Dançar é Crescer - Aldara Bizarro e o Projecto Respira

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Licenciada em História pela Universidade do Porto, tem pós-graduação em Gestão das Artes pelo Instituto Nacional de Administração / Universidade de Columbia de Nova Iorque. Coordena o Serviço de Artes Performativas e é programadora de Dança Contemporânea do Auditório do Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves.

Dina Mendonça

Fez o Mestrado em Filosofia para Crianças da Montclair State University em New Jersey e é investigadora doutorada pela University of South Califórnia. Tem actualmente bolsa de pós-doutoramento no Instituto de Filosofia da Linguagem da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e trabalha em projectos e investigação sobre a Filosofia das Emoções.

¶ DANÇAR é CRESCER apresenta uma consolidação do método do Projecto Respira, caracteriza a coreógrafa que o criou e testemunha uma experiência inovadora de criação artística, rica em desenvolvimento humano. O livro reúne ainda as colaborações de Fernando Hernández, Teresa Fradique, Cristina Grande e Dina Mendonça, que viram irradiar questões artísticas, pedagógicas e científicas no Respira e as analisaram.

Dançar é Crescer

Cristina Grande

¶ Entre 2007 e 2009 Aldara Bizarro realizou o Projecto Respira envolvendo, em duas criações de dança contemporânea, crianças e jovens de várias escolas de Portugal. Quis partilhar a sua visão coreográfica do mundo para que, pelo fazer, o conhecessem melhor. O mundo dela e o deles. Juntos pesquisaram a vida a partir do corpo e do gesto, compuseram obras e apresentaram doze espectáculos, nas cidades de Cascais, Estarreja, Fundão, Guimarães e Torres Novas. Participaram mais de cem pessoas dos teatros, das escolas e da comunidade profissional: criadores de figurinos, música e vídeo, outros coreógrafos e bailarinos.

Aldara Bizarro e o Projecto Respira

Autores Convidados

Fernando Hernández

Teresa Fradique

Mestre e Doutoranda em Antropologia social, o seu trabalho cruza a investigação etnográfica com a reflexão em torno das práticas das artes visuais, do design, da performance e das culturas urbanas. Em 2003 publicou o livro Fixar o Movimento: Representações da música rap em Portugal (Edições D. Quixote). É Professora Adjunta da ESAD Caldas da Rainha (IPL).

ISBN: 978-989-658-126-8

PAULA VARANDA

Professor catedrático da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona, doutorado em Psicologia, formador de professores e especialista em processos de inovação curricular e educação artística. Participa regularmente em equipas de investigação multidisciplinares. Entre outros títulos publicou em 2007 Espigador@s de la cultura visual_Otra narrativa para la educación de las artes visuales.

Dançar é Crescer

Aldara Bizarro e o Projecto Respira

PAULA VARANDA

Paula Varanda

Completou o Bacharelato da Escola Superior de Dança (1994) e o Mestrado em Coreografia e Artes Performativas na Middlesex University (2003); nesta universidade desenvolve desde 2008 investigação em dança para doutoramento, primeiro com bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, e depois da Fundação Para a Ciência e Tecnologia. Como profissional fez criação coreográfica, interpretação, formação, produção, política cultural e assistência editorial, colaborando com entidades como Alkantara, Jangada de Pedra, Instituto das Artes e Escola Superior de Dança. Foi directora artística do projecto dansul – dança para a comunidade no sudeste alentejano, entre 2008 e 2011. Publicou nas revistas Animated e Obscena, no livro TeDance (Daniel Tércio, 2009) e no livro-DVD que coordenou sobre o projecto Nu Kre Bai Na Bu Onda (Alkantara 2010). Escreve desde 2004 crítica de dança para o jornal Público.


Autores Convidados Cristina Grande

Dançar é Crescer

Licenciada em História pela Universidade do Porto, tem pós-graduação em Gestão das Artes pelo Instituto Nacional de Administração / Universidade de Columbia de Nova Iorque. Coordena o Serviço de Artes Performativas e é programadora de Dança Contemporânea do Auditório do Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves.

Paula Varanda

Dina Mendonça

Fez o Mestrado em Filosofia para Crianças da Montclair State University em New Jersey e é investigadora doutorada pela University of South Califórnia. Tem actualmente bolsa de pós-doutoramento no Instituto de Filosofia da Linguagem da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e trabalha em projectos e investigação sobre a Filosofia das Emoções.

Fernando Hernández

Professor catedrático da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona, doutorado em Psicologia, formador de professores e especialista em processos de inovação curricular e educação artística. Participa regularmente em equipas de investigação multidisciplinares. Entre outros títulos publicou em 2007 Espigador@s de la cultura visual_Otra narrativa para la educación de las artes visuales.

Teresa Fradique

Mestre e Doutoranda em Antropologia social, o seu trabalho cruza a investigação etnográfica com a reflexão em torno das práticas das artes visuais, do design, da performance e das culturas urbanas. Em 2003 publicou o livro Fixar o Movimento: Representações da música rap em Portugal (Edições D. Quixote). É Professora Adjunta da ESAD Caldas da Rainha (IPL).

Completou o Bacharelato da Escola Superior de Dança (1994) e o Mestrado em Coreografia e Artes Performativas na Middlesex University (2003); nesta universidade desenvolve desde 2008 investigação em dança para doutoramento, primeiro com bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, e depois da Fundação Para a Ciência e Tecnologia. Como profissional fez criação coreográfica, interpretação, formação, produção, política cultural e assistência editorial, colaborando com entidades como Alkantara, Jangada de Pedra, Instituto das Artes e Escola Superior de Dança. Foi directora artística do projecto dansul – dança para a comunidade no sudeste alentejano, entre 2008 e 2011. Publicou nas revistas Animated e Obscena, no livro TeDance (Daniel Tércio, 2009) e no livro-DVD que coordenou sobre o projecto Nu Kre Bai Na Bu Onda (Alkantara 2010). Escreve desde 2004 crítica de dança para o jornal Público.

Aldara Bizarro e o Projecto Respira

PAULA VARANDA

ISBN: 978-989-658-126-8

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Autores Convidados Cristina Grande

Dançar é Crescer

Licenciada em História pela Universidade do Porto, tem pós-graduação em Gestão das Artes pelo Instituto Nacional de Administração / Universidade de Columbia de Nova Iorque. Coordena o Serviço de Artes Performativas e é programadora de Dança Contemporânea do Auditório do Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves.

Paula Varanda

Dina Mendonça

Fez o Mestrado em Filosofia para Crianças da Montclair State University em New Jersey e é investigadora doutorada pela University of South Califórnia. Tem actualmente bolsa de pós-doutoramento no Instituto de Filosofia da Linguagem da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e trabalha em projectos e investigação sobre a Filosofia das Emoções.

Fernando Hernández

Professor catedrático da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona, doutorado em Psicologia, formador de professores e especialista em processos de inovação curricular e educação artística. Participa regularmente em equipas de investigação multidisciplinares. Entre outros títulos publicou em 2007 Espigador@s de la cultura visual_Otra narrativa para la educación de las artes visuales.

Teresa Fradique

Mestre e Doutoranda em Antropologia social, o seu trabalho cruza a investigação etnográfica com a reflexão em torno das práticas das artes visuais, do design, da performance e das culturas urbanas. Em 2003 publicou o livro Fixar o Movimento: Representações da música rap em Portugal (Edições D. Quixote). É Professora Adjunta da ESAD Caldas da Rainha (IPL).

Completou o Bacharelato da Escola Superior de Dança (1994) e o Mestrado em Coreografia e Artes Performativas na Middlesex University (2003); nesta universidade desenvolve desde 2008 investigação em dança para doutoramento, primeiro com bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, e depois da Fundação Para a Ciência e Tecnologia. Como profissional fez criação coreográfica, interpretação, formação, produção, política cultural e assistência editorial, colaborando com entidades como Alkantara, Jangada de Pedra, Instituto das Artes e Escola Superior de Dança. Foi directora artística do projecto dansul – dança para a comunidade no sudeste alentejano, entre 2008 e 2011. Publicou nas revistas Animated e Obscena, no livro TeDance (Daniel Tércio, 2009) e no livro-DVD que coordenou sobre o projecto Nu Kre Bai Na Bu Onda (Alkantara 2010). Escreve desde 2004 crítica de dança para o jornal Público.

Aldara Bizarro e o Projecto Respira

PAULA VARANDA

este documento PDF é uma amostra do livro para pré-visualização. Encomenda de exemplares disponível em www.caleidoscópio.pt

ISBN: 978-989-658-126-8

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Índice

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Agradecimentos

7

Introdução

9

1. Um desejo de chegar ao público

15

Cristina Grande, Dina Mendonça, Fernando Hernández e Teresa Fradique

2. Conceitos e características do Projecto Respira

35

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3. Tempo, espaço e acção

49

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4. Processo criativo

73 73 87

Paula Varanda

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Aldara Bizarro

Francisca Vaz Pinto e Rita Vieira KI8;LxÂF ;F <JG8E?FC

Rita Vieira

Aldara Bizarro – direcção artística e coreografia Artistas colaboradores – figurinos, vídeo e música

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Jangada de Pedra – Produção de dança e teatro ;<J@>E >IÝ=@:F < G8>@E8xÂF

Ana Sarmento =FKF>I8=@8J

António Rebolo, Carlota Lagido, Cláudia Mateus, Dina Campos Lopes, Edméa Brigham, João Pinto, José Alfredo, Rita Vieira, Rui Silveira, Samuel Sequeira, Steve Stoer @J9E

978-989-658-152-7 ;<GäJ@KF C<>8C

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Caleidoscópio_Edição e Artes Gráficas, SA Rua de Estrasburgo, 26 – r/c dto. ȢȦȠȥƛȧȥȦ | | | } | ƙ | ƂƄ ƟȣȥȡƠ Ȣȡ ȩȨȡ ȧȩ ȦȠ ƙ | Ƅ ƟȣȥȡƠ Ȣȡ ȩȨȡ ȧȩ ȥȥ e-mail: caleidoscopio@caleidoscopio.pt www.caleidoscopio.pt 8GF@F

Jangada de Pedra é uma estrutura financiada pela

5. Aproximações teóricas ao Projecto Respira A DIMENSÃO PEDAGÓGICA DO PROJECTO RESPIRA Fernando Hernández PARA CONTINUAR A DANÇAR Dina Mendonça O PODER ENCANTATÓRIO DAS CRIANÇAS-PERFORMERS Teresa Fradique CRIAÇÃO ABERTA À DESCOBERTA COMUM Cristina Grande

101 103 112 117 126

Conclusão

131

Fotografias

137 161

Notas

162

Anexos

165 166 167 168 171 177

Créditos fotográficos

Cronologia do Projecto Respira Geografia do Projecto Respira Textos de Aldara Bizarro publicados nos programas de espectáculo Ficha artística e técnica do Projecto Respira Notas biográficas dos artistas envolvidos no Projecto Respira


Índice

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Agradecimentos

7

Introdução

9

1. Um desejo de chegar ao público

15

Cristina Grande, Dina Mendonça, Fernando Hernández e Teresa Fradique

2. Conceitos e características do Projecto Respira

35

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3. Tempo, espaço e acção

49

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4. Processo criativo

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Paula Varanda

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Aldara Bizarro

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Aldara Bizarro – direcção artística e coreografia Artistas colaboradores – figurinos, vídeo e música

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António Rebolo, Carlota Lagido, Cláudia Mateus, Dina Campos Lopes, Edméa Brigham, João Pinto, José Alfredo, Rita Vieira, Rui Silveira, Samuel Sequeira, Steve Stoer @J9E

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Jangada de Pedra é uma estrutura financiada pela

5. Aproximações teóricas ao Projecto Respira A DIMENSÃO PEDAGÓGICA DO PROJECTO RESPIRA Fernando Hernández PARA CONTINUAR A DANÇAR Dina Mendonça O PODER ENCANTATÓRIO DAS CRIANÇAS-PERFORMERS Teresa Fradique CRIAÇÃO ABERTA À DESCOBERTA COMUM Cristina Grande

101 103 112 117 126

Conclusão

131

Fotografias

137 161

Notas

162

Anexos

165 166 167 168 171 177

Créditos fotográficos

Cronologia do Projecto Respira Geografia do Projecto Respira Textos de Aldara Bizarro publicados nos programas de espectáculo Ficha artística e técnica do Projecto Respira Notas biográficas dos artistas envolvidos no Projecto Respira


Introdução

¶ Aldara Bizarro faz espectáculos de dança contemporânea há vinte anos. O seu percurso profissional é revelador de uma vontade determinada, uma aproximação poética à vida e uma consciência activista. Na dança – enquanto experiência corporal capaz de sentir, reflectir e dizer – vê um potencial de transformação, numa sociedade dividida pela supremacia dos valores materiais e alheada dos fundamentos que nos motivam a existir em grupo. Perante uma população mormente desconhecedora da arte a que se dedica e a ausência da dança (como prática artística contemporânea) no sistema de ensino oficial português, escolheu agir, com aquilo que melhor sabe fazer. No seguimento de várias peças dirigidas ao público infanto-juvenil, a coreógrafa concebeu o Projecto Respira para construir uma obra com os seus novos espectadores. Partindo de métodos e objectivos comuns o mesmo projecto origina peças diferentes, moldadas às temáticas, participantes e condicionantes logísticas que variam de cada vez que se faz. ¶ Este livro documenta as primeiras edições do Projecto Respira, realizadas entre 2007 e 2009, que envolveram, em duas novas criações, crianças e jovens de várias escolas de Portugal. Aldara Bizarro quis partilhar a sua visão coreográfica do mundo para que, pelo fazer, eles o conhecessem melhor. O mundo dela, o deles, o nosso. Juntos pesquisaram durante vários meses sobre a vida, a partir do corpo e do gesto, compuseram obras pluridisciplinares e, apresentaram doze espectáculos nas cidades de Cascais, Estarreja, Fundão, Guimarães e Torres Novas. Participaram mais de cem pessoas dos teatros, das escolas e da comunidade profissional: criadores de figurinos, música e vídeo, outros coreógrafos e bailarinos. Fizeram obras tocantes, que desafiaram tanto os alunos como as capacidades dos artistas em transmitir as suas ideias, desenvolvê-las em colectivo e articulálas num discurso comum, coerente e inovador. As avaliações das escolas, salientaram resultados surpreendentes no aproveitamento, comportamento e relacionamento dos alunos entre si e deles com 9


DANÇAR É CRESCER

os professores. Alteraram-se posturas e hábitos instituídos no quotidiano escolar, revelaram-se pessoas, atenuaram-se fronteiras no estatuto social e ficou-se a saber mais. Para os jovens participantes o Respira surge quando estão muito perto ou já na idade da inquietação, inibição e intolerância, antes de se tornarem adultos. Atalhar esse percurso perturbador pela experiência da dança, mostrando modos de viver diferentes, com atitudes mais permeáveis e aventureiras, é significativo do potencial de valorização e conhecimento deste projecto. Não menos relevante, nasceu da relação com eles uma obra importante no contexto profissional. Foram bem conciliados objectivos artísticos com objectivos de desenvolvimento pessoal e social, sensibilizando inevitavelmente novos públicos para a importância das artes nesse devir, enquanto processo e enquanto afirmação. ¶ A responsável por tudo isto, pediu-me para olhar para este trabalho e escrever sobre ele. O meu papel é dar a ver o projecto, contribuindo para a consolidação do método e caracterização da coreógrafa que o criou. Para o fazer, juntei-me ao grupo: observei, senti, conversei e também vivi o Respira. Quis reunir neste livro a constelação de motivações, ideias, métodos, resultados e reacções que, ao longo de dois anos, se exprimiram em dois processos criativos com estratégias de produção e princípios semelhantes. Como norma, mantive essa unidade, que é estimulada pela coreógrafa. Na apresentação aos seus pares, às instituições ou ao público, ela nomeia sempre este trabalho de Projecto Respira, diferenciando-o apenas pelos anos: 2007/2008 e 2008/2009. Porém cresceram duas histórias únicas e irrepetíveis. Por isso, fixei nesta documentação nomes que no léxico nativo não existiam, como “o Respira do corpo” e “o Respira do gesto” ou, “o primeiro Respira” e “o segundo Respira”, para apontar situações concretas que determinaram ou resultaram de um percurso particular. Começo por rever o trajecto profissional de Aldara Bizarro, porque o seu interesse em pesquisar sobre as relações entre a dança e a pedagogia é antigo. Também as temáticas e o método que ela desenvolveu no Respira foram antes explorados e refinados com diferentes obras e oficinas dirigidas a crianças e jovens. Para além do reconhecimento de uma carreira, esta apresentação é fundamental para compreender as origens e objectivos do Projecto Respira. No segundo capítulo são delineados os princípios e características comuns que orientam a realização do projecto na sua globalidade, mas também as 10

INTRODUÇÃO

circunstâncias e modificações que o distinguiram estruturalmente de um ano para outro. ¶ O terceiro capítulo apresenta a configuração espacio-temporal do Respira enquanto se concretiza. Em que lugares se trabalhou, que pessoas intervieram e com que papeis; quais são as diferentes fases de trabalho e o que se faz nelas, desde as negociações iniciais, passando pela exploração criativa e encenação, até à partilha com o público e à reflexão sobre o que foi feito. O processo desencadeado e dirigido por Aldara Bizarro é assimilado com alguma autonomia pelos artistas que ela convida a colaborar. Compreender como se faz a obra e porquê é o objecto do quarto capítulo: indica o papel aglutinador da coreógrafa em todo o projecto; desvenda as premissas e práticas do seu processo criativo; e explica como os outros profissionais contribuíram para gerar uma criação colectiva em cada ano. Ao longo da descrição e análise, usei muitas citações de várias entrevistas que fiz a Aldara Bizarro, ou das conversas com criadores, professores, alunos e representantes dos teatros, que mantive durante o acompanhamento no terreno ou posteriormente para reflexão e avaliação. Estas memórias e opiniões, muito sugestivas, foram cruciais para me manter fortemente ligada à vivência do Projecto Respira quando mais tarde escrevi sobre ele. Quis também assegurar que algumas das coisas bonitas que se disseram não ficavam esquecidas. A sua inclusão, a meu ver, transmite da melhor forma a variedade enriquecedora de perspectivas que se cruzaram. Para evitar repetidas notas à margem, identifiquei cada voz sempre que é citada dentro do meu próprio texto. A apresentação fotográfica que encerra o livro – imprescindível para mostrar a beleza, a diversidade e a animação do Respira que as palavras evocam – foi sequenciada com um percurso cronológico e autónomo da exposição escrita. Juntei as duas realizações como se fossem uma só durante o processo de introdução, pesquisa e composição, para chegar a dois espectáculos separados no final. ¶ Aldara Bizarro pediu-me ainda para chamar outros observadores. É assim que tenho no quinto capítulo, a companhia de Fernando Hernández, Teresa Fradique, Cristina Grande e Dina Mendonça, que viram irradiar questões artísticas, pedagógicas e científicas no Respira e as analisaram. Hernández propõe considerar a arte e os artistas do Projecto Respira, como exemplos de inovação que oferecem à escola pistas para repensar a organização curricular e metodologias de ensino; Mendonça explica como decorre 11


DANÇAR É CRESCER

os professores. Alteraram-se posturas e hábitos instituídos no quotidiano escolar, revelaram-se pessoas, atenuaram-se fronteiras no estatuto social e ficou-se a saber mais. Para os jovens participantes o Respira surge quando estão muito perto ou já na idade da inquietação, inibição e intolerância, antes de se tornarem adultos. Atalhar esse percurso perturbador pela experiência da dança, mostrando modos de viver diferentes, com atitudes mais permeáveis e aventureiras, é significativo do potencial de valorização e conhecimento deste projecto. Não menos relevante, nasceu da relação com eles uma obra importante no contexto profissional. Foram bem conciliados objectivos artísticos com objectivos de desenvolvimento pessoal e social, sensibilizando inevitavelmente novos públicos para a importância das artes nesse devir, enquanto processo e enquanto afirmação. ¶ A responsável por tudo isto, pediu-me para olhar para este trabalho e escrever sobre ele. O meu papel é dar a ver o projecto, contribuindo para a consolidação do método e caracterização da coreógrafa que o criou. Para o fazer, juntei-me ao grupo: observei, senti, conversei e também vivi o Respira. Quis reunir neste livro a constelação de motivações, ideias, métodos, resultados e reacções que, ao longo de dois anos, se exprimiram em dois processos criativos com estratégias de produção e princípios semelhantes. Como norma, mantive essa unidade, que é estimulada pela coreógrafa. Na apresentação aos seus pares, às instituições ou ao público, ela nomeia sempre este trabalho de Projecto Respira, diferenciando-o apenas pelos anos: 2007/2008 e 2008/2009. Porém cresceram duas histórias únicas e irrepetíveis. Por isso, fixei nesta documentação nomes que no léxico nativo não existiam, como “o Respira do corpo” e “o Respira do gesto” ou, “o primeiro Respira” e “o segundo Respira”, para apontar situações concretas que determinaram ou resultaram de um percurso particular. Começo por rever o trajecto profissional de Aldara Bizarro, porque o seu interesse em pesquisar sobre as relações entre a dança e a pedagogia é antigo. Também as temáticas e o método que ela desenvolveu no Respira foram antes explorados e refinados com diferentes obras e oficinas dirigidas a crianças e jovens. Para além do reconhecimento de uma carreira, esta apresentação é fundamental para compreender as origens e objectivos do Projecto Respira. No segundo capítulo são delineados os princípios e características comuns que orientam a realização do projecto na sua globalidade, mas também as 10

INTRODUÇÃO

circunstâncias e modificações que o distinguiram estruturalmente de um ano para outro. ¶ O terceiro capítulo apresenta a configuração espacio-temporal do Respira enquanto se concretiza. Em que lugares se trabalhou, que pessoas intervieram e com que papeis; quais são as diferentes fases de trabalho e o que se faz nelas, desde as negociações iniciais, passando pela exploração criativa e encenação, até à partilha com o público e à reflexão sobre o que foi feito. O processo desencadeado e dirigido por Aldara Bizarro é assimilado com alguma autonomia pelos artistas que ela convida a colaborar. Compreender como se faz a obra e porquê é o objecto do quarto capítulo: indica o papel aglutinador da coreógrafa em todo o projecto; desvenda as premissas e práticas do seu processo criativo; e explica como os outros profissionais contribuíram para gerar uma criação colectiva em cada ano. Ao longo da descrição e análise, usei muitas citações de várias entrevistas que fiz a Aldara Bizarro, ou das conversas com criadores, professores, alunos e representantes dos teatros, que mantive durante o acompanhamento no terreno ou posteriormente para reflexão e avaliação. Estas memórias e opiniões, muito sugestivas, foram cruciais para me manter fortemente ligada à vivência do Projecto Respira quando mais tarde escrevi sobre ele. Quis também assegurar que algumas das coisas bonitas que se disseram não ficavam esquecidas. A sua inclusão, a meu ver, transmite da melhor forma a variedade enriquecedora de perspectivas que se cruzaram. Para evitar repetidas notas à margem, identifiquei cada voz sempre que é citada dentro do meu próprio texto. A apresentação fotográfica que encerra o livro – imprescindível para mostrar a beleza, a diversidade e a animação do Respira que as palavras evocam – foi sequenciada com um percurso cronológico e autónomo da exposição escrita. Juntei as duas realizações como se fossem uma só durante o processo de introdução, pesquisa e composição, para chegar a dois espectáculos separados no final. ¶ Aldara Bizarro pediu-me ainda para chamar outros observadores. É assim que tenho no quinto capítulo, a companhia de Fernando Hernández, Teresa Fradique, Cristina Grande e Dina Mendonça, que viram irradiar questões artísticas, pedagógicas e científicas no Respira e as analisaram. Hernández propõe considerar a arte e os artistas do Projecto Respira, como exemplos de inovação que oferecem à escola pistas para repensar a organização curricular e metodologias de ensino; Mendonça explica como decorre 11


DANÇAR É CRESCER

INTRODUÇÃO

a reflexão filosófica no trabalho de Aldara Bizarro e a dança se distingue enquanto campo favorecido para pensar em comunidade; Fradique incide no exemplo das crianças que se interpretam a si próprias e, no caminho de descoberta e encantamento, que o processo criativo da coreógrafa possibilita. Finalmente, Cristina Grande vê o Respira como um projecto que faz arte com a vida, que promove uma configuração social harmoniosa, onde o diálogo entre diferenças é construtivo, o que o torna pertinente para um discurso político contemporâneo. Como introdução a estes textos, indico ligações a algumas linhas de força que ao longo do meu trabalho aglutinador se evidenciaram e que, sob olhares especializados, são retomadas com autonomia e a devida profundidade. A conjugação destas colaborações cria um enquadramento teórico do Projecto Respira, elevando-o como caso-estudo para futuras práticas, políticas e reflexões. ¶ Este livro interessará, em primeiro lugar, aos artistas, professores, directores de escolas, programadores e responsáveis autárquicos implicados na realização do Projecto Respira, bem como aos seus espectadores. Esta é uma memória e uma reflexão sobre uma experiência pioneira de criação artística, rica em desenvolvimento humano, a que todos deram corpo. Será também útil para os estudantes de nível superior da dança, da educação e das ciências sociais, os professores do ensino básico e os profissionais dos campos artístico, pedagógico ou científico, cujo trabalho se interessa pelo potencial da arte na formação do indivíduo e das sociedades. Gostaria igualmente de chegar a outros leitores que, sem ligações imediatas ou antecedentes, possam ser cativados pela originalidade e excelência do projecto. ¶ No ano de publicação de Dançar é Crescer estreia uma nova criação resultante do terceiro Respira, agora em colaboração com instituições de Estarreja e Lisboa. A natureza flexível do projecto permite adaptá-lo a condições de produção variáveis o que facilita a sua pertinente continuidade. Espero que a documentação crítica que conseguimos aqui reunir contribua para inspirar novas uniões, ímpares e gratificantes, como foram as primeiras realizações do Projecto Respira. Dentro da arte aconteceu um cruzamento excepcional de pessoas, lugares, acções e emoções. Paula Varanda 12

13


1. Um desejo de chegar ao público ¶ Aldara Bizarro tem desenvolvido o seu trabalho artístico e pedagógico com a preocupação de criar a oportunidade, o interesse e o gosto pelo espectáculo de dança contemporânea, junto de pessoas a quem ele não costuma chegar. Este texto, identifica os traços autorais proeminentes desse trabalho e descreve como eles se foram consolidando ou modificando, ao longo de um trajecto profissional, para responder a uma vontade de ampliar o público e, por essa via, a experiência da dança na vida das pessoas, muitas delas crianças. O conjunto da obra da artista é mais vasto do que o universo aqui apresentado, como indica o currículo que integra o conjunto de anexos. Escolheu-se destacar as peças para crianças e jovens, por serem aquelas em que questões de acessibilidade, comunicabilidade, portabilidade e interactividade foram cruciais equacionar na concepção e realização. Sendo um breve olhar sobre o trabalho da coreógrafa, esta introdução pretende dar a conhecer as preocupações, princípios, métodos e intenções que fizeram nascer o Projecto Respira.

Dança de uma nova geração ¶ O percurso profissional de Aldara Bizarro começou nos anos 1990 e estava enquadrado no que então se chamou o período da nova dança portuguesa1. Este momento histórico exprimiu-se com grande nitidez pela ocorrência simultânea de três condições favoráveis: a afirmação plural de novos artistas que reclamavam um discurso e posição autónomos em relação às instituições de referência da altura – o Ballet Gulbenkian ou a Companhia Nacional de Bailado; a programação de eventos culturais e algumas mostras, em Portugal e no estrangeiro, como o Europália 912 e Lisboa 94 Capital Europeia da Cultura, que deram visibilidade e prestígio aos criadores emergentes; e, ainda, a observação teórica e comunicação deste movimento, feita pela comunicação social e alguma literatura criada para o efeito3. Tal como a maior parte dos artistas que participaram neste movimento, Aldara Bizarro recebeu formação complementar nos Estados Unidos da América 15


1. Um desejo de chegar ao público ¶ Aldara Bizarro tem desenvolvido o seu trabalho artístico e pedagógico com a preocupação de criar a oportunidade, o interesse e o gosto pelo espectáculo de dança contemporânea, junto de pessoas a quem ele não costuma chegar. Este texto, identifica os traços autorais proeminentes desse trabalho e descreve como eles se foram consolidando ou modificando, ao longo de um trajecto profissional, para responder a uma vontade de ampliar o público e, por essa via, a experiência da dança na vida das pessoas, muitas delas crianças. O conjunto da obra da artista é mais vasto do que o universo aqui apresentado, como indica o currículo que integra o conjunto de anexos. Escolheu-se destacar as peças para crianças e jovens, por serem aquelas em que questões de acessibilidade, comunicabilidade, portabilidade e interactividade foram cruciais equacionar na concepção e realização. Sendo um breve olhar sobre o trabalho da coreógrafa, esta introdução pretende dar a conhecer as preocupações, princípios, métodos e intenções que fizeram nascer o Projecto Respira.

Dança de uma nova geração ¶ O percurso profissional de Aldara Bizarro começou nos anos 1990 e estava enquadrado no que então se chamou o período da nova dança portuguesa1. Este momento histórico exprimiu-se com grande nitidez pela ocorrência simultânea de três condições favoráveis: a afirmação plural de novos artistas que reclamavam um discurso e posição autónomos em relação às instituições de referência da altura – o Ballet Gulbenkian ou a Companhia Nacional de Bailado; a programação de eventos culturais e algumas mostras, em Portugal e no estrangeiro, como o Europália 912 e Lisboa 94 Capital Europeia da Cultura, que deram visibilidade e prestígio aos criadores emergentes; e, ainda, a observação teórica e comunicação deste movimento, feita pela comunicação social e alguma literatura criada para o efeito3. Tal como a maior parte dos artistas que participaram neste movimento, Aldara Bizarro recebeu formação complementar nos Estados Unidos da América 15


DANÇAR É CRESCER

ou norte da Europa, familiarizando-se com correntes aí mais estabelecidas, que preconizavam a desconstrução de normas estéticas dominantes na dança, pesquisavam novos processos de composição e questionavam a postura do corpo em palco e o que ele podia transmitir a nível político e ideológico, fosse de forma mais visual ou mais visceral. Até ao presente, não voltou a existir, em Portugal, outro momento de ruptura tão evidente e criou-se, de facto, uma conjuntura nova que, ainda hoje, informa o desenvolvimento da dança contemporânea no território nacional e influencia novos criadores e as suas posições artísticas. ¶ Nas primeiras coreografias de Aldara Bizarro, criadas neste período de mudança e inovação, revelava-se uma abordagem às emoções pessoais do universo feminino, como exemplificam os solos da Love Series4, desenvolvidos sobre o tema do amor – imaginado, conseguido, recusado, desiludido, ou transformador. Esta temática decorria, com naturalidade, do que era mais importante naquele momento da sua vida. Notava-se também uma componente visual forte, com grande protagonismo dos elementos cenográficos, mormente objectos do quotidiano, valorizados e multiplicados em funções pela acção da intérprete, tornando mais explícito o propósito da acção. Por aqui se manifestava um interesse pelo detalhe e autenticidade do movimento, que inspirou a criação de um vocabulário personalizado e diverso, fruto da pesquisa em torno de ideias e intenções. Por outro lado, mantinha-se presente uma formação clássica que contribuía para decisões sobre sequenciação e variação de elementos como a forma e a dinâmica. Nesta época, apareciam já tendências que, com o tempo, se definiram e tornaram traços autorais de distinção, tanto no resultado como no processo que lhe dá origem. Observando o seguimento de várias obras, percebe-se que o interesse da artista recai numa reflexão sobre os fundamentos da existência humana e como esta se manifesta através do corpo, numa simbiose do biológico e do metafísico. Na origem da sua actividade criativa está sempre uma pergunta; e o que resulta, para a coreógrafa, é quase sempre profundo e universal: quando falam de factos e desejos da sua vida, as pessoas estão a dizer coisas muito mais profundas sobre quem são, o que querem, porque são assim, e o que as preocupa; reflectem paradoxos existenciais que lhes tocam individualmente, mas também como seres integrados numa cultura e numa sociedade de que fazem parte 16

1. UM DESEJO DE CHEGAR AO PÚBLICO

¶ No trabalho de Aldara Bizarro o significado é bastante importante. Os objectos, tal como a palavra (cuja utilização se tornou regular), ajudam a enfatizar o poder comunicativo do corpo. Também desde cedo começou a ser utilizado o vídeo para abrir janelas do palco para outros lugares, aproximar o espectador do intérprete (mostrando planos aproximados de detalhes do que está em cena) e ilustrar com imagens, literal ou evocativamente, algumas das ideias enunciadas no espectáculo. Apesar desse recurso a elementos diversos para expor mais objectivamente uma intenção e um tema, a coreógrafa tende a baralhar as ideias de que ela mesma quer falar; aparece então em todos os seus trabalhos, com maior ou menor evidência, um discurso fragmentado, criativo e não linear, que enfatiza um clima trágico-cómico. Esta forma de exprimir como ela diz “as linhas de discordância que vejo no nosso pensamento, nas pessoas, que muitas vezes dizem uma coisa e fazem outra”, é uma opção deliberada, que decorre naturalmente de um sentido de humor peculiar e marca decididamente as peças que assina, a maneira de tratar os assuntos e a escolha dos seus colaboradores. ¶ Em 1998, Madalena Victorino, coreógrafa e professora, que então coordenava o Centro de Pedagogia e Animação (CPA) do Centro Cultural de Belém (CCB), desafiou Aldara Bizarro a fazer uma peça dirigida ao público infantil. Este convite proporcionou um eixo de mudança e influenciou fortemente o rumo do trabalho criativo e pedagógico da coreógrafa, que passou a equacionar sistematicamente dois problemas: que universo temos em comum com as crianças? E como abordálo através da dança contemporânea? Estas interrogações estavam ligadas a uma preocupação maior e fundamental: a necessidade de cativar novos públicos para o valor da dança enquanto actividade geradora de conhecimento e de reflexões essenciais para o desenvolvimento do indivíduo. Aldara Bizarro fez desde então várias obras dirigidas ao público infantojuvenil, nas quais afinou um discurso poético e filosófico, que se tornou característico, e acentuou uma pesquisa própria sobre a ligação entre o movimento coreografado e o corpo humano, sua fonte primordial. A revisão deste trabalho identifica a origem de estratégias particulares para a concepção e transmissão de uma obra de dança contemporânea dirigida a um público que a desconhece. Neste percurso destaca-se a integração da interactividade como forma de interpelar e incluir o espectador no espectáculo.

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DANÇAR É CRESCER

ou norte da Europa, familiarizando-se com correntes aí mais estabelecidas, que preconizavam a desconstrução de normas estéticas dominantes na dança, pesquisavam novos processos de composição e questionavam a postura do corpo em palco e o que ele podia transmitir a nível político e ideológico, fosse de forma mais visual ou mais visceral. Até ao presente, não voltou a existir, em Portugal, outro momento de ruptura tão evidente e criou-se, de facto, uma conjuntura nova que, ainda hoje, informa o desenvolvimento da dança contemporânea no território nacional e influencia novos criadores e as suas posições artísticas. ¶ Nas primeiras coreografias de Aldara Bizarro, criadas neste período de mudança e inovação, revelava-se uma abordagem às emoções pessoais do universo feminino, como exemplificam os solos da Love Series4, desenvolvidos sobre o tema do amor – imaginado, conseguido, recusado, desiludido, ou transformador. Esta temática decorria, com naturalidade, do que era mais importante naquele momento da sua vida. Notava-se também uma componente visual forte, com grande protagonismo dos elementos cenográficos, mormente objectos do quotidiano, valorizados e multiplicados em funções pela acção da intérprete, tornando mais explícito o propósito da acção. Por aqui se manifestava um interesse pelo detalhe e autenticidade do movimento, que inspirou a criação de um vocabulário personalizado e diverso, fruto da pesquisa em torno de ideias e intenções. Por outro lado, mantinha-se presente uma formação clássica que contribuía para decisões sobre sequenciação e variação de elementos como a forma e a dinâmica. Nesta época, apareciam já tendências que, com o tempo, se definiram e tornaram traços autorais de distinção, tanto no resultado como no processo que lhe dá origem. Observando o seguimento de várias obras, percebe-se que o interesse da artista recai numa reflexão sobre os fundamentos da existência humana e como esta se manifesta através do corpo, numa simbiose do biológico e do metafísico. Na origem da sua actividade criativa está sempre uma pergunta; e o que resulta, para a coreógrafa, é quase sempre profundo e universal: quando falam de factos e desejos da sua vida, as pessoas estão a dizer coisas muito mais profundas sobre quem são, o que querem, porque são assim, e o que as preocupa; reflectem paradoxos existenciais que lhes tocam individualmente, mas também como seres integrados numa cultura e numa sociedade de que fazem parte 16

1. UM DESEJO DE CHEGAR AO PÚBLICO

¶ No trabalho de Aldara Bizarro o significado é bastante importante. Os objectos, tal como a palavra (cuja utilização se tornou regular), ajudam a enfatizar o poder comunicativo do corpo. Também desde cedo começou a ser utilizado o vídeo para abrir janelas do palco para outros lugares, aproximar o espectador do intérprete (mostrando planos aproximados de detalhes do que está em cena) e ilustrar com imagens, literal ou evocativamente, algumas das ideias enunciadas no espectáculo. Apesar desse recurso a elementos diversos para expor mais objectivamente uma intenção e um tema, a coreógrafa tende a baralhar as ideias de que ela mesma quer falar; aparece então em todos os seus trabalhos, com maior ou menor evidência, um discurso fragmentado, criativo e não linear, que enfatiza um clima trágico-cómico. Esta forma de exprimir como ela diz “as linhas de discordância que vejo no nosso pensamento, nas pessoas, que muitas vezes dizem uma coisa e fazem outra”, é uma opção deliberada, que decorre naturalmente de um sentido de humor peculiar e marca decididamente as peças que assina, a maneira de tratar os assuntos e a escolha dos seus colaboradores. ¶ Em 1998, Madalena Victorino, coreógrafa e professora, que então coordenava o Centro de Pedagogia e Animação (CPA) do Centro Cultural de Belém (CCB), desafiou Aldara Bizarro a fazer uma peça dirigida ao público infantil. Este convite proporcionou um eixo de mudança e influenciou fortemente o rumo do trabalho criativo e pedagógico da coreógrafa, que passou a equacionar sistematicamente dois problemas: que universo temos em comum com as crianças? E como abordálo através da dança contemporânea? Estas interrogações estavam ligadas a uma preocupação maior e fundamental: a necessidade de cativar novos públicos para o valor da dança enquanto actividade geradora de conhecimento e de reflexões essenciais para o desenvolvimento do indivíduo. Aldara Bizarro fez desde então várias obras dirigidas ao público infantojuvenil, nas quais afinou um discurso poético e filosófico, que se tornou característico, e acentuou uma pesquisa própria sobre a ligação entre o movimento coreografado e o corpo humano, sua fonte primordial. A revisão deste trabalho identifica a origem de estratégias particulares para a concepção e transmissão de uma obra de dança contemporânea dirigida a um público que a desconhece. Neste percurso destaca-se a integração da interactividade como forma de interpelar e incluir o espectador no espectáculo.

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2. Conceitos e características do Projecto Respira ¶ O Projecto Respira foi idealizado para proporcionar a crianças e jovens a experiência directa de um processo de criação artística e, por consequência, o conhecimento do que constitui um espectáculo de dança contemporânea. Partindo de um conjunto de princípios e objectivos comuns, os projectos realizados entre 2007 e 2009 deram origem a duas criações distintas, fruto da variação de temáticas, de intervenientes e de condicionantes logísticas que os viabilizaram. Os jovens participantes do Respira são alunos de turmas do 6º ano do ensino básico e são de diferentes escolas sedeadas em diferentes localidades do país. Cada turma desenvolve uma área artística nuclear, como o corpo, os figurinos, o vídeo e a música, para prestar uma contribuição específica na peça colectiva final. As equipas de trabalho constituem-se pelos alunos (acompanhados pelos seus professores) e por um grupo de artistas profissionais que se integra temporariamente na comunidade escolar, fazendo a direcção artística de uma co-criação com os estudantes. Para concretizar o Projecto Respira, a Jangada de Pedra – produção de dança e teatro (entidade proponente que é dirigida pela coreógrafa), constitui acordos de parceria com estabelecimentos de ensino, entidades de programação, autarquias ou associações, que permitem assegurar um forte compromisso colectivo a médio prazo. Há uma fase de exploração de três meses com aulas e ensaios regulares, em que surgem actividades pontuais como ensaios abertos, conversas e encontros, para divulgar o trabalho de cada núcleo na escola e entre escolas. Nos dois meses seguintes, reúne-se o material feito por cada turma, com métodos e rotinas próprios da criação de um espectáculo de dança. Este processo culmina na apresentação pública, que circula pelos vários pontos do país onde se criou cada Projecto Respira, confrontando desse modo, com familiares e desconhecidos, o trabalho realizado. Desta forma resumido o projecto pode parecer simples e estável. Mas, na realidade, as primeiras edições do Projecto Respira foram odisseias cheias de contingências e constrangimentos. As duas belas viagens concretizadas apenas foram possíveis consumar por uma enorme vontade e determinação de chegar ao fim. Este capítulo incide no modelo operacional proposto e nas questões mais estruturantes que o informam. O Respira tenciona assumidamente agir em áreas 35


2. Conceitos e características do Projecto Respira ¶ O Projecto Respira foi idealizado para proporcionar a crianças e jovens a experiência directa de um processo de criação artística e, por consequência, o conhecimento do que constitui um espectáculo de dança contemporânea. Partindo de um conjunto de princípios e objectivos comuns, os projectos realizados entre 2007 e 2009 deram origem a duas criações distintas, fruto da variação de temáticas, de intervenientes e de condicionantes logísticas que os viabilizaram. Os jovens participantes do Respira são alunos de turmas do 6º ano do ensino básico e são de diferentes escolas sedeadas em diferentes localidades do país. Cada turma desenvolve uma área artística nuclear, como o corpo, os figurinos, o vídeo e a música, para prestar uma contribuição específica na peça colectiva final. As equipas de trabalho constituem-se pelos alunos (acompanhados pelos seus professores) e por um grupo de artistas profissionais que se integra temporariamente na comunidade escolar, fazendo a direcção artística de uma co-criação com os estudantes. Para concretizar o Projecto Respira, a Jangada de Pedra – produção de dança e teatro (entidade proponente que é dirigida pela coreógrafa), constitui acordos de parceria com estabelecimentos de ensino, entidades de programação, autarquias ou associações, que permitem assegurar um forte compromisso colectivo a médio prazo. Há uma fase de exploração de três meses com aulas e ensaios regulares, em que surgem actividades pontuais como ensaios abertos, conversas e encontros, para divulgar o trabalho de cada núcleo na escola e entre escolas. Nos dois meses seguintes, reúne-se o material feito por cada turma, com métodos e rotinas próprios da criação de um espectáculo de dança. Este processo culmina na apresentação pública, que circula pelos vários pontos do país onde se criou cada Projecto Respira, confrontando desse modo, com familiares e desconhecidos, o trabalho realizado. Desta forma resumido o projecto pode parecer simples e estável. Mas, na realidade, as primeiras edições do Projecto Respira foram odisseias cheias de contingências e constrangimentos. As duas belas viagens concretizadas apenas foram possíveis consumar por uma enorme vontade e determinação de chegar ao fim. Este capítulo incide no modelo operacional proposto e nas questões mais estruturantes que o informam. O Respira tenciona assumidamente agir em áreas 35


DANÇAR É CRESCER

que Aldara Bizarro considera essenciais, para a educação e a sociedade, e sobre as quais tem ideias amadurecidas que aqui põe em prática; por isso se discute o estado do corpo na escola, a relação de espelho entre arte e vida, a especialidade da dança e o significado do exemplo profissional, ou a importância do cruzamento entre identidades e saberes diferentes. Esta perspectiva, mais teórica, justifica a convergência de lugares, de comunidades e de áreas artísticas que acontece no Respira, bem como a deslocação da sede de criação. Só assim se consegue entender a dimensão do desafio aqui abraçado para criar uma nova obra de arte. ¶ Ao longo do seu percurso enquanto criadora de peças de dança contemporânea dirigidas ao público infanto-juvenil (e da actividade pedagógica enquadrada nesse trajecto), Aldara Bizarro foi percebendo que os espaços culturais em que se movia com maior frequência tinham um alcance limitado. Os participantes ou espectadores variavam pouco na origem e na cultura que ela expressava, vindo quase sempre das mesmas escolas, concentradas na área da Grande Lisboa e pertencendo, na maioria, a um estatuto social de classe média. Esta população era assim pouco representativa da realidade do país e, como foi ilustrado na análise já efectuada de algumas das suas obras, a coreógrafa decidiu empenhar-se a fundo no alargamento do seu público. Naturalmente isso trazer-lhe-ia maior reconhecimento da sua voz particular enquanto artista mas, acima de tudo, a motivação residia em sentir que ela tinha experiências importantes para partilhar com mais pessoas no geral e com mais crianças em particular. Muitas das peças feitas antes do Respira foram concebidas para permitir interacções com os jovens espectadores. Esta característica causa um relacionamento inequívoco entre o palco e a plateia, permitindo uma aproximação à obra de arte que, por um lado, desmistifica o seu estatuto e, por outro, reconhece a importância de dinamizar o acto de recepção para envolver o observador, mostrando-lhe que faz parte. Destas práticas, Aldara Bizarro absorveu “a importância do fazer” como um aspecto essencial para projectar o Respira: “participar no espectáculo e fazer nele algumas acções gerava muito interesse e entusiasmo nas crianças”. De facto, para além da relação directa com o grau de atenção conseguido com essa opção, notavam-se também efeitos surpreendentes na compreensão e criação de empatia com a dança contemporânea como forma de expressão artística. A necessidade de alargar o seu público e o desejo de o pôr a participar na composição, levaram a artista a decidir fazer o Projecto Respira. Mas porquê fazê-lo com a escola? Porquê sair do estúdio ou do teatro, espaços protegidos e adequados para exploração, desenvolvimento e ensaios de um trabalho artístico desta natureza? 36

2. CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS DO PROJECTO RESPIRA

A escola mostrou-se o lugar de eleição para chegar às crianças porque representa o sítio onde elas estão organizadas em grupo, diariamente, e com rotinas de aprendizagem. É uma instituição que assume a necessária responsabilidade legal pelas crianças perante os encarregados de educação. É também o único local com esta configuração que existe por todo o país e que por isso consegue assegurar uma distribuição geográfica ampla do projecto e o acesso a contextos culturais, sociais e económicos diferentes. Por outro lado a escola tem, pelo menos teoricamente, capacidade de prestar condições essenciais e assumir um compromisso de vários meses, sem o qual seria impossível começar. Mas também e não menos importante, nas sociedades actuais a escola é o lugar primordial da educação. O trabalho de Aldara Bizarro junta as experiências artística e pedagógica, porque ela as vê como inseparáveis. Nas suas palavras, envolver a escola era inevitável porque “ia encontrar grupos diversos de jovens, com várias realidades e estratos sociais, e podia trabalhar o corpo na escola, partilhando com os alunos a minha forma de fazer dança, como artista”. ¶ O desenvolvimento deste projecto em contexto escolar tem implicações profundas. Ele destabiliza modelos de funcionamento em várias frentes e afecta muito a forma como se realiza o Respira a diversos níveis, como será visível mais adiante, quando for observado detalhadamente o processo criativo e de produção. Como ponto de partida, o Respira, representa uma alternativa no panorama da educação pela arte em Portugal já que, no ensino geral, à excepção da educação musical e educação visual e tecnológica, outras áreas são leccionadas esporadicamente e a título extra-curricular. Ao habitar a escola Aldara Bizarro conseguiu trabalhar com as crianças regularmente, em grande proximidade, e não como algo excepcional tal como acontecia nos espectáculos anteriores. No Respira criou-se uma oportunidade de integração da prática artística na rotina escolar, introduzindo uma outra relação com o corpo que, sem justificação satisfatória, está reprimido e desaproveitado: Para mim esta intervenção era muito importante porque eu sentia que a escola está toda arrumada para o cérebro; que não há uma relação directa com o espaço e com as pessoas. Os miúdos passam muitas horas sentados e há sempre qualquer coisa que se interpõe entre os próprios alunos ou entre eles e os professores, como as mesas, as cadeiras, ou os computadores. As escolas funcionam com o pensamento apenas através de materiais, de objectos, 37


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que Aldara Bizarro considera essenciais, para a educação e a sociedade, e sobre as quais tem ideias amadurecidas que aqui põe em prática; por isso se discute o estado do corpo na escola, a relação de espelho entre arte e vida, a especialidade da dança e o significado do exemplo profissional, ou a importância do cruzamento entre identidades e saberes diferentes. Esta perspectiva, mais teórica, justifica a convergência de lugares, de comunidades e de áreas artísticas que acontece no Respira, bem como a deslocação da sede de criação. Só assim se consegue entender a dimensão do desafio aqui abraçado para criar uma nova obra de arte. ¶ Ao longo do seu percurso enquanto criadora de peças de dança contemporânea dirigidas ao público infanto-juvenil (e da actividade pedagógica enquadrada nesse trajecto), Aldara Bizarro foi percebendo que os espaços culturais em que se movia com maior frequência tinham um alcance limitado. Os participantes ou espectadores variavam pouco na origem e na cultura que ela expressava, vindo quase sempre das mesmas escolas, concentradas na área da Grande Lisboa e pertencendo, na maioria, a um estatuto social de classe média. Esta população era assim pouco representativa da realidade do país e, como foi ilustrado na análise já efectuada de algumas das suas obras, a coreógrafa decidiu empenhar-se a fundo no alargamento do seu público. Naturalmente isso trazer-lhe-ia maior reconhecimento da sua voz particular enquanto artista mas, acima de tudo, a motivação residia em sentir que ela tinha experiências importantes para partilhar com mais pessoas no geral e com mais crianças em particular. Muitas das peças feitas antes do Respira foram concebidas para permitir interacções com os jovens espectadores. Esta característica causa um relacionamento inequívoco entre o palco e a plateia, permitindo uma aproximação à obra de arte que, por um lado, desmistifica o seu estatuto e, por outro, reconhece a importância de dinamizar o acto de recepção para envolver o observador, mostrando-lhe que faz parte. Destas práticas, Aldara Bizarro absorveu “a importância do fazer” como um aspecto essencial para projectar o Respira: “participar no espectáculo e fazer nele algumas acções gerava muito interesse e entusiasmo nas crianças”. De facto, para além da relação directa com o grau de atenção conseguido com essa opção, notavam-se também efeitos surpreendentes na compreensão e criação de empatia com a dança contemporânea como forma de expressão artística. A necessidade de alargar o seu público e o desejo de o pôr a participar na composição, levaram a artista a decidir fazer o Projecto Respira. Mas porquê fazê-lo com a escola? Porquê sair do estúdio ou do teatro, espaços protegidos e adequados para exploração, desenvolvimento e ensaios de um trabalho artístico desta natureza? 36

2. CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS DO PROJECTO RESPIRA

A escola mostrou-se o lugar de eleição para chegar às crianças porque representa o sítio onde elas estão organizadas em grupo, diariamente, e com rotinas de aprendizagem. É uma instituição que assume a necessária responsabilidade legal pelas crianças perante os encarregados de educação. É também o único local com esta configuração que existe por todo o país e que por isso consegue assegurar uma distribuição geográfica ampla do projecto e o acesso a contextos culturais, sociais e económicos diferentes. Por outro lado a escola tem, pelo menos teoricamente, capacidade de prestar condições essenciais e assumir um compromisso de vários meses, sem o qual seria impossível começar. Mas também e não menos importante, nas sociedades actuais a escola é o lugar primordial da educação. O trabalho de Aldara Bizarro junta as experiências artística e pedagógica, porque ela as vê como inseparáveis. Nas suas palavras, envolver a escola era inevitável porque “ia encontrar grupos diversos de jovens, com várias realidades e estratos sociais, e podia trabalhar o corpo na escola, partilhando com os alunos a minha forma de fazer dança, como artista”. ¶ O desenvolvimento deste projecto em contexto escolar tem implicações profundas. Ele destabiliza modelos de funcionamento em várias frentes e afecta muito a forma como se realiza o Respira a diversos níveis, como será visível mais adiante, quando for observado detalhadamente o processo criativo e de produção. Como ponto de partida, o Respira, representa uma alternativa no panorama da educação pela arte em Portugal já que, no ensino geral, à excepção da educação musical e educação visual e tecnológica, outras áreas são leccionadas esporadicamente e a título extra-curricular. Ao habitar a escola Aldara Bizarro conseguiu trabalhar com as crianças regularmente, em grande proximidade, e não como algo excepcional tal como acontecia nos espectáculos anteriores. No Respira criou-se uma oportunidade de integração da prática artística na rotina escolar, introduzindo uma outra relação com o corpo que, sem justificação satisfatória, está reprimido e desaproveitado: Para mim esta intervenção era muito importante porque eu sentia que a escola está toda arrumada para o cérebro; que não há uma relação directa com o espaço e com as pessoas. Os miúdos passam muitas horas sentados e há sempre qualquer coisa que se interpõe entre os próprios alunos ou entre eles e os professores, como as mesas, as cadeiras, ou os computadores. As escolas funcionam com o pensamento apenas através de materiais, de objectos, 37


Conclusão não tem resolução para ir até às margens, já está ampliada a 109%

¶ Fazer este livro foi um grande desafio e um grande prazer. A minha pergunta inquietante foi sempre como transmitir objectivamente a qualidade e diversidade do Projecto Respira e exprimir igualmente a espiritualidade que lhe pressenti. O objecto do meu trabalho era enorme; muito extenso no tempo, no espaço, nas pessoas, nas ideias, nos resultados e nas implicações. Foi preciso encontrar uma estrutura abrangente e elucidativa da complexidade, mas não factualmente fastidiosa e muito menos fragmentária. Para a construir, inspirei-me no poder unificador do processo criativo. Por outro lado, o Respira gerou muitas emoções. Era necessário registar essa atmosfera sem a desmistificar com a descrição mais técnica. Inspirei-me então nas imagens e sons de enorme beleza que fui vendo surgir com o relacionamento entre as pessoas e com o que elas criaram como obra de arte. Agora que finalmente dei conta do projecto nas suas vertentes estruturais, posso respirar fundo e terminar apontando algumas questões, talvez mais remotas mas bastante significativas da sua amplitude, que apareceram conforme mudava de perspectiva e me identificava com os vários grupos. ¶ Assim, junto-me aos professores para elogiar o Respira enquanto possibilidade de mudar estatutos e preconceitos. Recordo-me de dois momentos simbólicos: No Fundão, na azáfama da preparação para o espectáculo que animava os camarins, enquanto observava uma rapariga cabo-verdiana a fazer cuidadosamente trancinhas a um moço sorridente de Cascais, ouvi alguns rapazes discutir sobre a maquilhagem. Uns diziam que isso não era para homens e outros estavam ansiosos por experimentar. Meti-me na conversa e expliquei que para ir para palco, é normal homens e mulheres pintarem-se para darem contorno e expressão às feições da cara. Disse-lhes que aquela era a melhor altura para o fazer se quisessem, porque ali isso nada tinha a ver com ser “maricas” como eles receavam. Pouco tempo depois, vi os jovens da Amadora, de Estarreja, de Cascais e do Fundão, todos contentes pintando olhos e lábios uns aos outros e pedindo opinião e ajuda às professoras, que não tinham mãos a medir. 131


3. Tempo, espaço e acção ¶ O Projecto Respira tem um conjunto de princípios e modos operativos estruturantes que foram aplicados na realizações analisadas neste livro (2007/2008 e 2008/2009) e informam outras possíveis edições sucessoras. Estas são as linhas gerais, traçadas no capítulo anterior, que delimitam a sua acção e definem a sua identidade, enquanto projecto transversal às diferenças que resultam de processos criativos e de produção abertos e sujeitos a condicionantes variáveis – não há manual, mas sim uma espinha dorsal de convicções, intenções e métodos. A diversidade e convergência de pessoas, lugares, experiências, domínios artísticos e organizações, formam um contexto que é sempre particular em cada ano e proporcionam um processo dinâmico, onde surgem situações e resultados por vezes imprevisíveis; havendo a devida capacidade para assimilar os imprevistos, eles podem reverter a favor dos objectivos em causa e criar novas oportunidades. No primeiro Respira, três áreas artísticas eram desenvolvidas com as escolas e apenas um grupo de alunos actuou ao vivo. No segundo Respira, foram quatro as áreas artísticas desenvolvidas com alunos, havendo, em todas as turmas, quem actuasse ao vivo, complementando o que inicialmente estava apenas projectado para o grupo do movimento (o núcleo do corpo). Embora a opção de um processo mais simples tenha mostrado grandes vantagens em retrospectiva, a intensidade vivida no primeiro ano relativizou-se largamente face à complexidade, bastante maior, do ano seguinte. A avaliação do primeiro ano sugeria testar novas opções no segundo o que justificou algumas mudanças; além disso contavam as condições específicas determinadas pela negociação institucional entre parceiros, que afectaram consequentemente a resposta da população envolvida no processo. Em dois anos consecutivos, o crescimento do projecto foi tão espantoso quanto assustador. Um factor que equilibra a instabilidade das contingências e adaptações é a calendarização, que constitui uma rede bastante fixa para operacionalizar o Respira. Nos dois anos manteve-se um processo de trabalho dividido em fases distintas para negociar, introduzir, começar a explorar, encontrar o outro, continuar a criar para afinar, implementar no palco e actuar. O foco de análise deste capítulo é a maneira como este processo decorre, no mapa desenhado pelos lugares que o acolhem e durante o período extenso de cada realização. Apesar de algumas intersecções, em cada fase destacam-se diferentes objectivos, problemáticas, acções, 49


DANÇAR É CRESCER

tarefas e tipos de relação entre as pessoas e delas com os espaços de trabalho. O faseamento sincroniza uma marcha comum onde se enquadram e evoluem os pressupostos e metodologias dos artistas profissionais em funções de direcção, acompanhamento ou interpretação, que serão introduzidos posteriormente.

Negociar ¶ No ano lectivo que antecede uma edição do Projecto Respira, a Jangada de Pedra efectua os contactos com serviços educativos e programadores de cineteatros que possam estar interessados em co-produzir o espectáculo, acolhendo e financiando parcialmente o projecto. Quando há serviços educativos, como aconteceu com Guimarães e Torres Novas no primeiro ano, os seus técnicos assumem uma ligação mais profunda ao longo de todo o processo, colaborando na introdução à escola da prática artística e pedagógica que se pretende fazer. Estas reuniões de apresentação de objectivos e discussão de planos de trabalho, são facilitadas quando há um conhecimento mútuo prévio, fruto da apresentação anterior de outros trabalhos de Aldara Bizarro. Do mesmo modo, são abordadas as escolas, sempre que possível com mediação dos co-produtores ou, como foi o caso de Cascais e Amadora, directamente pela Jangada que, nessas situações, acumula também a ligação aos recintos de apresentação. Idealmente a coreógrafa planeia a existência, no máximo, de três áreas de criação que se desenvolvem com a participação de alunos. Foi assim que aconteceu no ano do primeiro projecto, com Cascais a fazer a dança com o apoio da autarquia local, Guimarães criando os figurinos em ligação com o Centro Cultural Vila Flor e Torres Novas produzindo o vídeo em ligação com o Teatro Virgínia. Mas no segundo ano, já estando confirmadas parcerias com a Câmara Municipal de Cascais (que manteve o núcleo de dança), com o Cineteatro de Estarreja (que ficou com o vídeo) e com A Moagem no Fundão (que desenvolveu a música na escola de Alpedrinha), o apoio condicional do Ministério da Educação implicou a inclusão da escola da Amadora. Por isso foi desenvolvida mais uma área artística ligada ás escolas, e a Amadora ficou com os figurinos. No período de negociação, sobressaem as figuras do director de serviço educativo ou cineteatro, do director da escola e dos directores de turma ou outros professores que assumem ficar com a coordenação. Em conjunto com a entidade 50

3. TEMPO, ESPAÇO E ACÇÃO

produtora, estes intervenientes definem como será feito o Projecto Respira no início do ano lectivo seguinte. É neste tempo que são asseguradas as condições logísticas e financeiras necessárias para avançar coordenadamente com três ou quatro lugares distintos. Nas escolas esta operação inclui ainda escolher a turma que irá desenvolver o projecto para ser definido, por adaptação, o seu horário curricular. A relação com o corpo docente acontece sobretudo com os professores ligados à turma escolhida e, em cada escola, o coordenador e o director de turma são as figuras centrais. O primeiro é normalmente alguém que se interessa pela educação artística e pedagogias alternativas, ou que tem uma relação forte com a turma, essencial para mediar conflitos entre os alunos e apelar à sua concentração. Segundo Aldara Bizarro, “estes professores são peças chave porque fazem uma ponte constante com o director de turma, são os motores do projecto na escola, estão muito presentes e são os que dialogam mais connosco: artistas, direcção e produção”. O director de turma pode sempre envolver-se no processo de maior proximidade e por vezes também assume a coordenação; a sua responsabilidade maior é no entanto administrativa, em relação ao conselho directivo e aos encarregados de educação (que autorizam as saídas da escola), aos próprios alunos e aos restantes colegas. Para terem os alunos disponíveis durante uma parte seguida do dia e por vezes em vários dias da semana, as escolas têm que agrupar disciplinas e organizar horários em conformidade. Normalmente, são ocupadas a educação visual e tecnológica, educação musical, educação física, educação cívica e moral ou a área de projecto, porque têm maior liberdade curricular e uma ligação mais imediata aos métodos e conteúdos que o Respira proporciona. Mas quando os cursos implicados são de formação profissional, o currículo é diferente e foi necessário, como refere a professora Silvina Marçalo da escola da Amadora, encontrar outras relações: Na apresentação do projecto preocupou-nos as disciplinas do nosso curso não terem nada a ver com artes. Mas acreditámos que poderia funcionar e aos poucos fomos encontrando pontos comuns. O empregado de mesa tem um comportamento público onde os gestos e a postura são importantes. Podia-se beneficiar por aí e pelo desenvolvimento da atenção e comunicação.

¶ O planeamento diário e semanal, para além de corresponder a necessidades próprias de cada núcleo, tem também que ser coordenado num plano mais geral, para permitir deslocações da coreógrafa Aldara Bizarro e dos seus colaboradores entre os diferentes locais, evitando sobreposições que afectem as sessões planeadas para desenvolvimento autónomo de cada área artística. 51


DANÇAR É CRESCER

tarefas e tipos de relação entre as pessoas e delas com os espaços de trabalho. O faseamento sincroniza uma marcha comum onde se enquadram e evoluem os pressupostos e metodologias dos artistas profissionais em funções de direcção, acompanhamento ou interpretação, que serão introduzidos posteriormente.

Negociar ¶ No ano lectivo que antecede uma edição do Projecto Respira, a Jangada de Pedra efectua os contactos com serviços educativos e programadores de cineteatros que possam estar interessados em co-produzir o espectáculo, acolhendo e financiando parcialmente o projecto. Quando há serviços educativos, como aconteceu com Guimarães e Torres Novas no primeiro ano, os seus técnicos assumem uma ligação mais profunda ao longo de todo o processo, colaborando na introdução à escola da prática artística e pedagógica que se pretende fazer. Estas reuniões de apresentação de objectivos e discussão de planos de trabalho, são facilitadas quando há um conhecimento mútuo prévio, fruto da apresentação anterior de outros trabalhos de Aldara Bizarro. Do mesmo modo, são abordadas as escolas, sempre que possível com mediação dos co-produtores ou, como foi o caso de Cascais e Amadora, directamente pela Jangada que, nessas situações, acumula também a ligação aos recintos de apresentação. Idealmente a coreógrafa planeia a existência, no máximo, de três áreas de criação que se desenvolvem com a participação de alunos. Foi assim que aconteceu no ano do primeiro projecto, com Cascais a fazer a dança com o apoio da autarquia local, Guimarães criando os figurinos em ligação com o Centro Cultural Vila Flor e Torres Novas produzindo o vídeo em ligação com o Teatro Virgínia. Mas no segundo ano, já estando confirmadas parcerias com a Câmara Municipal de Cascais (que manteve o núcleo de dança), com o Cineteatro de Estarreja (que ficou com o vídeo) e com A Moagem no Fundão (que desenvolveu a música na escola de Alpedrinha), o apoio condicional do Ministério da Educação implicou a inclusão da escola da Amadora. Por isso foi desenvolvida mais uma área artística ligada ás escolas, e a Amadora ficou com os figurinos. No período de negociação, sobressaem as figuras do director de serviço educativo ou cineteatro, do director da escola e dos directores de turma ou outros professores que assumem ficar com a coordenação. Em conjunto com a entidade 50

3. TEMPO, ESPAÇO E ACÇÃO

produtora, estes intervenientes definem como será feito o Projecto Respira no início do ano lectivo seguinte. É neste tempo que são asseguradas as condições logísticas e financeiras necessárias para avançar coordenadamente com três ou quatro lugares distintos. Nas escolas esta operação inclui ainda escolher a turma que irá desenvolver o projecto para ser definido, por adaptação, o seu horário curricular. A relação com o corpo docente acontece sobretudo com os professores ligados à turma escolhida e, em cada escola, o coordenador e o director de turma são as figuras centrais. O primeiro é normalmente alguém que se interessa pela educação artística e pedagogias alternativas, ou que tem uma relação forte com a turma, essencial para mediar conflitos entre os alunos e apelar à sua concentração. Segundo Aldara Bizarro, “estes professores são peças chave porque fazem uma ponte constante com o director de turma, são os motores do projecto na escola, estão muito presentes e são os que dialogam mais connosco: artistas, direcção e produção”. O director de turma pode sempre envolver-se no processo de maior proximidade e por vezes também assume a coordenação; a sua responsabilidade maior é no entanto administrativa, em relação ao conselho directivo e aos encarregados de educação (que autorizam as saídas da escola), aos próprios alunos e aos restantes colegas. Para terem os alunos disponíveis durante uma parte seguida do dia e por vezes em vários dias da semana, as escolas têm que agrupar disciplinas e organizar horários em conformidade. Normalmente, são ocupadas a educação visual e tecnológica, educação musical, educação física, educação cívica e moral ou a área de projecto, porque têm maior liberdade curricular e uma ligação mais imediata aos métodos e conteúdos que o Respira proporciona. Mas quando os cursos implicados são de formação profissional, o currículo é diferente e foi necessário, como refere a professora Silvina Marçalo da escola da Amadora, encontrar outras relações: Na apresentação do projecto preocupou-nos as disciplinas do nosso curso não terem nada a ver com artes. Mas acreditámos que poderia funcionar e aos poucos fomos encontrando pontos comuns. O empregado de mesa tem um comportamento público onde os gestos e a postura são importantes. Podia-se beneficiar por aí e pelo desenvolvimento da atenção e comunicação.

¶ O planeamento diário e semanal, para além de corresponder a necessidades próprias de cada núcleo, tem também que ser coordenado num plano mais geral, para permitir deslocações da coreógrafa Aldara Bizarro e dos seus colaboradores entre os diferentes locais, evitando sobreposições que afectem as sessões planeadas para desenvolvimento autónomo de cada área artística. 51


4. Processo Criativo

Aldara Bizarro ¶ Para realizar o Projecto Respira, Aldara Bizarro desdobra-se em funções de coordenação operativa e criativa global, além de desenvolver a sua especialidade profissional: uma actividade como coreógrafa que, de início, está centralizada no desenvolvimento do núcleo do corpo. Têm também um papel instigador os criadores responsáveis pelos núcleos de vídeo, figurinos e música, ou outros profissionais que os acompanham, para fazer o trabalho complementar de corpo. A análise do processo criativo começa por esclarecer o âmbito e importância da direcção artística; incide seguidamente sobre os princípios e práticas da criação coreográfica; e, para terminar, reúne as vozes dos artistas colaboradores, mostrando como se constitui o carácter interdisciplinar do Respira. O capítulo encerra lembrando que esta prática artística de inclusão e diversidade, requer um grau elevado de confiança por parte dos participantes e instituições.

Direcção artística ¶ Como iniciadora deste projecto, são os interesses e inquietações de Aldara Bizarro, identificados no primeiro capítulo, que determinam a configuração do Respira ao nível dos conceitos, métodos e distribuição do trabalho no espaço e no tempo, tal como foram discutidos no segundo e terceiro capítulos. Sabe-se já que, em cada ano, há uma temática central que individualiza o universo de cada espectáculo criado, dirige a criação fragmentada por núcleos que correspondem a diferentes áreas artísticas separadas geograficamente e que norteia, depois, a sua fusão numa unidade. O corpo foi escolhido como tema catalisador no Projecto Respira de 2007/2008, porque era um assunto que já tinha sido abordado em várias peças da coreógrafa, de forma primordial e marcante. Fazia muito sentido partilhar essa pesquisa com a escola, tendo em conta a ausência das práticas corporais no eixo 73


4. Processo Criativo

Aldara Bizarro ¶ Para realizar o Projecto Respira, Aldara Bizarro desdobra-se em funções de coordenação operativa e criativa global, além de desenvolver a sua especialidade profissional: uma actividade como coreógrafa que, de início, está centralizada no desenvolvimento do núcleo do corpo. Têm também um papel instigador os criadores responsáveis pelos núcleos de vídeo, figurinos e música, ou outros profissionais que os acompanham, para fazer o trabalho complementar de corpo. A análise do processo criativo começa por esclarecer o âmbito e importância da direcção artística; incide seguidamente sobre os princípios e práticas da criação coreográfica; e, para terminar, reúne as vozes dos artistas colaboradores, mostrando como se constitui o carácter interdisciplinar do Respira. O capítulo encerra lembrando que esta prática artística de inclusão e diversidade, requer um grau elevado de confiança por parte dos participantes e instituições.

Direcção artística ¶ Como iniciadora deste projecto, são os interesses e inquietações de Aldara Bizarro, identificados no primeiro capítulo, que determinam a configuração do Respira ao nível dos conceitos, métodos e distribuição do trabalho no espaço e no tempo, tal como foram discutidos no segundo e terceiro capítulos. Sabe-se já que, em cada ano, há uma temática central que individualiza o universo de cada espectáculo criado, dirige a criação fragmentada por núcleos que correspondem a diferentes áreas artísticas separadas geograficamente e que norteia, depois, a sua fusão numa unidade. O corpo foi escolhido como tema catalisador no Projecto Respira de 2007/2008, porque era um assunto que já tinha sido abordado em várias peças da coreógrafa, de forma primordial e marcante. Fazia muito sentido partilhar essa pesquisa com a escola, tendo em conta a ausência das práticas corporais no eixo 73


DANÇAR É CRESCER

da pedagogia preconizada no currículo nacional. Aldara Bizarro tinha ainda em mente desenvolver a ideia de que “tudo o que fazemos é propriedade nossa” e a noção do corpo como “património nómada”. Do resultado artístico deste primeiro projecto ficou uma frase emblemática e reveladora de uma perspectiva transversal, onde se faz uma redescoberta científica e até filosófica: “o corpo respira com a mente, o corpo alimenta a mente”. O Projecto 2008/2009, foi conduzido pela pesquisa sobre o gesto, que é uma extensão possível do corpo e remete com muita evidência para a questão do significado, fortemente presente nas criações de Aldara Bizarro. Neste passo, a coreógrafa aumentava o grau de reflexão necessário porque, começando por perguntar “que é o gesto?”, propunha uma análise que abarcava outras concepções para além da utilização do gesto físico no quotidiano, porventura mais abstractas e no entanto mais complexas, sobre as relações humanas. O tema do segundo Respira em relação ao primeiro, anunciou também uma pesquisa mais profunda, uma vez que o gesto remete ao detalhe. Para dar um tema e criar um leque de referências comuns em 2008/2009 a coreógrafa apresentou, aos colaboradores e alunos, o livro Cartas A Um Jovem Poeta de Rainer Maria Rilke (1903-1908)1. Desta forma pretendia instalar uma visão alargada como ponto de partida: “a noção do gesto como uma iniciativa; como uma atitude”. Para ela também fazia sentido “mostrar um pequeno livro de cartas que reflectem as preocupações dos criadores”. Aldara Bizarro começa por tecer uma malha de instituições, pessoas e ideias que torna operacional o desenvolvimento do projecto. Depois põe em prática uma lógica de união e cria uma obra de arte total, sintonizando a diversidade que ela comporta. Consegue-o com um processo feito de discussões entre os artistas profissionais, visitas pontuais às sessões regulares de trabalho dos outros núcleos e a direcção dos ensaios nos momentos de convergência colectiva (encontro entre turmas ou preparação de espectáculos). É ainda esta figura quem carrega o maior peso de responsabilidade sobre o resultado artístico e o método pedagógico alcançados, perante as pessoas e instituições envolvidas, bem como perante o público. O Projecto Respira é como uma moeda com duas faces distintas. Uma face é a da força. Aquela que tem origem na motivação de Aldara Bizarro e que vai ganhando tamanho e consistência conforme se expande para aglutinar todos os que até ao fim são implicados no projecto. Os espectáculos, são os veículos de maior revelação dessa força. A outra face é a da fragilidade. Em ambos os projectos realizados, a face da força foi a que ficou virada para cima no assentar da moeda. Porém as premissas e condições em que se faz um 74

4. PROCESSO CRIATIVO

Respira, trazem inevitavelmente incertezas maiores, problemas inesperados e obrigatoriedade de decisões que, nem sempre têm o tempo e a atenção necessários para resolver o que está em causa, seja do foro artístico, pedagógico, ou das relações humanas. Estes aspectos são menos visíveis na exposição pública do projecto e têm menor peso quando se avalia se ele é bom e vale a pena fazer; contudo ficam residuais na experiência de cada realização e tornam-se questões prioritárias para aconselhar o futuro. Os acidentes e as descobertas podem, por outro lado, ser motores do projecto se assimilados no momento e na direcção certa. Isto acontece repetidamente no Respira dentro de cada núcleo e na reunião dos vários núcleos. É esta disponibilidade e capacidade de aproveitamento que a coreógrafa demonstra ter, ao mesmo tempo que escolhe umas coisas e abandona outras sem grande discussão. Trata-se, mais do que um procedimento muito racionalizado de selecção e articulação, de uma direcção largamente intuitiva que, ao longo da concretização, assegura a sobrevivência da intenção artística da autora, num terreno cheio de contaminações estilísticas e condicionantes logísticas. A directora artística tem sempre de manter uma determinação forte e a sua habilitação profissional e disponibilidade afectiva são imprescindíveis. Mas também é certo que leva avante o projecto que concebeu, devido à cumplicidade e dedicação, quase sempre incansável e estimulante, dos artistas profissionais, professores coordenadores, agentes dos teatros e sua equipa de produtores ou investigadores convidados. O entusiasmo e contribuição dos alunos, também conta muito e, não raras vezes, eles dão tanto ou mais do quanto lhes é dado. Está presente, por isso, a sinergia de uma força individual que é a inspiração e vontade de Aldara Bizarro, e de outras tantas forças, que com graus diversos de responsabilidade e adesão, abraçam uma ideia e devolvem contribuições que viabilizam o Projecto Respira. ¶ A criação, em si mesma, está sempre enquadrada pela pluralidade e contingência ao nível artístico, organizacional e social. Isto é verdade para a totalidade da obra em cada ano, mas também para o processo particular que a coreógrafa faz com o núcleo do corpo, em conjunto com os bailarinos, para actuarem em palco. O objecto da análise que se segue é este processo criativo, que se apresenta contemplando diversos aspectos: que concepção de dança é transmitida pela coreógrafa às crianças e jovens; que rotina de trabalho é desenvolvida para as incluir; como participam os bailarinos profissionais; que estratégias pedagógicas se adoptam; como se exprimem na prática alguns conceitos teóricos; que 75


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da pedagogia preconizada no currículo nacional. Aldara Bizarro tinha ainda em mente desenvolver a ideia de que “tudo o que fazemos é propriedade nossa” e a noção do corpo como “património nómada”. Do resultado artístico deste primeiro projecto ficou uma frase emblemática e reveladora de uma perspectiva transversal, onde se faz uma redescoberta científica e até filosófica: “o corpo respira com a mente, o corpo alimenta a mente”. O Projecto 2008/2009, foi conduzido pela pesquisa sobre o gesto, que é uma extensão possível do corpo e remete com muita evidência para a questão do significado, fortemente presente nas criações de Aldara Bizarro. Neste passo, a coreógrafa aumentava o grau de reflexão necessário porque, começando por perguntar “que é o gesto?”, propunha uma análise que abarcava outras concepções para além da utilização do gesto físico no quotidiano, porventura mais abstractas e no entanto mais complexas, sobre as relações humanas. O tema do segundo Respira em relação ao primeiro, anunciou também uma pesquisa mais profunda, uma vez que o gesto remete ao detalhe. Para dar um tema e criar um leque de referências comuns em 2008/2009 a coreógrafa apresentou, aos colaboradores e alunos, o livro Cartas A Um Jovem Poeta de Rainer Maria Rilke (1903-1908)1. Desta forma pretendia instalar uma visão alargada como ponto de partida: “a noção do gesto como uma iniciativa; como uma atitude”. Para ela também fazia sentido “mostrar um pequeno livro de cartas que reflectem as preocupações dos criadores”. Aldara Bizarro começa por tecer uma malha de instituições, pessoas e ideias que torna operacional o desenvolvimento do projecto. Depois põe em prática uma lógica de união e cria uma obra de arte total, sintonizando a diversidade que ela comporta. Consegue-o com um processo feito de discussões entre os artistas profissionais, visitas pontuais às sessões regulares de trabalho dos outros núcleos e a direcção dos ensaios nos momentos de convergência colectiva (encontro entre turmas ou preparação de espectáculos). É ainda esta figura quem carrega o maior peso de responsabilidade sobre o resultado artístico e o método pedagógico alcançados, perante as pessoas e instituições envolvidas, bem como perante o público. O Projecto Respira é como uma moeda com duas faces distintas. Uma face é a da força. Aquela que tem origem na motivação de Aldara Bizarro e que vai ganhando tamanho e consistência conforme se expande para aglutinar todos os que até ao fim são implicados no projecto. Os espectáculos, são os veículos de maior revelação dessa força. A outra face é a da fragilidade. Em ambos os projectos realizados, a face da força foi a que ficou virada para cima no assentar da moeda. Porém as premissas e condições em que se faz um 74

4. PROCESSO CRIATIVO

Respira, trazem inevitavelmente incertezas maiores, problemas inesperados e obrigatoriedade de decisões que, nem sempre têm o tempo e a atenção necessários para resolver o que está em causa, seja do foro artístico, pedagógico, ou das relações humanas. Estes aspectos são menos visíveis na exposição pública do projecto e têm menor peso quando se avalia se ele é bom e vale a pena fazer; contudo ficam residuais na experiência de cada realização e tornam-se questões prioritárias para aconselhar o futuro. Os acidentes e as descobertas podem, por outro lado, ser motores do projecto se assimilados no momento e na direcção certa. Isto acontece repetidamente no Respira dentro de cada núcleo e na reunião dos vários núcleos. É esta disponibilidade e capacidade de aproveitamento que a coreógrafa demonstra ter, ao mesmo tempo que escolhe umas coisas e abandona outras sem grande discussão. Trata-se, mais do que um procedimento muito racionalizado de selecção e articulação, de uma direcção largamente intuitiva que, ao longo da concretização, assegura a sobrevivência da intenção artística da autora, num terreno cheio de contaminações estilísticas e condicionantes logísticas. A directora artística tem sempre de manter uma determinação forte e a sua habilitação profissional e disponibilidade afectiva são imprescindíveis. Mas também é certo que leva avante o projecto que concebeu, devido à cumplicidade e dedicação, quase sempre incansável e estimulante, dos artistas profissionais, professores coordenadores, agentes dos teatros e sua equipa de produtores ou investigadores convidados. O entusiasmo e contribuição dos alunos, também conta muito e, não raras vezes, eles dão tanto ou mais do quanto lhes é dado. Está presente, por isso, a sinergia de uma força individual que é a inspiração e vontade de Aldara Bizarro, e de outras tantas forças, que com graus diversos de responsabilidade e adesão, abraçam uma ideia e devolvem contribuições que viabilizam o Projecto Respira. ¶ A criação, em si mesma, está sempre enquadrada pela pluralidade e contingência ao nível artístico, organizacional e social. Isto é verdade para a totalidade da obra em cada ano, mas também para o processo particular que a coreógrafa faz com o núcleo do corpo, em conjunto com os bailarinos, para actuarem em palco. O objecto da análise que se segue é este processo criativo, que se apresenta contemplando diversos aspectos: que concepção de dança é transmitida pela coreógrafa às crianças e jovens; que rotina de trabalho é desenvolvida para as incluir; como participam os bailarinos profissionais; que estratégias pedagógicas se adoptam; como se exprimem na prática alguns conceitos teóricos; que 75


5. Aproximações teóricas ao Projecto Respira ¶ A diversidade de experiências que o Respira trouxe aos participantes e a intersecção prolífica de intervenções artísticas foram apresentadas, de diferentes maneiras, até aqui. Ciente das implicações que o projecto trazia para debates públicos e académicos sobre arte, educação e sociedade, Aldara Bizarro quis que se pensasse a fundo e de uma forma teórica que ela, mergulhada na sua realização, nunca poderia fazer. Para discutir com amplitude as questões que um caso-estudo deste tipo levanta, elencaram-se assuntos e convidaram-se especialistas e intelectuais a reflectir sobre eles. Este capítulo forma-se pelo conjunto de textos produzidos por quatro observadores que aceitaram acompanhar momentos do segundo Respira. A conjugação destas contribuições forma um enquadramento teórico essencial, que eleva o valor do Projecto Respira enquanto exemplo para futuras práticas, políticas e investigações. ¶ Fernando Hernández propõe, com “A dimensão pedagógica do Projecto Respira”, olhar para as práticas de desenvolvimento e transmissão alternativas que são preconizadas no projecto, como exemplos de inovação que se oferecem à escola e estimulam repensar a organização curricular vigente. Para este reputado investigador sobre a educação, o Respira transforma a rotina escolar de aprendizagem numa experiência de vida apaixonante, que promove o conhecimento do indivíduo no processo de aprendizagem e criação colectiva. Impulsionadora da filosofia para crianças em Portugal, Dina Mendonça explica como ocorre a reflexão no trabalho de Aldara Bizarro. Com vários exemplos, percebe-se de que forma surgiram perguntas e respostas através da dança, expandindo num processo cheio de incertezas, a noção do que pode ser o gesto e, por consequência a sua compreensão. Em “Para continuar a dançar” a expressão corporal coreografada é distinguida como fonte de criação e contextualização de significados e enquanto campo favorecido para pensar em comunidade. No texto “O poder encantatório das crianças-performers”, Teresa Fradique escolheu pensar sobre os jovens participantes e na especialidade que a idade lhes confere como intérpretes. Ela analisa como isso é viabilizado pelo processo criativo de Aldara Bizarro que, trabalhando com a matéria das próprias pessoas, 101


5. Aproximações teóricas ao Projecto Respira ¶ A diversidade de experiências que o Respira trouxe aos participantes e a intersecção prolífica de intervenções artísticas foram apresentadas, de diferentes maneiras, até aqui. Ciente das implicações que o projecto trazia para debates públicos e académicos sobre arte, educação e sociedade, Aldara Bizarro quis que se pensasse a fundo e de uma forma teórica que ela, mergulhada na sua realização, nunca poderia fazer. Para discutir com amplitude as questões que um caso-estudo deste tipo levanta, elencaram-se assuntos e convidaram-se especialistas e intelectuais a reflectir sobre eles. Este capítulo forma-se pelo conjunto de textos produzidos por quatro observadores que aceitaram acompanhar momentos do segundo Respira. A conjugação destas contribuições forma um enquadramento teórico essencial, que eleva o valor do Projecto Respira enquanto exemplo para futuras práticas, políticas e investigações. ¶ Fernando Hernández propõe, com “A dimensão pedagógica do Projecto Respira”, olhar para as práticas de desenvolvimento e transmissão alternativas que são preconizadas no projecto, como exemplos de inovação que se oferecem à escola e estimulam repensar a organização curricular vigente. Para este reputado investigador sobre a educação, o Respira transforma a rotina escolar de aprendizagem numa experiência de vida apaixonante, que promove o conhecimento do indivíduo no processo de aprendizagem e criação colectiva. Impulsionadora da filosofia para crianças em Portugal, Dina Mendonça explica como ocorre a reflexão no trabalho de Aldara Bizarro. Com vários exemplos, percebe-se de que forma surgiram perguntas e respostas através da dança, expandindo num processo cheio de incertezas, a noção do que pode ser o gesto e, por consequência a sua compreensão. Em “Para continuar a dançar” a expressão corporal coreografada é distinguida como fonte de criação e contextualização de significados e enquanto campo favorecido para pensar em comunidade. No texto “O poder encantatório das crianças-performers”, Teresa Fradique escolheu pensar sobre os jovens participantes e na especialidade que a idade lhes confere como intérpretes. Ela analisa como isso é viabilizado pelo processo criativo de Aldara Bizarro que, trabalhando com a matéria das próprias pessoas, 101


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abre um caminho de descoberta e emancipação. A antropóloga interessou-se pela primazia artística que a coreógrafa defende no Respira e, elegeu as crianças como exemplo do poder de se interpretar a si próprio, uma característica que considera central nas artes performativas da última década. Para terminar, Cristina Grande apresenta o Respira como um projecto em que se faz arte com a vida e, nos espectáculos resultantes, detecta um componente ritual forte. Um ritual que promove uma configuração social harmoniosa, onde é possível um diálogo construtivo entre comunidades, propício ao conhecimento mútuo, mas exigente de atenção e respeito pela diferença. Em “Criação aberta à descoberta comum”, esta programadora de artes do espectáculo reconhece o Respira no contexto das práticas da criação artística contemporânea e profissional. Denota a sua individualidade como processo de produção, apresentação e difusão, mas também no discurso social e político que ele manifesta.

5. APROXIMAÇÕES TEÓRICAS AO PROJECTO RESPIRA

A dimensão pedagógica do Projecto Respira Fernando Hernández Universidade de Barcelona

É na base de praticar o que temos aprendido e, encontrando as suas contradições e potencialidades, que nos podemos atrever a ser criativos em qualquer circunstância Tomás Villasante1.

Esboçar o trajecto a seguir ¶ Como dialogar com a proposta que sustenta o Respira, quando não tive mais nenhuma relação com a dança que a de ser um espectador curioso, desde quando, no início da década de 80, descobri em Londres o festival Dance Umbrella? Como abrir um caminho de reflexão que possa oferecer pontos de vista que não tenham sido destacados pelas outras pessoas que participam nesta publicação? Estas e outras perguntas surgiram a partir do momento em que aceitei fazer parte da aventura de me tornar observador participante – e escrever sobre o projecto – a partir do acompanhamento que fiz, nos dias 14 e 15 de Fevereiro de 2009, do processo e da apresentação, na cidade portuguesa do Fundão, do espectáculo Respira. Fui encontrando o meu lugar no diálogo a que me convidava o Respira em diferentes momentos. Na primeira noite, após um longo dia de ensaios, quando Paula Varanda – a minha guia nesta aventura – reuniu no bar do centro cultural A Moagem, no Fundão, todo o elenco artístico adulto do Respira, dizendo-me com um gesto: “aqui os tem a todos, faça-lhes perguntas, faça-os falar”. Pareceu-me uma ousadia interromper um merecido momento de repouso após um dia de tanto esforço e dedicação. Esta conversa continuou no dia seguinte, quando, no descanso dos ensaios antes da apresentação, a Paula me levou a participar numa reunião com os docentes das escolas da Amadora, Cascais e Alpedrinha. Escolas de onde eram provenientes os rapazes e raparigas que participavam no Projecto 102

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5. APROXIMAÇÕES TEÓRICAS AO PROJECTO RESPIRA

Para Continuar a Dançar

Se a vontade de dançar acabasse, tudo o resto acabava também, penso eu Pina Bausch3

O acompanhamento ao trabalho criativo de Aldara Bizarro passa por conversar muito sobre o tema a que ela se propõe começando por ouvir os fios da meada que ela começou a desembrulhar. Isso implica uma procura especial porque embora seja uma procura de reflexão, é uma procura que busca ideias que tenham uma marca visual e que vão começar a formar o esqueleto do mapa conceptual sobre o tema. O meu papel é tentar colocar nesse mapa conceptual todas as referências possíveis e procurar oferecer imagens dessas relações conceptuais, sabendo que só a Aldara consegue identificar o modo que essas imagens conceptuais se podem transferir para o corpo do espectáculo, ou para o corpo dos bailarinos profissionais e dos bailarinos meninos.

¶ A Aldara Bizarro vai fazer uma coreografia com meninos de várias escolas e ainda ninguém sabe bem o que isto quer dizer. Mesmo a Aldara, que vive e revive o processo criativo de uma coreografia, sabe que se lança em não saber bem o que isto quer dizer. Eles não sabem mas a Aldara vai viver isto em todos os momentos do Respira até acabar, até se viver o ultimo espectáculo. E depois, como quem carrega dentro de si uma inesgotável Esperança, vai recomeçar o não saber bem para onde vai, com outras diferentes coreografias. A minha colaboração com a Aldara começa com um convite para acompanhar e contribuir com um olhar filosófico para A Preguiça Ataca?. Ainda que saiba que esse convite foi devido à minha actividade de Filosofia para Crianças e do meu percurso filosófico, nunca deixo de me surpreender por este convite. A colaboração n’ A Preguiça Ataca? desenhou os contornos da minha contribuição para o trabalho da Aldara Bizarro ao estabelecer um conjunto de passos possíveis a utilizar e que podem, resumidamente, ser enumerados como 1) produzir um mapa conceptual do tema em questão, 2) reunir continuamente um conjunto de perguntas que mexem o tema e a exploração deste nos ensaios, assistir a ensaios e observar criticamente se existem hiatos ou saltos inapropriados para o espectador (que não percorreu explicitamente o trajecto de reflexão do processo criativo), 3) apontar elementos cruciais que foram revelados pela coreografia e que não estavam presentes no diálogo que acompanhou o processo criativo. A ordem que aqui aparece não é uma ordem cronológica porque estes momentos vão ocorrendo em paralelo e alimentando-se uns aos outros. A melhor forma que encontro de explicar esses momentos da colaboração é descrever o modo como eles foram aparecendo no Projecto Respira.

¶ Quando se começa a pôr em papel o início da reflexão colecciona-se o maior número de perguntas sobre o tema: Que esconde o gesto?, Qual foi o primeiro gesto que fizeste hoje na escola? Qual o gesto mais difícil que tiveste que fazer? Repete-se o gesto? Há gestos mais contagiantes que outros? Tens de procurar os gestos dentro de ti? Achas que se aprende a fazer gestos? , etc. As perguntas são uma forma de começar o interminável diálogo de pergunta-resposta que se explora dentro da sala de aulas com os meninos e separadamente no estúdio, com os bailarinos. Estas perguntas são uma forma de começar a interrogar o corpo, e de chegar à descoberta das estórias que cada corpo traz consigo, assim como as heranças que se escondem nos movimentos quando os movimentos se dançam. A partir dessa vivência dialogante das salas de aula e do estúdio construiu-se um gráfico do Gesto que mede: a) Linha da acção em que se avalia quanta acção requer o gesto, sendo que um determinado gesto pode ter 0 de acção (por exemplo, ficar quieto e calado) e ter 100 de significado (por exemplo, quando o Ghandi ficava quieto e calado, ou quando não reagimos quando nos ralham injustamente); b) Linha da intenção que avalia se o gesto foi feito com vontade e com conhecimento dessa vontade, pois por exemplo comer pode ser feito com vontade mas pouco deliberado; c) Significado do Gesto que avalia se o gesto tem um grande significado para as pessoas que o testemunham e se fica na memória de modo a podermos falar dele como “um gesto”; d) Impacto do Gesto que indica quantas pessoas são tocadas pelo gesto; e) Propagação do gesto que mostra se o gesto implica repetição, como por exemplo quando alguém assina uma petição e faz com que outras pessoas a assinem também; f) Índice de Relacionamento que anota de quem e para quem é o gesto, pois se um gesto é feito para uma pessoa que se ama tem um valor mas se é feito a uma pessoa desconhecida tem outro; e

Dina Mendonça2 Instituto de Filosofia da Linguagem, Universidade Nova de Lisboa

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visivelmente que algo da vivência do Projecto Respira era dificilmente comunicável por palavras. Penso que isso aconteceu porque, tal como a dança não é só uma forma de dar que pensar mas que constitui uma forma de pensar (Gil: 233), todo o processo criativo que se viveu no Respira foi uma reflexão em comunidade através da criação. Por isso as três sessões de diálogo que se realizaram, ainda que fundamentais para a consciencialização da participação no projecto, tornaram evidente que a experiência que foi o Respira não tem uma tradução directa para o discurso linguístico. Assim, no fim, só fica uma contínua vontade de dar abraços porque parece não haver muito mais para mostrar o testemunho dessa partilha vivencial. E estes abraços são um eco que repete vezes e vezes e vezes: “vamos continuar a dançar”.

Referências

5. APROXIMAÇÕES TEÓRICAS AO PROJECTO RESPIRA

O poder encantatório das crianças-performers Teresa Fradique Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha

A obra de arte é inerentemente social de uma forma que o objecto simplesmente belo ou misterioso não é: ela é uma entidade física mediadora entre os dois que, por sua vez, providencia um canal para mais relações sociais e influências. Alfred Gell4

Gil, J. (2001) Movimento Total. O Corpo e a Dança Lisboa: Relógio d’Água

¶ Quando entro no pavilhão polidesportivo da Escola de Cascais a 14 de Janeiro de 2009, o Projecto Respira encontra-se em fase adiantada de ensaios. O espectáculo está construído e os pequenos performers são já intérpretes. Enquanto a equipa tenta manter a ordem antes do trabalho começar, descubro um grupo ao fundo que, separado da brincadeira geral, encostou os colchões de ginástica ao alto e tenta andar pelas paredes quais ‘ninjas’ de videojogos ou mestres de uma antiga arte dotada de poderes mágicos. Fico encantada e retenho de forma significativa a imagem das crianças que tentam voar numa energia brilhante e aventurosa. Este momento poderia ter sido apenas um devaneio poético momentâneo, mas quando o ensaio começa percebo que alguns daqueles ‘ninjas’ estão presentes de forma estruturante no espectáculo e é assim que intuo, desde este primeiro dia do Respira, que o trabalho que Aldara Bizarro está a propor capta, relaciona-se e ordena esta qualidade encantatória da performance infantil, transformando-a em matéria artística dotada de autonomia. Como pensar então um projecto feito com crianças mas que não é necessariamente para crianças? Qual é então a natureza do seu trabalho e da sua presença cénica? Este texto explora a ideia de que a proposta de Aldara Bizarro, no Projecto Respira, pode ser vista como uma pesquisa através do poder das @OF>Kĭ>P MBOCLOJBOP enquanto agentes no processo artístico. Quem são estas @OF>Kĭ>P MBOCLOJBOP e que personagens interpretam? Que técnicas encantatórias (simultaneamente inatas e apreendidas) trazem elas para a geografia dos corpos em palco? Que resultados 116

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5. APROXIMAÇÕES TEÓRICAS AO PROJECTO RESPIRA

Criação aberta à descoberta comum Cristina Grande Fundação de Serralves

Para estes criadores (...) a dança não é uma realidade pré-determinada, imutável nas suas formas e que pré-existe em relação aos que a praticam, mas definida por quem a faz Maria José Fazenda9

¶ O convite da investigadora Paula Varanda para assistir, em Fevereiro de 2009, aos espectáculos do Projecto Respira de autoria da coreógrafa Aldara Bizarro, teve como finalidade a realização de um texto interpretativo sobre o projecto, considerando a minha actividade de programadora de dança contemporânea e a minha condição de espectadora interessada e atenta. Este ponto de vista permitiu-me reflectir sobre a peça apresentada, segundo critérios que postulam o meu trabalho de programação e que também caracterizam as obras que apresento: a experimentação – traduzida na valorização do processo artístico para além do resultado final; a elaboração e expressão de um discurso crítico, social e político; a interdisciplinaridade expressa em múltiplas abordagens; a reinvenção de relações entre o objecto criado e os seus públicos; e a revitalização de práticas corporais e experiências conceptuais passadas que terão ajudado a definir as artes performativas contemporâneas. Liga-me ao Respira a observação de práticas de trabalho e modos de funcionamento, para além de um conjunto de mediações contempladas entre artistas, intérpretes e públicos, que distingo enquanto valores próprios da criação actual. De facto, no Respira constato a coexistência de uma dimensão artística que assenta em critérios profissionais de produção, reconhecíveis na dramaturgia da peça, na reciprocidade criativa, na manifestação dos materiais constitutivos e na conquista do lugar do Teatro e, uma dimensão pedagógica, que se manifesta na experiência proposta, iminentemente relacional, subentendendo interacção e pesquisa comuns. Nesta perspectiva, cito a autora quando refere a intenção de pesquisar sobre o gesto no contexto do projecto: “interessava-me trabalhar os gestos que nos definem como pessoas, fossem eles pequenos ou grandes, estivessem estes 126

sublinhados por longas curvas de costas ou por pequenas piscadelas de olhos, tivessem impacto numa ou mais pessoas, fossem estes heranças ou processos de aprendizagem dolorosos e conscientes”10. ¶ Respira reflecte assim sobre a identidade das comunidades protagonistas, que inclui, e exprime a multiplicidade material e simbólica que as designa. Em palco observamos sequencialmente a chegada dos intérpretes e a apresentação dos discursos criativos associados – visuais e sonoros – que vão ocupando organicamente a cena. Mas Respira é um projecto em que a apresentação e o processo que lhe deu origem são indescerníveis: independentemente da sua forma final, e em termos estritamente processuais, a peça implica obrigatoriamente os actores sociais: a escola, os educadores e alunos constituem-se aliados na fundação de uma consciência colectiva, determinada a inventar diferentes matérias vivas, pela mão das contribuições dos autores convidados. Os pressupostos implícitos no Projecto Respira são assim testemunhados na convivialidade das comunidades e na permeabilidade entre as expressões presentes na peça: a composição musical de Vítor Rua, a criação vídeo de João Pinto, os figurinos de Isabel Peres e o movimento da coreógrafa e dos intérpretes Alban Hall, Marina Nabais, Peter Michael Dietz e Maria Radich. Estímulos artísticos que são retirados do quotidiano e pressupõem a intuição individual dos jovens actores e a sua correspondente partilha no espaço teatral. A obra resultante é múltipla e expressiva e constrói-se sobre o desejo da coreógrafa em reunir estas experiências e revelá-las, consciente das suas singularidades. ¶ Revejo na intencionalidade de Aldara Bizarro experiências coreográficas e modus operandis que se manifestaram numa geração seminal da arte coreográfica norteamericana, situada nas décadas de 1960-70, de que fizeram parte nomes como Anna Halprin, Yvonne Rainer, Trisha Brown, Steve Paxton e Simone Forti – bailarinos e coreógrafos norte-americanos da geração do Judson Dance Theatre: a insistência em valores associados à democraticidade, decorrente de um compromisso entre a Arte e a Vida; a tolerância e inclusão afirmadas no privilégio das relações humanas; o favorecimento do sentido comunitário em oposição à liderança individual. A diluição da autoria evidencia-se na peça pela inscrição por parte de Bizarro de um modelo cooperativo de pesquisa e criação, requerendo que os artistas nele participem activamente. Os criadores partem das origens e percursos das populações dinamizadas para criarem múltiplas soluções artísticas que, em vez de se justaporem no palco, coabitam-no numa relação recíproca e permeável, oferecendo 127


Conclusão não tem resolução para ir até às margens, já está ampliada a 109%

¶ Fazer este livro foi um grande desafio e um grande prazer. A minha pergunta inquietante foi sempre como transmitir objectivamente a qualidade e diversidade do Projecto Respira e exprimir igualmente a espiritualidade que lhe pressenti. O objecto do meu trabalho era enorme; muito extenso no tempo, no espaço, nas pessoas, nas ideias, nos resultados e nas implicações. Foi preciso encontrar uma estrutura abrangente e elucidativa da complexidade, mas não factualmente fastidiosa e muito menos fragmentária. Para a construir, inspirei-me no poder unificador do processo criativo. Por outro lado, o Respira gerou muitas emoções. Era necessário registar essa atmosfera sem a desmistificar com a descrição mais técnica. Inspirei-me então nas imagens e sons de enorme beleza que fui vendo surgir com o relacionamento entre as pessoas e com o que elas criaram como obra de arte. Agora que finalmente dei conta do projecto nas suas vertentes estruturais, posso respirar fundo e terminar apontando algumas questões, talvez mais remotas mas bastante significativas da sua amplitude, que apareceram conforme mudava de perspectiva e me identificava com os vários grupos. ¶ Assim, junto-me aos professores para elogiar o Respira enquanto possibilidade de mudar estatutos e preconceitos. Recordo-me de dois momentos simbólicos: No Fundão, na azáfama da preparação para o espectáculo que animava os camarins, enquanto observava uma rapariga cabo-verdiana a fazer cuidadosamente trancinhas a um moço sorridente de Cascais, ouvi alguns rapazes discutir sobre a maquilhagem. Uns diziam que isso não era para homens e outros estavam ansiosos por experimentar. Meti-me na conversa e expliquei que para ir para palco, é normal homens e mulheres pintarem-se para darem contorno e expressão às feições da cara. Disse-lhes que aquela era a melhor altura para o fazer se quisessem, porque ali isso nada tinha a ver com ser “maricas” como eles receavam. Pouco tempo depois, vi os jovens da Amadora, de Estarreja, de Cascais e do Fundão, todos contentes pintando olhos e lábios uns aos outros e pedindo opinião e ajuda às professoras, que não tinham mãos a medir. 131


DANÇAR É CRESCER

No espectáculo da tarde em Estarreja, o público vinha sobretudo da escola. Quando os alunos que fizeram o vídeo entraram em cena houve uma explosão geral de entusiasmo na plateia. Os seus colegas davam gritos de encorajamento e aplaudiram efusivamente a sua actuação. Pareciam uma claque de futebol indomável. Esta manifestação de apoio perante o grupo que era da sua escola, por um lado perturbadora, foi maravilhosa. Naquele momento, os jovens de etnia cigana que estudam numa turma de percurso alternativo separados dos outros durante as aulas, quase sempre mantendo distância no recreio, tornaram-se os heróis da escola. ¶ Junto-me ao público para relativizar o impacto do Respira que, só por si, não chega para colmatar a ausência de ferramentas de apreciação e interpretação que denota a população portuguesa, muito pobre em vivência cultural. Recordo-me de duas situações representativas da disparidade de recepções ao espectáculo: A conversa com o público que fizemos no Fundão foi desconcertante. Intercalando com explicações e observações dos participantes sentados à beira do palco, dirigíamos perguntas à plateia. Mas os espectadores, muitos deles familiares das crianças de Alpedrinha, não queriam dizer nada ou perguntar nada. Mais do que um sinal de aprovação ou desaprovação, este silêncio foi revelador da estranheza que devem ter sentido. Ficaram indiferentes porque não sabiam como se relacionarem com o espectáculo, esfriando o espírito de euforia que se vivia dentro do Respira. Em Estarreja, no espectáculo da noite, durante a conversa amigável entre artistas e espectadores, alguns até conhecidos e próximos da comunidade profissional, víamos um grupo da comunidade cigana que se manteve perto, mas resguardado no bar e comentando entre si. O João Pinto não cabia de contente por vê-los lá; não era certo que viriam e ele queria muito que partilhassem o orgulho dos seu filhos. Quando um dos mais velhos se dispôs a falar connosco disse que estavam zangados. Para eles, uma dança em que só se viam os pés tinha um valor negativo. Apesar desse momento evoluir para uma dança de corpo inteiro e um vídeo de cinco minutos, que deu muito protagonismo àqueles alunos, a interpretação da dança dos pés como uma ocultação premeditada e simbólica de segregação, bloqueou a disposição para ver tudo o resto.

CONCLUSÃO

A turma de Guimarães e a turma do Fundão, surpreenderam os artistas colaboradores que não esperavam encontrar longe da capital, alunos tão carregados de referências mediáticas. Como o Wrestling para o meninos e as ‘Anas Montanas’ para as meninas. Percebeu-se que em todo o lado e desde cedo, as crianças são vítimas de uma informação omnipresente carregada de estereótipos de beleza, de poder, de papéis sociais, de relação entre géneros e de qualidade de vida. Não basta a escola abrir portas e acolher experiências alternativas para os seus alunos. O sector da comunicação tem que agir com maior consciência do seu papel formativo. Se não estimular uma sociedade activa, crítica, diferenciada e solidária, o futuro que nos espera só pode ser o da apatia, da degradação e do conflito. A educação e a arte, precisam da aliança destas fontes, exigível aos canais públicos, mas igualmente necessária por parte dos privados. Também no seio familiar, a responsabilidade educativa parece estar em segundo plano. Por necessidade financeira ou carreira profissional, muitos pais e mães estão ausentes grande parte do dia e regressam a casa cansados. Os filhos ficam com empregados, com vizinhos e na escola, ou entretidos com a televisão e outros dispositivos electrónicos cujo conteúdo não é vigiado nem discutido. A turma da Amadora e a de Cascais representam realidades muito diferentes; por isso constituem um bom exemplo de que o problema supera a situação económica e cultural. Obviamente que há razões e há excepções. Mas demasiado facilmente se entrega a missão de educar as crianças à escola, quando a casa é o primeiro lugar de aprendizagem; o resto é complementar e apreendido conforme os valores e a confiança que a família transmite. Conversar é diferente de distrair. O acesso à mensagem mediática dominante é, em primeira instância, responsabilidade dos adultos, que dão o exemplo de viver com a TV ligada, sem questionar o impacto desse gesto. ¶ Para fechar junto-me aos alunos, publicando um conjunto de palavras que, a nosso pedido, disseram ou escreveram para resumir a sua experiência. Paula Varanda

¶ Junto-me aos artistas para indicar dois problemas que eles detectaram no fazer do Respira, que prejudicam a vivência das escolas, e que apelam à intervenção de terceiros: 132

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DANÇAR É CRESCER

No espectáculo da tarde em Estarreja, o público vinha sobretudo da escola. Quando os alunos que fizeram o vídeo entraram em cena houve uma explosão geral de entusiasmo na plateia. Os seus colegas davam gritos de encorajamento e aplaudiram efusivamente a sua actuação. Pareciam uma claque de futebol indomável. Esta manifestação de apoio perante o grupo que era da sua escola, por um lado perturbadora, foi maravilhosa. Naquele momento, os jovens de etnia cigana que estudam numa turma de percurso alternativo separados dos outros durante as aulas, quase sempre mantendo distância no recreio, tornaram-se os heróis da escola. ¶ Junto-me ao público para relativizar o impacto do Respira que, só por si, não chega para colmatar a ausência de ferramentas de apreciação e interpretação que denota a população portuguesa, muito pobre em vivência cultural. Recordo-me de duas situações representativas da disparidade de recepções ao espectáculo: A conversa com o público que fizemos no Fundão foi desconcertante. Intercalando com explicações e observações dos participantes sentados à beira do palco, dirigíamos perguntas à plateia. Mas os espectadores, muitos deles familiares das crianças de Alpedrinha, não queriam dizer nada ou perguntar nada. Mais do que um sinal de aprovação ou desaprovação, este silêncio foi revelador da estranheza que devem ter sentido. Ficaram indiferentes porque não sabiam como se relacionarem com o espectáculo, esfriando o espírito de euforia que se vivia dentro do Respira. Em Estarreja, no espectáculo da noite, durante a conversa amigável entre artistas e espectadores, alguns até conhecidos e próximos da comunidade profissional, víamos um grupo da comunidade cigana que se manteve perto, mas resguardado no bar e comentando entre si. O João Pinto não cabia de contente por vê-los lá; não era certo que viriam e ele queria muito que partilhassem o orgulho dos seu filhos. Quando um dos mais velhos se dispôs a falar connosco disse que estavam zangados. Para eles, uma dança em que só se viam os pés tinha um valor negativo. Apesar desse momento evoluir para uma dança de corpo inteiro e um vídeo de cinco minutos, que deu muito protagonismo àqueles alunos, a interpretação da dança dos pés como uma ocultação premeditada e simbólica de segregação, bloqueou a disposição para ver tudo o resto.

CONCLUSÃO

A turma de Guimarães e a turma do Fundão, surpreenderam os artistas colaboradores que não esperavam encontrar longe da capital, alunos tão carregados de referências mediáticas. Como o Wrestling para o meninos e as ‘Anas Montanas’ para as meninas. Percebeu-se que em todo o lado e desde cedo, as crianças são vítimas de uma informação omnipresente carregada de estereótipos de beleza, de poder, de papéis sociais, de relação entre géneros e de qualidade de vida. Não basta a escola abrir portas e acolher experiências alternativas para os seus alunos. O sector da comunicação tem que agir com maior consciência do seu papel formativo. Se não estimular uma sociedade activa, crítica, diferenciada e solidária, o futuro que nos espera só pode ser o da apatia, da degradação e do conflito. A educação e a arte, precisam da aliança destas fontes, exigível aos canais públicos, mas igualmente necessária por parte dos privados. Também no seio familiar, a responsabilidade educativa parece estar em segundo plano. Por necessidade financeira ou carreira profissional, muitos pais e mães estão ausentes grande parte do dia e regressam a casa cansados. Os filhos ficam com empregados, com vizinhos e na escola, ou entretidos com a televisão e outros dispositivos electrónicos cujo conteúdo não é vigiado nem discutido. A turma da Amadora e a de Cascais representam realidades muito diferentes; por isso constituem um bom exemplo de que o problema supera a situação económica e cultural. Obviamente que há razões e há excepções. Mas demasiado facilmente se entrega a missão de educar as crianças à escola, quando a casa é o primeiro lugar de aprendizagem; o resto é complementar e apreendido conforme os valores e a confiança que a família transmite. Conversar é diferente de distrair. O acesso à mensagem mediática dominante é, em primeira instância, responsabilidade dos adultos, que dão o exemplo de viver com a TV ligada, sem questionar o impacto desse gesto. ¶ Para fechar junto-me aos alunos, publicando um conjunto de palavras que, a nosso pedido, disseram ou escreveram para resumir a sua experiência. Paula Varanda

¶ Junto-me aos artistas para indicar dois problemas que eles detectaram no fazer do Respira, que prejudicam a vivência das escolas, e que apelam à intervenção de terceiros: 132

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Três palavras sobre o Respira

Três palavras sobre o Respira

música, vídeo, pés

engraçado, preto, vassourinhas

gestos, teatro, escola autocarro, imagem, felicidade amor, carinho, responsabilidade

respirar, sentir, tapetes quotidiano, pessoas, estabilidade conviver, confiança, bom

alegria, trabalho, amizade

dançar, grupo, certo

amor, emoção, imaginação

figurinos, aprender, labirintos

ambiente, camisola, criatividade

oportunidade, paciência, ajudar

entreajuda, gostar, interpretar

exemplo, saber, adorar

voltar, criar, união dança, companhia, espectáculo único, giro, experiência coser é uma coisa extraordinária

atenção, educados, corpo engraçado, vergonha, melhorar aproveitar, comportamento, crescer eu adoro-te projecto respira


O Respira aparece nas escolas e cada turma começa a trabalhar numa área artística 137


Surgem novas rotinas de trabalho, formas de estar na aula e de relacionar com os outros 142

Ap贸s dois meses os n煤cleos viajam para o encontro entre turmas num fim-de-semana 143


Surgem novas rotinas de trabalho, formas de estar na aula e de relacionar com os outros 142

Ap贸s dois meses os n煤cleos viajam para o encontro entre turmas num fim-de-semana 143


Ao segundo dia ensaia-se no palco uma sequência com todos para ver ligações possíveis 146

Começa-se a perceber quem é quem e o que poderá ser o Respira como obra de arte 147


No ano do corpo revelaram-se em palco questĂľes sobre identidade e crescimento 154

Exibiu-se a grande variedade de ligaçþes fortes entre o corpo e a mente 155


E celebrou-se a danรงa como expressรฃo exaltante de uma vida colectiva harmoniosa 156

No ano do gesto transformou-se movimento em significado e pensamento em espectรกculo 157


E celebrou-se a danรงa como expressรฃo exaltante de uma vida colectiva harmoniosa 156

No ano do gesto transformou-se movimento em significado e pensamento em espectรกculo 157


Créditos fotográficos

António Rebolo P. 22 baixo; p. 23 centro/cima; p. 138; p. 141 centro; p. 150 cima; p. 153; p. 154; p. 155 Carlota Lagido P. 34; p. 140 cima e baixo; p. 148 cima/esqª; p. 151 cima Cláudia Mateus Capa; contracapa; p. 13; p. 33; p. 72; p. 100; p. 130; p. 137; p. 139; p. 141 cima e baixo; p. 142; p. 143 baixo/dtª; p. 144; p. 145 baixo/dtª; p. 146 cima; p. 147; p. 148 baixo/esqª e baixo/dtª; p. 149 cima/esqª e baixo; p. 150 baixo; p. 151 baixo; p. 152 cima/esqª, cima/dtª e baixo/esqª; p. 157; p. 158; p. 159; p. 160; p. 181 Dina Campos Lopes P. 140 centro; p. 156 Edméa Brigham P. 14; p. 22 cima; p. 23 cima João Pinto P. 22 centro/cima; p. 48; p. 148 cima/dtª; p. 149 cima/dtª José Alfredo P. 22 centro/baixo; p. 23 centro/baixo Rita Vieira P. 165 Rui Silveira Badana capa Samuel Sequeira P. 23 baixo Steve Stoer P. 143 baixo/esqª; p. 145 cima e baixo/esqª; p. 146 baixo; p. 152 baixo/dtª

A diversidade do grupo inspirou criar uma cidade cheia de culturas e histórias pessoais 160

161


DANÇAR É CRESCER

ANEXOS

Cronologia do Projecto Respira MAIO E JUNHO

OUTUBRO E NOVEMBRO

Geografia do Projecto Respira

Negociação

contactos e acordos formais com: Escolas Teatros e outros co-produtores Equipa profissional

Introdução

Oficinas nas escolas para todas as turmas do 6º ano, alunos e professores

Exploração

Cada núcleo trabalha individualmente nas escolas ou teatros de cada localidade

Oficinas complementares

para os professores a trabalhar com cada turma

DEZEMBRO

Encontro entre turmas

Viagem a uma das localidades para dois dias de encontro intensivo entre todos os grupos

Estruturação

JANEIRO

Desenvolvimento de cada área nuclear da peça com as linhas de orientação comum decididas após o encontro entre turmas Cruzamento entre os núcleos de colaboradores e alunos para alguns ensaios em comum

Promoção FEVEREIRO

Divulgação na imprensa e mobilização de público especializado, geral e escolar

Apresentação e itinerância

Montagem técnica e ensaios gerais com dois espectáculos em cada localidade

166

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DANÇAR É CRESCER

ANEXOS

Cronologia do Projecto Respira MAIO E JUNHO

OUTUBRO E NOVEMBRO

Geografia do Projecto Respira

Negociação

contactos e acordos formais com: Escolas Teatros e outros co-produtores Equipa profissional

Introdução

Oficinas nas escolas para todas as turmas do 6º ano, alunos e professores

Exploração

Cada núcleo trabalha individualmente nas escolas ou teatros de cada localidade

Oficinas complementares

para os professores a trabalhar com cada turma

DEZEMBRO

Encontro entre turmas

Viagem a uma das localidades para dois dias de encontro intensivo entre todos os grupos

Estruturação

JANEIRO

Desenvolvimento de cada área nuclear da peça com as linhas de orientação comum decididas após o encontro entre turmas Cruzamento entre os núcleos de colaboradores e alunos para alguns ensaios em comum

Promoção FEVEREIRO

Divulgação na imprensa e mobilização de público especializado, geral e escolar

Apresentação e itinerância

Montagem técnica e ensaios gerais com dois espectáculos em cada localidade

166

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DANÇAR É CRESCER

ANEXOS

Texto publicado no programa do espectáculo 2007/2008

Texto publicado no programa do espectáculo 2008/2009

¶ Aquilo que fazemos é propriedade nossa. Esta ideia paira insistentemente nos meus pensamentos desde há alguns anos. Quando conhecemos e dominamos o que fazemos, essa propriedade torna-se motivo de orgulho e, é com brio, que mostramos o que é nosso. Como quando uma criança mostra os riscos num papel onde se debruçou durante horas e, com justa satisfação na voz, nos diz: olha o meu desenho. Quando eu partilho a criação de dança com um grupo de alunos de sexto ano do segundo ciclo estou a dizer: isto é o meu património. Quero partilhá-lo com vocês. O meu património é o que conheço, é o meu trabalho é a minha subsistência. Sou nómada e o meu património viaja no meu corpo. Não é constituído por casas nem prédios mas sim por um terreno de ideias, pensamentos e atenção ao que faço. Se quiserem, pode ser vosso. Foi a partir desta motivação, prevendo um percurso de descoberta, que eu mais a equipa do Projecto Respira entrámos nas escolas. Levámos aquilo a que chamamos ‘chapéus’ sob os quais iríamos desenvolver a criação: “O corpo sente, o corpo pensa, o corpo mente e o corpo respira”. Os chapéus, pensávamos nós, iriam servir de contentores de ideias e iriam evitar possíveis resvalos. Durante o processo, com a ajuda de um aluno, descobrimos que o corpo também se engana. Assim, em processo, falámos e trocámos de propriedades e cada um foi alargando o seu património. Dançou-se aos gritos, sussurrando, contra e a favor da corrente. Falou-se do corpo matéria, do corpo intenção, do corpo atenção, falouse na alegria, na tranquilidade da digestão, no medo, na ridicularização do medo, no vazio, no vazio da vergonha, na morte, nas possiblidades em número infinto, no transcender com imaginação e na perícia da união. Enfim, içámo-nos uns aos outros na busca das possibilidades de criação para a primeira parte do Projecto Respira.

¶ No anterior Projecto Respira houve um factor muito importante que me levou, neste segundo ano, a escolher trabalhar sobre o gesto. No início acontecia muitas vezes falarmos para o grupo de alunos e algumas crianças, sem se aperceberem, viravam-nos as costas. Um dia, antes de iniciarmos o ensaio, combinámos fazê-lo como habitualmente, mas sempre que uma criança falasse connosco viraríamos as costas e começávamos a falar entre a equipa ignorando o menino que se nos tinha dirigido. Esta situação, que acabou por se tornar muito divertida para todos, criou um impacto enorme no grupo que, atónito, tentava captar a nossa atenção sem o conseguir. Terminámos a sessão a conversar sobre aquele gesto, o de virar as costas quando alguém fala connosco. As sugestões dadas para o seu significado foram muitas: porque temos que ir buscar outra coisa, porque é mais importante o que o meu colega está a dizer, porque não me interessa, porque preciso de ir à casa de banho, porque posso fazer várias coisas ao mesmo tempo sem deixar de ouvir o que me dizem, porque não sei, porque estava a tentar fazer uma dança, porque não me apercebi, porque estou habituado. A tendência geral era a de minimizar a importância daquele gesto naquele contexto, fazia-se e pronto. O grupo concluiu também que algumas pessoas estavam mais familiarizadas com esse gesto fazendo-o mais à vontade e que, dependendo das circunstâncias, aquele gesto podia ter diferentes significados. “Se eu fizer este gesto durante o ensaio o significado é menos importante do que se fizer a um amigo muito próximo com quem acabei de me zangar”. Apesar de ficar aliviada com esta revelação – afinal eles faziam-no quase só por herança, não significando desinteresse pelo projecto – fiquei o resto do dia a pensar em como os gestos, pequenos e grandes, dependendo das circunstâncias, são importantes no jogo da comunicação e decidi que iria trabalhar o gesto no Projecto Respira que se seguiria. No segundo ano, a primeira questão que surgiu quando reunimos a equipa artística pela primeira vez, foi que ninguém sabia bem o que era o gesto. De onde a onde é que ia o gesto? Considerávamos só os gestos das mãos? Se assim era, onde é que começava o gesto? No cotovelo, no ombro... e o corpo que o acompanhava? E o olhar? A equipa estava dividida; alguns eram pelo gesto curto, o do dicionário, e outros eram pelo gesto ampliado, o de escrever uma carta a uma amigo em apuros. A mim interessava-me trabalhar os gestos que nos definem

Aldara Bizarro

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DANÇAR É CRESCER

ANEXOS

Texto publicado no programa do espectáculo 2007/2008

Texto publicado no programa do espectáculo 2008/2009

¶ Aquilo que fazemos é propriedade nossa. Esta ideia paira insistentemente nos meus pensamentos desde há alguns anos. Quando conhecemos e dominamos o que fazemos, essa propriedade torna-se motivo de orgulho e, é com brio, que mostramos o que é nosso. Como quando uma criança mostra os riscos num papel onde se debruçou durante horas e, com justa satisfação na voz, nos diz: olha o meu desenho. Quando eu partilho a criação de dança com um grupo de alunos de sexto ano do segundo ciclo estou a dizer: isto é o meu património. Quero partilhá-lo com vocês. O meu património é o que conheço, é o meu trabalho é a minha subsistência. Sou nómada e o meu património viaja no meu corpo. Não é constituído por casas nem prédios mas sim por um terreno de ideias, pensamentos e atenção ao que faço. Se quiserem, pode ser vosso. Foi a partir desta motivação, prevendo um percurso de descoberta, que eu mais a equipa do Projecto Respira entrámos nas escolas. Levámos aquilo a que chamamos ‘chapéus’ sob os quais iríamos desenvolver a criação: “O corpo sente, o corpo pensa, o corpo mente e o corpo respira”. Os chapéus, pensávamos nós, iriam servir de contentores de ideias e iriam evitar possíveis resvalos. Durante o processo, com a ajuda de um aluno, descobrimos que o corpo também se engana. Assim, em processo, falámos e trocámos de propriedades e cada um foi alargando o seu património. Dançou-se aos gritos, sussurrando, contra e a favor da corrente. Falou-se do corpo matéria, do corpo intenção, do corpo atenção, falouse na alegria, na tranquilidade da digestão, no medo, na ridicularização do medo, no vazio, no vazio da vergonha, na morte, nas possiblidades em número infinto, no transcender com imaginação e na perícia da união. Enfim, içámo-nos uns aos outros na busca das possibilidades de criação para a primeira parte do Projecto Respira.

¶ No anterior Projecto Respira houve um factor muito importante que me levou, neste segundo ano, a escolher trabalhar sobre o gesto. No início acontecia muitas vezes falarmos para o grupo de alunos e algumas crianças, sem se aperceberem, viravam-nos as costas. Um dia, antes de iniciarmos o ensaio, combinámos fazê-lo como habitualmente, mas sempre que uma criança falasse connosco viraríamos as costas e começávamos a falar entre a equipa ignorando o menino que se nos tinha dirigido. Esta situação, que acabou por se tornar muito divertida para todos, criou um impacto enorme no grupo que, atónito, tentava captar a nossa atenção sem o conseguir. Terminámos a sessão a conversar sobre aquele gesto, o de virar as costas quando alguém fala connosco. As sugestões dadas para o seu significado foram muitas: porque temos que ir buscar outra coisa, porque é mais importante o que o meu colega está a dizer, porque não me interessa, porque preciso de ir à casa de banho, porque posso fazer várias coisas ao mesmo tempo sem deixar de ouvir o que me dizem, porque não sei, porque estava a tentar fazer uma dança, porque não me apercebi, porque estou habituado. A tendência geral era a de minimizar a importância daquele gesto naquele contexto, fazia-se e pronto. O grupo concluiu também que algumas pessoas estavam mais familiarizadas com esse gesto fazendo-o mais à vontade e que, dependendo das circunstâncias, aquele gesto podia ter diferentes significados. “Se eu fizer este gesto durante o ensaio o significado é menos importante do que se fizer a um amigo muito próximo com quem acabei de me zangar”. Apesar de ficar aliviada com esta revelação – afinal eles faziam-no quase só por herança, não significando desinteresse pelo projecto – fiquei o resto do dia a pensar em como os gestos, pequenos e grandes, dependendo das circunstâncias, são importantes no jogo da comunicação e decidi que iria trabalhar o gesto no Projecto Respira que se seguiria. No segundo ano, a primeira questão que surgiu quando reunimos a equipa artística pela primeira vez, foi que ninguém sabia bem o que era o gesto. De onde a onde é que ia o gesto? Considerávamos só os gestos das mãos? Se assim era, onde é que começava o gesto? No cotovelo, no ombro... e o corpo que o acompanhava? E o olhar? A equipa estava dividida; alguns eram pelo gesto curto, o do dicionário, e outros eram pelo gesto ampliado, o de escrever uma carta a uma amigo em apuros. A mim interessava-me trabalhar os gestos que nos definem

Aldara Bizarro

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Créditos fotográficos

António Rebolo P. 22 baixo; p. 23 centro/cima; p. 138; p. 141 centro; p. 150 cima; p. 153; p. 154; p. 155 Carlota Lagido P. 34; p. 140 cima e baixo; p. 148 cima/esqª; p. 151 cima Cláudia Mateus Capa; contracapa; p. 13; p. 33; p. 72; p. 100; p. 130; p. 137; p. 139; p. 141 cima e baixo; p. 142; p. 143 baixo/dtª; p. 144; p. 145 baixo/dtª; p. 146 cima; p. 147; p. 148 baixo/esqª e baixo/dtª; p. 149 cima/esqª e baixo; p. 150 baixo; p. 151 baixo; p. 152 cima/esqª, cima/dtª e baixo/esqª; p. 157; p. 158; p. 159; p. 160; p. 181 Dina Campos Lopes P. 140 centro; p. 156 Edméa Brigham P. 14; p. 22 cima; p. 23 cima João Pinto P. 22 centro/cima; p. 48; p. 148 cima/dtª; p. 149 cima/dtª José Alfredo P. 22 centro/baixo; p. 23 centro/baixo Rita Vieira P. 165 Rui Silveira Badana capa Samuel Sequeira P. 23 baixo Steve Stoer P. 143 baixo/esqª; p. 145 cima e baixo/esqª; p. 146 baixo; p. 152 baixo/dtª

A diversidade do grupo inspirou criar uma cidade cheia de culturas e histórias pessoais 160

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