Versus Magazine #12 Fevereiro/Março 2011

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s i a c i s u m s e õ x e l f e r

dico

Ser medíocre por opção – II Sendo a música uma área de natural exposição pública não surpreende que, a partir do momento em que os executantes se tornam conhecidos, tripliquem a “carteira” de “amigos”. Reproduzemse como coelhos. Passa instantaneamente a haver uma legião de tubarões interesseiros auto-intitulados “amigos” do músico “X”, ainda que ambos só hajam privado escassos minutos uma vez na vida. Quando tocava nos Dinosaur, entre 1990 e 1992, o recorde de pessoas a conviver em simultâneo no meu quarto de 10m2 (onde se encontrava montada a bateria) foi 13, entre amigos genuínos (dois), conhecidos e sanguessugas oportunistas (todos os restantes). Quando abandonei o grupo só os verdadeiros amigos permaneceram (julgava eu!), tendo as restantes “espécies” debandado calma e ordeiramente, sem que eu sequer lhes sentisse a falta. Fora dos Dinosaur, a minha figura já não era atractiva para os tubarões exibirem à família e aos amigos, qual bichinho de circo. Após esse episódio comecei a organizar a formação dos Orion Belt – projecto que seria a génese dos Powersource – com o meu amigo e guitarrista Rui Lourenço. Certo dia recebi uma chamada de um amigo de longa data, a que chamarei “M2”. Falávamos do meu abandono dos Dinosaur e da dificuldade em completar a formação dos Orion Belt quando, sarcástica e maldosamente, “M2” afirmou, num riso nervoso e com voz estridente, “nunca conseguirás formar uma banda tua. Podes tentar mas não vais conseguir, ha, ha”. Esta atitude maldosa, de amesquinhamento premeditado, surpreendeu-me e chocou-me pro-

fundamente. Mal consegui retorquir. Seria capaz de por as mãos no fogo por “M2” que, percebi naquele momento, era apenas mais um tubarão. À semelhança de outros, durante muito tempo este…”amigo” havia-se alimentado do protagonismo dos Dinosaur. Frustrado, vivera dos holofotes que o apanhavam de raspão Nos tempos áureos, “M2” passara longas horas na minha casa. Gabava-se publicamente de privar com a banda, de assistir aos ensaios e de ver concertos gratuitamente. Sentindo-se traído pelo meu abandono do grupo (facto que o impedia de continuar a alimentar o ego inchado) resolveu vingar-se tentando arrastar-me para o fundo do poço. Obviamente, a amizade terminou nesse mesmo telefonema. Vários anos mais tarde, já após eu ter fundado os Powersource (facto que “M2” afirmara ser impossível, recordam-se?) e ter gravado com os Sacred Sin, eu e esse ex-amigo encontrámo-nos casualmente duas vezes, tendo-se ele manifestado arrependido da sua atitude. Queria reatar a amizade. Tentei fazê-lo, de ambas as vezes, dando-lhe o benefício da dúvida, mas já éramos pessoas tão diferentes, com valores radicalmente opostos nalguns casos, que não fazia sentido algum levar por diante uma amizade sem alma. Afastei-me, de forma natural. Às vezes é melhor assim.

Antigo jornalista e crítico de música, fundador dos blogues “Metal Incandescente” e “A a Z do Metal Português”, Dico publica actualmente no blogue “SounD(/) ZonE” o texto “Breve História do Metal Português”. Disponibilizado em quatro partes, cada uma delas incidindo numa década específica – desde os anos 60 até à década de 90 – este trabalho visa dar a conhecer os verdadeiros primórdios da música pesada nacional e sua evolução no tempo. Segundo o autor, “ao contrário do que muitos fãs julgam a génese do Metal português não reside na década de oitenta. Com efeito, há toda uma vasta história pré-anos 80 escrita a sangue, suor e lágrimas por grupos cuja existência deve ser lembrada e preservada”. Os artigos, compostos por textos de contextualização história, política, social e musical, bem como por biografias das bandas retratadas, são disponibilizados online com uma periodicidade bimestral, sofrendo actualizações quando necessário. Os textos sobre os anos 60 e 70 (até ao 25 de Abril) já podem ser lidos em http://soundzonemagazine.blogspot.com


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