CADA HOMEM É UMA RAÇA

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- Não vão muito lá. Sempre eu vos aviso: o lume acende de ser soprado. Mas no fundo, Constante gostava de saber as novidades. Inquiria sobre as coisas vistas. Os filhos devolviam palavras soltas, pedaços de um retrato rasgado. Depois, o pai insistia: que não fossem muito lá, talvez era um louco perigoso. Sobretudo, era um mulato. E se explanava: o misto não é sim, nem não. É um talvez. Branco, se lhe convém. Negro, se lhe interessa. E, depois, como esquecer a vergonha que eles trazem de sua mãe? Chiquinha intercedia: não seriam os todos. Haveria, por certo, os bons tanto como os maus. - São vocês que não sabem. Não vão lá, acabou-se. Por tempos, os filhos obedeceram. A menina, porém. Mais que às vezes, ela retomava a subida, fingindo ir à lenha. O velho pai, olhando as demoras, suspeitava de desobediência. Mas ficava calado, à espera do destino. Uma noite, já o xipefo se consumia, Chiquinha foi surpreendida ao entrar. O pai: - Estiveste onde? - Fui lá, papá. Não posso mentir. Constante Bene mastigou a ofensa, meditou o castigo. Mas essa filha já está do corpo da falecida, pensou. E amoleceu. - Sabe Chiquinha: quem proíbe o mel é a própria abelha. Entende o que estou-te a dizer? Ela acenou com a cabeça. Seguiu-se uma vagarosa espera. Bene soprou a chama, convidando o escuro. Invisíveis, os dois se fitavam melhor. O pai, então, perguntou: - Alguma coisa ele falou? - Sim, falou. - Afinal? E esse misto disse o quê? Chiquinha permaneceu como se nada tivesse ouvido. O pai aguardando na esquina da curiosidade. Mas um homem velho, por respeito devido, não pode demorar de ser respondido. - Ouça, filha: não ouviste que te perguntei?

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