Ideias & Opiniões

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IDEIAS&OPINIÕES Informativo do Escritório

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Ano IX

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n o 17

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Julho/2012


ÍNDICE EDITORIAL 03

EM FOCO 04

ARBITRAGEM: coisa das partes? Teresa Arruda Alvim Wambier

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UMA CRÍTICA INICIAL sobre os projetos de reforma do CDC Luiz Rodrigues Wambier

ARTIGOS 07

O JUDICIÁRIO e as ações propostas pelos investidores Daniela Peretti D’Ávila

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OS IMPACTOS ECONÔMICOS das decisões judiciais Arthur Mendes Lobo

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AFINAL, O QUE SÃO lucros cessantes? Thaís Amoroso Paschoal

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A INCONSTITUCIONALIDADE da exigência do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte Smith Robert Barreni

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DA IMPOSSIBILIDADE de proibição ou limitação da instalação das antenas de telefonia celular pelos Municípios David Pereira Cardoso

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BREVES CONSIDERAÇÕES sobre a racionalização do trabalho perante os juízos de 2º grau Patrícia Carla de Deus Lima

JURISPRUDÊNCIA 19

JURISPRUDÊNCIA defensiva Maria Lúcia Lins Conceição

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O STJ E O PRAZO PRESCRICIONAL quinquenal das ações coletivas que tutelam direitos individuais homogêneos Felipe Correa dos Santos Nader

NOTÍCIAS 23

LIVROS

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CURSO AVANÇADO DE PROCESSO CIVIL v.1, v.2 e v.3

DIREITO JURISPRUDENCIAL


EDITORIAL

Como é de conhecimento de expressiva parcela da sociedade brasileira, estão em curso, por iniciativa do Senado da República, discussões voltadas à modernização de alguns de nossos Códigos. É de se esperar que bons projetos sejam aprovados e que outros, recheados de questionáveis propostas, sejam rechaçados pela sociedade, por meio de seus foros de discussão e especialmente por seus representantes no Congresso Nacional. O Brasil merece de seus próprios cidadãos e, especialmente, de suas elites intelectuais tratamento compatível com o momento histórico em que se encontra. Nosso país é hoje uma sólida democracia, com bases econômicas igualmente consistentes e um projeto de inclusão social cujos resultados podem ser constatados sem necessidade de maiores esforços. Somos, atualmente, uma das mais importantes economias do planeta, com grandes indústrias, exemplares serviços bancários, impressionante agricultura, respeitáveis Universidades e, acima de tudo, uma capacidade de trabalho que encontra poucos paralelos. Chegam aos brasileiros, antes marginalizados, vários dos benefícios da civilização. Destaque-se a facilidade de contratação de crédito que possibilita o acesso a bens de consumo duráveis que, por sua vez, significam conforto e economia (como os bens da chamada linha branca, por exemplo); a crescente possibilidade de aquisição da casa própria, com a compreensão do que essa possibilidade representa na experiência da dignidade da pessoa humana, dentre tantos outros fenômenos socioeconômicos que, há pouco mais de duas décadas, a sociedade brasileira experimenta. Isso tudo é real e palpável. É de se esperar que nessa mesma “toada” siga o legislador. Que posturas ideológicas ultrapassadas ou que contrariem, ou coloquem intransponíveis anteparos a esse destino promissor da economia, sejam eliminadas de projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional. #

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EM FOCO

ARBITRAGEM: coisa das partes?* Teresa Arruda Alvim Wambier

Nunca pensei que fosse me interessar pelo tema Arbitragem. Ultimamente, todavia, temos sido consultados a respeito de problemas muito interessantes, que nos têm obrigado a estudar e a perceber o quanto o tópico é, em si mesmo, fascinante e envolve questões intrincadíssimas. Consegui enxergar um momento de intersecção entre a arbitragem e o processo civil, em que se tem a impressão de que se trata da “mesma coisa”. No entanto, e é aí que os problemas começam, há coisas que podem ocorrer na arbitragem e que não podem ter lugar no processo, como, por exemplo, a escolha do direito aplicável. Por outro lado, outras coisas acontecem no processo, que não podem acontecer na arbitragem, como, por exemplo, compelir alguém a participar da arbitragem, porque se está diante de um conflito que abrange não só os signatários do compromisso arbitral, mas um terceiro que seria litisconsorte necessário. Trata-se de instituto regido pelo direito civil (contratual), pelo direito processual civil (o processo, em si) e, é claro, pelo direito constitucional, que acaba fornecendo orientação para que se possam traçar as linhas divisórias entre estes três conjuntos:

Arbitragem

Arbitragem e Processo Civil

Processo Civil

Mas os problemas são muitos. Por exemplo: pode uma arbitragem ser instaurada por uma massa falida? Uns dizem que não, já que a arbitragem é “coisa das partes” e, em face da falência, o falido perde a disponibilidade de seu patrimônio. Outros dizem que sim, pois na arbitragem se decidem “direitos” e na falência há a realização possível destes direitos, não havendo, portanto, perigo de prejuízo a direitos de outros credores. Tem validade cláusula no compromisso arbitral que limita qualitativamente as provas a serem produzidas? Sim, porque para a arbitragem interessa pouco a verdade real dos fatos, e muito mais a solução do problema entre as partes. Ou não, porque como a decisão pode produzir efeitos, ainda que indiretos, na esfera de terceiros, a verdade deve ser descoberta e, ademais, esta opção está no contrafluxo das tendências ligadas à necessidade da justa solução do litígio. Esta restrição, aliás, impediria o árbitro de exercer sua livre convicção e de determinar de ofício a produção de provas. O tema é novo e o instituto começa, nos últimos anos, a ter aceitação no Brasil. Todo o cuidado é pouco, portanto, com o que se diz, com as ideias que se difundem e que se tornarão a “doutrina tradicional” de amanhã. Penso que o principal vetor de orientação àqueles que se estão aventurando a refletir e a escrever, divulgando concepções, teorias, princípios a respeito deste fenômeno tão “civilizado”, já que envolve confiança, é um esforço que não pode ser deixado de lado no sentido de se ter sempre, como pano de fundo dos raciocínios, a Constituição Federal e os princípios constitucionais, no contexto dos quais tudo em direito deve ser analisado e compreendido, ainda que a arbitragem seja, em certa medida, “coisa das partes”. #

* A expressão vem do direito alemão Sache der Parteien, e é usada por aqueles que dariam ênfase ao aspecto “privatistico” do processo civil em oposição àqueles que viam no processo uma “coisa” pública.

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EM FOCO

UMA CRÍTICA INICIAL sobre os projetos de reforma do CDC Luiz Rodrigues Wambier

O Senado da República, por iniciativa de seu Presidente, Senador José Sarney, deu início a uma série de discussões voltadas à modernização de boa parte da legislação codificada. Foram nomeadas diversas Comissões, compostas por respeitados juristas, como representantes das respectivas áreas, e, desse modo, vários projetos foram apresentados à sociedade e ao Congresso Nacional para o crivo do processo legislativo. O primeiro deles foi o Projeto para um Novo Código de Processo Civil, que foi aprovado no Senado, após exaustiva discussão, inclusive mediante um grande número de audiências públicas de que participaram estudantes, magistrados, membros do Ministério Público, advogados, professores e, muito especialmente, entidades representativas das diferentes classes de operadores do Direito. Tramita, agora, na Câmara dos Deputados. Outra área do Direito a merecer atualização, que se encontra em discussão, é o Direito Comercial. Mas o que queremos destacar, neste espaço, é que o Senado Federal também está propondo a atualização, por assim dizer, do Código de Defesa do Consumidor, mediante a apresentação de três projetos setoriais. Para atualização do CDC, juristas de primeiríssima linha foram convidados pelo Senado, formando Comissão de invejável nível intelectual. Apesar de certamente terem sido envidados esforços no sentido de se darem passos à frente, há necessidade de uma análise do que se construiu, desapegada de convicções ideológicas, e com os olhos postos na realidade macroeconômica e na felicidade da população. O primeiro dos três projetos é voltado ao comércio eletrônico. Na justificativa de sua apresentação ao Congresso Nacional, se diz ser imprescindível a normatização do comércio eletrônico, em razão de sua intensa utilização. Dentre outras regras propostas, destacam-se, aqui, a que regula a remessa de spams (mensagens eletrônicas não solicitadas) e a que disciplina o exercício do direito de arrependimento.

Há soluções que merecem maior reflexão. Uma delas, a título de exemplo, é a que diz respeito ao arrependimento. Prevê o projeto que, havendo o arrependimento por parte do consumidor, o fornecedor deverá imediatamente promover o estorno dos valores que lhe tenham sido cobrados. Há silêncio, todavia, quanto à necessidade de devolução do produto que por meio eletrônico tenha sido adquirido. Há omissão também, no projeto, quanto à hipótese de serviço que já tenha sido realizado. O segundo projeto, que merece observações, trata do superendividamento do consumidor pessoa física. A primeira crítica é a que diz respeito ao prazo prescricional. Contrariando a jurisprudência que se vem consolidando no STJ, o projeto prevê 10 anos de prazo prescricional. O projeto desconsidera, também, as regras sobre o tema inseridas no Código Civil. Nitidamente, neste projeto, procura-se criar norma que regule a economia individual e familiar, criando barreiras, por assim dizer, ao acesso ao crédito. Sob o pretexto de “garantir práticas de crédito responsável, de educação financeira, de prevenção e tratamento das situações de superendividamento”, o projeto penaliza o setor financeiro e os que de crédito necessitam para mudança de patamar econômico e social. Afirmo isso porque ao longo do projeto nada há que penalize, por exemplo, o Poder Público, sabidamente o grande credor de todos os que exercem qualquer atividade economicamente ativa no Brasil. Fala-se, por exemplo, em “função social do crédito ao consumidor” e no inafastável princípio da dignidade da pessoa humana. Mas só no plano das relações privadas e com o sistema financeiro. Faltou coragem à Comissão de Juristas (e é de se esperar que ao legislador não falte tal coragem) para controlar, também, as relações do particular pessoa física com o Estado arrecadador. De fato, a condição de contribuinte parece dar ao particular a correlata condição de credor de serviços públicos relevantes.

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EM FOCO

Não há, todavia, uma linha sequer no Projeto que vise a proteger o consumidor pessoa física nos seus embates de ordem tributária. Vale dizer que o Poder Público foi preservado no Projeto, como se de fornecedor de serviços não se tratasse. Embora haja intensa discussão pendente de convergência no plano da doutrina, lamento que a Comissão não tenha procurado integrar os dois planos - o público e o privado – da prestação de serviços ao consumidor pessoa física, inclusive para dar real concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. De acordo com o parágrafo 1º do art. 104-A, “entende-se por superendividamento o comprometimento de mais de trinta por cento da renda líquida mensal do consumidor com o pagamento do conjunto de suas dívidas não profissionais, exigíveis e vincendas, excluído o financiamento para a aquisição de casa para a moradia, e desde que inexistentes bens livres e suficientes para liquidação do total do passivo”. Dessa forma, o consumidor que pretenda assumir dívidas de longo prazo, não poderá fazê-lo (e isso virá em prejuízo de sua eventual intenção de mudança de patamar econômico e social) se não contar previamente com patrimônio disponível suficiente para honrar o total das dívidas que assuma parceladamente. Vale dizer que mesmo que seu planejamento financeiro pessoal comporte o pagamento de parcelas, em determinado número de meses, se o valor total, somadas todas as parcelas, exceder a trinta por cento de seu patrimônio líquido, estará a esse consumidor obstado o caminho do crédito. É de se perguntar: terá a Comissão ouvido, com ouvidos bem abertos, o clamor social por melhora de condições de vida, por acesso a novos bens? Por outro lado, arrisco provocar a reflexão dos

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UMA CRÍTICA INICIAL sobre os projetos de reforma do CDC

que me dão a honra da leitura deste pequeno comentário, indagando: e os tributos, que compõem pesada carga de comprometimento do orçamento pessoal e familiar, não são considerados? E os gastos necessários ao suprimento de necessidades básicas (mínimo existencial de que fala o projeto), que necessários não seriam, cumprisse o Estado adequadamente o seu papel? Refiro-me a gastos com creches e escolas privadas, com transporte escolar privado, com planos de saúde privados etc. A Comissão deixou este aspecto de lado, perdendo excepcional momento histórico para contribuir para a correção de tantos desvios. Por fim, nesta rápida e inicial análise, dedico-me ao terceiro projeto, que trata especificamente do processo coletivo. Além de “driblar” as regras previstas nos arts. 127 e 129 da Constituição Federal (dando legitimidade ao MP que a CF não dá, em matéria de direitos individuais homogêneos), o Projeto contém verdadeira violação a tudo o quanto se conquistou, no direito brasileiro, em mais de um século de difícil construção de nosso aparato normativo. Prevê o art 90-G, da proposta, que na ação de reparação de danos ligados a direitos difusos e coletivos, o juiz poderá condenar, independentemente de pedido do autor, “(III) na indenização pelos danos, patrimoniais ou morais”. Mas, tão grave quanto, a proposta ainda prevê idêntica possibilidade (isto é, de o juiz condenar à reparação de danos materiais e morais, sem que tenha havido pedido da parte), também em matéria de direitos individuais homogêneos (art. 95-A, § 3º). São essas as reflexões iniciais a respeito desses projetos que representam, segundo minha opinião, lamentável “marcha à ré” no caminho que todos desejamos que o Brasil percorra, em direção a um lugar de destaque no mundo civilizado. #


ARTIGOS O JUDICIÁRIO e as ações propostas pelos investidores Daniela Peretti D’Ávila

A crise que se abateu sobre o mercado financeiro mundial no final de 2008, além de grandes ruínas, deixou também importantes lições àqueles que, nos últimos anos, vinham apostando alto em ativos financeiros, inebriados com a promessa de ganho rápido e elevado. No auge da prosperidade vivenciada pelo mercado de capitais, uma ousadia singular tomou conta dos investidores, fazendo com que operações audaciosas se tornassem habituais, mesmo na rotina daqueles recém apresentados a essa espécie de investimento. A julgar pelas posições que foram tomadas nesse período, ter-se-ia a impressão de que uma reversão de expectativas seria um evento absolutamente extraordinário. Mas não foi. Confirmando a máxima de que, no curso da história, períodos de crise se alternam a períodos de prosperidade, o estouro da bolha imobiliária americana estremeceu o mercado financeiro mundial, pegando de calças curtas os fiéis do otimismo. Por certo, os prejuízos então suportados não foram fáceis de ser digeridos, mesmo pelos operadores mais conscientes - afinal, o ‘dom’ de bem administrar as perdas não é ínsito aos seres humanos. Não era, portanto, de todo impensável que alguns dos audaciosos (e, agora, frustrados) investidores terminassem recorrendo ao Judiciário, na tentativa de se esquivar dos compromissos que assumiram, ou, então, tentar responsabilizar os envolvidos nas operações que realizaram. Assim, durante os meses que se seguiram aos anúncios do desmoronamento do mercado hipotecário americano, um número considerável de ações desaguou nos Fóruns de todo o país, pretendendo responsabilizar pessoas e instituições responsáveis pela intermediação (ou viabilização) das operações de risco realizadas. Nelas, as mais diversas e criativas teses foram invocadas na defesa dos investidores surpreendidos com a reversão do mercado. Dentre as mais corriqueiras, a de que a alta do dólar e a queda do preço das ações poderiam ser qualificáveis como eventos sujeito à aplicação da teoria da imprevisão, ou mesmo como fatos que teriam trazido onerosidade excessiva às pactuações celebradas, autorizando sua resolução. Dentre as mais arrojadas, a de que a não confirmação do cenário previsto pelos analistas de valores mobiliários poderia levar à sua responsabilização. Passados pouco mais de três anos do período mais crítico da crise, que coincidiu com o auge do ajuizamento de demandas dessa espécie, felizmente, a conclusão que se extrai é de que o Judiciário encarou com firmeza e cautela as pretensões deduzidas por aqueles que não se conformaram com a frustração de suas expectativas. Dentre os precedentes que merecem especial destaque, vale citar a corajosa decisão monocrática do Exmo. Desembargador Paulo Henrique Moritz Martins da Silva do TJSC, no Agravo de Instrumento n. 2008.073315-8 (proferida no período mais turbulento da crise), e também o Acórdão prolatado pela 14ª Câmara Cível do TJPR, no Agravo de Instrumento n.º 547556-7. Ambos suspenderam medidas liminares que, com base na teoria da imprevisão, haviam liberado do cumprimento de suas obrigações empresas contratantes

de derivativos atrelados ao dólar. Na primeira delas, bem observou o Relator que “A ‘imprevisão’ alegada estava ‘prevista’ nos instrumentos contratuais.” De modo semelhante, o Relator do Acórdão citado, Exmo. Desembargador Marco Antônio Antoniassi, frisou que: “A imprevisão na variação do dólar é inerente ao contrato, não podendo ser alegada como forma de descumprimento do contrato.” De fato, operações de derivativos, assim como qualquer investimento em ativos flutuantes, têm como principal característica o risco. A flutuação do valor da obrigação contratada, tanto para mais quanto para menos, é um evento absolutamente previsível – e, portanto, calculado pelos contratantes. Assim, atenta contra as premissas elementares dessa espécie de operação/investimento, sustentar que a variação (ainda que relevante) do preço do ativo contratado pode ser qualificada como fato imprevisível, e/ou que teria acarretado onerosidade excessiva, de forma a permitir que sejam liberados os contratantes das pactuações celebradas. Segundo esses institutos, a modificação ou rescisão de contrato validamente celebrado EXIGE a EXCEPCIONALIDADE dos eventos verificados, que se manifesta: (a) na alteração radical das condições econômicas objetivas no momento da exceção, em confronto com o ambiente objetivo na celebração; (b) no agravamento excessivo para um dos contratantes e benefício exagerado para outro; e (c) na imprevisibilidade das modificações. Em regra, nada disso ocorre nas situações relatadas pelos investidores incautos, que procuraram o Judiciário no final de 2008. A valorização do câmbio, no caso dos swaps de moeda pactuados, assim como a queda do preço das ações, no caso das operações a termo ou opções contratadas às vésperas da crise, são eventos absolutamente PREVISÍVEIS (e, até mesmo, habituais) dentro do contexto em que se inserem. Tais eventos jamais surpreenderam os contratantes dessas operações – que sempre souberam da possibilidade de sua ocorrência. Por essa razão, esse risco se incorporou à álea normal do contrato. Diga-se mais: algumas dessas operações só foram pactuadas, nos moldes que o foram, em razão do risco relevante que envolviam. Enquanto representavam ao contratante uma chance de obter ganhos altos e rápidos, implicavam uma exposição também relevante - seguindo a máxima de que quanto maior o ganho, maior o risco. Gerenciar os riscos era (é, e sempre será) o desafio desses investidores – porém, como já mencionado, os bons resultados do período que antecedeu a crise de 2008 estimulou a ousadia de todos. O que não se pode admitir é que quando, finalmente, o período próspero chegou ao fim, uma moratória generalizada possa ser concedida pelo Poder Judiciário a esses investidores, com base na aplicação da teoria da imprevisão e/ou onerosidade excessiva. Com muita sensibilidade, observou o Exmo. Desembargador Marco Antônio Antoniassi, do TJPR, na já citada decisão do Agravo de Instrumento n. 0547556-7: “A intervenção do Poder Judiciário deve ser para pacificar as relações sociais e dar segurança às relações jurídicas,

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ARTIGOS

visando o cumprimento da vontade de acordo com a lei de regência. Tal intervenção não pode ser tamanha a descaracterizar o que fora firmado e impossibilitar o cumprimento de obrigações legítimas e legais e impedindo que outros contratos da mesma natureza sejam pactuados.” Por certo, se houver a possibilidade de investidores frustrados rechaçarem o cumprimento de obrigações desvantajosas, com base na teoria da imprevisão e/ou da onerosidade excessiva, fulminado estará o mercado de capitais. O pressuposto mais elementar desse mercado é o RISCO, e se o risco puder ser neutralizado, o instituto deixará de existir. Mas as teses deduzidas por investidores arrependidos, durante o período de crise, não pararam por aí. Digna de nota foi a iniciativa de um investidor da Bovespa que, frustrado com a desvalorização das ações objeto de um compromisso de compra a termo assumido às vésperas da derrubada dos mercados mundiais, tentou imputar à sua Corretora de Valores a culpa pelo negócio danoso. Segundo a tese desenvolvida na ação proposta, a operação somente teria sido contratada em função das tendências de mercado divulgadas por analistas de valores da Corretora. Como, com o advento da crise, essas previsões se revelaram equivocadas, seria possível, em seu sentir, responsabilizar a Corretora. Esse investidor pugnou, também, por sua liberação dos compromissos assumidos, sob o fundamento de que “não pode ser compelido a formalizar a compra por um preço que já não corresponde aos bens a serem transferidos”.1 Por certo que essa descabida pretensão não encontrou respaldo no Judiciário. Nos autos, fez-se ver que tais argumentos somente poderiam ter sido suscitados por investidores aventureiros, que desconhecem completamente o funcionamento das Corretoras de Valores, e das análises de mercado por elas divulgadas. Conforme estabelece a Resolução n.º 388/2003 da CVM, “a atividade de analista de valores mobiliários consiste na avaliação de investimento em valores mobiliários, em caráter profissional, com a finalidade de produzir recomendações, relatórios de acompanhamento e estudos para divulgação ao público, que auxiliem no processo de tomada de decisão de investimento.” 2 As informações divulgadas por esses profissionais, porém (e por certo!), não representam qualquer garantia de sucesso. De caráter meramente informativo, os relatórios de tendências elaborados pelos analistas servem como substrato para as estratégias traçadas individualmente pelo investidor. Justamente por isso é que a Resolução n.º 388/2003 da CVM expressamente estabelece que: “Art. 5o Em quaisquer análises ou recomendações divulgadas por escrito ao público, inclusive pela rede mundial de computadores, o analista deverá declarar: I – que suas recomendações refletem única e exclusivamente suas opiniões pessoais, e que foram elaboradas de forma independente e autônoma, inclusive em relação à instituição à qual esteja vinculado, se for o caso;”

O JUDICIÁRIO e as ações propostas pelos investidores

E é isso o que ocorre na prática. Todo o material sobre análise de mercado divulgado pelas Corretoras de Valores contém aviso legal nesse sentido (intitulado “DISCLAIMER”) - alertando para o fato de que as informações refletem única e exclusivamente as impressões pessoais dos analistas que as subscrevem, e que não representam qualquer garantia de sucesso, justamente porque versam sobre operações sujeitas a fatores imprevisíveis. Mas não é só. A isenção/neutralidade das informações divulgadas pelos analistas de valores mobiliários é também garantida por seu total isolamento das atividades das Corretoras. As pessoas que compõem a equipe de analistas, por óbvio, não são as mesmas que exercem a atividade de corretagem. Em regra, os analistas atuam em ambiente físico distinto das Corretoras, justamente para evitar qualquer espécie de interferência.3 Não tem qualquer cabimento, portanto, a tese desenvolvida pelo citado investidor. Fosse, efetivamente, plausível a alegação de que as Corretoras de Valores teriam alguma responsabilidade pela desvalorização dos ativos de seus clientes, durante o período de crise, o prejuízo não se teria verificado de forma indiscriminada entre todos os atuantes no mercado mobiliário. Muito menos, tem cabimento a alegação de que sua liberação dos compromissos assumidos seria admissível, dado o recuo do preço das ações que compõem a operação por ele contratada. Como já mencionado, o risco de desvalorização desse ativo sempre existiu e sua materialização não pegou ninguém desprevenido. Não se quer, com isso (e, de modo geral, com esse artigo), sustentar que as operações de risco, ou as instituições que intermedeiam esse mercado, jamais podem ser alvo de questionamentos judiciais. Vícios e excessos sempre podem ser cometidos, legitimando a propositura de ações que objetivam desconstituir operações de risco e/ou responsabilizar quem as viabilizou. Quer-se, porém, alertar que essas pretensões devem ser (como, de fato, vêm sendo) vistas com ressalvas, sob pena de se inviabilizar essa espécie de investimento. Caso encontrem no Judiciário um meio de burlar seus prejuízos, contratantes e investidores sem ética levarão à bancarrota o mercado de capitais brasileiro. Pretendendo firmar-se entre os mais importantes mercados financeiros mundiais, o Brasil precisa demonstrar solidez e credibilidade aos que aqui investem. Isso inclui a seriedade do tratamento das responsabilidades no mercado mobiliário. Sem dúvida, esse é um desafio de todos os operadores do direito – em regra, mais familiarizados com as lides que abordam o mercado financeiro apenas sobre a ótica das relações sujeitas ao CDC. Porém, discussões cada vez mais complexas, sobre produtos arrojados, são levadas ao Poder Judiciário, instigando o estudo de normas especiais e o reexame da forma de aplicação de alguns institutos tarimbados – como, por exemplo, as exceções à aplicação da força obrigatória dos contratos e à responsabilidade civil. #

1 Ação Ordinária Resolutória nº 008.08.031224-9, 5ª Vara Cível de Blumenau/SC. 2 Para o exercício dessa atividade, o analista de valores mobiliários deve estar registrado junto a CVM, como determina o §2º do referido dispositivo. 3

A imparcialidade das conclusões externadas pelos analistas de valores é, de modo geral, levada a sério por todas as Corretoras, já que a Resolução 388/2003 da CVM expressamente determina que:

“Art. 9 o - É vedado às instituições integrantes do sistema de distribuição a que os analistas de valores mobiliários porventura estejam vinculados, bem como às companhias objeto de sua análise, exercer qualquer influência na elaboração de recomendações sobre a aplicação de recursos para investimento, de modo a reduzir ou retirar-lhe sua independência na emissão de recomendações sobre aplicação de recursos para investimento.”

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ARTIGOS OS IMPACTOS ECONÔMICOS das decisões judiciais Arthur Mendes Lobo Nas últimas décadas, a globalização de mercados e a ampla concorrência em diversos setores da economia fizeram com que os empresários passassem a adotar margens de lucro cada vez menores. Neste contexto, o planejamento financeiro das empresas e sua gestão estratégica ganhou importância redobrada para prevenir prejuízos e quebras. Nas empresas, o controle de processos também ganhou novos contornos e grande importância para que o empresário tente prever, com razoável segurança, quando e quanto: i) receberá nas ações voltadas para a recuperação de crédito (haveres); ou ii) pagará, permitindo que a empresa faça o contingenciamento de perdas (despesas) decorrentes de ações judiciais passivas. Assim, a gestão dos riscos judiciais tem recebido, a cada dia, maior atenção dos empresários no fechamento de balanços contábeis, auditorias e nas concentrações empresariais (v.g., fusão, incorporação, joint ventures, holding, cisão de empresas). A gestão dos riscos processuais se baseia, em grande medida, na jurisprudência. Vale dizer, quando o empresário analisa se o risco de perda de uma ação judicial é possível, remoto ou provável, ele o faz observando preponderantemente os precedentes dos Tribunais, notadamente dos Tribunais Superiores. Porém, no Brasil, o grande entrave na quantificação dos riscos (contingenciamento) tem sido a extensa gama de decisões judiciais conflitantes entre si. A oscilação dos entendimentos jurisprudenciais tem sido cada vez mais frequente e traz reflexos negativos para as empresas, pois impede investimentos no país e, consequentemente, gera prejuízos para toda a população. A chamada “jurisprudência lotérica” 1 tem causado insegurança jurídica aos empresários (e à população de maneira geral). Consequentemente, vem freando o desenvolvimento do país, a geração de empregos, a circulação de riquezas, dentre outros reflexos negativos. A Constituição Federal estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, inc. II da CF/88). Significa dizer, em última análise, que o comportamento humano ou empresarial deve ser pautado segundo a lei interpretada pelos Tribunais. Se os Tribunais não chegam a um consenso em relação à determinada matéria, essa instabilidade incentiva o “demandismo”, pois diante de alteração constante de entendimento, o fundamento jurídico prevalecente hoje pode não ser amanhã. Essa instabilidade jurídica faz com que outras pessoas ajuízem ações contando com a “sorte” de o processo vir a ser julgado por determinado Magistrado ou Câmara ou Turma, acreditando que o entendimento mais recente poderá encampar a tese defendida.2 Em entrevista dada quando ainda era Presidente do STF, o Ministro CEZAR PELUSO tenta explicar esse fenômeno que parece ter um viés cultural: “Alguns magistrados simplesmente desconhecem nossas de-

cisões. Ninguém fica vendo a TV Justiça o dia todo para saber como o STF decide. Vou estudar uma forma de fazer com que decisões importantes do Supremo sejam comunicadas instantaneamente aos juízes do país inteiro. Mas há também uma explicação de natureza psicanalítica para a questão. Afinal, o que os tribunais superiores representam para os juízes? A autoridade paterna. Eu sei, eu fui juiz. Pensava: ‘É um absurdo o tribunal decidir desse jeito! Eles estão errados! Não podem me obrigar a segui-los!’. Trata-se de um mau entendimento da independência. Mas o mais grave, e no que pouca gente presta atenção, é que, quando o juiz decide contrariamente ao STF, os que têm bons advogados conseguem chegar aqui e mudar a situação. Os outros, que não conseguem, acabam tendo uma sorte diferente. Isso se chama, na prática, iniquidade. Casos iguais, tratamentos diferentes. Sob o pretexto de resguardar a independência dos juízes, cria-se injustiça”. Sobre o problema da violação às decisões plenárias dos Tribunais Superiores, é importantíssima a lição de J. J. CALMON DE PASSOS, para o qual “a força vinculante dessa decisão é essencial e indescartável, sob pena de retirar-se dos Tribunais Superiores precisamente a função que os justifica. Pouco importa o nome de que ela se revista – Súmula, Súmula Vinculante, jurisprudência predominante, uniformização de jurisprudência ou o que for, obriga. Um pouco à semelhança da função legislativa põe-se, com ela, uma norma de caráter geral, abstrata, só que de natureza interpretativa”. 3 Enfim, sem uma orientação uniformizada e mais estável nos Tribunais, os empresários não conseguem prever, com pouca margem de erro, os riscos a que estão expostos em ações judiciais, nem tampouco estabelecer parâmetros para tomada de decisões estratégicas de mercado. Tal situação entrava a economia, já que, embora o risco seja inerente a qualquer atividade empresarial, os riscos, inerentes aos negócios, devem ser determináveis. Hoje, a previsão objetiva das teses acolhidas e rejeitadas se concretiza, infelizmente, em raras situações, o que é inadmissível em um Estado que tem o desenvolvimento4 como preceito constitucional (art. 3º, inc. II, da CF/88). O resultado é que muitos investidores preferem investir em outros países, onde a incerteza mostra-se, não raro, consideravelmente menor. Os setores da economia e da sociedade clamam pela aprovação de novas leis que favoreçam a previsibilidade das decisões judiciais, especialmente porque elas são passíveis de inviabilizar a atividade econômica e o crescimento do país. Outro problema a ser enfrentado refere-se à necessidade de que os juízes, nas decisões judiciais nos contratos de consumo, considerem o seu potencial efeito de virem a repercutir na esfera patrimonial de pessoas que não fazem parte da relação processual. Isto porque é grande a probabilidade de influenciarem condutas e

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ARTIGOS outras decisões judiciais, podendo, conforme o caso concreto, conduzir à diminuição ou aumento da litigiosidade e à insegurança jurídica. Em outras palavras, é necessário que os julgadores considerem os impactos econômicos e sociais de suas decisões, proferidas seja em ações coletivas, seja em ações individuais que envolvem contratos de massa. Deve-se pensar sempre em todos os indivíduos que serão direta ou indiretamente afetados pelo comando da decisão, já que cada pronunciamento tem o potencial de se tornar um precedente para solucionar casos semelhantes. Não se pode admitir que todo e qualquer contrato tenha suas cláusulas revistas ou ignoradas, sem a observância de critérios objetivos que considerem os impactos econômicos de um precedente.5 Em contratos de massa, o mero subjetivismo judicial e a ideologia podem lesar todo o sistema jurídico econômico, prejudicando outros indivíduos direta ou indiretamente envolvidos na cadeia produtiva e consumerista. Nesse ponto, é oportuna a lição de MOACYR AMARAL SANTOS: “ao juiz não é dado julgar utilizando-se de fatos que conhece em razão de sua ciência privada. Porque a utilizar-se de seu conhecimento privado, o juiz passaria a funcionar como testemunha e juiz”.6 Importantíssima também é a lição de PIERO CALAMANDREI: “Se fosse permitido ao juiz utilizar-se no processo de suas informações extrajudiciais e de atingir às turvas reservas da memória para trazer fora dos resíduos de observações ocasionais tudo aquilo que por ventura se referisse aos fatos da causa, ele, sob as vestes de juiz, executaria na realidade funções de testemunha; e os perigos de inexata ou incompleta percepção, de arbitrária reprodução, de insciente parcialidade, que são inerentes a toda testemunha, ficariam nesse caso sem corretivo algum, porque não interviria, para removê-los ou atenuá-los (...) não conseguiria ser crítico eficaz do próprio testemunho; sobre a exatidão das próprias observações, sobre a firmeza de sua memória não teria dúvida.” 7 Ademais, ao decidir, o juiz não pode considerar apenas o interesse das partes litigantes, mas deve levar em conta o interesse de todos os possíveis envolvidos (direta ou indiretamente) e os impactos econômicos da decisão que proferirá. Apenas a título de exemplo, imagine-se que um juiz tenha invocado o Estatuto do Idoso, para, com fundamento na sua hipossuficiência, impedir o despejo de uma pessoa idosa que está inadimplente com 14 aluguéis mensais. O idoso inadimplente, então, continuaria residindo normalmente no imóvel, tendo sua dívida alongada. O juiz beneficiaria o idoso por ser a parte mais fraca da relação jurídica, em nítido prejuízo do proprietário do imóvel, pessoa abastada. Aparentemente, uma decisão razoável. Porém, já no dia seguinte à publicação da referida sentença, probabilissimamente outros idosos terão grande dificuldade de alugar um imóvel residencial. Isso porque, diante do precedente que desrespeitou o pacta sunt servanda, os proprietários de imóveis e imobiliárias, receosos de outras decisões no mesmo sentido, provavelmente passarão a dar preferência a outros locatários “não-idosos”, já que, nos

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OS IMPACTOS ECONÔMICOS das decisões judiciais

contratos firmados com idosos, terão que assumir o risco de impossibilidade (ou extrema dificuldade) de despejo por inadimplência. Em suma, diante de casos como o do hipotético exemplo acima, no afã de se beneficiar a parte mais fraca na relação jurídica, a decisão terá ignorado o contrato e os reflexos econômicos desse precedente. E o que é mais preocupante: o impacto econômico-social acabará por lesar centenas de outros idosos. Seria essa a Justiça que queremos? Muito oportuna a lição de KLAUS GÜNTHER: 8 “A partir da multiplicidade de diversos interesses, eventualmente conflitantes entre si, acometidos pelas consequências de uma norma carecedora de justificativa, será necessário que primeiro seja constituído um interesse comum. Enquanto isso, a contraposição ‘interesses de cada indivíduo’ versus ‘aceitação em conjunto por todos os atingidos’ garantirá que não sejam decisivos os interesses da maioria ou de um determinado grupo, mas que cada indivíduo se coloque na perspectiva de cada um dos demais, a fim de poder dimensionar a intensidade de todos os interesses afetados.” É importante observar que, “em uma perspectiva de análise econômica do direito, a opção por uma norma e não pela outra, deve se dar a partir da escolha da norma que seja mais eficiente, economicamente. Significa, pois, analisar a demanda sob o aspecto de eficiência. Ao juiz cabe avaliar o impacto que as decisões ocasionarão”. 9 Também não se pode perder de vista que, segundo o art. 187 do Código Civil, se uma pessoa, ao exercer um direito, vier a exceder manifestamente o fim econômico da relação jurídica, terá cometido ato ilícito. Assim, não raro, uma pretensão pode ter a “máscara de direito”, eis que o comportamento, a princípio, estaria respaldado em alguma regra, mas ter “corpo de ato ilícito”, se o seu exercício violar a finalidade econômica do negócio jurídico. Sobre o tema, é primorosa a lição de HUMBERTO THEODORO JR: “Da situação de completo desamparo em que vivia o consumidor brasileiro, passou-se em certos setores doutrinários e jurisprudenciais, após a Lei nº 8.078 de 11.09.1990, a uma visão paternalista de exagerado amparo à parte vulnerável da relação de consumo, que, se levada ao extremo por alguns preconizadores, subverterá o próprio objetivo do Código de Defesa do Consumidor. (...) os princípios sociais do novo contrato de consumo não eliminam os princípios tradicionais desse instituto jurídico, quais sejam o princípio da autonomia privada (liberdade contratual), o princípio da força obrigatória das convenções e o princípio da relatividade de seus efeitos que atuam apenas na esfera das partes. O que deve haver, em função da nova ordem legal, é uma releitura dos princípios clássicos, para que se amoldem à função social, exigida pela atual ordem econômica visualizada na disciplina constitucional das relações de mercado. O objetivo de proporcionar a circulação das riquezas e de emprestar segurança a essa circulação, que é inerente à natureza do contrato, jamais poderá ser desprezado na exegese e


ARTIGOS aplicação dos preceitos de tutela do consumidor. Sem que isto se dê, não há como entender que exista o instituto do contrato. E anulado o contrato – porque sem essa força simplesmente não há contrato -, o reflexo se dará sobre toda a sistemática organizacional da Constituição, que, no plano econômico, se apoia na propriedade privada, na segurança jurídica, no ato jurídico perfeito e na livre iniciativa. O aspecto ético do relacionamento econômico se apoia na propriedade privada, na segurança jurídica, no ato jurídico perfeito e na livre iniciativa. O aspecto ético do relacionamento econômico, portanto, não há de invalidar ou inviabilizar aquilo que é a função primária e essencial do contrato. Por outro lado, a proteção aos interesses sociais no relacionamento econômico não se esgota nas regras do Código do Consumidor. Muitas leis, anteriores e posteriores ao CDC, regulam de forma específica certos setores da atividade econômica, e se destinam a realizar os mesmos propósitos da Lei nº 8.078/90, isto é, a impor regras de ordem pública voltadas à defesa da parte mais fraca da relação negocial. (...) Portanto, não devem as regras especiais serem ignoradas e recusadas a pretexto de aplicarem-se preceitos apenas genéricos do CDC. O confronto, in casu, assumiria o feitio de concorrência de norma geral e norma especial, não havendo razão para afastar a especial, se ambas têm o mesmo propósito e não encontram incompatibilidade absoluta.” 10 Concordamos com DEMÓCRITO REINALDO FILHO, segundo o qual: “se o grau de interferência judicial, no sentido de alteração das cláusulas contratuais, desobrigando uma das partes da prestação originalmente assumida, é exagerado ou ocorre por opções pessoais dos juízes, numa avaliação subjetiva e calcada em elementos ideológicos na interpretação das normas vigentes, tal situação pode efetivamente aumentar os custos associados a um determinado setor da economia, prejudicando o desenvolvimento econômico”. 11

OS IMPACTOS ECONÔMICOS das decisões judiciais

Portanto, nas decisões sobre contratos de consumo, não se pode ignorar os princípios basilares dos contratos, notadamente o pacta sunt servanda. Também não se pode fechar os olhos para as diversas leis e regulamentos específicos que regem cada setor da economia e aplicar tão somente e de forma absoluta as regras genéricas do Código de Defesa do Consumidor. Do contrário, todos os demais consumidores serão prejudicados, já que, em última análise, todos os custos empresariais são repassados ao preço dos produtos. É necessário que as decisões judiciais estejam atentas à ideia de sistema, resguardando a coerência e a integridade do ordenamento jurídico, sem frustrar a legítima expectativa das partes contratantes. Para tanto, a orientação jurisprudencial, na medida do possível, deve prevalecer, de modo a conferir maior previsibilidade e segurança jurídica aos empresários e, assim, proporcionar o desenvolvimento do país. O Novo CPC (Projeto de Lei 8046/2010), atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados, apresenta diversos dispositivos que contribuem para a estabilização da jurisprudência e segurança jurídica das relações negociais. Somente com segurança jurídica se fará um controle eficaz de ações judiciais nas empresas para se determinar se o risco de perda de uma ação judicial é possível, remoto ou provável, o que fomentará o número de conciliações, evitará a propositura de demandas sem probabilidade de êxito e incentivará investimentos financeiros no Brasil. Nas decisões judiciais, é necessário que a valoração dos fatos e interpretação dos contratos seja precedida de uma lúcida reflexão sobre a complexidade da economia, nas perspectivas regional, nacional e globalizada, para que o julgamento de um caso concreto não frustre a legítima expectativa dos contratantes,12 não prejudique os interesses dos próprios consumidores, nem destrua as conquistas históricas do Direito. #

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oscilação da jurisprudência, pela inobservância da interpretação dada pelos Tribunais Superiores até mesmo por eles próprios foi chamada por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO de jurisprudência lotérica. (In: Instituições de Direito Processual - Volume I. 5.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 15). Sobre o tema, também vale conferir: CAMBI, Eduardo. Jurisprudência Lotérica. São Paulo: RT,

786, abr. 2001. 2 Sobre o tema, vale conferir: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A uniformidade e a estabilidade da jurisprudência e o estado de direito civil law e common law. Revista Jurídica NotaDez. Porto Alegre, v. 57, n. 384, p. 53-62, out. 2009. 3 CALMON DE PASSOS, J. J. Súmula Vinculante. Revista de Direito Processual Civil nº 06. São Paulo: Gênesis, set-dez 1997. p. 633. 4 Sobre o tema, confira NERY JUNIOR, Nelson. Boa-fé objetiva e segurança jurídica – eficácia da decisão judicial que altera jurisprudência anterior do mesmo tribunal superior, in Tércio Sampaio Ferraz Junior et al. Efeito “ex nunc” e as decisões do STJ, Barueri: Manole, 2008. 5 Nesse sentido, ver Nelson NERY JUNIOR. A base do negócio jurídico e a revisão do contrato, in Selma Negrão Pereira dos Reis (coord.) et al. Questões de direito civil e o novo código, São Paulo: MPSP/ Imprensa Oficial, 2004. 6 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. Vol. I, Parte Geral. Max Limonad, 1968, p. 163. 7 Piero Calamandrei – Per la definizione del fatto notorio. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1925. p. 283/284. 8 GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. São Paulo:Landy Editora, 2004, p. 62. 9 ORTOLAN, Josilene Hernandes; PADILHA, Norma Sueli. O Impacto Econômico do Direito: em busca de uma economia mais justa e de um direito mais eficiente. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF, nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008. 10 THEODORO JR, Humberto; CHALHUB, Melhim Namem. Da Incorporação Imobiliária. 3ª ed. São Paulo: Renovar, 2010. Prefácio. 11 REINALDO FILHO, Demócrito. A preocupação do juiz com os impactos econômicos das decisões – uma análise conciliatória com as teorias hermenêuticas pós-positivistas. Disponível: ‹http://www. informatica-juridica.com/trabajos/Impactos_economicos_das_decisioes_judiciais.asp#_ftn1›. Acesso em 17.04.2011. 12 Sobre o tema, também vale conferir: Karl LARENZ. Geschäftsgrundlage und Vertragserfüllung (Die Bedeutung “veränderter Umstände” im Zivilrecht), 3.ª ed., München-Berlin: Verlag C. H. Beck, 1963 [traduzido para o espanhol: Karl LARENZ. Base del negocio jurídico y cumplimiento del contrato, Madrid: Revista de Derecho Privado, 1956], bem como Karl LARENZ. Lehrbuch des Schuldrechts, v. I (Allgemeiner Teil), 14.ª ed., München: C. H. Beck Verlag, 1987, § 21, II, pp. 320 et seq [com tradução espanhola: Karl LARENZ. Derecho de obligaciones, t. I, Madrid: Revista de Derecho Privado, 1958].

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ARTIGOS AFINAL, O QUE SÃO lucros cessantes? Thaís Amoroso Paschoal É muito comum a propositura de ações em que se deduzem pedidos indenizatórios, incluindo os chamados “lucros cessantes”. Essa espécie de pretensão é fundamentada no fato de que a indisponibilidade de valores ou de produtos, decorrente de sua retenção indevida pelo réu, resultaria no dever de indenizar a parte autora por tudo aquilo que teria deixado de ganhar com a utilização desses bens. Na maioria dessas ações, porém, formulam-se (e, o que é pior, acolhem-se) pedidos de condenação do réu ao pagamento de “lucros cessantes” que não correspondem “àquilo que razoavelmente se deixou de lucrar”, resultando no inevitável enriquecimento sem causa do autor. Dois aspectos devem ser considerados quando se trata de pretensões deduzidas perante o Poder Judiciário tendo por objeto essa espécie de condenação. Em primeiro lugar, o fato de que os lucros cessantes correspondem, apenas e tão somente, “àquilo que razoavelmente se deixou de lucrar” com a indisponibilidade dos valores ou bens. Além disso, a ideia de que os tais “lucros cessantes” jamais podem corresponder àquilo que o réu auferiu (ou poderia ter auferido) com a utilização dos valores ou bens que indevidamente reteve. Assim, primeiramente – e até em razão do que juridicamente se entende por “lucros cessantes” -, deve-se considerar que para aferição dessa verba leva-se em conta, unicamente, aquilo que a parte autora – e não o réu – razoavelmente teria auferido com os valores retirados do seu patrimônio. Sob este aspecto, “admite-se que o credor haveria de lucrar aquilo que o bom senso diz que lucraria. Há aí uma presunção de que os fatos se desenrolariam dentro do seu curso normal, tendo-se em vista os antecedentes” 1. A posição de Judith Martins-Costa não destoa deste entendimento, considerando que “o lucro cessante representa aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar, ou seja, a diminuição potencial de seu patrimônio, causada pelo inadimplemento da contraparte” 2. Por isso é que, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, “o lucro cessante não se presume, nem pode ser imaginário. A perda indenizável é aquela que razoavelmente se deixou de ganhar. A prova de existência do dano efetivo constitui pressuposto ao acolhimento da ação indenizatória” 3. Em outro julgado, aquela Corte foi ainda mais enfática: “Por lucros cessantes, deve-se entender o que razoavelmente se deixou de lucrar – essa é a dicção do artigo 1.059 do Código Civil de 1916. Todavia, isso não autoriza que tais lucros sejam hipotéticos. Ao contrário, devem ser previsíveis já na celebração do contrato, ou seja, são indenizáveis os lucros que o contratante obteria com a execução direta do contrato, e não os que seriam obtidos em decorrência de fatores diversos ou indiretos aos efeitos do contrato” 4. Do corpo deste Acórdão, extrai-se o seguinte: “Ora, segundo o que consta do acórdão recorrido, o pedido de indenização a lucros cessantes está assentado em que, caso o contrato tivesse sido cumprido com os consequentes recebimentos nas datas programadas, teria a construtora realizado investimentos no mercado financeiro e, consequentemente, receberia lucros. Observe-se: ‘Nem se poderia considerar que

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a autora fosse aplicar todo o valor recebido pela execução do contrato no mercado à Taxa da Anbid. Só lucros líquidos seriam aplicáveis. A autora não demonstrou qual o dinheiro disponível que seria aplicado e nem quis fazê-lo (fls. 692).’ - fl. 806 - Ora, se essa sustentação já não bastasse para afastar a postulação pelo recebimento de lucros cessantes, porque calcada em fato absolutamente hipotético, como afirmado acima, o pagamento de lucros cessantes implica que eles devem ser previsíveis quando da celebração do negócio, fato que, in casu, não ocorreu”. Cândido Rangel Dinamarco vai ainda mais além, entendendo que os “lucros cessantes” já estariam incluídos nos juros estabelecidos pelo art. 1061 do Código Civil de 1916 (art. 404 do Código Civil de 2002), não havendo espaço para a fixação de qualquer outra verba a esse título, do que resulta a “impossibilidade jurídica de impor ao inadimplente de uma obrigação em dinheiro uma responsabilidade por lucros cessantes além dos juros moratórios” 5. De acordo com o autor, “pelo disposto no art. 1.061 do Código Civil de 1916 (atual art. 404, caput) entende-se que o legislador quis arbitrar imperativamente a recomposição patrimonial do credor, considerando que os juros legais representam, no giro normal dos negócios, aquilo que razoavelmente ele haja deixado de lucrar” 6. Assim, conclui o autor, embasado na lição de Orlando Gomes, que “a imposição dos juros representa, pois, uma imperativa prefixação legal dos lucros cessantes, cujas consequências são fundamentalmente (a) a desnecessidade de alegação, prova ou, mesmo, da ocorrência de efetivos danos ao credor e (b) a impossibilidade de exigir outra indenização além dos juros” 7. Por aí já se extrai a primeira premissa que, inexoravelmente, deve ser levada em consideração ao se apreciar pretensões de indenização por “lucros cessantes”: trata-se de verba que deve ser fixada levando-se em consideração, apenas, os juros legais estabelecidos no art. 1061 do CC/1916, limitação que “só poderia talvez ser afastada quando se reconhecesse que o dano suportado superaria de longe o valor dos juros” 8. Neste caso, deverá a verba ser fixada na proporção daquilo que a parte, razoavelmente, poderia ter auferido com a quantia indisponível, mas desde que se trate de fato comprovado de forma inequívoca nos autos. A mais comum distorção em torno do conceito de lucros cessantes, porém, reside na percepção, a toda evidência equivocada, de que essa verba corresponderia àquilo que a parte contrária auferiu com a utilização do capital indevidamente retido. No âmbito do direito bancário, por exemplo, são frequentes as ações propostas contra instituições financeiras, nas quais os correntistas pleiteiam a devolução de valores que teriam sido descontados indevidamente de suas contas correntes, acrescidos das mesmas taxas de juros remuneratórios aplicadas pelas instituições, considerando-se que aquilo que o correntista deixou de ganhar corresponderia àquilo que a instituição financeira teria auferido enquanto permaneceu com a quantia cobrada indevidamente. Já nos deparamos, por exemplo, com situação em que uma distribuidora de bebidas obteve condenação de instituição financeira


ARTIGOS

a devolver valores pagos em decorrência de determinado contrato, acrescidos daquilo que corresponderia ao “lucro” obtido pela instituição com a aplicação do valor pago a maior. No caso, esse “lucro” foi computado mediante a incidência de uma taxa de “juros” de 15% ao mês sobre a quantia paga pela distribuidora, o que gerou quantia milionária. O lucro cessante, porém, não pode ser aferido dessa forma. Para além do fato de que o “lucro” da instituição financeira jamais seria computado a partir de uma taxa de “juros” de 15 % ao mês9, seria necessário que a distribuidora de bebidas comprovasse, no mínimo: (i) que efetivamente investiria toda a quantia em aplicações rentáveis; (ii) que essas aplicações teriam o (elevado) rendimento de 15% ao mês. No caso, porém, os 15% ao mês não seriam obtidos nem mesmo tomando por base aplicações extremamente rentáveis, como aquelas realizadas no mercado de ações. Basta observar que a taxa média obtida em investimentos em ações da Petrobrás, no período discutido naquela demanda, foi de 3,5% ao mês. A variação média mensal do índice BOVESPA no mesmo período, por sua vez, foi de 1,45%. Trata-se de situação em que o conceito de lucros cessantes foi aplicado, evidentemente, de forma distorcida: corresponderiam ao suposto “lucro” obtido pela Instituição Financeira ré, quando, na realidade, deveriam ser apurados a partir daquilo que a distribuidora de bebidas razoavelmente deixou de lucrar com a indisponibilidade dos valores. Em outro caso, determinada Instituição Financeira foi condenada à devolução de valores que teriam sido transferidos indevidamente da conta do autor, “acrescidos das mesmas taxas de juros cobradas dos correntistas, capitalizadas mês a mês” 10. A sentença proferida nessa demanda foi rescindida em ação rescisória, na qual se considerou que os valores debitados da conta deveriam receber os acréscimos dos juros legais e correção monetária, nada mais11. O STJ já se posicionou a respeito, pacificando o entendimento de que “só as instituições financeiras estão autorizadas a cobrar juros remuneratórios excedentes a 1% (um por cento) ao mês. Consequentemente, SE DISPUSESSE DOS VALORES INDEVIDAMENTE DESCONTADOS, O CORRENTISTA NÃO TERIA AUFERIDO AS TAXAS COBRADAS

AFINAL, O QUE SÃO lucros cessantes?

PELO BANCO”12. No voto proferido neste julgamento, o Ministro Hélio Quaglia Barbosa apontou o principal equívoco decorrente da má compreensão acerca do conceito de “lucros cessantes: “Não destoa do citado dispositivo [refere-se o ministro ao art. 1059 do CC/16] o art. 402 do atual Código Civil, que apresenta, tão-somente, pequenas modificações em relação àquela redação; ora, sendo o correntista pessoa física, não se pode afirmar que ele razoavelmente deixou de lucrar o que a instituição financeira obteria, caso cobrasse por um empréstimo de mesmo valor; isto porque, ao recorrente não seria, como não é, permitida a cobrança dos encargos remuneratórios e moratórios de que se vale um banco, cujas regras são reguladas pelo Banco Central do Brasil e pelo Conselho Monetário Nacional, tomando em consideração o custeio dos encargos operacionais das instituições bancárias, como fator primordial retributivo”. Ao final, o Ministro ressaltou que acompanharia o voto do Relator, Min. Ari Pargendler, “em face da impossibilidade de se tipificar a restituição, de acordo com as taxas bancárias, que seriam cobradas pela instituição financeira, como o que o correntista “efetivamente perdeu” ou o que “razoavelmente deixou de lucrar”. Nada mais correto, assim, do que se concluir que o lucro cessante corresponde àquilo que a “vítima” teria deixado de auferir em razão de determinado ato ilícito praticado pelo ofensor. O conceito de “lucro cessante”, portanto, não tem qualquer relação com os ganhos da parte contrária com a utilização do capital alheio. Não por outra razão, inexiste, no ordenamento jurídico brasileiro, qualquer previsão legal que imponha o dever de indenizar com base naquilo que o outro supostamente ganhou, não sendo relevante, também, “eventual redução patrimonial suportada pelo credor” ou “os lucros que talvez pudesse auferir se o pagamento houvesse sido feito pontualmente”, como ressalta Cândido Rangel Dinamarco13. Por isso é que para se evitar a distorção do que juridicamente deve-se entender como “lucros cessantes”, impõe-se a consideração das seguintes regras: a) só poderá haver a restituição daquilo que a parte teria condições de ganhar dentro da razoabilidade, com base no desenvolvimento normal de sua atividade, sem se considerar resultados extraordinários (exceto se inequivocamente comprovados); b) esse valor jamais poderá levar em conta aquilo que a parte contrária auferiu (ou poderia ter auferido) enquanto permaneceu com o capital alheio. #

1 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. Ed. Jurídica e Universitária, p. 188. 2 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil, v. V, t. II, Ed. Forense, 2003 (g.n.). O mesmo entendimento é adotado por Paulo Nader, em seu Curso de Direito Civil – Obrigações, p. 545. 3 STJ – 4ª T. – Resp. 107.426 – Rel. Barros Monteiro – j. 20.02.2000 – DJU 30.04.2001 e RSTJ 153/298. 4 EDcl no REsp 440500 / SP; 2ª Turma; Rel. Min. João Otávio de Noronha; j. em 23.10.2007; DJ de 13.11.2007, p. 519. 5 DINAMARCO, Cândido Rangel. Processo civil empresarial. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 1126. 6, 7 Idem. Ibid. 8

Idem, p. 1131. Como já destacado pelo Il. Min. Ari Pargendler, “a atividade empresarial tem despesas operacionais (pagamento de empregados, etc) e encargos legais (v.g., tributos), só podendo se falar em lucro depois das respectivas deduções” (REsp 802927 / PE; 3ª Turma; Rel. Min. Ari Pargendler; j. em 06.03.2007; DJ de 26.03.2007, p. 239). Na definição de Luís Martins de Oliveira e José Hernandez Perez Junior, “considera-se como lucro bruto o resultado da atividade de venda de bens ou serviços que constitua objeto – ou atividade – social da empresa. Em resumo, lucro bruto é o resultado correspondente à diferença entre a receita líquida das vendas e dos serviços prestados e o custo dessas mercadorias, desses produtos e serviços” (OLIVEIRA, Luís Martins de; PEREZ JUNIOR, José Hernandez. Contabilidade de custos para não contadores, 3ª. ed. São Paulo: Atlas, 2007 - g.n.). Ainda para esses mesmos autores, lucro “é a diferença entre todas as receitas realizadas e todas as despesas incorridas no período, tanto operacionais quanto não operacionais, e servirá de base de cálculo dos impostos devidos”. 10 Autos nº. 014/1.06.0004862-2, da 1ª Vara Cível de Esteio/RS. 11 Ação rescisória nº. 70023970320, 9º Grupo Cível do TJRS. 12 Recurso Especial nº. 447.431-MG; 2ª Seção; Rel. Min. Ari Pargendler; j. em 28.03.2007; DJ de 16.08.2007 (g.n.). 13 DINAMARCO, Cândido Rangel. Processo civil empresarial... op cit., p. 1127. 9

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ARTIGOS A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte Smith Robert Barreni

A Constituição Federal de 1988 define, em seu art. 155, inc. II, o âmbito de incidência do ICMS, imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal, que incide quando da realização de “...operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”. No plano infraconstitucional, o tributo em questão é disciplinado pela Lei Complementar Federal n. 87/96, bem como pela legislação dos 26 Estados da Federação e do Distrito Federal. Em virtude do disposto no art. 12, inc. I, da LC n. 87/96, que prevê a incidência do ICMS no momento da saída da mercadoria do estabelecimento comercial, “...ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, os Estados, bem como o Distrito Federal, exigem o recolhimento do imposto nas hipóteses de transferências, inclusive interestaduais, de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. Assim, empresas que efetuarem remessas de mercadorias entre seus estabelecimentos, como, p. ex., de filial situada em Curitiba-PR, para matriz localizada em São Paulo-SP, ou vice-versa, estarão submetidas ao recolhimento do imposto em questão, que incide no momento da saída do bem do estabelecimento comercial. Pensamos, contudo, que referida exigência é inconstitucional. E para justificarmos tal opinião, levaremos em conta o real significado dos termos “operação” e “circulação”, previstos no já mencionado art. 155, inc. II, do Texto Constitucional. O vocábulo “operação” envolve a ideia de realização de um negócio jurídico, que, quando for relativo à circulação de mercadorias, poderá ser materializado, p. ex., num contrato de compra e venda firmado entre fornecedor e adquirente. Já a palavra “circulação”, por sua vez, exprime a ideia de movimentação, que, por estar relacionada com o termo “operação”, envolve, necessariamente, mudança de titularidade da mercadoria, pois, como muito bem observou JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, “Não há negócio (operação) consigo mesmo, porque a relação jurídica envolve obrigatoriamente a participação de, no mínimo, duas pessoas” 1. (g.n) Pode-se dizer, portanto, que as “operações” referidas pela Constituição são aquelas que configuram a prática de um negócio jurídico mercantil. Ou seja, as operações abarcadas pelo ICMS somente são aquelas que ocasionam a circulação jurídica de mercadorias,

conforme expõe ROQUE ANTONIO CARRAZZA: “É bom esclarecermos, desde logo, que tal circulação só pode ser jurídica (e não meramente física). A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade da mercadoria. Sem mudança da titularidade da mercadoria, não há falar em tributação por meio do ICMS”2. (g.n) Deste modo, não há como se admitir a incidência de ICMS nas situações que envolvem meras saídas físicas de mercadorias para estabelecimentos do mesmo contribuinte, já que, nestas situações, não se materializa o pressuposto básico necessário para a cobrança do imposto em questão, que é a mudança de titularidade do bem (circulação jurídica). Sobre o tema, ARNOLD WALD já teve a oportunidade de se manifestar: “(...) não se deve confundir nem identificar a circulação econômica com a saída física, o transporte dentro da mesma empresa mediante a remessa de armazém à filial ou de um para outro estabelecimento da firma, com a transferência de bens para terceiros, pois somente ocorre circulação quando a mercadoria é transferida, passando do patrimônio de um para outro, qualquer que seja a motivação jurídica” 3/ 4. (g.n) O Supremo Tribunal Federal, em recentes julgados, tem decidido pela inconstitucionalidade da cobrança de ICMS em razão da transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. Nesse sentido, são os seguintes precedentes: RE n. 267599 AgR-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 30/04/2010; AI 618947 Ag, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 26/03/2010; e RE n. 596983 AgR/ MT, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 29/05/2009. Esse é o entendimento, também, do Superior Tribunal de Justiça, que, a respeito do assunto, editou sua Súmula n. 166, cuja redação é a seguinte: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”. Além disso, sobre o assunto, merece destaque o REsp n. 1.125.133, de relatoria do então Ministro do STJ, Luiz Fux, julgado sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C, do CPC). Para se exonerarem da obrigação tributária imposta pelos Estados e Distrito Federal, com base em leis inconstitucionais que impõem a cobrança de ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, poderão os contribuintes lançar mão de mandado de segurança (preventivo), ou de ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária. #

1 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS Teoria e Prática. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 14 2 CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.38. 3 WALD, Arnold. Base de cálculo para a cobrança do ICMS, nas transferências de armazéns para filiais da mesma empresa. Revista de Direito Público, vol. 19, p. 236 4 No mesmo sentido já se manifestou CLÉLIO CHIESA: “A transferência de mercadoria de um estabelecimento para outro, pertencente a uma mesma empresa, não configura a hipótese de incidência do

ICMS. O que há, nesse caso, é mera movimentação de mercadoria, sem que tenha ocorrido negócio jurídico”. (CHIESA, Clélio. ICMS: sistema constitucional tributário: algumas inconstitucionalidades da LC 87/96. São Paulo: Editora LTr, 1997, p. 150).

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ARTIGOS DA IMPOSSIBILIDADE de proibição ou limitação da instalação das antenas de telefonia celular pelos Municípios David Pereira Cardoso Tem-se debatido nos Tribunais a competência dos Estados e Municípios para editarem leis ou atos normativos estabelecendo restrições à instalação das chamadas Estações Rádio Base (antenas), equipamentos de infraestrutura utilizados na prestação do serviço de telefonia móvel pessoal. Com o desenvolvimento do serviço de telefonia celular e, consequentemente, a ampliação do número de antenas, os entes federativos, estaduais e locais passaram a criar restrições ou, por vezes, vedações totais à instalação dessas edificações nos limites do seu território. Tais empecilhos são fundados, especialmente, no exagerado receio de impactos negativos à saúde humana ou ao meio ambiente, que supostamente seriam causados pela radiação produzida pelas Estações Rádio Base. Embora o debate seja amplo, com incursões em vários ramos do direito, neste artigo analisaremos o tema somente sob a ótica das competências. No que toca ao direito ambiental, a Constituição Federal distribuiu as competências genéricas da seguinte forma: a) a competência legislativa de forma concorrente entre a União e os Estados (art. 24); e b) a competência comum entre União, Estados e Municípios para a execução das normas ambientais (art. 23). Todavia, a Constituição também estabeleceu competências específicas. É o caso, por exemplo, dos recursos minerais (art. 22, XII) e das atividades nucleares (art. 22, XXVI), que foram separados à competência privativa da União. Também esse é o caso da disciplina dos campos magnéticos, elétricos e eletromagnéticos. Embora a Constituição não utilize expressamente os termos campos magnéticos, elétricos e eletromagnéticos, foram estabelecidas à União as competências material e formal sobre todas as atividades que acarretam a emissão desse tipo de radiação, como energia elétrica, telecomunicação e radiodifusão (arts. 21, XI, XII, e 22, IV). A concentração dessas competências com a União se deve à necessidade de que essas matérias sejam reguladas de modo uniforme em todo o território nacional, sobretudo para impedir que haja disparidade técnica e tecnológica nos equipamentos utilizados. Com relação à prestação do serviço de telecomunicações, cumpre ressaltar que o país sofreu durante décadas com os entraves da descentralização, ocasião em que havia “cerca de 1.200 empresas telefônicas no País, a grande maioria de médio e pequeno porte, sem nenhuma coordenação entre si e sem compromisso com diretrizes comuns de desenvolvimento e de integração dos sistemas, o que representava grande obstáculo ao bom desempenho do setor ”. 1 Atualmente, os Estados e Municípios estão impedidos de editarem normas tendentes à regulação das emissões geradas pelas antenas, uma vez que se trata de competência privativa e exclusiva da União.

Embora a disciplina dos campos magnéticos, elétricos e eletromagnéticos esteja concentrada na União, há quem defenda que os Municípios, ainda assim, poderiam editar regramento sobre a matéria com base na sua competência suplementar, prevista no art. 30, II, da Constituição. Entretanto, o principal requisito para o exercício da competência suplementar, a inércia no campo legislativo, não se verifica no caso. No que toca às emissões geradas pelas Estações Rádio Base, a questão é regulada desde 2002 pela Resolução nº 303, da ANATEL, que impõe limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos e estabelece normas para a medição das radiofrequências, para o controle das emissões e, ainda, para a sua instalação e funcionamento. Além da extensa regulamentação administrativa, em 2009 foi editada a Lei Federal nº 11.934, que estabelece os limites à exposição ambiental a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos no território nacional, visando a garantir a proteção da saúde e do meio ambiente.2 De acordo com a Lei nº 11.934, serão adotados em todo o território nacional os limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde – OMS para a exposição ocupacional e da população a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos gerados por estações transmissoras de radiocomunicação, por terminais de usuário e por sistemas de energia elétrica.3 Assim, tendo a União competência privativa para disciplinar as atividades de telefonia, energia elétrica e radiodifusão, e havendo regulado de forma exaustiva as emissões associadas à prestação desses serviços, não há espaço à atuação suplementar dos Municípios. Além de não terem competência para editar regras disciplinando as emissões eletromagnéticas geradas pelas antenas, os Estados e Municípios também não possuem competência administrativa para fiscalizar o cumprimento das normas Federais sobre a matéria. Isso porque o art. 21, XI, da Constituição Federal, atribui à União a competência exclusiva para fiscalizar os serviços de telecomunicações. Além disso, o art. 11 da Lei Federal nº 11.934/09 dispõe expressamente que a fiscalização caberá à União Federal. 4 De fato, se os Estados e Municípios pudessem realizar o licenciamento ambiental com base nos mesmos parâmetros de segurança já fiscalizados pela União, o ato seria totalmente desnecessário, provocando atrasos na instalação das antenas e gastos inúteis com o dispendioso processo de licenciamento ambiental. Demais, o ordenamento ambiental é contrário à duplicidade de licenciamentos. De acordo com Paulo Affonso Leme Machado5, ao se duplicar a prática do licenciamento ambiental entre os entes da federação, acaba-se por quebrar a autonomia do ente efetivamente responsável pela autorização.

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DA IMPOSSIBILIDADE de proibição ou limitação da instalação das antenas de telefonia celular pelos Municípios

Isso porque, na prática, o segundo ente atuaria como instância revisora dos atos praticados pelo primeiro, acarretando o esvaziamento da sua competência. Ainda conforme a lição de Paulo Affonso Leme Machado, o perigo da simultaneidade de competências para a implementação do controle ambiental reside no fato de que nenhum ente se responsabilizaria diretamente pela sua qualidade, o que, evidentemente, prejudica a sua proteção.6 Nesse sentido, inclusive, o art. 13 da Lei Complementar nº 140 de 2011, dispõe que “os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo”.

Desse modo, os Estados e Municípios não possuem competência legislativa para editar normas que restrinjam o alcance, a potência ou a frequência utilizada pelas Estações Rádio Base. Também não possuem competência administrativa para fiscalizar o cumprimento das normas federais. A disciplina dos campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos é matéria atribuída ao âmbito de atuação federal privativa e exclusiva, sendo vedada a ingerência de outros entes nessas questões. #

1 Exposição de motivos da Lei Geral das Telecomunicações. 2 Art. 1º. Esta Lei estabelece limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, associados ao funcionamento de estações transmissoras de radiocomunicação, de terminais

de usuário e de sistemas de energia elétrica nas faixas de frequências até 300 GHz (trezentos gigahertz), visando a garantir a proteção da saúde e do meio ambiente. 3 Art. 4º. Para garantir a proteção da saúde e do meio ambiente em todo o território brasileiro, serão adotados os limites recomendados pela Organização Mundial de Saúde - OMS para a exposição ocupacional e da população em geral a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos gerados por estações transmissoras de radiocomunicação, por terminais de usuário e por sistemas de energia elétrica que operam na faixa até 300 GHz. 4 Art. 11. A fiscalização do atendimento aos limites estabelecidos por esta Lei para exposição humana aos campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos gerados por estações transmissoras de radiocomunicação, terminais de usuário e sistemas de energia elétrica será efetuada pelo respectivo órgão regulador federal. 5 Direito Ambiental Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 402. 6 Ibidem, p. 124.

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ARTIGOS BREVES CONSIDERAÇÕES sobre a racionalização do trabalho perante os juízos de 2º grau Patrícia Carla de Deus Lima

Houve, nos últimos anos, muitas alterações na legislação processual, visando a racionalização do trabalho do Poder Judiciário. Essa é, sem dúvida, tendência que está por trás da criação de procedimento para julgamento de recursos repetitivos pelas Cortes Superiores e da possibilidade de prolação de sentença de improcedência, em 1º grau, independentemente da citação do réu, quando presentes os requisitos do art. 285-A, do Código de Processo Civil. A exigência da repercussão geral, como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, também reflete, em alguma medida, esse movimento rumo à racionalização. Tratando-se de modificações relativamente recentes, parece-nos não ser ainda possível dimensionar com exatidão se o objetivo foi cumprido, isto é, se de tais modificações efetivamente resultou a racionalização do trabalho inicialmente pretendida.1 Em relação aos juízos de 2º grau, contudo, parece possível afirmar, com alguma segurança, que hoje inexistem na legislação em vigor mecanismos / técnicas que permitam a racionalização de seu julgamento. De fato, ao que nos parece, a última tentativa importante de racionalizar o trabalho desses órgãos jurisdicionais foi a possibilidade de julgamento monocrático pelo relator, a que alude o art. 557, do CPC. Como pudemos ressaltar em outra oportunidade, “as sucessivas alterações sofridas pelo dispositivo até chegar à sua redação atual mostram que, paulatinamente, o papel do relator foi ganhando novas dimensões. Com efeito, na redação primitiva, permitia-se a incidência do dispositivo apenas no julgamento de recurso de agravo, nas hipóteses específicas em que fosse manifestamente improcedente. Com o advento da Lei 9.139/95, passou-se a admitir o julgamento monocrático de outros recursos (além do agravo). E, também, ampliou-se o número de situações em que isso era possível. Vale dizer: além das hipóteses em que fosse manifestamente improcedente, admitiu-se o julgamento monocrático do recurso quando ‘manifestamente’ inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”.2 Com quase 20 anos de julgamentos monocráticos de acordo com o art. 557, parece-nos que é chegada a hora de perguntar: valeu a pena? Ou, por outras palavras, a experiência indica que foi frutífera essa tentativa de racionalização do trabalho dos juízos de 2.º grau? A resposta, parece-nos, não é animadora. Cotidianamente, o julgamento monocrático em 2º grau, além de não contribuir para a racionalização do trabalho dos tribunais, ainda lhe prejudica. Vale dizer: a alternativa de que dispõem os órgãos de 2º grau, para tentativa de racionalização, com grande frequência aumenta a carga de trabalho desses juízos, em vez de reduzi-la ou, ainda, de tornar mais ágil [e efetiva] sua atuação. Há muitas razões que conduzem a esse resultado. De todas, a

mais impactante talvez seja a exigência de esgotamento prévio das instâncias ordinárias, como requisito para interposição dos recursos de estrito direito. Segundo orientação jurisprudencial pacífica no STJ, para cumprir essa exigência, a parte prejudicada pelo julgamento monocrático deve interpor o recurso de agravo interno. Somente contra o acórdão proferido no julgamento colegiado desse recurso, é cabível a interposição dos recursos de estrito direito. Colocando de outro modo: não se admite recurso especial ou extraordinário contra as decisões monocráticas proferidas em 2º grau e, portanto, para ter acesso às Cortes Superiores, a parte tem o ônus de interpor recurso de agravo interno. Portanto, na prática, sobretudo nas hipóteses em que a pretensão recursal é rejeitada monocraticamente, isto é, em que é negado provimento3 monocraticamente ao recurso, o julgamento de acordo com o art. 557, do CPC, traz mais prejuízos do que benefícios para a ágil tramitação do processo. A mesmíssima pretensão recursal é apreciada em duas oportunidades diversas: uma pelo relator, quando do julgamento monocrático; outra pelo órgão colegiado, no momento da apreciação do agravo interno. Embora, para esse último, seja por ora4 desnecessária a inclusão em pauta e a lei não estabeleça a necessidade de oportunizar a apresentação de contraminuta [peculiaridades essas que, em tese, agilizam o processamento do recurso], não parece razoável afirmar que a dupla apreciação do mérito da pretensão recursal implica racionalização do trabalho em 2º grau. No Tribunal de Justiça do Paraná, pudemos constatar, recentemente, interessante reflexão a respeito do tema, especificamente junto às 13ª a 16ª Câmaras Cíveis. De fato, foram interpostos, nos últimos dois anos, milhares de recursos, eminentemente de agravo de instrumento, com a mesma discussão de fundo – a prescrição das execuções individuais de sentença proferida em determinada ação civil pública, que tramitou na Comarca de Curitiba. Em tais recursos, sustentou-se a aplicabilidade, a tais execuções, do prazo de 5 (cinco) anos previsto na Lei 4.717/65. Após acalorados debates, prevaleceu, a partir de fundamentos diversos, o entendimento de que tal prazo não seria aplicável nessa situação. Esse posicionamento foi pacificado, junto ao TJ/PR, no final de 2010. Desde então, foi possível observar interessantes desdobramentos em relação ao julgamento de recursos a respeito dessa matéria. Alguns relatores optaram por incluir em pauta os agravos de instrumento, independentemente de intimação da parte contrária para contraminuta. No julgamento colegiado dos recursos, foi proferido acórdão em que os órgãos fracionários lhes “negou seguimento”, sob a premissa de que “quem pode o mais pode o menos” e, sendo assim, se a lei autoriza o julgamento monocrático,

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BREVES CONSIDERAÇÕES sobre a racionalização do trabalho perante os juízos de 2º grau

não haveria razão para impedir o julgamento colegiado imediato do recurso. Criou-se, aparentemente, um procedimento híbrido, já que mescla características do procedimento colegiado e do procedimento monocrático... Outros relatores continuaram proferindo decisões monocráticas com rejeição da pretensão recursal. E, no julgamento colegiado do agravo interno interposto pela parte prejudicada, negaram-lhe provimento, sob o fundamento de que não foram trazidos “argumentos novos” para justificar a reforma da decisão monocrática de mérito. Em face desses acórdãos, foram opostos embargos de declaração, evidenciando que, infelizmente, para o acesso às Cortes Superiores, a parte precisava interpor agravo interno, e obter a apreciação do órgão colegiado das questões de mérito nele discutidas, sob pena de inadmissibilidade do recurso de estrito direito pela ausência de esgotamento de instância e de prequestionamento. Um terceiro e não menos intrigante posicionamento adotado por alguns relatores no julgamento desses recursos foi: fundamentar a decisão colegiada mediante transcrição da decisão monocrática impugnada no agravo interno. Todas essas maneiras de lidar com o grande volume de recursos que assolam nossos tribunais refletem, de um lado, a deficiência da legislação em vigor de técnicas adequadas para racionalização do julgamento em 2º grau e, de outro lado, mostram a preocupação e sensibilidade de nossos julgadores para o problema. Evidentemente, as tentativas de racionalização hoje informalmente adotadas merecem melhor reflexão, antes de serem efetivamente incorporadas à legislação processual em vigor. Afinal, para resolver um problema, não é conveniente criar outros tantos. Vejam-se, por exemplo, os inconvenientes criados pelos posicionamentos adotados no TJ/PR, em que pese, repita-se, a louvável preocupação de prestar tutela jurisdicional mais efetiva. Na primeira situação mencionada, em que houve opção pela inclusão em pauta do agravo de instrumento sem oportunização de apresentação de contraminuta pela parte contrária, foi subtraído desta o momento processual adequado para alegar o descumprimento da regra do art. 526, do CPC. E, sendo assim,

sujeitou-se a parte recorrida à ocorrência de preclusão em relação à discussão dessa questão, entendimento esse que, sabe-se, está pacificado no STJ, desde o julgamento, pela Corte Especial, do REsp 1008667/PR (processado e julgado de acordo com o procedimento do art. 543-C, do CPC).5 Na segunda situação, houve recusa do tribunal em apreciar o mérito do recurso quando do julgamento do agravo interno, sob o fundamento de que ele refletiria “repetição” do que se alegou nas razões do agravo de instrumento. Mas, se o sistema processual impõe para a parte o préquestionamento e o esgotamento de instância antes da interposição dos recursos de estrito direito, de que modo ela poderá atender esses requisitos, sem reiterar, em alguma medida, as razões de seu recurso originário? Na terceira e última situação aludida, a transcrição da decisão monocrática como razão de decidir, embora formalmente válida (afinal o sistema admite a fundamentação per relationem), pode sujeitar a parte recorrente à não apreciação de argumentos novos, trazidos com o agravo interno, tornando indispensável o uso dos embargos de declaração para supressão de vícios de fundamentação, notadamente o de omissão. É evidente, portanto, o cuidado, o zelo que se deve ter em relação às partes litigantes, na busca de alternativas para melhorar a qualidade dos serviços prestados pelo Poder Judiciário. A condição dos litigantes jamais é um elemento acessório, que possa ser desconsiderado ou subvalorizado, afinal são os litigantes, e seus conflitos intersubjetivos, que justificam, legitimam a atividade jurisdicional. Nesse contexto, são indiscutivelmente legítimas todas as tentativas de racionalização do trabalho do Poder Judiciário, em qualquer grau de jurisdição, desde que, ao implementá-las, o órgão jurisdicional tenha em mente a necessidade de preservar direitos garantidos constitucionalmente às partes. De tais tentativas, decorrem sempre resultados positivos para a prestação jurisdicional, inclusive quando, por alguma razão, fica frustrado o objetivo de racionalização. As experiências negativas fornecem dados empíricos, pragmáticos de que precisamos, no processo civil, para encontrar soluções justas, melhores para os operadores jurídicos e os jurisdicionados de um modo geral. #

1 E talvez essa resposta ainda demore para chegar, afinal, como há muito alerta EGAS MONIZ DE ARAGÃO, carecemos de números precisos para análise estatística do modo como o processo funciona. 2 LIMA,

Patrícia Carla de D. Sobre o julgamento monocrático dos embargos de declaração, nos tribunais, de acordo com a regra do art. 557 do CPC. In: NERY JR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 3 Embora, usando linguagem tecnicamente inadequada, fale a lei na possibilidade de o relator negar seguimento ao recurso manifestamente improcedente, terminologia essa que somente poderia ser usada em relação a duas outras situações de julgamento monocrático admitidas – quando o recurso é inadmissível ou, pela ocorrência de fato superveniente, ficou prejudicado. 4 O anteprojeto do novo CPC traz disposição em sentido diverso, prevendo que “Da decisão proferida nos casos dos incisos III e IV caberá agravo interno, no prazo de quinze dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator incluirá o recurso em pauta para julgamento” (art. 853, parágrafo 1.º). 5 No acórdão proferido nesse recurso, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux, adotou-se como fundamento a lição, sempre muito lúcida, de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, no sentido de que: “Criou-se para o agravado o ônus de argüir e provar o descumprimento do disposto no art. 526. Conquanto não o diga o texto expressis verbis, deve entender-se que a argüição há de vir na resposta do agravado, pois essa é a única oportunidade que a lei lhe abre para manifestar-se A prova será feita, ao menos no comum dos casos, por certidão do cartório ou da secretaria, que ateste haver o prazo decorrido ‘in albis’. Na falta de argüição e prova por parte do agravado, o tribunal não poderá negar-se a conhecer do agravo - salvo, é claro, com fundamento diverso -, ainda que lhe chegue por outro meio a informação de que o agravante se omitiu.” (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 5, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2005, págs. 511/512).

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JURISPRUDÊNCIA JURISPRUDÊNCIA Defensiva Maria Lúcia Lins Conceição

A chamada jurisprudência defensiva tem sido objeto de vivas e contundentes críticas pela doutrina, não sem razão. A expressão é utilizada para se referir ao conjunto de regras, postas pelos tribunais (especialmente, os superiores), no intuito de diminuir sua excessiva carga de trabalho, voltadas fundamentalmente a restringir a admissibilidade dos recursos e ações autônomas de impugnação. De fato, as barreiras são tantas, muitas vezes sem qualquer suporte dogmático1, que a parte, ao interpor um recurso, se sente envolvida em verdadeiras armadilhas. Isso sem contar a séria dúvida sobre a legalidade e legitimidade dessa prática como meio de atenuação da sobrecarga de trabalho dos tribunais. São vários os exemplos de jurisprudência defensiva. Nos EDcl no AgRg no REsp 898285/SP, em acórdão publicado em 07/02/2012, a 3a Turma do STJ concluiu que “Considera-se inexistente a petição que seja subscrita por advogado cuja identidade não corresponda com a do titular do certificado digital, pelo descumprimento do disposto nos arts. 1o, parágrafo 2o, III e 18 da Lei 11.419/2006 e dos arts. 18, parágrafo 1o e 21, I da Resolução n. 1/2010 do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes”. Também nos Edcl no AgRg no Ag 93.387/RJ, o recurso não foi conhecido porque o nome do advogado indicado como autor da petição dos Embargos de Declaração não conferia com o do titular do certificado digital utilizado para assinar a transmissão eletrônica do documento. Ou seja, de acordo com essas decisões, (i) a petição física (que será digitalizada) deve conter a assinatura do advogado; e (ii) o advogado que nela apõe sua assinatura manuscrita deve ser o mesmo que, sendo titular do certificado digital, assina eletronicamente. Muito provavelmente porque se percebeu o retrocesso que esse entendimento representa para o processo eletrônico, que o próprio STJ prestigia, decisões têm sido proferidas em sentido contrário, não só no âmbito daquele tribunal, mas também do STF e ainda de outros tribunais. Nos Edcl no AgRg no RE 470885, da relatoria do Min. Luiz Fux, consignou-se que “A assinatura digital equivale à manuscrita, por isso que o equívoco no sentido de que a petição do agravo regimental restava apócrifa quando dela constava a assinatura eletrônica deve ser corrigido”. Do STJ, podem-se mencionar os EDcl no AgRg no Ag 1.234.470/ SP, Relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, em cujo acórdão se lê: “O acesso ao serviço de recebimento de petições eletrônicas depende da utilização, pelo credenciado, da sua identidade digital, pessoal e de uso exclusivo (Resolução n. 01/2010 da Presidência do STJ). Desnecessidade, no entanto, de o advogado que assina digitalmente a petição eletrônica nela fazer grafar o seu nome, bastando que possua procuração judicial para atuar no feito”. O TST também já se pronunciou no mesmo sentido. Em embar-

gos de declaração em recurso de revista, o Min. Aloysio Corrêa da Veiga esclareceu que não há justificativa legal para se considerar irregular o recurso assinado digitalmente por um advogado diverso daquele que o subscreve, desde que tenha procuração nos autos. De acordo com o julgador, “O subscritor do recurso, em verdade, não é o advogado que apõe o seu nome ao final, e sim aquele que o protocolizou e que apôs a chave codificada para assinatura digital”.2 Outra demonstração de jurisprudência defensiva foi flagrada em caso recente, em que o STJ não admitiu Recurso Especial, interposto originariamente sob a forma física, mas que foi na sequência digitalizado (passando a tramitar sob a forma eletrônica), porque o documento, emitido pelo banco, que comprova o pagamento da guia de preparo, estaria, em parte, sobreposto à própria guia. Ocorre, porém, que, além de não se poder descartar a priori a possibilidade de a sobreposição eventualmente ter decorrido de erro do próprio Tribunal na digitalização do recurso, os documentos, mesmo em parte sobrepostos, expunham com clareza os elementos necessários para identificar que a guia, para interposição do Recurso Especial, havia sido devidamente paga. O número dos autos de origem e demais dados de referência bancária estavam perfeitamente legíveis. Entretanto, o recurso não foi admitido, partindo o STJ da presunção de que o preparo teria sido irregular, quando a presunção deve ser a favor do recorrente, da sua boa-fé e diligência na interposição do recurso. Exigência que também tem sido feita pelo STJ, com exacerbado rigor, diz respeito à comprovação da tempestividade. Para o STJ, cabe ao recorrente, sob pena de preclusão, no ato da interposição do recurso, apresentar os comprovantes de eventuais feriados, que tenham alterado o vencimento do prazo recursal. Quanto a essa questão, situação inusitada ocorreu no julgamento, pela 1a Turma do STJ, do AgRg no Agravo 1.368.507. Na sessão do dia 12.04.2012, o Agravo Regimental foi provido, considerando o recurso tempestivo, por se ter admitido a comprovação a posteriori da ocorrência de evento que prorrogou o prazo fatal para interposição do recurso. Na sessão do dia 19, entretanto, essa decisão foi “anulada” sob o fundamento de que apenas três ministros teriam participado da sessão anterior, sendo necessária a composição integral, especialmente porque o resultado representava mudança de entendimento em relação à jurisprudência consolidada no STJ.3 É importante destacar que, no que se refere a esse aspecto, o posicionamento do STF se alterou recentemente, uma vez que passou a considerar válida a comprovação posterior da tempestividade da petição de recurso extraordinário. É o que consta no Informativo n. 659, do STF, que noticia que no RE 626.358, “(...) o Plenário, por maioria, proveu Agravo Regimental interposto de decisão do Min. Cezar Peluso, que negara seguimento

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JURISPRUDÊNCIA

JURISPRUDÊNCIA Defensiva

a recurso extraordinário, do qual relator, a fim de permitir o seu regular trâmite. Ressaltou-se que, na verdade, o recurso seria tempestivo, mas não houvera prova a priori disso. Assim, reputou-se aceitável a juntada ulterior da documentação a indicar a interposição do extraordinário no seu prazo. O Min. Marco Aurélio frisou haver, na espécie, deficiência cartorária, porque a serventia deveria ter consignado o fechamento do foro em razão de feriado local. O Min. Luiz Fux sublinhou aplicar-se a regra do art. 337 do CPC (‘A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz’). Vencido o Min. Celso de Mello, que negava provimento ao agravo. RE 626.358, rel. Min. Cezar Peluso, 22.3.2012.”

expressamente o ajuizamento de Ação Rescisória. A previsão do cabimento de Reclamação foi uma luz no fim do túnel.

Esse entendimento foi reiterado em outras oportunidades, como no julgamento dos EDcl no HC 101132 e do AgRg no AI 736.499, ambos da relatoria do Min. Luiz Fux, que se reporta aos princípios da instrumentalidade e da boa fé.

A jurisprudência defensiva, infelizmente, tem sido adotada com indesejável frequência pelos nossos tribunais. Os exemplos acima são apenas alguns de tantos outros. Mas devemos acreditar, e temos razões para isso, que os julgadores não são insensíveis às críticas da doutrina e ao clamor dos jurisdicionados. Tanto é assim que, no âmbito do STJ, há decisões que se opõem à injustificável exigência de que o titular da assinatura digital seja necessariamente o profissional que subscreveu, de forma manuscrita, a petição física. Não é por outra razão, também, que o STF reviu seu posicionamento quanto à validade da produção de prova tardia da tempestividade do recurso extraordinário. Ou que, não obstante as restrições para a admissibilidade de Reclamação, a Ministra Maria Isabel Gallotti, não só admitiu, como concedeu efeito suspensivo à Reclamação 6.587, considerando ser teratológica decisão que impôs ao réu, sob pena de multa, obrigação impossível de ser cumprida, por depender da vontade de terceiro. Note-se, neste último caso, que não se tratava de questão jurídica definida em súmula ou decidida sob o rito do art. 543-C do CPC. #

Por fim, lembramos as restrições que vêm sendo impostas para a admissibilidade das reclamações, dirigidas ao STJ, destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência daquela Corte. Digna de aplauso foi a edição da Resolução n. 12, do STJ, que regulamentou o cabimento e o procedimento dessas reclamações. De fato, essa Resolução solucionou verdadeiro impasse em que as partes se viam, diante de decisões, das Turmas Recursais dos Juizados Especiais, contrárias a posicionamentos consolidados dos tribunais superiores. Conforme se sabe, o STJ não admite Recurso Especial contra essas decisões; o juízo de admissibilidade positivo de Recurso Extraordinário é bastante difícil, vez que, em regra, o STF entende que se está em face de ofensa reflexa à CF; a lei proíbe

Entretanto, o STJ já se movimentou no sentido de estabelecer óbices ao cabimento da Reclamação. No julgamento, pela 2ª Seção, das Reclamações 3.812 e 6.721, fixou-se que a jurisprudência do STJ, a ser considerada para efeito do cabimento da reclamação, é apenas a relativa a direito material, consolidada em súmulas ou teses adotadas no julgamento de recursos repetitivos. Não se deve admitir, desse modo, a propositura de reclamações que digam respeito a questões processuais e que se baseiem em precedentes tomados no julgamento de recursos especiais “simples” (=que não tramitaram sob o regime do art. 543-C do CPC).

1 Conforme pontua Teresa Arruda Alvim Wambier. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. SP:RT, 2a edição, 2008, p 267. 2 E-RR-236600-63.2009.5.15.0071. 3 Conforme notícia publicada no Portal do STJ, em 19.04.2012 (acesso em 08.05.2012).

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JURISPRUDÊNCIA O STJ E O PRAZO PRESCRICIONAL quinquenal das ações coletivas que tutelam direitos individuais homogêneos Felipe Correa dos Santos Nader Como amplamente divulgado nos meios de comunicação, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.070.896/SC, ocorrido em 04.04.2010, estabeleceu a diretriz sobre o prazo prescricional para o ajuizamento das ações coletivas que tutelam direitos individuais homogêneos. O entendimento parte da premissa, correta, de que as normas que disciplinam as ações civis públicas e as ações coletivas compõem o chamado microssistema de direitos coletivos, dentro do qual deve haver, quando necessário, a integração e interação de suas regras para suprir eventuais lacunas. Assim, constatando-se que a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública) é silente quanto ao prazo prescricional da pretensão a ser tutelada pela via coletiva, entendeu-se, no julgamento daquele recurso, que, para suprir esta lacuna, às ações civis públicas, deve-se aplicar por analogia o art. 21 da Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965), que dispõe: “a ação prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos”. Este entendimento não é novo e já havia sido manifestado pelo Il Min. Luiz Fux, em julgamento proferido em 21.11.2002. Naquela oportunidade, a 1ª Turma do Eg. STJ decidiu que “à míngua de previsão do prazo prescricional para a propositura da Ação Civil Pública, inafastável a incidência da analogia legis, recomendando o prazo quinquenal para a prescrição das Ações Civis Públicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ação Popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio”.1 No âmbito da doutrina, a decisão inspirou críticas de vários doutrinadores, dentre eles Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem, segundo os quais nas “regras ordinárias de interpretação da lei, o prazo especial tem preferência em relação ao geral, mas não havendo prazo especial reconhecido, o geral, se for subsidiário como o art. 179 do CC/1916 ( LGL 1916\1 ), é lei, não havendo lacuna autorizadora do uso da analogia. Em matéria de prescrição e havendo lei específica e geral-subsidiária, não cabe analogia”.2 A nosso ver, permissa venia, este entendimento não encontra respaldo teórico, uma vez que cerra os olhos à existência da integração entre as normas de defesa dos interesses supraindividuais, que recomenda a interação das regras para suprimento recíproco de lacunas, aplicando-se apenas de forma subsidiária o Código de Processo Civil e o Código Civil. Assim, o STJ, verificando a falta de trato legislativo sobre o prazo prescricional nas ações civis públicas, agiu de forma correta ao aplicar por analogia o prazo de cinco anos previsto na Lei da Ação Popular. Na obra de Hely Lopes Meirelles, com base nesse mesmo fundamento, lê-se que “(...) apesar das diferenças existentes entre as ações civis públicas e as ações populares, que não podem ser desprezadas, é inegável, porém, que ambas fazem parte de um mesmo sistema de

defesa dos interesses difusos e coletivos. As regras aplicáveis a ambas, assim, devem ser compatibilizadas e integradas numa interpretação sistemática. Dentre esse esforço de aproximação e coordenação das duas modalidades de ações, em virtude do silêncio da Lei n. 7347/85, é de se ter como aplicável às ações civis públicas, por analogia, o prazo prescricional de cinco anos previsto nas ações populares”.3 A precisão técnica dos julgadores do Recurso Especial nº 1.070.896/SC, no nosso sentir, merece aplauso e tem servido de orientação jurisprudencial para vários tribunais estaduais, a exemplo do Tribunal de Justiça de São Paulo, Santa Catarina, Distrito Federal e Rio de Janeiro.4 Este último, inclusive, já julgou procedente ação rescisória, desconstituindo sentença que havia julgado procedente ação coletiva e, no juízo rescisório, declarando a ocorrência da prescrição quinquenal. 5 No âmbito do STJ, são várias, também, as decisões monocráticas 6 que reiteram esse entendimento. Mas ainda há questões importantes a serem resolvidas sobre o assunto. Uma delas diz respeito ao prazo para executar a sentença coletiva e à incidência do enunciado da Súmula 150 do STF, que dispõe que “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. A discussão que se trava é se, tal como o prazo prescricional da pretensão coletiva, estaria a pretensão executiva da sentença coletiva também sujeita ao prazo de cinco anos. Essa questão foi afetada ao regime dos recursos especiais repetitivos, Resp nº 1.273.643, de relatoria do Min. Sidnei Beneti, e pende de julgamento definitivo. Tudo indica, contudo, que será seguido o entendimento já adotado pela 4ª Turma do STJ, no sentido de que também é aplicável o prazo de cinco anos para ajuizar a execução. Sob o voto condutor do Min. Luiz Felipe Salomão, firmou-se o posicionamento, nos Resps nº 1.276.376 e 1.275.215, julgado em 27.09.2011, de que “cuidando-se de execução individual de sentença proferida em ação coletiva, o beneficiário se insere em microssistema diverso e com regras pertinentes, sendo imperiosa a observância do prazo próprio das ações coletivas, que é quinquenal, nos termos do precedente firmado no REsp n. 1.070.896/SC, aplicando-se a Súmula n. 150/STF (...)”. Essas decisões vieram em bom tempo, pois, além de estabelecerem a harmonia e racionalidade ao sistema, definem uma pauta de conduta que faz cessar a insegurança jurídica até então vivenciada especialmente pelos sujeitos passivos das ações coletivas, que não sabiam a que prazos prescricionais as pretensões (coletiva e executiva) contra si deduzidas estavam sujeitas. Outra questão que também demanda análise é a da possibilidade de interrupção do prazo prescricional da ação individual, em virtude do ajuizamento de demanda coletiva correlata. Discute-se se o ajuizamento da ação coletiva, pendente de julgamento definitivo, teria ou não o efeito de interromper o prazo prescricio-

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JURISPRUDÊNCIA

nal para aqueles indivíduos que optam por ajuizar suas demandas individualmente. Embora entendimento favorável a essa possibilidade tenha ganhado força no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,7 essa corrente apega-se a argumentos mais ideológicos do que propriamente legais. É que nos termos do art. 104 do CDC, cabe ao consumidor optar por, estando em curso ação coletiva que veicule o mesmo objeto da sua ação individual, suspender essa para aguardar e, se for o caso, beneficiar-se do resultado daquela, ou prosseguir na ação individual, não se sujeitando aos efeitos da sentença coletiva. Nessas hipóteses, em que houver opção pela continuidade

O STJ E O PRAZO PRESCRICIONAL quinquenal das ações coletivas que tutelam direitos individuais homogêneos

ou propositura de ação individual, parece não haver fundamento que sustente que a propositura da ação coletiva teria interrompido o prazo para as individuais. Qualquer outro entendimento, com a devida vênia, ainda que revestido do discurso social de universalização do acesso à justiça, não tem, ao menos até o momento8, qualquer respaldo legal. Seja como for, a situação requer análise pelo STJ, que ainda não se manifestou sobre o assunto. Se por um lado existe o argumento do acesso facilitado à justiça, por outro, é certo, existe a premissa basilar da segurança do direito de que ninguém pode estar eternamente sujeito à pretensão contrária. #

1 REsp 406545/SP; 1ª Turma; Rel. Min. Luiz Fux; j. em 21.11.2001; DJ de 09.12.2002, p. 292. Esse entendimento foi reiterado em julgamento proferido em 23.06.2009, no Recurso Especial nº. 1089206. 2 Revista de Direito do Consumidor | vol. 77 | p. 373 | Jan / 2011 | DTR\2011\1224. 3 Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 166. 4 Nesse sentido: TJDF - Apelação Cí¬vel: APL 266090720078070001 DF 0026609-07.2007.807.0001, Relator(a): Natanael Caetano, j.

20/10/2010, TJSC - Apelação Cível: AC 744460 SC 2009.074446-0 - Relator: Des. Vanderlei Romer, j. 23/03/2010, TJRJ – Apelação Cível 0004058-71.2007.8.19.0042 - Relator: Desembargador Ademir Paulo Pimentel, j. 29/07/2010, TJSP – Apelação Cível 9107704-41.2008.8.26.0000; Rel. Zélia Maria Antunes Alves, j. 24/11/2010. 5Ação Rescisória 0049226-23.2010.8.19.0000, j. 09.012010. 6 Nesse sentido, merecem referência os seguintes precedentes: REsp 1.275.215/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 01/02/2012; AgRg no REsp 1.288.198/PR, 4ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe de 09/03/2012; e AgRg no REsp 1.289.463/PR, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 08/02/2012. 7 RI 71002691376, Relatora Vivian Cristina Angonese Spengler e RI 71002839215, Relatora Marta Borges Ortiz. 8 Tramita no Senado o anteprojeto de atualização do Código de Defesa do Consumidor, que insere no código o art. 90 – A, § 5º, segundo o qual “A citação válida nas ações coletivas interrompe o prazo de decadência ou prescrição das pretensões individuais e coletivas, direta ou indiretamente relacionadas com a controvérsia, retroagindo a interrupção desde a distribuição até o final do processo coletivo, ainda que haja extinção do processo sem resolução do mérito”.

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NOTÍCIAS Projeto de Reforma do CDC

Projeto do CPC

Luiz Rodrigues Wambier participou, ao lado de outros professores, no dia 13 de junho, do Seminário sobre o Código de Defesa do Consumidor, organizado pelo Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES). Na oportunidade, expôs suas críticas às alterações a Lei 8.078/90, propostas pela Comissão de Juristas, instituída pelo Senado Federal, para a atualização daquele diploma legal. Uma delas refere-se à regra do art. 90-G, em que a Comissão prevê a possibilidade de, na ação reparatória referente a interesses e direitos difusos e coletivos, haver a condenação, independentemente de pedido do autor, ao pagamento de indenização pelos danos, patrimoniais e morais.

Após exaustivos trabalhos realizados pelo primeiro relator do Projeto na Câmara Federal, Deputado Sérgio Barradas Carneiro, que realizou um grande número de audiências públicas destinadas a ouvir o maior número possível de representantes de diferentes setores da sociedade, o novo relator, Deputado Paulo Teixeira, inicia seus trabalhos resgatando todo o material colhido, selecionado e organizado pelo Deputado Barradas Carneiro e promovendo sucessivas reuniões com Professores de diferentes Universidades e tendências. Seu objetivo é o de colher sugestões para, em seguida, consolidar todo o material e preparar seu relatório, encaminhando o Projeto para votação.

IX Jornadas Brasileiras de Direito Processual

Dentre os Professores ouvidos pelo Deputado Paulo Teixeira destacam-se Teresa Arruda Alvim Wambier (relatora geral do projeto encaminhado ao Senado Federal), Cândido Rangel Dinamarco, Arruda Alvim, José Ignácio Botelho de Mesquita, Fredie Didier, Leonardo da Cunha, Cássio Scarpinella Bueno, Daniel Mitidiero e Luiz Guilherme Wagner.

O evento, que acontece nos dias 29, 30 e 31 de agosto, no Rio de Janeiro, conta com a participação de Teresa Arruda Alvim Wambier que, além de proferir as palavras de abertura, como presidente do IBDP, ministra a palestra ‘Em direção ao common law?’, durante o Painel V: Tutela Jurisdicional Contemporânea.

LIVROS CURSO AVANÇADO DE PROCESSO CIVIL v.1, v.2 e v.3

Autores: Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini Editora RT - Revista dos Tribunais Vol. 1 - Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento 12a edição - revista, atualizada e ampliada Vol. 2 - Execução 12a edição - revista, atualizada e ampliada Vol. 3 - Processo Cautelar e Procedimentos Especiais 11a edição - revista, atualizada e ampliada

DIREITO JURISPRUDENCIAL Coordenadora: Teresa Arruda Alvim Wambier Editora: RT - Revista dos Tribunais

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EXPEDIENTE www.wambier.com.br Esta é uma publicação de circulação restrita do escritório Wambier & Arruda Alvim Wambier Advocacia e Consultoria Jurídica.

Coordenação e Produção Luiz Rodrigues Wambier Teresa Arruda Alvim Wambier Maria Lúcia Lins Conceição Advogados Associados Ailton dos Santos Azevedo - Airton Jose Dias Coradassi Filho - Alexandre Bark - Aline Elizabeth Prado da Silveira - Ana Beatriz dos Santos de Oliveira Rocha - Ana Luiza Wambier - Ana Paula de Vasconcelos Ribeiro - André Luiz Lamin Ribeiro de Queiroz - André Ortiz Pires - Andrea Sartori - Arthur Mendes Lobo - Carlos Alberto Nepomuceno Filho - Caroline Rupel Scarano - Cassius Marcellus Gobbo Secco - Charline Lara Aires - Clayton Luis da Silva Ribeiro - Danflauer Antunes Pereira Junior - Daniel Antonio Ribeiro de Souza - Daniel Specht Schneider - Daniela Corrêa Lopes - Daniela Peretti D’Ávila - David Pereira Cardoso - Eduardo Macedo Richard - Elisangela Makoski - Esio Oliveira de Souza Filho - Evaristo Aragão Santos - Evelyn Moreno Weck - Everton Bruno Lohn - Fabiana Maria Nunes Luvizotto - Fabio Maurício Andreato - Fabrício Coimbra Chesco - Fabricio Kava - Fátima Denise Fabrin Felipe Correa dos Santos Nader - Fernanda Camilo de Souza - Fernanda Loyola Rabello de Mello - Fernanda Vieira Giovanini - Francisco Carlos de Toledo Júnior - Gerard Kaghtazian Filho - Hélio Ricardo Diniz Krebs - Hertel Rehbein Junior - Hugo Golart Moreschi - Isabel Spinardi Rosas - Janaína de Souza - Janaína Gomes Ribeiro - Jhonatan Avila Marmentini - Joanna Rozário Haiduck - Karina Pacheco - Karolyne Cristina Albino Quadri Manzano - Larissa Caxambú de Almeida - Larissa Leopoldina Piaceski - Lauriane Samways Mendes - Leocádio Prolik - Leonardo Teixeira Freire - Luciana Luckner Zanetti - Luis Fernando Pedruco - Luiz Rodrigues Wambier - Maicon Gonçalves de Jesus - Manuela Rupel - Marcela Maria do Canto Defert - Maria Claudia Stansky - Maria Lúcia Lins Conceição Mariana de Barros Ribeiro - Mauri Marcelo Bervervanço Junior - Monica Eliz Nardino - Monica Mine Yao - Patrícia Carla de Deus Lima - Patrícia Carla Fernandes - Patrícia Marin da Rocha - Patrícia Yamasaki Teixeira - Paulo Roberto Ayub da Costa - Perola Pletsch - Pricila Campos Marcos - Priscila Kei Sato - Priscila Mara Casarolli - Rafael de Arruda Alvim Pinto - Rafael de Paula Sirigatti - Renata Guerra de Andrade Max - Renato Antunes Ferreira - Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos - Rodrigo Camargo Pereira - Samantha Cambraia Stocchero de Mello - Samuel Sergio do Santo - Silvia Helena do Valle Andretta - Smith Robert Barreni - Suelen Mariana Henk - Taíla Caproni Ferreira Fortes - Tatiana de Azevedo Lahóz - Tayla Born Alves - Teresa Arruda Alvim Wambier - Thaís Amoroso Paschoal - Thalita Carolina Figueiredo de Souza - Thiago Conte Lofredo Tedeschi - Thomaz Tiessi Suzuki - Vinicius Santos Ribas

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