclusivo da arte do filho mais velho, administrado pelo filho mais novo. Neste ano, em meio à pandemia, Juarez completou sua octogésima volta ao sol. Não houve festa, não houve champagne, não houve bolo servido sob uma mesa retangular adornada com toalha branca e apinhada de pessoas à volta. O artista está recluso em uma fazenda no Rio de Janeiro, um local de difícil acesso e quase nenhum contato com o mundo externo. Ele só conversa com a família. Ninguém mais sabe o que Juarez está fazendo. Quem sabe esteja criando, quem sabe esteja se reinventando, quem sabe esteja só tomando sol todas as tardes, sentado em uma varanda extensa e com uma taça de vinho na mão, sua companheira de longa data... Quem sabe. O que sabemos é que seu legado e sua história inspiraram e inspiram pessoas de todo o mundo e, para a nossa sorte, podemos encontrá-lo muito perto, em cada um dos cantos do número 994 da rua Lages, no bairro América, em Joinville.


social

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Arte e feminismo

As mulheres sempre tiveram que lutar por seu espaço na sociedade e a arte foi a forma que algumas delas encontraram para se expressar e fortalecer umas às outras Texto: Jucilene Schneider Foto: Arquivo/Mariê Balbinot

Desde pequenas as mulheres são ensinadas a se comportarem de uma determinada maneira, sentar de forma adequada e falar de um jeito delicado com o tom de voz baixo. “Ser mulher não é um dado natural, mas o resultado de uma história. Não há um destino biológico ou psicológico que defina a mulher como tal”, escreveu Simone de Beauvoir. Assim, desde que nascem meninas são colocadas em roupinhas rosas e levadas até os seus quartos cor de rosa. A sociedade mostra o rosa como a representação da feminilidade e afeição, até da fragilidade. Mariê Balbinot, grafiteira há 10 anos, não concorda com esses padrões. Segundo ela, as cores carregam os significados que as pessoas lhes dão. Nas

obras que produz, o rosa ganha destaque como uma cor forte, mostrando mulheres guerreiras e empoderadas. Cada um dos grafites retratam jovens e adultas, envolvendo-as em uma identidade única e poderosa. “Eu gosto visualmente do rosa, a capa do meu celular é rosa, meu caderno é rosa, meu post it é rosa, tudo é rosa!” O feminismo está presente no trabalho da artista e é um exemplo de arte feminista dos dias atuais. Essa categoria artística é bastante específica e surgiu no final dos anos 1960. Nascida com o movimento contemporâneo de mesmo nome, entre 1968 e 1969, esse tipo de representação artística busca realizar uma mudança no mundo, levantando a bandeira de igualdade entre

os gêneros. Essa categoria se expandiu no mundo das artes englobando diferentes movimentos artísticos, indo além da pintura tradicional e chegando nas performances, conceitos e no cinema. Foi nesse período de lutas e manifestações que pôsteres começaram a ser produzidos. Eram modelos de arte simples, mas que traziam mensagens como “Irmãs! Questionem todos os aspectos de nossas vidas. Reconheçam e lutem contra a opressão cotidiana”. As artes estamparam as ruas e deram forma visual ao movimento. Mariê escolheu o rosa como forma de se representar e decidiu ressignificar pessoalmente a cor. O cabelo da artista é rosa, a lateral da cabeça é raspada e a franja é curtinha. Ela é uma re-

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presentação viva das obras que produz. “Eu sempre quis trazer essa força feminina na minha arte. Uma das coisas que eu mais gosto é poder inspirar outras mulheres”, conta. Todo o trabalho da artista é uma questão de reverter como a mulher é vista na sociedade, mostrar que elas podem ir para rua, pintar, se manifestar e se expressar como preferirem. Embora o grafite seja um meio masculino, é importante para Mariê mostrar que é possível estar e ocupar esses lugares. Inclusive, ela foi a primeira grafiteira mulher de Joinville, abrindo espaço para várias outras artistas na cidade. O feminismo está presente na vida da artista desde os nove anos idade, quando era extremamente fã das Spice Girls e


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social

Arquivo pessoal Mariê Balbinot

estampava o lema Girl Power em todos os cantos junto com o símbolo feminista. Como morava em São Francisco Sul, uma cidade aparentemente de interior, ela era vista como estranha, com pensamentos muitos diferentes das outras pessoas. “Enquanto eu crescia só fui amadurecendo essas ideias, essa sempre foi a minha essência.” Durante sua pré-adolescência, o movimento Punk Hardcore, um estilo de punk rock considerado ainda mais rápido e agressivo, foi uma grande influência em sua vida. As bandas, como a Bikini Kill, representavam tudo o que Mariê sentia. Uma necessidade de levantar a voz para ser ouvida em uma sociedade patriarcal. “Ali eu vi que eu não estava errada, eu não estava sozinha. Isso foi fomentando essa força dentro de mim, esse empoderamento”,

relembrou. “Eu acho que nos últimos cinco anos houve esse super boom do feminismo, todo mundo é feminista agora, mesmo sem saber de fato o que significa isso. Mas muito antes disso, quando isso não era legal, eu já era essa pessoa”, desabafou a grafiteira Mariê Balbinot. Não é difícil encontrar camisetas estampadas com a frase “Girl Power” em seu guarda-roupa. O feminismo se tornou algo comercial, principalmente no meio artístico. Em um primeiro momento a banalização de um movimento que envolvia toda a vida de Mariê e o seu trabalho a incomodou. Mas para ela é bom que as pessoas estejam familiarizadas com o termo. Talvez assim mais pessoas possam conhecer a luta feminista a fundo e as diferenças que ele fez e faz na vida de tantas mulheres.

“Você nem é tão negra assim” Ser mulher nunca foi fácil em nenhum lugar. Ser negra é ainda mais difícil. Vitória Carolina cria quadros e peças únicas de cerâmica. A partir de uma arte intuitiva, com seus próprios processos pessoais e espirituais, ela faz uma releitura própria do movimento afrofuturista dos anos 1970. É uma estética artística e cultural que cria um futuro fictício a partir das perspectivas negras. “Eu acredito que ele carregue essa essência de ser um resgate da nossa ancestralidade como uma forma de nos manter vivos, manter uma esperança”, compartilhou. “Já me perguntaram várias vezes por que só pinto mulheres negras mesmo não sendo ‘tão negra’. A resposta é simples: porque o que me encanta é o feminino. Independente se eu sou negra de pele clara ou retinta, mas o meu padrão de belo é preto”, explica.

Arte: Vitória Carolina

As pinturas e esculturas da artista são feitas a partir de tudo o que ela acha bonito e lhe encanta. Aquilo que tem vontade de conhecer e que lhe conecta com as pessoas. “Na verdade eu não tenho a pretensão de fazer uma arte que seja feminista ou do movimento negro, mas por ser uma mulher negra fazendo uma arte totalmente intuitiva, desenhando só mulheres, isso acaba levando força pra muita gente”, disse Vitória O seu trabalho faz com que se conheça melhor, entenda as suas raízes e se identifique dentro da sociedade. Tudo isso ao mesmo tempo em que mostra para várias outras pessoas, principalmente mulheres, que elas têm um espaço e uma voz significativa. Dessa maneira, Vitória cresce junto com os seus seguidores e vai se descobrindo cada vez mais.

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social

“Eu também posso” Existem várias profissões consideradas exclusivamente masculinas, principalmente se precisam envolver força física ou resistência. Uma delas é o trabalho de tatuador. A maioria desses profissionais é formada por homens. E o nosso imaginário logo nos leva a um estereótipo, um homem forte com o corpo coberto de tatuagens, exalando masculinidade e até brutalidade. Até os estúdios de tatuagem carregam essa estética, paredes escuras cobertas por decorações tribais. Não é o caso da tatuadora joinvilense Fernanda Pizzolatti, uma mulher de 23 anos com um grande sorriso. Já faz dois anos que ela tem um pequeno estúdio no centro da cidade, um ambiente aconchegante e colorido, feito para deixar os seus clientes confortáveis. “Foi uma loucura até eu chegar na tatuagem, eu nunca pensei antes de fato em ser tatuadora”, contou. Apesar de sempre ter gostado de desenhar e ter feito sua primeira tatuagem com 15 anos, Fernanda nunca viu isso como opção de carreira. O sonho dela no Ensino Médio era trabalhar com música, mas conforme a formatura foi chegando resolveu tentar coisas diferentes, inclusive um intercâmbio no Canadá, que foi decisivo para a carreira.

Ao retornar para o Brasil, Fernanda começou a descobrir o feminismo. Em algumas conversas com amigos percebeu como o assédio estava presente na vida dela. Principalmente como estrangeira no Canadá, reconheceu como o machismo impactava sua vida. No intercâmbio, conheceu uma professora que também era tatuadora. “Aí eu pensei: eu também posso! Eu nunca tinha cogitado isso. Mas imagina uma mulher super novinha trabalhando com tatuagem”, explicou. Foi assim que, com 20 anos, Fernanda se entregou a esse mundo. Hoje, o estúdio da tatuadora é um local seguro para mulheres. No estúdio ela é a única tatuadora, mas conta com a ajuda da namorada para cuidar da recepção e das fotografias do seu instagram. Mas o espaço é aberto, ela atende todos os tipos de clientes e nota que muitos homens frequentam o local se importando apenas com a qualidade do trabalho. O estúdio é pequeno, mas Fernanda já tem planos para ampliar o seu negócio. Em breve ela pretende contratar mais uma tatuadora, mais uma mulher, para compor o quadro de funcionários. E pretende continuar assim, fazendo do seu espaço um refúgio seguro para a sua arte e todas as mulheres que se identificam com ela.

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Arte: Fernanda Pizzolatti

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Diversidade cultural ganha destaque em Joinville

Drag queen joinvilense lança clipe e se destaca no cenário musical Texto: Gabriele Morais Fotos: Reprodução Em uma casa antiga uma senhora vive de maneira retirada. Ela decide abrir as portas para novos convidados e os recepciona com um banquete. Bananas, pepinos e berinjelas estão dispostos à mesa. É assim que se inicia o clipe da cantora, DJ e drag queen Gallaxia.

Com cenas provocantes e uma melodia animada, a música te faz querer dançar e aprender a coreografia. “Pira” é o primeiro videoclipe da artista, desenvolvido com o produtor musical Ojizzy. A produção visual ficou ao encargo de Alesson Matheus e contou com a parti-

cipação do modelo internacional Lucas Bittencourt. O vídeo é envolvente, prende a atenção e surpreende no final. Além disso, foi inteiramente gravado em Joinville, e o local utilizado para as filmagens foi a Casa 97. Gallaxia é incorporada por Felipe Arthur Nass, de 27

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anos. A drag surgiu após ele assistir o reality show americano RuPaul’s Drags Race, uma competição entre drags. Por causa dessa influência, Felipe decidiu se montar para uma festa voltada para as drag queens em uma casa noturna de Joinville, em 2015.


social Depois disso descobriu esse meio e decidiu se aventurar nele. É necessário coragem para enfrentar os preconceitos, que in-

felizmente estão mais perto do que se possa imaginar. Felipe já passou por situações de discriminação dentro da própria fa-

mília. Além disso, sofreu assédio de taxistas que achavam que ele era garota de programa e recebeu comentários maldosos de homens ao sair montado na rua. “A arte drag é como uma forma de resistência”. É assim que Felipe enxerga essa nova vertente cultural que ganha cada vez mais espaço no Brasil e mundialmente. Como a cantora drag queen Pabllo Vittar, que caiu no gosto do público, e hoje já conta com parcerias internacionais. “Eu acho que Pabllo Vittar foi muito incrível, que ela conseguiu ganhar o Brasil e o mundo, fazer inclusive os héteros escutarem também”, relata Felipe. A cantora Pabllo Vittar ganhou popularidade com hits como “Vai passar mal”, “Todo dia”, “K.O” e “Corpo sensual”. Vittar é um ícone no meio e já foi citada pelo jornal britânico The Guardian como um símbolo de resistência LGBT no

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Brasil, por representar essas minorias que vem conquistando espaço no país, sendo um dos locais que mais matam essas minorias. Segundo o relatório Observatório de Mortes Violentas de LGBTQI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Queer e o símbolo “+” representa toda e qualquer outra manifestação de gênero que não está limitada), cerca de 237 pessoas morreram de forma violenta vítimas da homotransfobia, em 2020. A arte drag gera uma discussão e vem para quebrar preconceitos, romper com tradicionalismos e se mostrar ao mundo, se expressando como realmente é. Ao vestir uma peruca e um salto, eles acabam sendo vistos, gerando diversos comentários e sendo bons ou ruins trazem essas discussões à tona. “A gente acaba mostrando outras formas de ser, que sai totalmente do tradicional”, comenta Felipe.

Arte como forma de libertação Jesus Lumma, 27 anos, começou na música cedo. Desde pequeno, cantava na igreja. Começou a compor aos 16 anos quando ganhou seu primeiro violão e fez aula de canto no coral Villa Lobos de São Luís, no Maranhão. Iniciou sua carreira artística de forma profissional em 2016. Antes disso o artista trabalhava como designer e ao compor novas letras apresentava aos colegas de trabalho, quando o seu chefe escutou uma de suas composições o incentivou a procurar uma gravadora. Sua primeira canção gravada em estúdio foi feita a convite de Xuxa Levy, que já produziu grandes artistas como Emicida, Maria Gadú e Vanessa da Mata. “A música e o clipe tratam sobre entender que, por mais que seja doloroso, alguns fins são necessários”, comenta Jesus Lumma. “Não há porque continuarmos vivendo situações que nos machucam, nos ferem e nos fazem chorar”, comentou.

A canção retrata que se afastar daquilo que machuca é importante para poder seguir em frente, mesmo que seja difícil o distanciamento, se amar em primeiro lugar é preciso. A le-

tra da música mostra o processo vivido pelo artista, um trans não-binário e que está passando por um processo de transição de identidade de gênero. Um anjo de costas e com as

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asas encolhidas dentro de uma sala, mais ao fundo vemos outro com asas pretas que envolve o primeiro em seu abraço. Logo aparece um casal homossexual que inicialmente


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se encontra em uma relação tranquila, estável e feliz. Os dois rapazes são representados pelos anjos no início do vídeo, e ao longo da história vemos o anjo soltar suas asas. A libertação acaba gerando um certo incômodo no outro que não entende e nem aceita bem o processo de transição do parceiro, a separação é a melhor forma de lidar com a situação.

Este trecho descreve as cenas e o desenrolar do clipe de Jesus Lumma, a música autoral do cantor ganhou um clipe dirigido por Alesson Mateus e foi lançado há poucos meses. “Bote de molho teu juízo perfeito, ponha pra fora o que trago no peito. Deixe se mostrar”, canta Lumma em sua primeira música autoral “Bicho Solto”. A frase sai como

um desabafo e uma necessidade de se mostrar para o mundo. A canção fala sobre liberdade, foi inspirada em sua luta pessoal e interna, na época em que decidiu se afastar do ambiente religioso por causa de sua sexualidade. “Eu nasci e cresci nesse meio e achava que precisava estar lá sempre para que eu pudesse me sentir alguém de valor”, conta ele.

A escolha de se afastar veio a partir da vontade de não reprimir sua sexualidade, seus sentimentos e quem ele é, veio da necessidade de encontrar sua própria libertação. Foi através dessa letra que decidiu se mostrar para o mundo, como uma forma de lembrar a importância do amor próprio e que cada um é livre para ser exatamente como é.

Joinville tem espaço para cultura LGBTQIA+ ?

Joinville tem essa característica marcante de ser industrial e voltada para o trabalho. Com uma forte tradição alemã, a cidade das flores, dos príncipes e da dança hoje abriga e lança artistas da comunidade LGBTQIA +. No entanto, não abre tanto espaço para a cultura e tampouco para a diversidade. Gallaxia comenta que essa característica acaba não trazendo muito lazer e integração social para a cidade, o que dificulta a disseminação de outras artes e formas de lazer. Ou seja, essa falta de espaço para a divulgação do trabalho da comunidade faz com que eles tenham pouca visibilidade, e o seu público se torna a própria comunidade. “Parece que o que a gente faz, só quem consome são os LGBT”, relata. Apesar do cenário cultural não ser tão animador, Gallaxia tem feito sucesso e pretende fazer muito mais. Com o intuito de ter visibilidade e fazer shows em diversos estados do país, ele vem escrevendo novas músicas e promete lançar novidades em breve. Já Jesus Lumma diz que percebeu uma notável diferença quando assumiu sua sexualidade e gênero para o público principalmente no que diz respeito ao acesso a espaços de visibilidade, portas que antes estavam abertas ficaram mais difíceis de acessar ou se fecharam. Mas isso não o preocupa.

“Só a gente que vive todo dia sabe a dor e a alegria de ser quem se é”, conta Lumma, que tenta respeitar seu processo de autoconhecimento independente das opiniões alheias. “A gente ama. Sente e quer ser feliz. E quer aceitem ou não, a gente tá aqui e vai continuar estando”, finaliza Lumma. Apesar do tradicionalismo e do conservadorismo, Joinville possui espaços para os públicos mais diversificados. Exemplo disso são as casas noturnas que estão abertas à comunidade LGBTQ+, um espaço onde eles podem ser livres para ser o que são e aproveitar as festas de forma segura. Esse é o caso

da Pixel, local onde teve início a carreira da drag Gallaxia. Anteriormente ela só se montava para participar das festas realizadas na casa noturna. A Pixel chegou em Joinville como um bar indie, com foco no público alternativo e jovem. A aceitação foi devagar, mas encantadora, como diz o advogado Walter Petla, um dos sócios da casa noturna. Decidiram começar a cativar um público LGBTQ+ mais velho, juntamente com o pessoal de comunicação, publicidade e design. Hoje eles têm uma audiência fiel e cativa, com o posicionamento da marca bem definida. Em função da pandemia, as

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casas de shows fecharam por medidas de segurança sanitária. Com a Pixel não foi diferente. Fechada desde o início da pandemia, teve que recorrer a empréstimos para se manter. No entanto estão no limite e sem saber o que virá pela frente. Não bastasse isso, a Pixel está sem sem endereço físico. O proprietário do espaço, que é alugado, teve que fazer manutenções no telhado e realizou o projeto sem ART (Anotação de Responsabilidade Técnica), pelo menos esse documento não foi apresentado aos locatários. “O proprietário demorou para fazer a manutenção e entregou de qualquer jeito”, comenta Walter. Esse fato os fez desistir de renovar o contrato de locação. Apesar das dificuldades, eles têm planos de voltar à ativa e diversificar os serviços para além de bar/balada. Lugares como a Pixel são importantes para pessoas como Gallaxia, Lumma e tantos outros se sintam representados. Um lugar voltado para a diversidade, para as minorias, aberto para todos se divertirem. Gallaxia acredita que com o tempo o preconceito vá diminuir e as coisas irão melhorar, apesar da cidade ser um pouco mais conservadora. “Esses assuntos vão se dissolvendo e vai se entendendo que as coisas são normais e naturais dessa forma”.


cultura

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Leia Mulheres Joinville: uma das poucas formas de discutir literatura Prestes a completar cinco anos, o clube do livro joinvilense tem como objetivo disseminar a literatura escrita por mulheres e leva pluralidade cultural para a cidade Texto: Dielin Silva Fotos: Divulgação “Pois o silêncio não tem fisionomia, mas as palavras muitas faces.” A frase é de Machado de Assis, escritor carioca apontado 521 vezes na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2019 como o autor mais conhecido e 297 vezes como o

preferido dos brasileiros. Realizada entre outubro de 2019 e janeiro de 2020 pelo Instituto Pró-Livro (IPL), Itaú Cultural e Ibope Inteligência, a pesquisa considera leitor toda pessoa que leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos três

meses que antecederam a entrevista. A pesquisa, que entrevistou 8.076 pessoas de 208 municípios brasileiros, teve como público-alvo a população brasileira residente com cinco anos ou mais, alfabetizada ou não.

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Dos 193 milhões de habitantes, apenas 52 milhões são considerados leitores. Apesar de o estudo ter sido realizado em todas as unidades federativas, o número exato de entrevistados por estado não foi divulgado. Na região Sul se encontram 14% dos participantes da pesquisa - que apontou que os três estados têm 16,1 milhões de leitores - o que equivale a 1.181 respondentes. Joinville, além de ser a maior cidade de Santa Catarina, também é onde acontece uma das maiores feiras do livro no estado, evento que já trouxe para a cidade nomes como Thalita Rebouças, Lázaro Ramos, Walcyr Carrasco, Miriam Leitão, Conceição Evaristo e Juarez Machado (que dá nome a um dos mais conhecidos espaços culturais de Joinville). Porém, leitores joinvilenses apontam que o fomento cultural da área em outros períodos do ano é insuficiente. Este foi um dos motivos que levaram a jornalista Marcela Güther a criar o Leia Mulheres Joinville, grupo que discute mensalmente obras escritas por mulheres e tem como objetivo dar visibilidade a escritoras que nem sempre receberam o reconhecimento que mereciam. “Eu vejo que na cidade tem muitas iniciativas pro grupo infantojuvenil, até a Feira do Livro reflete isso na sua formatação e proposta de programação, mas o público adulto leitor é pouco contemplado e acho que o clube do livro veio para sanar isso”, conta Marcela.


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cultura

O início do clube de leitura na cidade O clube joinvilense começou em 2017, quando Marcela descobriu o movimento Leia Mulheres nas redes sociais. Inicialmente, pensou que fosse apenas uma hashtag, mas logo soube que era uma iniciativa para dar visibilidade a escritoras mulheres. Ela, então, buscou por um grupo de leitura na cidade, mas na época existiam somente dois em Santa Catarina: em Blumenau e em Florianópolis. “Então eu decidi criar”, afirma a jornalista, tamanho era o seu desejo de compartilhar experiências literárias. Para criar um grupo do

movimento em sua cidade é preciso entrar em contato diretamente com a organização nacional do Leia Mulheres. “Não se pode criar do nada e dizer que é Leia Mulheres, porque é uma marca registrada”, explica Marcela. Após entrar em contato com a organização, a jornalista passou por um processo de entrevista para tornar-se mediadora. Além de mediar os encontros, ela é responsável pela escolha das leituras que serão feitas ao longo do ano. Já são mais de 40 livros lidos pelo grupo de Joinville.

Como estão as reuniões do grupo em meio a pandemia? Devido à pandemia da Covid-19, os encontros do Leia Mulheres passaram a ser realizados através de videochamadas. “Por ser online, a gente tem a oportunidade de receber participantes de fora da cidade”, menciona a jornalista e mediadora Marcela Güther. O formato também possibilita a realização de encontros conjuntos com outros grupos, como aconteceu com o Clube do Livro de Jaraguá do Sul e o Leia Mulheres Divinópolis (Minas Gerais). Esse último bateu o recorde de tempo de discussão sobre o livro do mês: foram quatro horas de troca de experiências. Já em outro encontro, a tradutora do livro participou da conversa, fato que dificilmente aconteceria não fosse o formato online. A mediadora comenta que alguns clubes do Leia Mulheres optaram por não manter os encontros desta forma, porém avalia que para ela e outros participantes de Joinville têm sido importante dar continuidade aos encontros: “É um momento de escape de tudo isso, em que você está conversando, rindo e construindo com pessoas

que você gosta. É um momento tanto para conversar sobre literatura quanto para ver amigos, então está sendo bom a gente continuar online, porque reforçou esses laços, não cortou”. Uma das pessoas que começaram a participar do grupo durante a pandemia foi a psicóloga Angela Maria Hoepfner, de 67 anos. Seu primeiro encontro foi em maio de 2020 e desde então tornou-se participante assídua. “Ter com quem dialogar e fazer trocas sobre um livro é algo maravilhoso. Porque cada leitor lê de um jeito e com sua própria riqueza. Nem sempre os interesses são os mesmos e é bom que não seja, pois torna muito mais interessante”, argumenta. O gosto em comum por livros e os interesses diversificados também são pontos destacados pela professora Carla Diacui, de 41 anos. “É estimulante, embora pense que nem todos que participam têm os mesmos interesses literários. Acredito que o maior ganho está justamente nessa diversidade. O ponto em comum é que os participantes estão interessados em obter e comparti-

lhar novas vivências, instrução e cultura”, ressalta. Integrante do Leia Mulheres desde o segundo encontro, ela soube da existência do clube na cidade através de um boletim na rádio, para o encontro sobre o livro “A arte de pedir”, da escritora Amanda Palmer, em agosto de 2017. Já para Marília Garcia Boldorinia, 32 anos, a melhor parte do clube é conhecer pessoas com gostos parecidos com os seus. “Quando encontramos pessoas com quem compartilhar as leituras, discutir sobre os temas e aprender a cada encontro, a vontade de ler fica cada vez mais latente. Agora, na pandemia, estamos todos emocionalmente cansados, mas o grupo incentiva você a não abandonar a leitura, afinal você tem um compromisso: participar do debate do livro”, aponta a preparadora textual, que participa dos encontros há cerca de três anos. Apesar de Angela, Carla e Marília participarem com frequência dos encontros do Leia Mulheres Joinville, a assiduidade não é pré-requisito para quem deseja participar, basta

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ter lido a obra que será discutida no encontro. Para Marcela, o número de pessoas nunca foi uma preocupação. “Claro que a gente sempre quer que tenha bastante gente, mas ao longo dos encontros eu fui percebendo que quantidade não é qualidade de discussão”, analisa a mediadora. Participar ativamente das discussões também não é obrigatório. Marcela destaca que, quando pessoas novas participam dos encontros, mas não se sentem confortáveis em falar durante a discussão, ela, como mediadora, busca respeitar o desejo dos participantes. Nas conversas online, os leitores têm a opção de participar pelo chat, sem necessariamente ligar o microfone. Segundo Marcela, a média de participantes por encontro atualmente está entre 15 e 19 pessoas. A jornalista exemplifica os perfis entre os integrantes do grupo: “Tem gente que só vem nos encontros dos livros que a pessoa realmente quer ler e tem gente que lê todos os livros, que abraça a proposta de ter experiências diferentes do seu lugar-comum.”


cultura

Como funcionam os encontros? O que antes era uma roda de conversas e discussões tornou-se uma tarde de sábado em frente à tela do computador ou celular, ainda assim, cheia de trocas de experiências sobre o livro do mês. “O objetivo é aproximar, então dependendo do livro

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a gente tem uma conversa que gira em torno das questões estéticas da obra ou das questões de vivência de cada uma. Como há muitas personagens mulheres nos livros, as narrativas conversam com a história de cada pessoa”, exemplifica Marcela Güther.

Incentiva e traz conhecimento Participar do grupo fez com que Angela, Marília, Carla e tantas outras integrantes tivessem um incentivo a mais para ler. Angela, por exemplo, anota todos os comentários e indicações de livros feitos nos encontros, depois, vai em busca das obras para ler nas brechas de tempo. Além do Leia Mulheres Joinville, ela participa de outros cinco clubes de leitura e criou o “Vontade de (re)ler os clássicos” que teve início em maio. Na vida de Carla, o reflexo desse incentivo se estende também para a família. “Além dos livros indicados no Leia Mulheres Joinville, consegui inserir na

Como participar? Para participar dos encontros, basta fazer a inscrição em um link disponível no perfil do Instagram do Leia Mulheres (@leiamulheresjoinville). Um dia antes do encontro o participante receberá o link para a chamada de vídeo da reunião

minha rotina a leitura de outras obras. Inclusive, busco incentivar o hábito da leitura nos meus filhos. Meu marido e eu nos revezamos para ler com eles a fim de colocá-los para dormir”. Ela acrescenta, ainda, que acaba aprendendo muito com a literatura infantil e juvenil apreciada nestes momentos com os filhos. Os encontros do grupo joinvilense também são cheios de aprendizado. A discussão mais marcante para Marília foi sobre o livro “Holocausto Brasileiro”, da jornalista Daniela Arbex. A obra conta a história dos maustratos ocorridos no Hospital

Colônia, em Barbacena, Minas Gerais, algo até então desconhecido por Marília. “A leitura e depois o debate sobre o texto me fizeram conhecer uma realidade tão distante e ao mesmo tempo tão próxima, acerca de um assunto de suma importância, mas tão omitido. Essas experiências nos fazem sair da nossa zona de conforto”, conclui a preparadora textual. Já para Marcela, um encontro muito marcante foi quando leram “Mulheres, Raça e Classe”, da Angela Davis. “Até então, era meio raro aparecerem homens e quando vinham casais, o homem atuava mais como acom-

panhante do que participante. Era um casal de pessoas mais velhas, eles leram em conjunto o livro e em voz alta, pro outro também ‘ler’”, relembra a mediadora. Ela explica que ao final, a autora faz uma reflexão sobre o peso do trabalho doméstico, como isso sempre foi imposto para as mulheres negras e como até hoje há um grande número de mulheres realizando as tarefas de casa. “Pelas palavras da Angela Davis, o marido se deu conta de muitas coisas sobre a relação familiar e divisão de tarefas em casa. Foi um depoimento significativo e muito bonito”, ressalta a jornalista.

Descentralização (nos livros e encontros) O Leia Mulheres tem em sua proposta tirar a atenção centrada nos autores homens e dar visibilidade às escritoras mulheres, mas a mediadora do clube joinvilense busca ir além neste processo de descentralização da leitura. Para isso, quando prepara o cronograma de leituras do ano seguinte, busca autoras de países de fora do eixo Estados

Unidos x Europa, dando visibilidade a escritoras da Ásia, África e América do Sul, além de incluir mais mulheres negras e indígenas, por exemplo. A diversidade também está nos gêneros literários, tanto livros de contos, ficções, biografia, livros teóricos, tudo pensando na pluralidade das obras a serem lidas. Mas a descentralização não

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parou nos livros. Por algum tempo o grupo foi itinerante, cada encontro era realizado em um lugar diferente de Joinville. Serviram como local um museu, associação de moradores (na Amorabi) e em outros espaços culturais da cidade que muitos integrantes do grupo não conheciam e graças ao Leia Mulheres passaram a frequentar.


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gastronomia

As diferentes experiências dos cafés de Joinville

Quando os moradores da cidade querem um lugar para conversar ou trabalhar fora de casa, procuram estabelecimentos que trazem experiências diferentes Texto: Jéssica Horr Fotos: Jéssica Horr Para os amantes de café, caminhar pelas ruas de Joinville é uma experiência enriquecedora. Não é difícil encontrar um destino novo para visitar, principalmente na área central da cidade. Desde as padarias mais antigas até as franquias modernas e inovadoras, não faltam lugares para se sentar e pedir um capuccino, um espresso ou outra bebida de preferência. Além da variedade, as cafeterias de Joinville têm outra característica marcante: cada estabelecimento é único. Seja

pela decoração com um tema específico, pelo cardápio diferenciado ou pelo espaço aconchegante, perfeito para trabalhar ou passar o tempo com os amigos, elas chamam a atenção dos consumidores. Esse apelo visual não apenas contribui para que a visita ao local seja mais agradável. Mas, também, faz parte de outro aspecto que vem recentemente sendo explorado pelas cafeterias: a estratégia de redes sociais. Ao observar a clientela é comum encontrar celulares, apontados para as xícaras de

O “Café dos Post-its” Quem começa pelo Centro pode visitar a AP Café Retrô. O ambiente faz jus ao nome e segue a temática vintage, principalmente na decoração. Lá encontramse amigos como Andreza, Bruno, Letícia e Ana Clara, que, procurando qualidade na bebida, acabaram escolhendo um local famoso por outro motivo: seu apelido. O ambiente, chamado de “café dos post-its”, tem as paredes lotadas por papeizinhos coloridos escritos pelos próprios clientes. Os assuntos são variados: alguns levam nome, outros cidade e outros ainda, alguma citação bíblica. Há elogios para o dono do estabelecimento e até frases

motivacionais para os próximos clientes. Dá para perder bons minutos tentando ler todos os post-its. Para eles, o estilo e a estética únicos do AP diferenciam o estabelecimento do resto. Nos dois andares as paredes são cobertas de espelhos antigos, anúncios dos anos 40, modelos ultrapassados de câmeras, um telefone antiquado… O primeiro andar da cafeteria exibe a vitrine de doces e salgados e os cardápios com as bebidas. O grupo de amigos nota que outro ponto positivo da cafeteria é a versatilidade do cardápio. “Apesar dos pratos serem mais caros, eles têm mais qualidade”, é

como Bruno avalia a experiência gastronômica do lugar. Cada brasileiro consome, por dia, uma média de três a quatro xícaras de café, segundo dados levantados pela empresa Jacobs Douwe Egberts, dona de duas grandes produtoras do grão no Brasil. A bebida é a segunda mais consumida no país. No AP é difícil dizer com exatidão quantas xícaras de café são consumidas diariamente. O que Kristhian Lenoch, dono do estabelecimento, pode confirmar é que, por mês, mais de vinte quilos do grão são utilizados nas receitas do cardápio.

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café e pedaços de bolo, registrando o momento. Fotografias que vão decorar as redes sociais tanto dos consumidores quanto da própria cafeteria. Em um único dia de “passeio”, cruzando lados opostos da cidade, é possível entrar em duas ou até três cafeterias com experiências completamente diferentes. Aos fins de semana, por exemplo, o consumidor pode cruzar com um fotógrafo realizando um ensaio de casal na mesa ao lado. Ou então ouvir sem querer os detalhes de uma reunião de negócios.


O café perfeito para trabalhar A pandemia popularizou em muitas empresas a dinâmica de trabalhar remotamente. Porém, mesmo com a quarentena, nem sempre o trabalho é feito em casa. Atualmente, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cerca de 9% dos empregados exercem a profissão longe dos escritórios. Porém, há quem goste de escolher uma cafeteria para cumprir as tarefas do dia. Assim os estabelecimentos com

decoração minimalista ganham pontos, já que um ambiente mais limpo evita distrações. É o caso da Bakken. Quem frequenta o local encontra, quase sempre, alguém concentrado em frente a um notebook, sinal de trabalho remoto. Apesar de não ser a proposta principal do estabelecimento, parte da clientela aproveita o espaço para aumentar a produtividade. Diferente da AP, a Bakken tem uma decora-

gastronomia

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ção com menos elementos. Nas paredes estão dispostos livros e pequenos quadros. No bar, que fica visível para os clientes, há uma adega. A iluminação é feita com lâmpadas suspensas e baixas, que trazem um clima aconchegante para o local. O cardápio não é tão diferenciado, mas a Bakken mantém o padrão das cafeterias joinvilenses na questão de preço. Para ter uma refeição satisfatória é necessário desembolsar uma quantia significativa.

O café inspirado na Amélie Poulain Quem já assistiu ao filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, dirigido por Jean-Pierre Jeunet em 2001, conhece a estética predominante da obra: cores fortes e quentes, a presença do vermelho e o clima europeu. Embora seja um fato não tão conhecido quanto a história de Amélie, o filme foi inspirado nas obras de Juarez Machado, pintor joinvilense com reconhecimento internacional. Os tons utilizados pelo artis-

ta em diversos quadros se assemelham com a paleta da obra cinematográfica. Além das pinturas de Juarez, Joinville tem outra ligação com o filme francês. A cafeteria Nina Marie foi construída e decorada como uma homenagem à Amélie Poulain, desde quadros da protagonista até os mesmos tons de vermelho vistos nas cenas principais. Quem visita o estabelecimento sente-se transportado para a França em algum momento da história.

Outros detalhes da cafeteria chamam a atenção do cliente que escolhe passar uma tarde por lá. A iluminação é feita com lustres antiquados, mas elegantes. Não se ouve outra música a não ser jazz, o que ajuda a reforçar o clima mais tranquilo. O ambiente é favorável para quem quer um lugar tranquilo para conversar e fazer stories mais sofisticados no Instagram. E, de quebra, conhecer um pouco mais sobre Amélie Poulain.

Ambiente “instagramável” atrai mais clientes Em 2021, ter uma cafeteria de sucesso não se resume mais a apenas escolher uma boa localização e servir um bom cardápio. Esses fatores são importantes, é claro. Mas, na era da internet, existe algo tão essencial quanto: a presença digital de uma marca. Dados da empresa de gestão de mídias sociais Hootsuite mostram que mais de um bilhão de pessoas usam o Instagram todo mês. Desses usuários, 50% costumam visitar um website para fazer compras após verem um produto ou serviço na plataforma. Para uma cafeteria, estar presente nas redes sociais é

indispensável. É o que confirma o analista de marketing Plínio Medeiros. “As redes sociais permitem que você crie a sua própria audiência”, afirma. “Se determinado público te segue, ele vai sempre estar acompanhando suas publicações”, completa. Isso faz com que uma cafeteria consiga se relacionar com a clientela e com possíveis novos clientes de uma forma muito mais próxima. Uma das formas pelas quais uma cafeteria pode conseguir um público maior nas redes sociais - principalmente as mais visuais, como o Instagram - é através de um ambiente agra-

dável. A AP Café Retrô tem 25 mil seguidores na plataforma. A Bakken, mais de 17 mil. E o que se observa de comum nos perfis é parte do conteúdo publicado: são fotos da decoração do local, ou reposts de clientes que tiraram fotos lá. “A cafeteria que se atenta a isso ganha destaque no mercado”, destaca Plínio. Kristhian, do AP, concorda que um lugar visualmente agradável atrai mais clientes, mas esse não é o único fator que influencia. “Creio que é necessário ter um bom relacionamento com o cliente, bons produtos e um bom atendimento”, afirma. “Isso, junto

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com o ambiente, vai se transformar em boas vendas.” Ao navegar pelos stories do Instagram ou até mesmo em publicações na linha do tempo de redes sociais dos joinvilenses não é difícil encontrar fotos tiradas nas cafeterias. Seja um pedido maior, com um café elaborado e um pedaço de bolo de chocolate que vai deixar os seguidores com água na boca, ou apenas um capuccino comprado às pressas no horário de almoço. Combinando isso com uma boa experiência no estabelecimento, fica mais fácil encontrar uma opção divertida e saborosa para o final de semana.


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arquitetura

Do tombo à revitalização de patrimônios históricos em Joinville Criterioso processo e regras mantém a história da cidade viva em imóveis tombados

Texto: Elisa Scherer Fotos: Elisa Scherer

Ao caminhar pela rua Duque de Caxias é possível notar um contraste estético que compõe a história daquele trecho. Ao lado esquerdo observam-se casas padronizadas, que pertencem ao batalhão e abrigam oficiais do exército. No lado direito da estrada, nota-se uma mescla entre novas construções, que abrigam comércios, como uma clínica de saúde e um banco. Mais alguns passos à frente a atenção é fisgada por um prédio de 12 andares, o mais alto da rua. Entretanto, não é a altura que chama a atenção: o diferencial está no estilo da casa, dos anos 20, que foi incorporado ao residencial. A casa foi tombada no dia 20 de novembro de 2009 e comprada pela construtora Fontana em (2018).

Hoje, ela abriga a área comum, sala de jogos e salão de festas, do Edifício Tiratore. A revitalização seguiu os critérios exigidos para patrimônios tombados, como uso de tintas à base d’água e recuperação de materiais existentes. “A casa traz um ar histórico da cidade, mostrando como o patrimônio pode ser conservado de forma adequada”, afirma Érico Bez Fontana, vice-presidente da construtora. A estrutura mantinha-se inteira, porém, Érico conta que a casa estava bem comprometida, desde assoalho danificado, janelas, além de apresentar problemas graves no telhado. O patrimônio de estilo teuto-brasileiro foi construído por Frederico Koehntopp em 1924 e pertenceu a descendentes da família por muitos anos.

Leis de tombamento Qualquer pessoa física ou jurídica pode solicitar o tombamento de um imóvel, e não precisa ser o proprietário do local, pois o interesse é da sociedade, para preservação da história e identidade cultural. Em Joinville, são 171 imóveis tombados, mas apenas 61 foram iniciados pelo município. O órgão da Coordenação de patrimônio cultural, dentro da Secretaria de Cultura e Turismo (Secult), é responsável por fazer o inventário dos imóveis culturais da cidade, assim como o tombo e as análises de aprovação das

intervenções em bens que já estão tombados ou com o inventário em andamento. No Brasil, as diretrizes de tombamento funcionam em três esferas: nacional, estadual e municipal. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) atende as solicitações nacionais. Já a denúncia do bem de importância pública pode ser feita na superintendência estadual correspondente à localidade do bem. A instrução acerca do tombo no âmbito nacional tem sua base no Decreto-Lei nº 25 de 30 de novembro

de 1937, que estabelece a legislação dos quatro livros de tombos para classificar os registros: o livro do tombo das Belas Artes; do tombo Histórico; das Artes Aplicadas e o do tombo arqueológico, etnográfico e paisagístico. Em que pode entrar o tombamento de peças de artes como pinturas e esculturas, por exemplo. Boa parte dessas propriedades que se tornam públicas são de responsabilidade privada, ou seja, estão em posse de pessoas físicas que herdaram ou compraram em determinado momento. A compra e

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a venda funcionam como em qualquer outro móvel ou imóvel, mas as reformas não são permitidas, apenas a revitalização. Qualquer mudança ou alteração deve ser comunicada e acompanhada pelos órgãos competentes. Roberta Meyer Miranda da Veiga, gerente de Patrimônio e Museus, na Secult, explica quais são os recursos que podem ser utilizados para ajudar no custo que um imóvel tombado exige. “Existem alguns mecanismos em leis culturais que eles podem recorrer, como a lei Rouanet, o edital Elisabete Anderle “Exis-


arquitetura te o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor - Sindec, que agora vai retornar com as modalidades de patrimônio”, informou. “Existem alguns mecanismos em leis culturais que eles podem recorrer, como a lei Rouanet, o edital Elisabete

Anderle e o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor - Sindec, que agora vai retornar com as modalidades de patrimônio”, informou. “Existe a possibilidade de apresentar os projetos de restauro para o mecenato, incentivo destinado à

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produção cultural, ou tentar o prêmio do edital de cultura”. Os projetos de incentivo envolvem abono de imposto para patrocinadores ou doadores, no caso da lei Rouanet, da verba estadual para os projetos aprovados, do Edital Elisabete e a opção da moda-

lidade do Sindec (Secretaria Nacional do Consumidor Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor). Ao nível municipal existem outros mecanismos que os proprietários podem tentar, como isenção de IPTU e transferência do direito de construir.

ele irá planejar a obra dentro das exigências e com os cuidados necessários. Um projeto completo e detalhado é a parte vital para que não haja falhas na execução. Roberta Cristina defende que cada vez mais os patrimônios antigos

são valorizados por este caráter único, ela também afirma que este é um nicho que vem crescendo bastante, mas principalmente, guardam consigo a história de seu povo, seus antepassados e das pessoas que construíram o local.

Processo de Revitalização O patrimônio histórico não pode ser reformado, apenas revitalizado ou requalificado, pois o objetivo deste processo é manter ao máximo a originalidade dos imóveis. A arquiteta Roberta Cristina Silva, especialista em Conservação e Restauração do Patrimônio Histórico e Cultural e membra do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Cultural, Arqueológico, Artístico e Natural (Comphaan), explica quais são os procedimentos em um projeto. “Nesta área, costumamos dizer que cada caso é um caso, uma vez que todas as ações são individualizadas e estudadas a partir de todo o levantamento histórico, tipológico, estrutural, métrico, diagnósticos, prospecções e, principalmente, entendimento aprofundado do bem.” De acordo com a arquiteta, a partir dessas análises o profissional estrutura um projeto que reflete em um cuidado com manutenção do imóvel e com a utilidade atualizada do bem. Os donos de propriedades tombadas não precisam se preocupar em relação ao uso dessas casas, ou casarões. Os critérios para a manutenção e revitalização estão descritos nas Cartas Patrimoniais e em nenhum momento essas regras comprometem a utilização pessoal do senhorio. “Ao contrário do que se imagina, é possível fazer adaptações e atualizações do imóvel a partir de novas inserções de

elementos contemporâneos e atuais, desde que se respeitem os critérios de reversibilidade e não descaracterize sua ambiência”, afirma a arquiteta. O acompanhamento do profissional de restauro é fundamental neste processo, pois

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arquitetura te o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor - Sindec, que agora vai retornar com as modalidades de patrimônio”, informou. “Existem alguns mecanismos em leis culturais que eles podem recorrer, como a lei Rouanet, o edital Elisabete

Anderle e o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor - Sindec, que agora vai retornar com as modalidades de patrimônio”, informou. “Existe a possibilidade de apresentar os projetos de restauro para o mecenato, incentivo destinado à

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produção cultural, ou tentar o prêmio do edital de cultura”. Os projetos de incentivo envolvem abono de imposto para patrocinadores ou doadores, no caso da lei Rouanet, da verba estadual para os projetos aprovados, do Edital Elisabete e a opção da moda-

lidade do Sindec (Secretaria Nacional do Consumidor Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor). Ao nível municipal existem outros mecanismos que os proprietários podem tentar, como isenção de IPTU e transferência do direito de construir.

ele irá planejar a obra dentro das exigências e com os cuidados necessários. Um projeto completo e detalhado é a parte vital para que não haja falhas na execução. Roberta Cristina defende que cada vez mais os patrimônios antigos

são valorizados por este caráter único, ela também afirma que este é um nicho que vem crescendo bastante, mas principalmente, guardam consigo a história de seu povo, seus antepassados e das pessoas que construíram o local.

Processo de Revitalização O patrimônio histórico não pode ser reformado, apenas revitalizado ou requalificado, pois o objetivo deste processo é manter ao máximo a originalidade dos imóveis. A arquiteta Roberta Cristina Silva, especialista em Conservação e Restauração do Patrimônio Histórico e Cultural e membra do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Cultural, Arqueológico, Artístico e Natural (Comphaan), explica quais são os procedimentos em um projeto. “Nesta área, costumamos dizer que cada caso é um caso, uma vez que todas as ações são individualizadas e estudadas a partir de todo o levantamento histórico, tipológico, estrutural, métrico, diagnósticos, prospecções e, principalmente, entendimento aprofundado do bem.” De acordo com a arquiteta, a partir dessas análises o profissional estrutura um projeto que reflete em um cuidado com manutenção do imóvel e com a utilidade atualizada do bem. Os donos de propriedades tombadas não precisam se preocupar em relação ao uso dessas casas, ou casarões. Os critérios para a manutenção e revitalização estão descritos nas Cartas Patrimoniais e em nenhum momento essas regras comprometem a utilização pessoal do senhorio. “Ao contrário do que se imagina, é possível fazer adaptações e atualizações do imóvel a partir de novas inserções de

elementos contemporâneos e atuais, desde que se respeitem os critérios de reversibilidade e não descaracterize sua ambiência”, afirma a arquiteta. O acompanhamento do profissional de restauro é fundamental neste processo, pois

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investimento

Cadê a cultura que estava aqui? Para quem é de fora, Joinville vende uma imagem que transborda cultura. No entanto, as formas de expressão artística vão sumindo aos poucos Texto: Amanda Primo Foto: Emanuelle Torres/ Secult Antes mesmo das primeiras indústrias têxteis e metalúrgicas surgirem, as tradições de origem alemã e dos demais colonizadores da cidade como tiro, ginástica, canto e teatro já tomavam conta de Joinville. Essas atividades cresceram e são lembradas e praticadas até os dias de hoje. Muitas das associações e sociedades mais famosas da cidade foram criadas praticamente com a fundação de Joinville, há 170 anos. Os espaços continuam em funcionamento graças à colaboração dos participantes, como a sociedade Harmonia-Lyra.

Contudo, a história é diferente com os espaços públicos culturais. Além do interesse dos joinvilenses, estes espaços dependem principalmente do investimento da Prefeitura, tanto em cuidado quanto em manutenção e obras. Com o passar dos anos, Joinville foi perdendo a força cultural que já teve. Quem mora na cidade percebe e sabe apontar quais áreas sofrem mais com a escassez de investimento, porém, é fácil continuar promovendo Joinville como a cidade da dança, da música, do teatro e da arte,

principalmente para quem a vê de fora. Em 2020, Adriano Silva (Novo) foi eleito prefeito de Joinville, após dois mandatos consecutivos (2013-2020) de Udo Döhler (MDB), que deixou um legado marcante para a cultura local. Em oito anos de governo, o ex-prefeito apresentou, em seus projetos de lei (PL), sugestões de melhoria para a área cultural de Joinville. Algumas delas eram integrar galerias de arte, cinemas e museus na Cidadela Cultural Antarctica, restaurações e reformas nos espaços

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culturais perante o cuidado da Prefeitura e fortalecimento do Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura (Simdec). Os espaços culturais que estão sob administração da Prefeitura de Joinville são a Cidadela Cultural, Casa da Cultura, Museu de Arte de Joinville, Museu Arqueológico do Sambaqui, Museu Casa Fritz Alt e Museu Nacional de Migração e Colonização, Cemitério do Imigrante, Estação da Memória, Galeria Municipal de Arte Vitor Corset (anexo a casa da cultura), Estação Cidadania.


Espaços não contemplados O Simdec é uma lei que vigora desde 2005 por meio da Secretaria de Cultura e Turismo (Secult). Este sistema garante a inscrição de projetos culturais para repasse de verba pela Prefeitura. Peças e oficinas de teatro abertas ao público são exemplos de projetos que podem ser inscritos. Norberto Xavier Deschamps é diretor e coordenador da Casa de Teatro Iririú desde 2017. Para ele, o Simdec é essencial. A Casa de Teatro Iririú não está no grupo de espaços que recebem verba direta da Prefeitura para revitalização ou planejamento de atividades. Mas, segundo Norberto, por meio do Simdec é possível realizar estas atividades e muito mais. O grupo da Casa é formado por oito atores e atrizes que produzem as peças, os cenários, os figurinos e as maquiagens. Todos ocupam mais de uma função. Por estar aberta a diversas áreas culturais, o espaço já foi usado para realizar oficinas de música, canto, arte, teatro,

gastronomia, capoeira e espetáculos gratuitos. Em eventos pagos, são cobrados preços acessíveis para a comunidade. Além das oficinas, a Casa de Teatro Iririú realizou, por dois anos seguidos, a manutenção do local por meio do Simdec. De acordo com o artigo 8 da lei do Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura, no máximo 3% da receita anual do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) são distribuídos para esse setor: metade para o Fundo Municipal de Incentivo à Cultura (FMIC), e a outra metade é autorizada como renúncia fiscal ao Mecenato Municipal de Incentivo à Cultura (MMIC). Essa parte vira um tipo de “patrocínio” das empresas. Segundo o diretor da Casa de Teatro Iririú, há duas maneiras de receber auxílio para os projetos culturais. Ou por meio direto da Prefeitura ou pelo patrocínio de empresas. Geralmente a verba é repassada da segunda forma.

Valorização cultural Quando se fala sobre cultura em Joinville menciona-se teatro, música, museus e, é claro, a dança. Afinal, a cidade é conhecida por ter um dos maiores festivais do país. Apesar do reconhecimento, essa prática não é tão valorizada em outras épocas do ano. Em seu plano de governo, o prefeito Adriano Silva prometeu “criar novos modelos de apoio à cultura que permitam sustentabilidade e independência a longo prazo, bem como estimular essa nova Indústria Criativa como forma de gerar emprego e renda”. Segundo o secretário da Secult, Guilherme Augusto Heinemann Gassenferth, a intenção da Prefeitura é fortalecer e aprimorar o ambiente de desenvolvimento de negócios na área criativa, por meio da segurança jurídica que os empreen-

dedores podem ter na cidade, deixar o ambiente mais favorável para que os negócios se instalem e sejam desenvolvidos para gerar emprego e renda. “O Simdec está sendo desburocratizado e repensado para que se tenha um acesso mais fácil e mais pessoas possam fazer uso desse mecanismo”, explica. Até o momento não existe um orçamento específico para cada espaço cultural na cidade. “O orçamento é da secretaria como um todo”, explica Guilherme, “e dentro dele são contempladas as ações de manutenção, pessoal, projetos e programas realizados”. Cada espaço deve solicitar à secretaria o que precisa no momento, o pedido é avaliado e centralizado com os outros pedidos para uma avaliação do orçamento geral.

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Oito anos, um legado

“A mim não cabe fazer críticas ao prefeito anterior”, afirma o secretário de cultura quando questionado sobre a antiga gestão na área cultural do ex-prefeito Udo Dohler, que teve até agora, o maior tempo de mandato em Joinville. Não se pode ignorar que esses oito anos resultaram em um cenário que agora deverá ser administrado por Adriano Silva. O secretário da Cultura diz estar ouvindo mais a comunidade da área cultural para entender seus anseios e tomar as decisões prioritárias. Há projetos que foram recebidos em andamento e se tornaram prioridade também, como a restauração do Museu Nacional de Imigração e espaços que estavam com a manutenção comprometida e que não tinham previsão de recursos. Na visão de Norberto, que vive do teatro, Udo dificultou o acesso ao Simdec com as mudanças que fez na lei. Para ele, um dos motivos está diretamente ligado com a questão política, pelo fato da arte ainda sofrer preconceito por parte dos empresários. “Para nós, artistas, é muito importante o incentivo da lei fis-

cal”, explica o diretor da Casa. “Podemos levar a arte a lugares em que ela não chega”, completa A coordenadora da Casa de Teatro Iririú, Angélica Mello Cavalheiro, também pensa dessa forma. Ela explica que é um direito do artista receber pelo seu trabalho. “Não é uma esmola, é nosso trabalho, muitos não sabem que tem esse direito e não recebem esse repasse. Para onde vai esse dinheiro? Não sabemos”. Segundo Norberto e Angélica, todo fim de ano as empresas prestam contas com o município e uma parte do dinheiro vai para a área cultural e Udo atrasou muito esse repasse. Também foi perdida uma grande quantidade de dados do Simdec durante a gestão do ex-prefeito, projetos inscritos, valores a serem repassados, que ninguém sabe para onde foi, mas nunca foram usados. O último dado que se tem quanto ao valor recebido pelo município é de 2018. De acordo com o portal da transparência do Ministério da Cultura, foram liberados pouco mais de R$3,5 milhões para a área cultural de Joinville.

O que será feito de Novo? Com um novo prefeito, Joinville pode, e deve, passar por mudanças e melhorias. Os artistas que estão à mercê da gestão política esperam por isso. “Nós nunca estamos numa crescente”, comenta o coordenador da Casa de Teatro Iririú. “Sempre subimos e descemos como uma gangorra, de acordo com as prioridades do governo atual”, argumenta Norberto. Ele espera que as coisas não continuem do jeito que estão e usa como exemplo o espaço da Ajote, que

já foi referência no estado pelo espaço artístico e agora, parece esquecida junto da Cidadela Cultural. Mas, de acordo com o secretário de Cultura, já há planos para este espaço. Com a integração ao Parque das Águas, o governo de Adriano pretende “tornar a Cidadela um centro cultural vibrante em médio e longo prazo”. A ideia, segundo Guilherme, é fazer uma parceria com a iniciativa privada ouvida pela comunidade, tanto

da cultura como demais áreas da cidade, para que seja possível conseguir um espaço cultural vibrante, com gastronomia, turismo, cultura, arte, “e que as pessoas abracem aquele espaço fazendo uso dele”, completa. Angélica não espera nada menos que a atitude do atual prefeito, visto que Adriano Silva foi o único candidato do partido Novo a ser eleito no Brasil. “Não é só o teatro que sofre, é uma comunidade artística inteira”, acrescenta ela. Os artistas

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esperam ser tratados com seriedade, assim como seu trabalho. “Cultura é renda, é como qualquer outro trabalho, queremos ser parceiros e contribuir para o desenvolvimento da cidade, porque a cultura e a arte educam, ensinam e formam cidadãos, sim!”, defende Angélica. Norberto sente que o atual prefeito quer que a arte se torne uma indústria, mas também percebe que ele se mostra muito aberto a ouvir todas as áreas, inclusive a cultural.


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