Coletânea de Textos brasileiros

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Sílvia consegue atribuir o verbo (martelou) a sua escrita, mas lhe parece inadmissível que algo possa estar escrito em um segmento com apenas uma letra. Imagina então que essa letra possa ser um pedaço de um dos substantivos, no caso o "ta", de tábua.

Entrevistador

Laura (6 anos)

(Lê a oração.) O que diz?

"Papai martelou a tábua."

Diz papai em algum lugar?

Aqui (mostra "papai").

Diz tábua em algum lugar?

Aqui ("tábua").

O que diz aqui? (mostra "martelou")

"Martelo"

E aqui? ("a")

O que diz o texto todo?

"Papai martelou a tábua."

Onde está escrito "tábua"?

Mostra "tábua".

O que diz aí?

"Tábua"

E aqui? ("a")

Diz algo ou não diz nada?

Não, não diz nada.

Por quê?

Tem uma letra só.

Mas para Laura apenas os nomes estão escritos.Tanto que não teve dúvidas em transformar o verbo "martelou" no substantivo "martelo". Esse não foi um procedimento particular de uma criança. No caso desse enunciado várias crianças que estavam nesse momento do processo transformaram "martelou" em "martelo", uma solução engenhosa para resolver a questão ali, naquele momento. Essa questão — a distinção entre "o que está escrito" e "o que se pode ler" — evolui, evidentemente, na direção inversa à da apresentação das entrevistas. Erick é mais avançado que Silvia e esta, que Laura. No entanto, os três têm a mesma idade. Estamos enfatizando esse fato para marcar que na evolução das idéias sobre a escrita a idade conta menos que o tempo de participação em situações e atividades em que a escrita está presente, direta ou indiretamente. Se a idade fosse a variável mais importante, não existiriam adultos analfabetos. No vídeo O que está escrito e o que se pode ler, 2a parte, temos uma ilustração da evolução dessas hipóteses através da seqüenciação das entrevistas de sete crianças. Nelas vemos inicialmente Ricardo Patrick considerar todos os fragmentos (para nós, "palavras") do texto, mesmo os de poucas letras, e atribuir a cada um deles, reiteradamente, um dos substantivos da frase:

M1U6T5

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