Revista Raízes Jurídicas

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entre o passado e o presente, a doença mental não adquiriria sua eficácia argumentativa e explicativa, haja vista que restaria interpretar a dimensão psicológica existencial da patologia, isto é, compreender a própria manifestação isolada da doença mental. Nessa linha, uma terceira perspectiva psicológica se abre para as teorias foucaultianas, que diz respeito à manifestação existencial da doença mental, ou seja, para compreendê-la seria indispensável analisar o fato patológico não exclusivamente em seu âmbito estrutural, mas especialmente buscar apreender a totalidade da doença na situação histórica do homem. Nessa interpretação, afirma Foucault: “... não basta dizer que o mêdo da criança é a causa das fobias no adolescente, mas é preciso reencontrar, sob êste aspecto originário e sob êstes sintomas mórbidos, o mesmo estilo de angústia que lhes confere sua unidade significativa.” 8 Para Foucault, a partir das teorizações de Minkowski e de Binswanger,9 tendo com base uma metodologia fenomenológica, é indispensável penetrar na própria existência da doença, compreender suas fases, suas faces, e, em especial, o modo como o próprio indivíduo acometido é capaz de interpretar o seu estado mórbido, isto é, o modo como ele aceita e recusa a doença mental em suas fugas temporais, haja vista que haveria sempre um momento em que o doente, apesar das subtrações que a doença impõe, compreenderia o conjunto dos sinais histéricos, hipocondríacos e os sintomas psicossomáticos freqüentes em seu estado de doente mental, em suma, haveria sempre uma espécie de consciência da doença. “A doença mental, quaisquer que sejam suas formas, os graus de obnubilação que comporta, implica sempre numa consciência da doença; o universo mórbido não é jamais um absoluto no qual se aboliriam todas as referências ao normal; pelo contrário, a consciência doente desdobra-se sempre, por si mesma, numa dupla referência, quer ao normal e ao patológico, quer ao familiar e ao estranho, seja ainda ao singular e ao universal, seja, finalmente, à vigília e ao onirismo.”10 A partir da reflexão das dimensões da doença, Foucault também desenvolve em seus ensaios a necessidade de se repensar a doença mental em direção ao modo através do qual o conceito de louco foi efetivado pela humanidade, em especial, através da existência de uma ciência objetiva e singular. Nesse sentido, então, Foucault entende que, para melhor compreender este processo que resulta na completa exclusão do louco e a manifestação de soberania da razão em relação à desrazão, necessário é visualizar a loucura sob dois aspectos fundamentais, quais sejam: a loucura como objeto cultural, e a loucura na sua constituição ao longo da história (recorte esse

8 FOUCAULT, Michel. Doença mental e ..., p. 56. 9 Nesse sentido, veja-se a introdução feita por Michel Foucault para o livro Traum und Existenz de Biswanger em 1954 em: FOUCAULT, Michel. Introduction à Biswanger. Dits et Écrits (org. Daniel Defert et François Ewald). v. 1 Paris: Gallimard, 1994, p. 65-119. 10 FOUCAULT, Michel. Doença mental e ..., p. 61.

150 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011


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