Coletânea de Textos brasileiros

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que acabou virando antes do tal viaduto e acabamos numas ruas escuras onde disseram que hotel, do jeito que a mãe queria, o mais perto era do lado do tal viaduto. Quando o pai conseguiu achar de novo uma rua movimentada, buzinaram pra nós e ele perguntou se aqueles filhos da puta não podiam parar um minuto. A mãe falou que ele é que devia parar duma vez e perguntar pra um guarda. Discutiram isso uma meia hora com o carro andando mas, quando o pai parou e ela abriu a janela e botou a cara pra fora, o guarda apitou e mandou tocar em frente, tocar em frente, passamos de novo em frente o Hotel Paraíso e o pai xingou a mãe, São Paulo, os ônibus e o lazarento do espelho retrovisor que entortava toda hora. Quando passamos pela terceira vez pelo Hotel Paraíso o pai falou — quer saber duma coisa? — e enfiou o carro no estacionamento. Depois, na portaria, o homem falou que dois quartos, do jeito que minha mãe queria, não tinha, mas desocupavam no outro dia de manhã. Ela perguntou mas que hotel é este que não tem nem pia nos quartos, mas meu pai falou que servia sem pia mesmo e o homem disse que pra qualquer coisa o banheiro era no fim do corredor e muito asseado. O homem subiu com a gente e a mãe reclamando da escada e dizendo que já estava sentindo o cheiro nojento do banheiro. Aí o homem abriu uma porta e ela falou que o cheiro de mofo do quarto só faltava derrubar a gente, meu pai falou para o homem desculpar que ela era assim mesmo. Aí ela empurrou a gente pra dentro e fechou a porta, dali a pouco o pai e a Linalva entraram com as malas, o pai abriu a janela e ficou olhando pra fora e ouvindo as buzinas e a mãe, abrindo as malas e reclamando que ela não era vaca pra ser "assim mesmo". O pai saiu e trouxe pastéis, empadinhas com azeitonas dentro, quibe e um leite que vinha em saquinhos de papel. A mãe falou que pelo menos uma coisa ele tinha acertado porque assim não precisava usar nenhum copo imundo de hotel, lavou um saquinho na pia, enxugou com uma das toalhas que a gente tinha levado, rasgou a ponta do saquinho e me deu, e aquilo foi a grande coisa que conheci naquele dia de viagem. Depois de vazios eu e a Alice quisemos guardar nossos saquinhos, mas a mãe falou que só serviam pra chamar baratas de noite. Quando o pai sentou na cama com um jornal que falava do Palmeiras, a mãe falou que ele tinha que mandar o homem trazer logo o tal berço pra Alice, e tinha que buscar um travesseiro pra mim no quarto da Linalva. O pai saiu parecendo que ia explodir ou então murchar até virar um rato no chão, e a mãe ficou reclamando da falta de cabides. Quando o berço já estava no nosso quarto e a Linalva no quarto dela, eu e a Alice de pijama já deitando, a mãe falou pro pai fechar a janela que ia entrar pernilongo. Ele disse que se ela quisesse morrer abafada ele ia dormir em outro quarto, mas acabou fechando a janela e dizendo que ia sair. Ela falou que ele podia voltar bem tarde e ele falou que ia era pra um lugar onde mulher sabe tratar um homem, ela disse que ele podia ficar lá pra sempre e ele saiu batendo a porta. Ela acendeu um abajur no criado-mudo e falou que aquilo parecia quarto não sei do quê, tinha até abajur cor-de-rosa. Eu perguntei quarto do quê, ela disse que eu devia era ficar quieto e dormir que a Alice já estava no segundo sono. No dia seguinte buzinaram não sei pra quem e eu acordei. A mãe estava sentada na cama de casal com um mata-mosquito na mão, tão igual ao de casa que fui ver e era ele mesmo com as marcas que eu tinha feito pra cada mosquito que matei numa tarde de castigo na despensa.

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