Livro Histórias de Todas as Cores

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Quando chegar a primavera Carlos Renato Lima, 33 anos, Barueri/SP

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Eu sempre morei em Barueri, São Paulo. Eu morava com mais dois irmãos e uma irmã. Todos eles são mais velhos que eu. Meu irmão, com quem eu ficava bastante, gostava de Racionais MC, brincava de bandido e ladrão. Acho que uma parte minha me dizia que se eu ficasse com ele, ia ser homem. Mas eu gostava mesmo de ficar com as meninas e brincar de casinha. Quando comecei ir à escola, não foi muito complicado de início. Eu não tinha um grupo grande de amigos, não era muito popular, mas também não me lembro de ter grandes problemas. Na minha primeira escola, a gente formou um grupo, que estudava de manhã, e que seguiu junto até a 7ª. série. Eram amigos próximos, que moravam perto de casa, inclusive algumas meninas moravam na minha rua. Incrivelmente, foi um grupo que se manteve na mesma classe desde o 1º. ano do fundamental, então por mais que eu apresentasse alguns traços diferentes, não tinha muitos problemas. Os preconceitos que eu ouvia eram mais na questão religiosa, de pessoas perguntando se eu já

tinha lido a Bíblia. Minha mãe era evangélica, e eu sempre ouvi falar muito de Deus em casa, fui bastante à igreja, o que me legou uma religião. Hoje, sou evangélico e vejo que o que as pessoas tentavam me passar não era o que acho certo. Não acho que ninguém vira gay. Eu nasci assim. Desde quando eu me conheci por gente sabia que gostava de meninos. Sempre tive certeza de quem eu era. Mas aí chegou a 8ª. série e foi muito complicado. Foi bem quando houve aquela reformulação dos colégios municipais e estaduais. E sempre houve rivalidade entre colégios, e o que eu estudava era rival daquele pra onde fui transferido. Fiquei apavorado. Mas como minhas amigas também iam, achei que ia dar tudo certo. Na hora de escolher horário, acabou que todos caíram de tarde, e eu fui o único que ficou de manhã. Era uma escola nova e eu não conhecia ninguém. Apesar de eu achar normal ser gay, tinha um problema de autoestima grande, e não conseguia falar com ninguém da sala. Todos tinham um apelido, e eu recebi o meu, que era Bambi. Acabei sempre sendo super zoado na sala de aula, era o motivo da chacota e não tinha apoio de nenhum lado. Sentia um preconceito até dos professores, que queriam saber quem era o ‘Bambi’ da classe, e acabavam me expondo ainda mais. Me lembro que na época a escola dava frutas na hora do intervalo. Um dia a gente teve uma ou duas aulas vagas e depois desse período seria o intervalo, quando as inspetoras traziam as frutas. Já estava muita bagunça na sala, todos zoando todos,


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