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Rubens Ewald Filho: É ele quem mais conhece filmes no Brasil Chamado de “O Homem do Oscar”, tantas vezes transmitiu a festa de premiação de Hollywood, Rubens já viu quase 32 mil filmes. Páginas 32, 33, 34, 35, 36, 37 e 38

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

341 MAIO 2009

Jornal da ABI ACOR DO ORTOG RÁF ICO

Compromisso da TV Brasil é com a isenção e com a pluralidade Em conferência-debate na ABI, Tereza Cruvinel diz qual é a da TV Pública. Páginas 10 e 11

Sem a imprensa o futebol seria nossa paixão nacional?

AULA MAGNA DE BECHARA Responsável pelo novo Vocabulário da língua, mestre Evanildo Bechara dissecou o Acordo diante do Conselho da ABI. Páginas 12 e 13

Renato Maurício Prado e outros ases da cobertura esportiva debatem essa e outras questões. Páginas 14 e 15

O petróleo é nosso de novo nas ruas CPI da oposição gera mobilização dos setores populares, como nos anos 40-50. Páginas 22 e 23

OS JORNALÕES QUEREM NOVA LEI DE IMPRENSA Em nome do direito de resposta, os grandes jornais defendem uma lei em lugar da que foi revogada. Páginas 27, 28 e 29 e Editorial na página 2

MENDEZ, O ARTISTA DO TRAÇO QUE VIA A ALMA HERMAN LIMA, HISTORIADOR DA CARICATURA, DEFINIU-O ASSIM. PÁGINAS 42 E 43

MEDALHA DA CÂMARA DO RIO PARA VILLAS-BÔAS SEUS 60 ANOS DE JORNALISMO SÃO FESTEJADOS PELOS VEREADORES . PÁGINAS 18 E 19

DOIS AUTORES DE OBRAS INVEJÁVEIS: BOAL E EDGAR RODRIGUES COM O TEATRO DO OPRIMIDO, AUGUSTO BOAL REINVENTOU ESSA ARTE. RODRIGUES, O ANARQUISTA, PUBLICOU 60 LIVROS . PÁGINAS 44, 45, 46 E 47


Editorial

UMA NOVA LEI PARA QUEM?

DESTAQUES DESTA EDIÇÃO 03

Mercado - Neste tempo de crise, o emprego vira manchete

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Homenagem - A ABI, a primeira no Prêmio Barbosa Lima

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Medalha Pedro Ernesto para Villas-Bôas

APARENTEMENTE, A POSTULAÇÃO É inspirada por boas intenções, não se sabe se como aquelas que pavimentam o caminho do inferno, porquanto uma das bandeiras desfraldadas para justificar a aprovação de novo texto legal seria a regulação do direito de resposta, que é, porém, um bem jurídico de status constitucional que a rigor não demanda detalhamento ou esclarecimento através da chamada legislação infraconstitucional. Esta só teria sentido se fosse para restringir esse direito, o que a Constituição não admite. COMO O JORNAL DA ABI REGISTRA NESTA edição, ao se ocupar mais uma vez de tão relevante tema, há propostas que prevêem uma espécie de escalonamento do reconhecimento e da concessão de seu exercício pelos meios de comunicação, através do cumprimento de uma série de etapas, como a solicitação do pedido de explicações ou de retratação, se por hipótese não ocor-

Jornal da ABI Número 341 - Maio de 2009

Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo, Marcos Stefano e Paulo Chico Fotos: Acervo Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre), Agência Brasil, Agência O Globo, Diário de S.Paulo, Folha Dirigida, Folhapress, O Dia Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 presidencia@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 - Osasco, SP Esta edição foi finalizada, impressa e entrou em circulação em junho de 2009.

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rer antes a retificação espontânea. Em alguns desses casos, o direito de resposta darse-ia não em favor de quem fundada e legitimamente reclama acerca do noticiário ou de textos de opinião a reparação que considera necessária, mas em benefício do veículo que divulgou a informação ou o conceito inexato, injusto ou ofensivo. Teríamos então não o direito de resposta, mas sua contrafação, sua sonegação.

SOMENTE ASSIM AFASTAREMOS O RISCO DE se oferecer à indagação que encima estas considerações uma satisfação que corresponda ao interesse social, e não ao benefício de segmentos restritos, acostumados a imaginar e reclamar a elaboração de leis que consagrem e eternizem o seu poder sobre o conjunto da sociedade.

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Mobilização - Nas ruas, de novo, com o petróleo é nosso

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Mercad o - A crise bate à porta dos jornais. Mercado E entra

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Novidade - Na telinha, um museu para a corrupção

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Depoimento - Rubens Ewald Filho, o homem que mais entende de filmes no Brasil

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Contestação - Ministro Juca Ferreira: Ninguém quis salvar a coleção Jorge Amado

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Evocação - Mário Mendez, artista do traço e leitor de almas

Premiação - Niemeyer e mais nove, as Personalidades Cidadania

DIANTE DE QUESTÃO DE TAL magnitude, como o é a relacionada com a liberdade de expressão, essencial no Estado Democrático de Direito que a Constituição de 1988 declarou instituir, é necessário que se trave amplo debate em torno do tema, abrindo-se a possibilidade de intervenção de outros setores da vida social, pois a existência ou não de uma legislação abrangente sobre a matéria não pode ficar adstrita ao clube fechado da comunidade jornalística e dos donos dos meios de comunicação no País.

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NÃO É ESTRANHO QUE UMA PARTE DOS MAIS importantes veículos impressos do País tenha decidido reclamar a edição de uma nova Lei de Imprensa, em substituição àquele édito originário da ditadura militar que o Supremo Tribunal Federal houve por bem revogar, condenar ao lixo da História, no memorável julgamento realizado em 30 de setembro passado.

ARTIGO 08 Stalingrado, o funeral do nazismo por Paulo Ramos Derengoski ○

SEÇÕES C E U N A AB ONTEC ABI 10 A C ONTE Os compromissos da tv pública: isenção, pluralidade, diversidade ○

O Acordo Ortográfico numa aula magna de Evanildo Bechara ○

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L I B E RRD D A D E D E IM P R E N SA NS A Lei de Imprensa já era, mas continua em discussão

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L IVROS Numa coleção, o Brasil que tem memória

Duas paixões em perfeita harmonia ○

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V I DA S Boal, o reinventor do teatro ○

Edgar Rodrigues, o último anarquista ○

José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos. DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO 2007-2010 Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL 2009-2010 Geraldo Pereira dos Santos, Presidente, Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento, Jorge Saldanha de Araújo, Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Manolo Epelbaum e Romildo Guerrante. MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2009-2010 Presidente: Pery Cotta 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveiora, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico,

Conselheiros suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas, Lima de Amorim, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto e Rogério Marques Gomes. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello, Salete Liusboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Jarbas Domingos Vaz, Presidente, Carlos Di Paola, José Carlos Machado, Luiz Sérgio Caldieri, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Wilson Fadul Filho, Presidente; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson Nunes de Carvalho e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Paulo Jerônimo de Sousa, Presidente, Ilma Martins da Silva, Jorge Nunes de Freitas, José Rezende Neto, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Moacyr Lacerda e Wilson Nunes de Carvalho.


MERCADO ILUSTRAÇÃO: RITA BRAGA

Neste tempo de crise, O

E M P R E G O

V I R A

MANCHETE A crise econômica mundial e seus reflexos no Brasil, embora subavaliados pelas autoridades governamentais, geraram uma novidade no mercado de publicações: ganham força aquelas voltadas para a divulgação de oportunidades de trabalho. Há desde jornais especializados em concursos, como a Folha Dirigida, até veículos como o Emprego Já, lançado pelo Diário de S.Paulo com foco na oferta de vagas em empregos de baixa e média qualificação. Uma diversidade que busca atender às necessidades dos leitores, que podem estar em busca de ascensão profissional ou da recolocação no mercado. Jornal da ABI 341 Maio de 2009

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MERCADO NESTE TEMPO DE CRISE, O EMPREGO VIRA MANCHETE

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DIVULGAÇÃO

res, incluídos aqueles que, eventualmente, estão desempregados. Prova disso é que, logo na edição de estréia, a tiragem de 75 mil exemplares se esgotou rapidamente nas bancas e uma reimpressão de outros 8 mil teve que ser feita às pressas. Depois foram 102 mil exemplares; na terceira semana, 110 mil. Outro trunfo para o sucesso do jornal está exatamente na estratégia de distribuição. “Contamos com toda a estrutura de distribuição em São Paulo, nos Municípios da Grande São Paulo, e também no interior, o que atrai anunciantes. Por termos nosso próprio parque gráfico, oferecemos um jornal que, além de visualmente bonito, é mais barato que os concorrentes”, afirma Alzer. Do total da publicação, 70% do espaço são ocupados por inserções comerciais e 30% pela parte editorial. Nesta fatia, entram não apenas a oferta de vagas. Há pequenas reportagens sobre vagas em variados níveis educacionais, com maior ênfase nos postos de nível fundamental e médio, seções sobre concursos, estágios, trainees, cursos e colunas fixas, nas quais consultores de Recursos Humanos orientam sobre como fazer o currículo e personagens contam suas experiências profissionais. “Queremos ser o jornal mais completo, com os melhores serviços. Afinal, estamos concorrendo pela atenção de um leitor que é sazonal e não fidelizado”, finaliza Alzer, lembrando que, por tratar-se de iniciativa inédita para o Infoglobo, o formato do jornal ainda está sendo ajustado conforme o aprendizado e a repercussão de cada edição.

Luiz André Alzer: Jornal esgotou em sua edição de estréia.

Os jornais de SP trabalham tema com foco diferenciado A chegada do Emprego Já às bancas mexeu com o mercado editorial de São Paulo, onde grandes jornais já dedicam espaço fixo para as pautas ligadas ao universo do trabalho. “É possível ver que há nas bancas vários produtos voltados para esse tema. Os focos diferem bastante, no entanto. Alguns falam com quem procura emprego e compra o jornal para ver as vagas. Outros, com o executivo que quer ler sobre a utilidade de um MBA ou as tendências de gerenciamento de pessoas. Não tenho informações para falar sobre o êxito comercial de cada publicação, mas acho que o momento de crise econômica faz que muitos profissionais se preocupem com as suas carreiras e queiram ler sobre isso”, avalia a editora Mariana Iwakura, da Folha de S.Paulo. O caderno Empregos e Carreiras, publicado pelo jornal, sai aos domingos em conjunto com o Negócios e tem 24 páginas, formato tablóide e conta com mais de 600 anúncios, e seções como Educação, Estágios e Trainees e Carreiras. “Ele é publicado desde 1991. As nossas pautas vêm de conversas com fontes, números oficiais, pesquisas, idéias que a Redação tem a partir de temas correntes e acesso a personagens com boas histórias. Elas são discutidas entre repórteres e editores e com a Secretaria de Redação. Assim como no resto do jornal, evitamos textos muito longos e investimos em fotos e artes. O caderno tem um forte componente de serviço, de orientação do leitor, mas busca sempre o furo de reportagem, o inédito. Focamos o desenvolvimento da carreira, a formação profissional, as tendências de Recursos Humanos e a saúde no trabalho, entre outros temas”, conta Mariana Iwakura. Com tamanha diversidade de veículos que divulgam as oportunidades de emprego, quem sai ganhando é o leitor. Ou melhor, os leitores em geral, de tão diferentes classes sociais, cada um com as suas necessidades específicas. “Cada publicação tem seu foco e público. Aqui, nós valorizamos as reportagens mais aprofundadas, com o maior número possível de dados exclusivos, com personagens expressivos, textos e artes didáticos. Buscamos direcionar o caderno editorialmente para assuntos que interessem ao nosso lei-

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comum ouvir por aí reclamações sobre o conteúdo dos jornais. Denúncias de corrupção e a violência cotidiana, com destaque para assaltos e assassinatos, dominam as manchetes das publicações. Mas há uma crescente fatia de leitores que folheiam páginas e páginas não atraídos pelas tragédias humanas. Eles estão atrás é de uma notícia específica. Mais precisamente, de uma boa notícia. Buscam uma oportunidade de ingresso ou recolocação no mercado de trabalho. Uma tendência natural, sobretudo no cenário de crise que, em março, fez o Brasil registrar o índice de 9% de desempregados. Os grandes jornais, talvez com base nos dados estatísticos sobre a recessão publicados por suas próprias editorias de economia, apressam-se em atender às necessidades dos leitores. De olho neste nicho, e sob a chancela do Diário de S. Paulo, do grupo Infoglobo, foi lançado em maio o Emprego Já. A publicação semanal desembarcou em um mercado altamente lucrativo e competitivo, que não pára de crescer diante da elevada procura por empregos e concursos públicos. Com 24 páginas, em formato tablóide e todo colorido, o novo jornal leva aos leitores, sobretudo, informações sobre as vagas abertas em atividades profissionais de baixa e média qualificação, como pedreiros, eletricistas, balconistas, auxiliares de enfermagem, técnicos de informática e vendedores. À frente do projeto estão o Editor Luiz André Alzer e o Gerente Comercial José Pereira Guabiraba, que também comandam o outro jornal da empresa em São Paulo, o Diário de S. Paulo. “O Emprego Já é voltado para quem está buscando emprego e não qualificação profissional. E isso é o que faz que não concorra com os cadernos semanais dos grandes jornais paulistas. Acima de tudo, é uma publicação de prestação de serviços e que busca trazer o maior número de vagas de trabalho e concursos abertos. Para tanto, valoriza a informação visual, como quadros de resumo ao final de cada matéria, tabelas e agendas sobre o que vem por aí”, explica. Voltado para as classes B e, sobretudo, C, o Emprego Já, apesar de ser produzido de forma independente, está subordinado à Editoria de Economia do Diário de S. Paulo. Há dois repórteres que trabalham exclusivamente para o jornal. Mas a equipe que produz os cadernos que tratam da área econômica quando vai fazer pautas para o Diário também escreve a versão específica para o jornal popular, com a diferença de imprimirem nela maior carga de prestação de serviço. “A estrutura comercial nos dá condições de oferecer uma publicação maior, com mais vagas. Podemos adotar uma política mais agressiva. Oferecemos aos anunciantes pacotes com base na credibilidade do Diário”, conta Alzer. Um dos atrativos do Emprego Já é exatamente seu preço, que, fixado em R$ 0,50, não pesa no bolso dos leito-

Tânia Rabello: Caderno do Estadão serve de bússola para leitores e dita tendências.

tor médio, que tem curso superior e está inserido no mercado de trabalho e no mundo virtual. Em geral, o que ele quer é desenvolver a sua carreira”, explica Mariana Iwakura, que, antes de se fixar no Negócios e Empregos e Carreiras, passou por outros cadernos e suplementos especiais da Folha de S.Paulo. Em reportagens curtas, o Empregos e Carreiras aponta tendências do mundo do trabalho. Em fevereiro, por exemplo, foi publicada matéria dizendo que a nova legislação e a crise mundial derrubaram a oferta de estágios no País de 1,1 milhão para 900 mil em apenas quatro meses. “Apesar de nossas reportagens acompanharem os classificados, temos total independência do departamento comercial. Dessa forma, nosso caderno traz não somente o serviço ligado à busca de empregos mas, principalmente, textos inéditos associados ao desenvolvimento do lado profissional, mesmo em tempos de crise”, diz Mariana Iwakura. Em sintonia com o caderno da concorrente Folha de S.Paulo, e distante da proposta da oferta de vagas imediatas que orienta o Emprego Já, o suplemento Empregos, encartado aos domingos em O Estado de S. Paulo, prioriza a qualificação e aponta as tendências no mercado. Feito em formato standard com oito páginas, também traz o seu tradicional classificados de empregos. O Estadão mantém um núcleo de produção de suplementos — três repórteres que produzem para Imóveis, Empregos, Negócios & Oportunidades e Constru-


ção. Na coordenação desse trabalho está a editora Tânia Rabello, que também edita o suplemento Agrícola do jornal. “No Empregos, que como caderno é publicado há cerca de 15 anos, as pautas surgem no cotidiano, por meio de releases. Há reportagens extensas e entrevistas com especialistas. Atualmente, não temos um setorista. Todos os repórteres se revezam na produção do conteúdo. As reuniões para discussão de pauta são realizadas às sextas ou segundas. O fechamento acontece sempre às sextas-feiras. Cursos, MBAs e, eventualmente, concursos ganham destaque nas nossas edições”, conta Tânia, há 17 anos no Estadão.

“Justamente por se dirigir ao público do jornal, com cerca de um milhão de leitores das classes A e B, o Empregos costuma trazer matérias sobre trainees, estágios, mercado de trabalho para executivos e profissionais liberais, cuidados com a carreira e qualificação. Recentemente nós publicamos matéria de página inteira sobre recolocação e técnicas de motivação para quem já passou dos 40 anos, discutindo como prolongar a vida útil na profissão. A proposta é nos mantermos antenados com o que acontece e servir de bússola, orientando os leitores”, diz a coordenadora de suplementos do Estadão. Diz Tânia Rabello que os constantes altos e baixos da economia provocam reações distintas nos leitores, mas

pouco alteram o rumo da edição. “Há dois momentos distintos. Quando a economia está em ascensão e quando ela está em crise. Na boa fase da economia, temos naturalmente o crescimento do emprego. Então, o perfil do caderno se encaixa bem, já que é focado na prestação de serviços, sobretudo em dar subsídios para o leitor construir sua carreira. Em épocas de crise, estas informações são mais úteis ainda; afinal, o leitor procura formas de aumentar a sua empregabilidade. E é exatamente neste foco que o caderno trabalha”, diz ela, que arremata: “Creio que o Empregos do Estadão é mais inspirador do que inspirado em outras publicações. É um caderno que dita tendências”.

No Rio, publicação especializada tornou-se referência nacional “O jornal tem procurado prospectar boas oportunidades e antecipá-las para os leitores, sobretudo na carreira pública. As manchetes mantêm-se dentro da nossa diretriz editorial. Em muitos casos, elas são produzidas em cima de apuração de oportunidades futuras anunciadas com alguma antecedência. O objetivo é permitir que os leitores não sejam apanhados de surpresa. Muitas vezes os concursos só são anunciados em cima da hora, quando o edital já está no Diário Oficial. E isso dificulta a vida dos candidatos, estreita as chances de obter a aprovação. Entendemos que o papel do jornal especializado, nesse segmento, é continuar dando sua contribuição para que a transparência seja adotada por todos os órgãos públicos, em todas as fases de um concurso”, diz. FOLHA DIRIGIDA

Um caso de sucesso, que acabou por servir de inspiração e referência para a maioria das publicações surgidas nas áreas de concursos e empregos em vários pontos do País: jornal com circulação bissemanal no Rio de Janeiro e com edições semanais em quase todos os Estados do Brasil, a Folha Dirigida surgiu em 1985, então como veículo quinzenal e com a tiragem de 3 mil exemplares. Hoje, passados 24 anos, com todas as suas publicações, que incluem cadernos de testes e edições extras, o grupo consolida uma tiragem mensal na casa dos 1,5 milhão de exemplares. Além dos impressos, investe pesado na internet – seu site tem 3.270.754 de internautas cadastrados. “A implantação do jornal foi fruto direto da experiência de nosso DiretorGeral, jornalista Adolfo Martins, que foi responsável pela formulação e manutenção de uma editoria de Educação e Empregos no Jornal dos Sports durante quase 20 anos. Ele tinha a percepção de que havia um vácuo no mercado editorial segmentado, que devia ser ocupado. E fez essa tentativa bem-sucedida com o jornal, que hoje circula em nível nacional”, conta Rogério Rangel, Diretor de Redação da Folha Dirigida. Em que medida o momento de crise provoca reflexos na confecção de um jornal exatamente voltado para a oferta de empregos e oportunidades de trabalho? “Eu não diria que esse cenário fortalece ou fragiliza os jornais ou as editorias setoriais desse segmento. Diria, sim, que aumenta a nossa responsabilidade, pois os leitores ficam mais ávidos por matérias com esse viés. Contudo, o noticiário, naturalmente, estreita-se junto com o estreitamento das atividades econômicas”, explica Rogério Rangel, que revela como se dá o processo de escolha das manchetes das edições.

Rogério Rangel: O nosso papel é cobrar mais transparência dos órgãos públicos.

A dificuldade de acesso a informações de interesse público, que tanto marca a gestão de alguns desses órgãos, é realmente a maior desafio na elaboração do jornal especializado. “Falta a cultura, tanto na iniciativa privada como no setor público, de dar transparência a seus processos seletivos. A reportagem luta para furar muitas barreiras, nessa busca de informações de interesse dos leitores, como as oportunidades no mercado”, revela Rogério Rangel, que destaca como positiva a política de transparência adotada por órgãos como a Receita Federal, a Polícia Rodoviária Federal e o Banco Central. Com uma estratégia de grande exposição nas bancas, a Folha Dirigida, que dedica um caderno exclusivo à cobertura educacional, tem os seus números de venda diretamente ligados ao poder de fogo de suas manchetes. “Nossas maiores vendas acontecem quando as manchetes atingem um espectro mais amplo de leitores – por exemplo, nos concursos de nível básico ou médio. E quando há significativo número de vagas, com remuneração atraente. Nem sempre uma oportunidade de trabalho, seja na carreira pública ou no setor privado, consegue reunir esses três elementos a um só tempo”, revela. Diz o Diretor de Redação da Folha Dirigida que, há um interesse crescente das pessoas por boas oportunidades de trabalho – e não somente neste momento de crise. O que ajuda a explicar o incremento de suplementos específicos e até o lançamento de novos produtos no mercado editorial. “É natural que seja assim. Este é um serviço complementar que os jornais de interesse geral prestam aos seus leitores. Acredito que o jornalismo de serviço, que é o que fazemos basicamente, não nos isenta do esforço de produzir um jornalismo de debate sobre os grandes temas ligados ao mercado de trabalho. E também procuramos fazer um jornalismo fiscalizador em relação à transparência e seriedade dos concursos”, conclui. Jornal da ABI 341 Maio de 2009

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MERCADO NESTE TEMPO DE CRISE, O EMPREGO VIRA MANCHETE

Estes também correm atrás O GLOBO E SUAS MUDANÇAS

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pressão de que a pauta de serviço tende a se fazer mais presente no on line – ficando a análise para o jornal de papel. De qualquer forma, o on line ainda é um espaço a ser mais explorado e entendido”, acredita Léa Cristina.

EM O DIA, CHUVA DE CURRÍCULOS Repórter da editoria de Economia e titular da coluna Concursos & Empregos de O Dia, Andréa Machado explica quais critérios são necessários para que uma oportunidade de emprego ganhe espaço na capa do jornal. “Sempre que um grande concurso acontece é possível, sim, entrar na primeira página. Notícias de abertura de inscrições, suspeitas de fraudes e problemas ocorridos durante a aplicação das provas também disputam espaço nas chamadas. Se o concurso é bom, com expressivo número de vagas ou

outros dados de forte apelo para nossos leitores, as chances de a matéria virar manchete são grandes. E quando isso acontece, os retornos são ótimos. Há um grande interesse em conquistar uma estabilidade e ter melhores empregos e condição de vida”. Conta Andréa Machado que o atual cenário de recessão não trouxe mudanças na forma como o jornal divulga as oportunidades no mercado. “Alteração de foco não houve. O Dia continuou priorizando as boas oportunidades de empregos, estágios e concursos. Em relação a estes últimos, aliás, eles continuaram acontecendo, apesar das declarações do Governo Federal de que sofreriam cortes. Do fim de 2008 até agora, várias autorizações em âmbito federal foram publicadas e editais foram divulgados. No Estado do Rio e em Municípios fluminenses o ritmo continua o mesmo de antes do início da crise financeira mundial. Em relação às empresas, foi possível sentir redução. Por cautela, as contratações ficaram mais lentas, mas em momento algum elas deixaram de existir. As oportunidades continuaram chegando. E o jornal continuou a cumprir seu papel de divulgá-las”. E a repercussão da coluna junto aos leitores do jornal, voltado especialmente para o público de classe C, é evidente. “Currículos chegam quase que diariamente. Então, tomo o cuidado de responder. Peço aos leitores que os en-

caminhem diretamente para a empresa responsável pelo recrutamento. Recebo até currículos que nem têm a ver com as vagas divulgadas pela coluna. As pessoas acham que os recebemos assim... Mas a demanda maior é em relação aos concursos. São leitores com dúvidas sobre inscrições, exigências dos editais, ou querendo saber sobre previsão da convocação, da lista de aprovados... Ainda há muita falta de informação. Como não há lei federal que diga o que é certo ou não nessas seleções, há coisas que ficam sem respostas. Mas o retorno dos leitores é interessante, pois eles nos pautam com suas dúvidas”, resume a jornalista.

O SALTO DE 20% DO JB

MARCELO RÉGUA

Faz tempo que O Globo resolveu criar um caderno específico para a publicação de ofertas de emprego, bem como de matérias relacionadas às atuais tendências do comportamento profissional, como a necessidade de constante qualificação profissional. O caderno Boa Chance foi editado pela primeira vez em 12 de setembro de 1993. Daquela época para cá, muitos aspectos da economia mudaram no País, é verdade. Outros, não, como aponta Léa Cristina, editora do suplemento dominical. “Na verdade, não conheci o mundo em que, no Brasil, sobrasse emprego. Portanto, dentro ou fora desta crise atual, as editorias de emprego têm um papel social fundamental: as reportagens que mostram em quais setores há vagas de trabalho acabam sendo essenciais. Agora, o contexto de crise fortalece, sim, essas editorias, no sentido de que mais gente passa a procurar trabalho. A força desse serviço fica evidente, por exemplo, no caso do Diário de S. Paulo, que lançou recentemente um jornal popular neste segmento”, afirma Cristina, numa referência ao Emprego Já. Léa Cristina, no entanto, defende maior abrangência editorial nos cadernos de concursos e empregos. “É bom lembrar que um caderno como esse não pode se limitar só a publicar reportagens para quem está desempregado no momento. Não podemos esquecer que a maioria das pessoas que compram jornal está empregada. Assim, nós devemos discutir aspectos como o desenvolvimento de carreira, as relações corporativas e a importância do empreendedorismo. A gente quer ser lido, regularmente, pelo maior número de pessoas possível”, explica. A editora do Boa Chance reconhece que o atual contexto de crise provocou mudanças no foco das matérias trabalhadas na capa do suplemento. “Alguns concursos ganharam status editorial. Por exemplo: podemos passar para a capa do caderno o processo seletivo de um órgão federal de 200 vagas, com salários iniciais de R$ 4 mil e valendo para todos os que tenham formação superior. Antes da crise, provavelmente esse concurso ficaria numa página interna”, aponta Cristina, que vê outras mudanças em curso nos principais jornais. “A internet nos joga rapidamente numa nova realidade. O jeito de fazer jornal está mudando substancialmente. O jornalismo, seja ele de serviço ou não, não é mais aquele que nós fazíamos há apenas três anos. Tenho a im-

Andréa Machado: Os leitores nos pautam com suas dúvidas.

Também o Jornal do Brasil voltou as suas baterias para o jornalismo de serviço, com um caderno dedicado às oportunidades no setor público e na iniciativa privada. Lançado em 17 de setembro de 2008, com previsão inicial de oito edições, o suplemento semanal, veiculado nas edições de quarta-feira, superou as expectativas e ganhou espaço cativo no jornal. O encarte, em média com oito páginas, presta auxílio aos leitores que buscam orientação para ingressar no funcionalismo, ou nas vagas abertas na iniciativa privada, para a recolocação no mercado. “O JB Concursos surpreendeu. É um verdadeiro sucesso, tanto que o Jornal do Brasil recebeu vários elogios de leitores, que aproveitam também para dar dicas e sugestões, que sempre são bem aceitas. A repercussão é muito boa, das melhores. Logo na segunda edição nós já conseguimos aumentar as vendas em 20%”, avalia Ângelo Chaves, Diretor de Mercado Leitor do JB na época do lançamento da publicação, lembrando que o caderno traz dicas para o candidato passar em concursos, depoimentos de aprovados em seleções anteriores e testes simulados de provas, além de reportagens especiais. Em algumas bancas do Rio de Janeiro os exemplares do Jornal do Brasil chegaram a vender 12 vezes mais do que o normal até então registrado nas quartas-feiras. “Além dos leitores fiéis, nós conseguimos atrair outros novos com esse incremento. O suplemento veio para solidificar a credibilidade da nossa publicação. O mercado de concursos e empregos é aquecido e promissor ”, afirma Ângelo Chaves.


CONTESTAÇÃO

MINISTRO JUCA FERREIRA: NINGUÉM QUIS SALVAR A COLEÇÃO JORGE AMADO O Ministério da Cultura registrou um total de 21 projetos relacionados direta ou indiretamente com a preservação da memória do escritor. Mesmo com o estimulo da Lei Rouanet, não houve quem quisesse patrocinar algum desses projetos. Através de seu Assessor de Imprensa, jornalista Nei Bomfim, o Ministro da Cultura Juca Ferreira cobrou da ABI a publicação do e-mail que dirigiu à Casa acerca do desfazimento da Coleção Jorge Amado, em leilão realizado em novembro passado. Diz Ferreira que o Ministério registrou a apresentação de 21 projetos relacionados direta ou indiretamente com a memória de Jorge, quatro deles propostos pela Fundação Casa de Jorge Amado. Três destes foram aprovados pelo Ministério, mas não houve quem se dispusesse a financiá-los, com o estímulo da Lei Rouanet. O Jornal da ABI publica a manifestação do Ministro, bem como a resposta que o Presidente da ABI lhe dirigiu diante das indagações que Ferreira fez: onde ele, Maurício, estava quando artistas e jornalistas clamavam por mais verbas para o Ministério da Cultura. É este o e-mail do Ministro: “Caro Maurício Azêdo, É de justiça termos tacitamente como ponto de partida que todos lamentamos essa dispersão do acervo cultural de Jorge Amado. Haveria, com um mínimo de lucidez, outra posição admissível que não essa? Obviamente, não. Não havendo, o pressuposto seguinte na lista de itens fundamentais desta discussão é a responsabilidade ao assumir e publicizar posições. Porque é igualmente óbvio que a participação na esfera pública exige responsabilidade –e, ao apresentar esta exigência, a participação automaticamente confere ao item responsabilidade a mesmíssima gravidade dos demais temas componentes da discussão. E exige responsabilidade inclusive em relação a fundamentos de imprensa, item em que a carta do Presidente da ABI falha inapelavelmente. O primeiro fundamento de imprensa: fatos. A carta usa expressões (“alheamento”, “omissão”, “crime”, “cumplicidade”, “imperdoável ofensa”) que o pudor veta a qualquer um –quanto mais a jornalistas e quanto mais a um Presidente da ABI– quando as expressões não mostram liga com os fatos. Expressões que, ao desrespeitar a economia do pudor que os fatos ancoram, imediatamente murcham e se reduzem a meros toques vazios de um texto. Fatos: o histórico do Ministério registra um total de 21 projetos que de alguma maneira envolvem a memória desse escritor símbolo. Desses 21 projetos, quatro (ou seja, apenas um, de cada cinco) são de iniciativa da Fundação Casa de Jorge Amado. Dos quatro projetos da FCJA, três foram aprovados pelo Ministério. Dos três projetos aprovados, em dois a FCJA nada captou junto às empre-

sas em condição de contribuir com a cultura por meio da Lei Rouanet. É possível a olhos honestos verem nisso algum “alheamento”, “omissão”, “crime”, “cumplicidade” ou “imperdoável ofensa” por parte do Ministério? Desses três projetos da FCJA aprovados, dois o foram pelo Fundo Nacional de Cultura, ou seja, com repasse direto do Ministério (circunstância em que o proponente não precisa produzir argumentos resistentes ao crivo de empresas). Esses dois projetos com FNC se referiam a acervo: “Inventário analítico do acervo documental” (0610416) e “Digitalização do acervo fotográfico” (078722). Do total geral de 21 projetos, propostos tanto pela FCJA quanto por outras instituições e empresas, 16, ou praticamente quatro em cada cinco foram aprovados pelo Ministério. Mas, desses 16 aprovados, 10 simplesmente não conseguiram convencer mercado e sociedade: tiveram captação zero. Atenção a este ponto: dos 16 projetos aprovados, 10 não convenceram nem mercado, nem sociedade. Temos aí, portanto, uma infeliz proporção de praticamente dois em cada três projetos rejeitados pelo mercado e/ou sociedade. A coerência pede a repetição da pergunta fundamental: algum indício de “alheamento”, “omissão”, “crime”, “cumplicidade” ou “imperdoável ofensa” por parte do Ministério? Ainda como fundamento de imprensa, cabe repor a verdade em relação também a outro acusado nessa mensagem do Presidente da ABI, o Governo do Estado da Bahia. O Governo do Estado da Bahia é proponente, segundo o histórico, em pelo menos três projetos. Todos os três em regime de Fundo Nacional de Cultura, ou seja, com repasse direto do

Ministério. Um deles (987616), voltado à “preservação e divulgação do acervo sobre a vida e obra de Jorge Amado”. Dois foram aprovados. Onde, portanto, o “alheamento” do Governo do Estado da Bahia? Mais. Os registros disponíveis no portal do Ministério para consulta pública listam um projeto capital para o abrigo, preservação e manutenção do acervo. Trata-se do 055653, voltado à criação do Memorial Jorge Amado/Casa do Rio Vermelho –tema central, portanto, nessa discussão. No valor de R$ 2.995.865,00, foi aprovado pelo Ministério, com a legal, legítima e razoável adequação para R$ 2.350.000,00. Este projeto teve captação zero. Atenção ao destino do projeto: foi alvo de um pedido de arquivamento proposto por... seu próprio proponente, a Fundação Roberto Marinho. Novamente: algum indício de “alheamento” por parte do Ministério? Cabe ainda lembrar que até hoje não fomos procurados diretamente pela família/instituição Casa de Jorge Amado especificamente para este fim. Um último fundamento de imprensa: o perguntar. Pergunte-se: onde esteve o Presidente da ABI, todos estes anos em que um Ministério da Cultura energizado pela legitimidade nacional e internacional de um Gilberto Gil clamou pelo 1% do orçamento nacional preconizado pela Unesco, minimamente necessário para dar conta de tantas e tantas demandas fundamentais para a identidade cultural do País? Onde esteve o Presidente da ABI, que nem um bilhete, que dirá uma carta, se dignou a rabiscar para mostrar-se presente, seja de que forma legítima fosse, inclusive a da crítica lúcida? Pois o ato mesmo de sair do anonimato para questionar supõe e exige a responsabilidade no pensar e pensar no que falar. Onde esteve e onde estava? Quando, ao longo dos anos, artistas, jornalistas e instituições sérias, sem abrir mão jamais de sua autonomia, independência e crítica, manifestaram seu apoio e sua reivindicação por mais verbas, em uníssono com o ministério? Cabe perguntar: não se tratou, portanto, este sim, de um caso de “alheamento”, “omissão”, “crime”, “cumplicidade” ou “imperdoável ofensa”? Cordialmente (a) Juca Ferreira, Ministro de Estado da Cultura.”

“O acervo não deveria depender do interesse do mercado” A resposta do Presidente da ABI, dirigida ao Assessor de Imprensa Nei Bomfim em 14 de abril passado, foi vazada nos seguintes termos: “Prezado Nei Bomfim, Pedindo-lhe desculpas pelo atraso com que o faço, inferior, porém, ao tempo decorrido entre a resposta do Ministro Juca Ferreira e a chegada desta às nossas mãos, acuso o recebimento do email com que Você nos encaminhou a contestação dele àquilo que consideramos alheamento, omissão, crime, cumplicidade e imperdoável ofensa no que concerne ao acervo de Jorge Amado. A esta altura, é ocioso discutir a questão, já que a Coleção Jorge Amado foi esfarinhada entre os que puderam arrematar suas peças, mas não custa dizer que a preservação desse acervo não deveria depender do interesse do mercado. Pela sua importância, a Coleção Jorge Amado exigia uma intervenção do Estado Nacional, que poderia sensibilizar suas empresas (Petrobras, Eletrobrás, Furnas, Caixa Econômica, Banco do Brasil, etc, etc.) para aplicar recursos na salvação de bens demasiado importantes para a cultura nacional e para a nossa memória afetiva (durante largo tempo Jorge foi o maior, o mais lido e o mais querido escritor brasileiro). O Banco do Brasil, por exemplo, fez um derrame de dinheiro, comprando a primeira página dos principais diários do País, numa edição dominical para tecer loas aos seus 200 anos, em maio passado. Um décimo desse desembolso perdulário e desnecessário salvaria a Coleção Jorge Amado e a Fundação Casa de Jorge Amado das agruras que vivem, com grave prejuízo para a cultura do País e da Bahia. Agora, Inês é morta. A Coleção foi retalhada e nem o Ministério Público da União, cuja intervenção a ABI requereu formalmente, produzirá agora o milagre de recompô-la. Por fim, o Ministro Juca Ferreira perguntou onde eu estava quando o Ministro Gilberto Gil defendia a destinação à cultura de 1% do orçamento federal. Respondo, sem me sentir ofendido: estava onde estou desde os 16 anos, há quase 60 anos portanto: na linha de frente da defesa dos interesses do povo e do País, ainda que isso me custasse prisões, torturas e desempregos. Estou e estava onde as obras de Jorge Amado indicaram que deveriam estar todos aqueles preocupados com a dignidade da espécie humana. Cordialmente (a) Maurício Azêdo, Presidente da ABI.”

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HISTÓRIA

Stalingrado, o funeral do nazismo

POR PAULO RAMOS DERENGOSKI Stalingrado – nas noites estreladas de minha infância, nas coxilhas grandes, toda a família à volta de um rádio Phillips ligado em baterias, lembro-me de alguém repetindo aquela estranha palavra: Stalingrado! Foi exatamente há 66 anos que a Humanidade, perplexa, assistia ao início da maior batalha terrestre de todos os tempos. Depois do grave erro estratégico, contrariando o conselho do Estado-Maior prussiano que foi a invasão da União Soviética em três frentes – a máquina de guerra de Hitler era detida... O avanço sobre Leningrado, Moscou e Cáucaso havia emperrado. As tropas de elite da Wermacht tinham sido obstaculizadas em seu avanço fulminante. Foi então que o anão de Viena resolveu concentrar forças no Sul, visando os campos petrolíferos caucasianos, pretendendo sangrar o petróleo que corre pelas veias de todas as guerras e – talvez – retomando os sonhos de conquistas do grande Napoleão. 8

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O avanço inicial foi irresistível. Os blindados se lançaram nos banhados entre o Don e o Donetz. Mas as ordens de Berlim exigiram que ele se dividisse entre o Cáucaso e uma cidade nas margens do Volga: Stalingrado. O erro foi fatal. Obcecado em conquistar a cidade que levava o nome de seu maior inimigo, Hitler voltou a ignorar o conselho do Estado-Maior de que “seria impossível manter um extenso flanco durante o rigoroso inverno na linha de Don”, enquanto o resto da tropa mergulhava para o Sul. De onde não voltaria... O contra-ataque russo, com tropas frescas vindas da Sibéria, que combatiam sem camisa nas nevascas para mostrar coragem, somadas aos veteranos das estepes, se avolumou. Os alemães – diga-se – foram corajosos. Eram guerreiros ousados. Fulminantes no ataque. Organizados na retirada.

O General Von Paulus, Comandante do VI Exército, depois promovido a marechal, único oficial dessa patente na Wermacht a se deixar prender –, mostrava suas discordâncias como as táticas nazistas. A partir de dezembro de 1942, seus 300 mil soldados estavam cercados pelas legiões russas que, em ondas humanas, vinham da esteira do Volga. Ao relembrar Stalingrado é necessário dizer que na Rússia, como na Polônia, a ausência de montanhas facilitava muito o avanço dos blindados e as barreiras eram constituídas pela importância dos rios: o Don silencioso, o Dvina empedrado, o Dniester e seus tributários. Nas margens deles se travou o complexo de batalhas que definiu o rumo da última guerra. No início de 1943, Moscou e Leningrado haviam levantado o cerco. A artilharia soviética – a força com maior poder de fogo que já se moveu na face da Terra – clareava as noites com a explosão simultânea de milhares de bocas, lembrando as alvoradas. Paulo Ramos Derengoski, jornalista e associado da ABI, é radicado em Lages, Santa Catarina.


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Aconteceu na ABI CONFERÊNCIA

Os compromissos da tv pública: isenção, pluralidade, diversidade Em conferência na ABI, a Presidente da TV Brasil, jornalista Tereza Cruvinel, fala das origens da emissora e de seu compromisso com a liberdade de informação.

Jornalistas, cineastas, produtores culturais, estudantes, sócios e conselheiros da ABI, além de pessoas comuns, lotaram a Sala Belisário de Souza na noite de 11 de maio para assistir ao debate A importância da TV Pública para a democratização dos meios de comunicação, que teve como expositora a jornalista Tereza Cruvinel, Presidente da Empresa Brasil de Comunicação-EBC. O encontro foi aberto com a saudação de Maurício Azêdo aos presentes e, em especial, à Presidente da EBC. – Tereza Cruvinel como profissional de imprensa é merecedora da nossa admiração pela competência e pelo alto sentido ético com que tem feito jornalismo. Gostaria de agradecer a sua disposição de comparecer à ABI, a Casa do Jornalista, para um debate franco em relação a questões tão importantes como aquelas relacionadas com a tv pública, que pode se constituir, com o decorrer do tempo, em forte instrumento de democratização da informação e da opinião no Brasil. Agradecendo a oportunidade de discutir temas relevantes à imprensa nacional, Tereza destacou a importância de participar do evento na ABI: – Mais do que como Presidente da EBC, é como jornalista que eu tenho muita alegria e especial emoção de estar aqui na Casa do Jornalista, como disse Azêdo. Casa de Barbosa Lima Sobrinho, Casa que eu freqüentei na juventude, como estudante, como militante pela redemocratização. Muito antes de ser jornalista eu já freqüentava a ABI. Ao longo dos meus 25 anos de jornalismo político, o tempo todo estivemos juntos, não só como jornalistas, mas acompanhando a presença da ABI nas lutas democráticas, como em 1976, no episódio da explosão da bomba, que eu cobri. Lembro também perfeitamente da tarde em que Barbosa Lima Sobrinho, juntamente com o então Presidente da OAB, Marcelo Lavenère, entrou no Salão Verde da Câmara dos Deputados com o pedido de impeachment do Presidente Fernando Collor. Um pouco de História Tereza iniciou a palestra recordando a história da radiodifusão na Europa e no Brasil: 10

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JOSÉCRUZ/ABR

POR CLÁUDIA SOUZA

— Nosso objetivo é fazer um jornalismo que revele a diversidade do Brasil, deixando de expressá-lo com imagens apenas do Rio, São Paulo e Brasília, disse Tereza Cruvinel.

– Nos anos 50, os governos dos Estados nacionais europeus criaram as primeiras emissoras de rádio e televisão, que ganharam natureza pública no sentido do controle social. No Brasil, embora o Presidente Getúlio Vargas tenha tido a iniciativa de criar a Rádio Nacional, a primeira emissora de grande projeção, e também um projeto para a tv nacional, foi Assis Chateaubriand quem ganhou a primeira concessão de tv. Portanto, no Brasil, começamos tendo apenas uma tv comercial no modelo americano, no qual a publicidade financia e a audiência está subordinada a essa lógica. Em 21 de abril de 1960, com a inauguração de Brasília, Juscelino desengavetou o projeto de Getúlio Vargas e criou a TV Nacional de Brasília, hoje canal da TV Brasil. O projeto para a criação de uma rede de tv pública ganhou força no País, lembrou Tereza, na década de 80, durante a Constituinte, com o apoio de parlamentares, jornalistas e instituições:

– Entre aqueles que abraçaram esta luta, aproveito para homenagear a memória da Deputada e jornalista Cristina Tavares, da qual sou biógrafa. Cito também o jornalista e Deputado Miro Teixeira, a ABI, o Sindicato dos Jornalistas e outras dezenas de entidades e acadêmicos que participaram do movimento pela criação de uma tv pública e de uma dimensão democrática para o sistema de radiodifusão. Nós que cobrimos a Constituinte sabemos que ela é avançada em alguns pontos, mas sofreu o impacto das forças conservadoras do chamado Centrão, que impedia que a esquerda, liderada por Mário Covas, conquistasse muitas mudanças. Não conseguimos naquele momento criar o sistema público de tv, mas aprovamos o artigo 223, que assegura ao Poder Legislativo conceder, designar os canais de rádio e televisão, observando a complementaridade entre o sistema privado, e o estatal, público. Desde então, muitas televisões estatais

foram criadas. Vinte anos se passaram sem que este artigo promovesse mudanças no sistema de radiodifusão brasileira, que continuava sendo exclusivamente privado, concentrado nas mãos de poucos grupos, o que uma democracia não permite nesse grau registrado no Brasil. “Compromissos inalienáveis” Em 2007, destacou a Presidente da EBC, foi retomada a luta pela democratização do sistema de radiodifusão, com o Fórum da TV Pública, que reuniu um conjunto de entidades e pessoas, sob a liderança do Ministro Gilberto Gil. O encontro resultou na Carta de Brasília, que pedia a implantação do sistema público de radiodifusão: – O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva implantou a Carta de Brasília, através do Ministro Franklin Martins. Eu recebi o convite para dirigir a EBC. Abri mão de uma trajetória profissional consolidada para construir algo inexistente, um projeto duradouro, de interesse público, de contribuição à democracia. Me afastei daquilo que mais me mobiliza na vida que é a relação cotidiana com a notícia, mas para fazer a TV Brasil. Disse Tereza que até abril de 2008 a luta pela construção da TV Brasil foi travada no Congresso e junto à sociedade, para conquistar o debate político. As questões burocráticas, como a incorporação da Radiobrás e a estruturação da EBC, foram tratadas adiante, até o mês de junho. Em seguida, teve início o projeto de construção da nova programação da emissora: – Em 2 de dezembro de 2007, a TV Brasil entrou no ar com o novo nome. No dia seguinte, estreamos a edição noturna do telejornal Repórter Brasil, e, pouco depois, a edição da manhã. Sempre entendemos que o direito à informação é um dos compromissos inalienáveis de uma tv pública. O nosso objetivo é fazer um jornal que revele a diversidade do Brasil, deixando de expressá-lo apenas com imagens de Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília e caracterizando na tv pública as noções de isenção, pluralidade, diversidade. Na programação, sublinhou, a meta é alcançar a função educativa no sentido amplo, contribuir para a formação crítica do cidadão e evitar o que é feito na tv comercial.


– No ano passado, pela primeira vez uma televisão cobriu as festas juninas do Nordeste, expressão forte de nossa diversidade cultural. A programação da TV Brasil vai expressar etnias, ecologia. Também temos grande preocupação com a América Latina. A TV Brasil é aberta, generalista e tem apenas quatro canais próprios. Ela tem inovado no sentido de dar destino às 24 tvs educativas que estão perdidas, abandonadas, sem projetos. É um patrimônio do povo brasileiro, com o qual estamos constituindo a rede pública de televisão. Atraindo os independentes Para equipar todo o sistema, nos últimos meses foram destinados R$ 110 milhões a licitações. Vencer o preconceito, obter o reconhecimento do jornalismo de qualidade, renovar a grade de programação e expandir e consolidar a rede própria e a associada são as prioridades: – Vamos instalar os canais digitais O próximo será o do Rio de Janeiro. O futuro da tv pública não está no sistema analógico, que vai terminar em 2016. Apesar da crise econômica, continuaremos investindo e cumpriremos uma série de agendas relativas à democratização, como o Fórum das TVs Públicas, a ser realizado no fim deste mês, e a Conferência Nacional de Comunicação, onde estaremos lutando, junto com a ABI e outras entidades do campo democrático, por um marco regulatório da radiodifusão brasileira que responda aos novos desafios tecnológicos. No final deste ano, sob o patrocínio da EBC, realizaremos o Seminário de Mídias Públicas da América Latina, buscando o fortalecimento deste setor e do campo público. Na Argentina, o debate do momento é a nova lei de radiodifusão. O Paraguai está pedindo a nossa ajuda para a implantação da tv pública paraguaia. O Uruguai também. Ainda sobre a programação da TV Brasil, Tereza Cruvinel destacou as ações de apoio à produção independente: – Queremos fortalecer as formas mais republicanas de construir esta televisão. Na semana passada, por exemplo, lançamos um regulamento para a contratação de programas feitos por produtores independentes. Precisamos construir esta programação com a participação dos atores excluídos, que estão fora das grandes estruturas. Em relação aos conteúdos regionais, estamos construindo formas de associação para co-produções com as tvs estaduais, comunitárias e universitárias. Vamos lançar o Pitching TV Brasil, com base na Lei nº 8.666 (Lei de Licitações), para dar oportunidade a todos. Lançaremos também uma forma republicana de licenciar conteúdos já existentes. E estamos envolvidos no projeto denominado Operador Nacional da Rede Pública Digital.

Tereza ressaltou que a EBC opera também com oito emissoras de rádio, que prestam importantes serviços, especialmente em áreas distantes e isoladas do País, com a Agência Brasil, e a EBC Serviços, braço paralelo que opera sob contrato com o Governo Federal para realizar o canal NBR, o programa Café com o Presidente, viagens do Presidente da República e outros atos oficiais. Jornalismo com isenção Em resposta a pergunta do Conselheiro Mário Augusto Jakobskind sobre o apoio da TV Brasil a jornalistas que estão fora da chamada grande mídia, Tereza Cruvinel lembrou o compromisso da emissora com o jornalismo isento, não-governista, que exige, disse, sacrifício da opinião em detrimento da informação. – Jornalistas das mais diversas opiniões deverão participar dos nossos debates, como no programa Três a Um, ancorado pelo jornalista Luiz Carlos Azêdo, sobrinho de Maurício Azêdo. Estamos empenhados em consolidar o espaço da credibilidade e da informação. Questionada pela cineasta Tetê Moraes, Presidente da Associação Brasileira de Cineastas do Rio de Janeiro, sobre o incentivo ao setor audiovisual e às produções independentes, Tereza reforçou as ações vinculadas à política de parceria com este setor, em especial os editais de pitching. Os participantes do evento sugeriram debates na TV Brasil em torno de temas como a Conferência Nacional da Comunicação, a exigência do diploma para o exercício do jornalismo e a implantação de programas sobre sustentabilidade, educação ambiental, música, esporte, entre outros. Ao final do encontro, o Presidente da ABI agradeceu a presença de Tereza Crivinel e da platéia e o empenho do Presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos, Wilson Fadul Filho; do Conselheiro Mário Augusto Jakobskind, membro dessa Comissão, e do Primeiro-Secretário do Conselho Deliberativo da ABI, Lênin Novaes, na organização do debate: – Desejamos que Tereza prossiga nesta senda que abriu, marcada por êxitos conquistados com extrema dificuldade, inclusive arrostando incompreensões inadmissíveis e inoportunas, por se tratar de empresa de criação recente. Agradecemos por esta demonstração de seu espírito democrático dialogando em torno de uma questão tão relevante com a comunicação e a tv pública no Pais. Os Sertões, em samba No encerramento do ato, o compositor Edeor de Paula, acompanhado pelos presentes, entoou o samba Os Sertões, de sua autoria, enredo da Escola de Samba Em Cima da Hora no Carnaval de 1976.

Cachoeiras manda alunos para saber como fazer jornal Turma de ensino médio de escola estadual visita o Edifício Herbert Moses. A ABI recebeu na tarde de 27 de maio cerca de 40 alunos do ensino médio da Escola Estadual Maria Zulmira Torres, localizada no Município fluminense de Cachoeiras de Macacu, os quais vieram conhecer um pouco da História do jornalismo brasileiro. A professora de Português e Literatura Cláudia Nascimento explicou que a visita faz parte de um programa do Governo do Estado, que, através do Plano de Desenvolvimento da Educação-PDE, incentiva o desenvolvimento de projetos direcionados aos alunos do ensino médio da rede estadual de ensino: – Para a nossa escola está prevista a criação de um jornal. Então, tive a idéia de convidar o jornalista Erasmo Trielli Júnior para ministrar palestras para os alunos. O programa também inclui a visita a uma instituição de comunicação e o Trielli escolheu a ABI. Disse a Professora Cláudia que a idéia de criar um jornal feito pelos alunos surgiu a partir da constatação de que os jovens têm recebido um volume grande de informação, mas não sabem bem como utilizá-lo: – Eles têm tido muito acesso aos meios de comunicação, mas não conseguem filtrar o que interessa, o que de fato é importante para a formação. Acredito que, ao produzirem um jornal, eles entenderão a importância da informação e o que fazer com ela. Guiados pelo jornalista Erasmo Trielli, os estudantes iniciaram a visita no 7º andar do Edifício Herbert Moses, mais precisamente pela Sala Belisário de Souza, onde se realizam atos da ABI e de outras entidades. Trielli detalhou as trajetórias de Herbert Moses e Barbosa Lima Sobrinho. – Eles estiveram à frente da Associação nos períodos mais duros para o exercício da profissão, que foram as ditaduras de 1937 a 1945 e de 1964 a 1985. Os jornalistas eram censurados, não podiam se expressar livremente. Muitos perseguidos recorriam à ABI. Em cada jornal havia um censor, que só permitia a publicação dos assuntos que interessavam ao regime. Como forma de denunciar a censura, alguns veículos publicavam receitas de bolos e versos de Camões nos espaços das reportagens vetadas. Sócio da ABI desde 1999, Trielli trabalhou nas Redações da Tribuna da Imprensa, Estado do Rio e O Macacuano. Atualmente, assina uma coluna

na revista 3T e escreve para o jornal Cachoeiras, onde publicou uma matéria que resultou em agressão praticada pelo então Prefeito de Cachoeiras de Macacu César de Almeida. – Assinei uma reportagem que desagradou o Prefeito. Então, ele me deu um soco. Fiz exame de corpo de delito e comuniquei o fato à ABI, que imediatamente divulgou o assunto em toda a imprensa. Além disso, a Associação colocou um advogado à minha disposição. Ao narrar o episódio aos alunos, Trielli enfatizou que se algum deles optar pela carreira de jornalista poderá contar sempre com a ABI: – Em todas as Redações pelas quais passei os colegas sempre aplaudiram a ABI como uma entidade de vital importância. Um dos principais objetivos desta visita é justamente despertar o interesse para a profissão de jornalista. Os alunos conheceram em seguida o Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar. – Aqui foram realizadas as primeiras projeções dos cineastas que criaram o Cinema Novo, movimento que revolucionou o cinema nacional, dando ênfase aos problemas brasileiros. Até então, predominavam as chanchadas, que eram filmes feitos para divertir o povo e não provocavam nenhuma reflexão, explicou Trielli. No Salão de Estar, localizado no 11º andar, ele destacou a figura do maestro e compositor Heitor VillaLobos: – O espaço foi batizado com o nome do maestro, que era freqüentador assíduo da Casa e aqui exercitava o seu passatempo predileto: o bilhar-francês. Uma das alunas se interessou em saber mais sobre a vida e a obra do maestro e informou que vai baixar suas composições pela internet. Na Biblioteca Bastos Tigre, no 12º andar, os jovens entraram em contato com diversas coleções importantes, como as das revistas Manchete, O Cruzeiro, Fatos & Fotos e Realidade, e dos jornais O Pasquim e Movimento, entre outros. Os estudantes Mirelly Siqueira, Raquel da Silva Menezes e Marlon Custódio formaram um grupo entusiasmado com a descoberta da rotina de reportagem. Com bloco e caneta nas mãos, entrevistaram funcionários e associados da Casa, para a produção do jornal escolar, que circulará até 15 de junho.

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Aconteceu na ABI

O Acordo Ortográfico numa aula magna de Evanildo Bechara Em sessão especial do Conselho Deliberativo, o responsável pelo novo Vocabulário Ortográfico deu um show de domínio da língua e erudição. FOTOS: HENRIQUE HUBER/FOLHA DIRIGIDA

POR JOSÉ REINALDO MARQUES

O Conselho Deliberativo da ABI realizou em 26 de maio uma sessão especial com a presença do professor, filólogo e acadêmico Evanildo Bechara, convidado a fazer uma exposição sobre o novo Acordo Ortográfico da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa, que entrou em vigor no Brasil em 1º de janeiro passado, nos termos de decreto presidencial firmado em 29 de setembro passado. Ao abrir a reunião, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, falou sobre a satisfação da Casa em receber o Professor Bechara, para discorrer sobre um tema muito importante para a atividade jornalística: – Para nós é uma honra tê-lo como convidado para esta especial conferência, em um momento em que o idioma sofre uma mudança radical em função do Acordo firmado entre os países de língua portuguesa. Afirmou Maurício que a presença de Evanildo Bechara significava uma rara oportunidade que todos teriam “de beber a sabedoria” do acadêmico, que ele apontou como uma das maiores autoridades em língua portuguesa, no Brasil e no exterior, além de uma das grandes personalidades do País na área de educação. A iniciativa do convite a Bechara para falar sobre o Acordo Ortográfico partiu do Assessor de Imprensa da Academia Brasileira de Letras, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, que também é membro do Conselho Deliberativo da ABI. Athayde considerou o interesse que o debate com um mestre em língua portuguesa poderia ter para a Casa, tendo em conta que o idioma é um dos principais instrumentos de trabalho dos jornalistas. Outra fonte de provocação para a realização da conferência foi o editorial Ditadura no idioma, publicado no Jornal da ABI, edição nº 338, de fevereiro de 2009. No texto a ABI comunica que deixaria de cumprir nos veículos que edita as normas estabelecidas pelo novo Acordo Ortográfico. Ao justificar a decisão, considerou a ABI que o Acordo “não se originou de uma necessidade social nem de uma postulação coletiva que dessem à sua elaboração e aplicação um caráter democrático”, como afirma no editorial. Um sonho, desde 1885 No início de sua exposição, o Professor Evanildo Bechara destacou a parceria da ABI com a ABL para a realização do encontro, que ele classificou como 12

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para cada letra existisse um som correspondente: – Se nós tivéssemos no Brasil uma ortografia fonética, teríamos no País, miseravelmente, uns seis sistemas ortográficos. Isto porque o Norte não pronuncia como o Nordeste, da mesma forma que este não se comunica oralmente como o Sudeste, que não fala como o Sul, que por sua vez não se expressa como o Centro-Oeste. Disse Bechara que as variedades fonéticas não servem como modelo para uma ortografia ideal. Como exemplo, citou a letra x, que se pronuncia com som de z na palavra exercício: – A ortografia perfeita não existe em língua nenhuma. Não há língua de cultura com um sistema ortográfico ideal.

O idioma português é o único que ainda não chegou a um sistema unificado de sua grafia, como é o caso do espanhol, disse o Professor Evanildo Bechara.

“oportuna união de duas Casas que honram a cultura e a educação deste País”. Em seguida afirmou que ficou satisfeito com o teor do editorial, porque nele a ABI demonstra estar preocupada com o instrumento de trabalho e de expressão da classe jornalística que é a língua portuguesa. Em seguida, lembrou que o novo Acordo Ortográfico é de 1990, foi sancionado somente no ano passado e levou quase 20 anos para que fosse discutido pela sociedade. Sobre este aspecto, ressaltou que nem sempre aparecem pessoas habilitadas para intervir nesse debate, apesar da boa vontade. Por essa razão, disse, nem sempre se estabelecem “critérios que honram as comunidades lingüísticas”. É neste estágio, acrescentou, que se percebe a importância da função dos gramáticos, que de maneira criteriosa são convocados como autoridades para falar sobre o destino, funcionamento e a situação em que se encontra o instrumento de comunicação que é a língua portuguesa: – Esse assunto na verdade requer uma preparação, porque o técnico tem um

panorama mais largo deste fenômeno, como também mais profundo, e é capaz de estabelecer relações que passam despercebidas pelo falante nativo. Em um breve relato histórico, Evanildo Bechara contou que o idioma português vem tentando chegar a uma unificação ortográfica baseada em critérios científicos desde 1885, quando os filólogos portugueses Gonçalves Vianna e Vasconcelos Abreu apresentaram pela primeira vez um texto em que se estabelecia a base da língua portuguesa. Na seqüência, fez uma exposição sobre os princípios científicos da ortografia, no contexto da etimologia e da gramática, a qual, a partir daí, transformou-se em uma aula magna sobre a história da língua portuguesa, devido à erudição e ao conhecimento apresentados por ele, com numerosas citações sobre a origem dos idiomas românicos, aos quais o português está ligado. Diante de uma atenta platéia de conselheiros, Bechara explicou que no caso da ortografia fonética, ou seja, nas situações em que uma palavra é escrita da forma como ela é pronunciada, a ortografia ideal não existe, a não ser que

A necessidade de unificar No século XX ocorreram as primeiras reformas ortográficas. A primeira aconteceu em 1911, organizada pelo Governo de Portugal. O Brasil não foi consultado, apesar de na época já se configurar como um país de prestígio internacional, com uma população superior à portuguesa. Em 1931, houve uma reunião entre a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras, que pretendiam trabalhar para uma unificação do idioma. O resultado desse processo ficou estabelecido no Vocabulário Ortográfico de 1943, mas o assunto gerou uma polêmica entre Brasil e Portugal: – O Acordo de 1943 atendia às necessidades lingüísticas do Brasil, mas não contemplava as de Portugal, que se viu obrigado a estabelecer um novo acordo com o Brasil. Foi daí que saiu a reforma ortográfica de 1945, explicou Evanildo Bechara. A reforma de 1945 beneficiava mais a tradição ortográfica portuguesa do que a brasileira. Para resolver o problema, os brasileiros passaram a adotar o Acordo de 1943 e os portugueses, o de 1945. Em 1970, filólogos brasileiros e portugueses se reuniram em um colóquio em Portugal, para tentar chegar a um consenso sobre a unificação idiomática. Explicou Bechara que o português é a única língua que até hoje não chegou a um sistema unificado da sua grafia, como é o caso do espanhol. Neste contexto, o ponto positivo do Acordo Ortográfico de 1990 – ressaltou – é que este oferece aos países lusófonos um sistema ortográfico coerente, eliminando as diferenças: – O nosso pleito é que a partir dessa unificação os futuros alunos escre-


vam a língua portuguesa com mais coerência. O mais recente Acordo tem como mérito a tentativa de desbaratar as minudências que atrapalham o homem comum. A unificação do idioma português foi classificada por ele como um grande passo diplomático e político, pois sete dos oito países lusófonos escrevem da maneira lusitana e somente o Brasil faz uso da escrita à sua moda: “É por isso que essa reforma vem resolver as nossas agruras em matéria de sistema”, afirmou. A visão de Pessoa Para destacar o papel do idioma para as sociedades, Bechara citou um texto de Fernando Pessoa, escrito após a reforma de 1911, no qual o poeta fala que a ortografia deve ser vista pelo lado cultural, mas que não se deve ignorar a sua face social: – A ortografia tem um aspecto cultural, mas junto desse fator existe o lado social. Por isso, na opinião de Fernando Pessoa, no tocante à ortografia, o Estado não pode promover a indisciplina no campo social. Todos os sistemas ortográficos são sancionados

Lênin Novaes (à esquerda), Secretário do Conselho, e Maurício Azêdo (à direita) aplaudem Bechara após a sua exposição na sessão do Conselho Deliberativo presidida por Pery Cotta (2º à esquerda). Bechara impressionou pelo domínio do idioma e pela erudição.

des conclusões. A maior parte é contra, pelo que suponho que todos nós iremos continuar a escrever da mesma forma. Para já, está tudo igual.” No mesmo dia 26 de maio, a Assembléia da República de Portugal anunciou que promoveria em 3 de junho um debate sobre o Relatório da Comissão Parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura sobre o abaixo-assinado público contra o Acordo Ortográfico. Aprovado no mês de abril, por unanimidade, o Relatório final da Comissão ressalta que o Acordo Ortográfico contém “vícios susceptíveis de gerarem a sua patente inconstitucionalidade”.

Excesso de reformas? Após sua exposição, o Professor Evanildo Bechara se dispôs a responder às perguntas dos Conselheiros da Bechara doou à Biblioteca da ABI exemplar do ABI sobre o novo Acordo Ornovo Vocabulário, cuja edição ele coordenou. tográfico. O Conselheiro Milton Coelho da Graça disse que a língua portuguesa sofre de expelo Governo, o que não impede que cesso de reformas. Segundo ele, o julgacada escritor escreva como quiser. mento final que vai apontar se o AcorApesar de o Professor Bechara ter do foi favorável ao desenvolvimento da destacado o apoio que a imprensa tanto língua portuguesa fica por conta da Hisno Brasil quanto em Portugal tem dado tória. ao Acordo Ortográfico, o assunto ainda Na opinião de Milton Coelho, a idéia gera discussões nos dois países. Em Porfundamental da reforma ortográfica tugal, o tema ainda não é consenso nos atual foi fazer que os livros editados no jornais, como afirma o jornalista Nuno Brasil e em Portugal conquistassem Araújo, redator da Papel de Carta, Agênrapidamente o mercado, unindo os cia de Comunicação e Publicidade: idiomas dos países africanos de língua “Quanto ao Acordo Ortográfico, a portuguesa. Ele assinalou também que discussão tem existido, mas sem gran-

não vê sentido algum nessa mudança imediata: – Nós perdemos a singularidade vocabular. É muito difícil para mim explicar aos meus alunos do curso de Jornalismo por que eu devo abandonar a diversidade ortográfica que tínhamos antes. Quando eu escrevo para jornais sigo o Acordo, mas se eu tiver a petulância de escrever um livro vou fazê-lo da forma das reformas ortográficas anteriores, porque espero que seja mais facilmente identificável para os meus leitores. O Conselheiro Mário Augusto Jacobskind indagou se os Acordos anteriores foram discutidos amplamente pela sociedade. Já o Vice-Presidente da ABI, Tarcísio Holanda, levantou a questão do descontentamento dos portugueses em relação ao processo de unificação do idioma, que segundo ele tem sido muito mais intenso em Portugal do que no Brasil. Também fizeram perguntas os Conselheiros Ângelo Fernandes e Pereira Filho (Pereirinha), a associada Maria Ignez Duque Estrada, membro da Comissão de Sindicância, e Wilson de Carvalho, da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos. “Não somos futurólogos” Bem-humorado, o Professor Evanildo Bechara decidiu responder a todas as perguntas em um só bloco. Pediu à platéia que imaginasse se os ortógrafos fossem pedir a opinião do povo brasileiro ou do português para providenciar as reformas ortográficas. Em seguida, voltou a afirmar que os assuntos técnicos têm que ser tratados por especialistas:

– É claro que não somos futurólogos. Não podemos afirmar que a educação brasileira vai melhorar com a reforma, porque o objetivo dela não é promover melhorias na educação nacional, que é um problema que se resolve por outras vias. Ele admitiu a degradação do ensino, para a qual a ortografia vai trazer um subsídio muito pequeno, mas vai qualificar a difusão da língua. Em relação às críticas, disse discordar daquelas que classificam o Acordo como autocrático: – Não é verdade, porque ele permite diferenças lingüísticas, não as ortográficas. Escrever Antônio com acento circunflexo ou agudo é uma questão lingüística. Há neste caso uma variedade lingüística lusitana que aí difere da brasileira. Quanto aos protestos em Portugal, disse que essa reação decorre de o povo português se colocar na condição de “dono da língua”. Um sábio, sim No encerramento do encontro, Maurício Azêdo agradeceu a presença do convidado e enalteceu o alto nível de conhecimentos do conferencista. – Outro aspecto que desejo sublinhar é que na apresentação do perfil do Professor Bechara eu disse que nós íamos beber da sua sabedoria e íamos ouvir um sábio. Realmente a exposição dele confirmou as afirmações que fiz, que não eram desprovidas de fundamento, como ele confirmou com sobejas demonstrações de erudição ao longo de sua magnífica conferência - disse o Presidente da ABI.

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Aconteceu na ABI

O futebol entra em campo Ciclo de palestras começa a mostrar a relação do futebol com diferentes aspectos da sociedade brasileira, além de lançar luz sobre o jornalismo esportivo. BERNARDO COSTA

O futebol bem além das quatro linhas. Em campo, a arte da paixão nacional e sua estreita relação com outras faces da cultura, como o samba, a dança, a literatura e o cinema. Essa é a temática do ciclo de palestras Futebol-arte: A Arte do Futebol, promovido pelo Grupo de Literatura e Memória do Futebol-MemoFut e a ABI, com o apoio do Laboratório de História do Esporte e do Lazer (Sport), ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, e das editoras LivrosdeFutebol.com e Apicuri. O primeiro encontro da série foi realizado na noite no dia 5 de maio, na Sala Belisário de Souza, no 7º andar do Edifício Herbert Moses, sede da ABI, e contou com a participação de Maurício Murad, especialista em Sociologia do Esporte e professor da Universidade do Estado do Rio de JaneiroUerj; Renato Maurício Prado, colunista de O Globo e do canal pago SporTV; e Vanessa Riche, narradora de esportes olímpicos e apresentadora do programa SporTV News Na abertura do evento, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, lembrou a vinculação da Casa com o jornalismo esportivo. “Antes da fundação de entidades dos jornalistas esportivos, como a Associação dos Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro-Acerj – disse –, a ABI sediou durante anos o antigo Departamento de Imprensa Esportiva-DIE, que era dirigido por uma das figuras que liderava a cobertura esportiva da época, Canor Simões Coelho. Durante décadas, a ABI acolheu esses companheiros, permitindo que se cristalizasse entre nós uma doutrina da cobertura esportiva, com a valorização daquilo que é importante no futebol, o espírito de competição.” O jornalismo esportivo de ontem e de hoje Renato Maurício Prado traçou breve histórico da relação entre jornalismo e futebol, lembrando que a imprensa foi responsável pela transformação desse esporte em paixão nacional. “Jornalismo e futebol sempre estiveram

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Maurício Murad (à esquerda) considera que a imprensa joga um papel importante na questão da violência nos estádios. Vanessa Riche, da SportTV News, e Renato Maurício Prado (à esquerda), de O Globo, também comentaram a relação imprensaesporte.

juntos. Sempre houve um interesse de ambos os lados. No início, o futebol precisava de divulgação e a imprensa de algo que atraísse a atenção do público. Ao longo dos anos essa relação foi mudando. Antigamente, nós, repórteres, assistíamos aos treinos do gramado e entrevistávamos os jogadores. A relação era muito mais próxima, mais leve. Hoje em dia, esta relação é mais fria, mais profissional. Os assessores de imprensa praticamente dão as entrevistas no lugar dos jogadores”, observou o colunista de O Globo. Vanessa Riche criticou a atuação dos jornalistas durante as entrevistas coletivas com os jogadores e técnicos de futebol. “Os repórteres fazem uma análise imensa do jogo e depois formulam a pergunta a partir da opinião deles sobre a partida. Muitas vezes o entrevistado se limita a dizer sim ou não ou, ainda, a dizer que o repórter já respondeu à própria pergunta. Já trabalhei em diversas editorias, e quando fui para o futebol isso me assustou um pouco”, disse ela, que também questionou o fato de a mídia transformar a vida particular do jogador em notícia. Vanessa considera que há um exagero por parte dos meios de comunicação em dar destaque ao cotidiano do atleta fora de campo. Essa opinião foi perfilhada por Renato Maurício Prado, mas com uma ressalva. Para ele, a privacidade do atleta deve mesmo ser preservada, mas desde que não atrapalhe o seu desempenho em campo: “Se o cara vai para uma noitada um dia antes do jogo, ou durante uma competição importante, como um boêmio qualquer, claro que isso vai atrapalhar sua atuação, já que seu instrumento vital de trabalho é o

corpo. Quando isso acontece, nós devemos noticiar, sim. Agora, se o jogador comete algum excesso durante as férias, que interesse isso tem?”

a palavra de um grande ídolo vale mais para a torcida do que mil policiais. Acho que a imprensa deve contribuir com tudo isso”.

O drama da violência nos estádios de futebol Autor do livro Violência e Futebol: Dos Estudos Clássicos Aos Dias de Hoje, publicado pela Fundação Getulio VargasFGV, Maurício Murad disse que o Brasil é o campeão de mortes nos estádios e acrescentou que grande parte desses óbitos é, de fato, registrada entre os torcedores desvinculados das torcidas organizadas. A relação entre a prática esportiva e a violência que cada vez mais assusta a sociedade foi assim analisada por ele: “Existem ações da mídia que ajudam a minimizar a violência e outras que incentivam e valorizam a violência na primeira página, não dando crédito aos setores das torcidas organizadas que defendem a pacificação. Esses setores sempre solicitam espaço na mídia, mas não conseguem. Isto é conseqüência da cultura de uma sociedade que acredita que o que vende é a violência. Aqueles que lutam para contê-la não têm mérito. Estas questões dependem muito da consciência dos jornalistas.” Murad entende que a imprensa precisa refletir sobre seu papel, bem como sobre abordagens que poderiam contribuir para a redução da violência nos estádios de futebol do Brasil: “Os meios de comunicação devem denunciar a impunidade e a inércia da própria Polícia. É preciso divulgar bons projetos como o de ingressos a preços promocionais para mulheres, crianças, idosos e deficientes; gravar depoimentos de grandes ídolos dos clubes, pois

Futebol é mais que esporte As sessões do ciclo, todas com entrada gratuita, prosseguem até dezembro e são realizadas sempre na primeira terça-feira de cada mês, com convidados e temas instigantes. O Coordenador do Centro Histórico-Esportivo da ABI, José Rezende, que é membro do Conselho Deliberativo da Casa, considera que o futebol não pode ser resumido apenas a mero evento esportivo. “Ele está muito inserido no nosso sistema político, econômico, cultural e social e pode ser analisado em diferentes aspectos. Nosso objetivo é mostrar a relação de todas as outras manifestações artísticas e culturais com o futebol.” César Oliveira, editor da Livrosde Futebol.com e um dos coordenadores do ciclo, diz que o futebol alcançou grande popularidade no Brasil graças ao jornalismo. “A divulgação da imprensa foi fundamental para a difusão do esporte no País. Basta lembrar a importância de profissionais como Mário Cardim, um dos pioneiros da nossa imprensa futebolística. Vamos debater, entre outras coisas, a paixão do jornalista por determinado time de futebol e a influência disto na hora em que se produz uma matéria”, disse. Contou César que a idéia da série de encontros surgiu em uma conversa com o Professor Vítor Andrade de Melo, responsável pelo Laboratório de História do Esporte e do Lazer da UFRJ: “Nós estávamos conversando no dia do lançamento do livro Quarentinha – O


BERNARDO COSTA

CINE ABI

A América Latina sem cortes Com clássicos como Estado de Sítio, de Costa Gravas, e série de documentários, como Bolívia – A Guerra do Gás, de Carlos Pronzato, o Cine ABI promove mostra sobre a realidade latino-americana. REPRODUÇÃO

POR B ERNARDO COSTA Foi a imprensa que fez do futebol uma paixão nacional, disse Renato Maurício Prado.

Artilheiro Que Não Sorria, de Rafael Casé, quando o Vítor comentou que tinha visto no meu site que eu tinha vontade de publicar trabalhos acadêmicos sobre futebol. Ele deu então a idéia de reunirmos diversos acadêmicos e realizadores, como jornalistas ou cineastas, para debater o assunto”. César contou que vê nessas rodas de bate-papo uma possibilidade de resgate do esporte: “Nosso futebol se perdeu um pouco na História, devido a diversos fatores, sendo o mais preponderante deles a má qualidade dos dirigentes dos clubes. As mesas deste ciclo de debates se ocuparão do tema para tentarmos entender as razões que levaram o futebol-arte a ser deixado de lado”.

A programação do ciclo Futebol-arte: A Arte do Futebol JUNHO Dia 2 Tema: FUTEBOL E SAMBA Convidados: Guinga (músico); Celso Branco (UFRJ); Eraldo Leite (Rádio Globo). JULHO Dia 7 Tema: FUTEBOL E CINEMA Convidados: José Carlos Asbeg (cineasta); Vítor Melo (UFRJ); Guilherme Roseguini (TV Globo). AGOSTO Dia 4 Tema: FUTEBOL E RÁDIO Convidados: Luiz Mendes (Rádio Globo); Ronaldo Helal (UFRJ); Álvaro de Oliveira Filho (CBN). SETEMBRO Dia 8 Tema: FUTEBOL E ARTES PLÁSTICAS Convidados: Cláudio Tozzi (artista plástico); Luiz Camilo Osório (Unirio); Bianca Ramoneda (Globo News). OUTUBRO Dia 6 Tema: FUTEBOL E HISTÓRIA Convidados: Max Gehringer (CBN); Ricardo Pinto (Sport UFRJ); Cléber Machado (TV Globo/Sportv). NOVEMBRO Dia 3 Tema: FUTEBOL E DANÇA Convidados: João Saldanha Filho (coreógrafo); Nízia Villaça (UFRJ); Sandra Moreyra (TV Globo). DEZEMBRO Dia 1 Tema: FUTEBOL E LITERATURA Convidados: José Miguel Wisnik (Usp); Vítor Adler (Uerj); Marcelo Barreto (Sportv).

Em outubro de 2003, em meio a uma das mais graves crises econômicas e sociais de sua História, a Bolívia assistiu estarrecida a um conflito que deixou pelo menos 80 mortos e 400 feridos. Na ocasião, diversos movimentos sociais se mobilizaram contra o então Presidente Gonzalo Sanches, o Goni, protestando contra a entrega do monopólio do gás boliviano a empresas estrangeiras. Com a decisão do Governo de exportar gás para os Estados Unidos, por um porto chileno, enquanto internamente havia falta do produto, uma grande manifestação foi programada para a cidade de El Alto, na periferia de La Paz. Enquanto os manifestantes circulavam pelas ruas exibindo cartazes com palavras de ordem como Fuzil! Metralha! O povo não se cala!, Fora Goni! e Goni assassino!, forças militares investiram contra os civis. Esses dolorosos momentos são contados de forma realista em Bolívia – A Guerra do Gás, documentário que abriu no final da maio a mostra temática sobre a América Latina no Cine ABI. Em parceria com o Cineclube da Casa da América Latina, a ABI deve exibir semanalmente, até dezembro, clássicos do cinema latino-americano, que mostrem a realidade social, política e cultural do Continente. Assim, ainda em maio, houve a exibição de Estado de Sítio, de Costa Gravas, e em breve será a vez de Memória do Subdesenvolvimento, de Tomás Gutierrez Alea, um dos principais registros do cinema cubano sobre a revolução socialista liderada por Fidel Castro. - O contexto histórico pelo qual passa a América Latina hoje é propício para refletirmos sobre a realidade do Continente por meio do cinema. A utopia socialista ressurge na busca pelo desenvolvimento e pela justiça social com a esquerda ascendendo ao poder. O documentário que abriu a mostra é um exemplo, ao mostrar a luta boliviana para se libertar da pobreza e prosseguir em busca da prosperidade para o povo, que tem uma das heranças culturais mais antigas, que é a indígena. – afirma o Diretor de Cultura e Lazer da ABI Jesus Chediak. Bolívia – A Guerra do Gás, dirigido por Carlos Pronzato, não se resume ao massacre de El Alto. O documentário analisa ainda a reviravolta política no país, com a renúncia do Presidente Gonzalo Sanches, que atualmente vive nos Estados Unidos, abrindo caminho para a eleição de Evo Morales, indígena pertencente à etnia Aymará e que causou enorme polêmica com a Petrobras, ao nacionalizar a exploração dos hidrocarbonetos. O episódio foi lembrado pela enfermeira aposentada Hercília Mendes, presente à sessão especial:

Estado de Sítio denuncia a atuação dos EUA na criação das ditaduras na América Latina.

- É muito importante que filmes como esse sejam exibidos ao público. Somos latinos e devemos ficar atentos ao que acontece com nossos irmãos, principalmente agora que os movimentos sociais tomam corpo novamente no Continente. Talento e denúncia

Outro destaque da mostra sobre a América Latina, exibido também em maio pelo Cine ABI, foi o clássico Estado de Sítio (État de Siege, 1973), do diretor grego naturalizado francês Costa Gravas, que se destacou no cinema pelo conteúdo de denúncia política de sua obra. O filme mostra a atuação do Governo norte-americano na implantação das ditaduras militares na América Latina, nas décadas de 1960 e 1970. O roteiro de Franco Solinas dá especial atenção ao seqüestro do cônsul brasileiro no Uruguai, Aloísio Gomide, e do agente norte-americano Philip Machael Santore (interpretado pelo ator Yves Montand), praticado pelo grupo guerrilheiro Tupamaros. Santore, também conhecido como Dan Mitrione, foi responsável pelo ensino de práticas de tortura a policiais e militares de países da América Latina, que institucionalizaram o delito durante seus regimes ditatoriais. Com o sucesso do seqüestro, o Tupamaros negocia a troca dos reféns por militantes presos. A repercussão internacional e diplomática do episódio abalou o Governo uruguaio e deixou clara a participação dos Estados Unidos na estrutura repressiva dos regimes militares da época. Estado de Sítio foi indicado ao Globo de Ouro como melhor filme estrangeiro. Após a sessão, o jornalista Miro Lopes, Conselheiro da ABI, destacou a luz que Costa Gravas lançou sobre as práticas de tortura e de interrogatório pra-

ticadas tanto pela direita quanto pela esquerda: - O filme é um alerta quanto a práticas de revolucionários e de regimes no Uruguai, na Grécia, na Itália, em Portugal e até no Brasil. É bom lembrar que Constantin Costa Gravas, nascido na Grécia, berço da democracia, mas uma nação que também sofreu com as agruras de uma ditadura, teve a inspiração do filme quando esteve num festival de cinema no Recife. Ele atuou em cima dos fatos, lançando a obra oito anos depois do golpe militar no Brasil. E ela continua atualíssima, servindo como chave para entender a origem do Esquadrão da Morte, que por sua vez inspirou as atuais milícias, que continuam atuando criminosamente contra a sociedade brasileira. - Ao assistir a esses filmes percebemos como o mundo dá voltas – observa o jornalista Mário Augusto Jakobskind, membro do Conselho Deliberativo e da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI e Diretor da Casa da América Latina. – Veja o exemplo da episódio histórico retratado em Estado de Sítio: após 40 anos, um dos dirigentes tupamaros, o agora Senador Pepe Mujica, participante do seqüestro de Dan Mitrione e preso pela ditadura uruguaia por 12 anos, poderá ser o candidato à Presidência do Uruguai pela aliança de partidos de esquerda, a Frente Ampla, nas eleições de novembro próximo. Isso só confirma o acerto da iniciativa de exibir obras que permitam o maior conhecimento da América Latina. A integração se dá principalmente pela aproximação cultural e não somente pelo contato político e econômico. Acredito que os filmes que entrarão na mostra, normalmente obras de difícil acesso e que estão fora dos circuitos comerciais, cumprirão muito bem esse propósito. Jornal da ABI 341 Maio de 2009

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Aconteceu na ABI

Conselheiros são empossados Pery Cotta é reconduzido ao cargo de Presidente do Conselho Deliberativo; Lênin Novaes e Zilmar Basílio, Secretários, também reeleitos.

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BERNARDO COSTA

A ABI empossou no dia 13 de maio os novos integrantes de seus Conselhos Deliberativo e Fiscal. No primeiro deles, assumiram 15 membros efetivos e 15 suplentes, que atuarão deste ano até 2012. Para o Conselho Fiscal foram empossados mais sete associados, com mandatos válidos até 2010. Também foram empossados os membros das Comissões Auxiliares do Conselho, eleitos nessa sessão. A proposta de reeleição dos membros da mesa foi apresentada pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, e aprovada por unanimidade. Foram reconduzidos aos seus cargos o Presidente Pery Cotta e os Secretários Lênin Novaes e Zilmar Borges Basílio. Ao assumir, Pery Cotta falou da sua satisfação de ver todos os assentos da sala do Conselho ocupados, lembrando que a ABI, que completou 101 anos em 7 de abril, experimenta nova etapa na sua História, marcada pela vivacidade de sua atuação no cenário nacional. Ele fez questão de ressaltar o apoio recebido desde que tomou posse na vaga deixada por Fernando Barbosa Lima, falecido em setembro do ano passado. “Pretendo manter os mesmo objetivos de trabalho que têm orientado as reuniões do nosso Conselho até aqui, como um fórum de grandes debates, onde se respeita a opinião de todos, mesmo que com pontos de vista diferentes. A finalidade do Conselho é mesmo esta: debater os temas. É muito bom quando todos conseguem se expressar. É por isso que vamos estabelecer uma agenda para os próximos encontros. O Conselho está com um bom pique de reuniões, não há falta de quórum. Estamos com uma participação bem acima da média”, disse Pery. O Presidente do Conselho Deliberativo agradeceu a Maurício Azêdo pela iniciativa de propor sua recondução ao cargo e destacou sua atuação. “Esta Casa está no seu ano 101, iniciando uma nova etapa da sua vida. Nos últimos anos, a nossa Associação conseguiu retomar a sua posição de realce no cenário brasileiro graças ao esforço, à determinação e à competência de Maurício Azêdo e de todos os que o ajudaram nessa tarefa, sua Diretoria, os próprios membros do Conselho Precisamos continuar empunhando essa bandeira.” O Primeiro-Secretário Lênin Novaes destacou a atuação do Conselho Deliberativo, que teve como meta principal a reestruturação da ABI. Disse ele que há muitos desafios a serem superados, dentre os quais a mudança do Estatuto da Casa. Ele adiantou que há

O Presidente da ABI (ao centro) propôs a reeleição de Pery Cotta (à esquerda), de Lênin Novaes e Zilmar Basílio (à direita) para os cargos que ocupavam no Conselho.

uma comissão trabalhando nesse sentido, visando a ajustar a ABI à nova realidade da mídia, inclusive em relação à utilização de novas tecnologias. “Fico muito feliz e muito grato pela indicação e pelo fato de podermos estar juntos, continuarmos trabalhando”, afirmou. Em seguida, Zilmar Basílio falou sobre a sua recondução ao cargo. Ela agradeceu a acolhida de Pery Cotta e Lênin Novaes e revelou a satisfação de estar trabalhando numa equipe liderada por Azêdo. “Eu agradeço a indicação para continuar fazendo parte do Conselho. Orgulho-me de estar participando deste momento da ABI, com

A nova composição dos Conselhos CONSELHO DELIBERATIVO EFETIVOS Afonso Faria, Adolfo Martins, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. SUPLENTES Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Viana, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas, Lima de Amorim, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto e Rogério Marques Gomes. CONSELHO FISCAL Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo, Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Manolo Epelbaum e Romildo Guerrante.

o Presidente em que acredito e sempre acreditei em todos os momentos e lugares pelos quais passou. Ele foi também Presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, sendo reconhecido como um dos mais atuantes que aquela Casa já teve. Foi assim também no Tribunal de Contas do Município. Maurício sempre esteve renovando todo processo que encontrou, em todos os lugares”, destacou a Segunda-Secretária do Conselho Deliberativo. A reunião teve ainda dois momentos especiais. Um deles foi a posse como Conselheiro do jornalista José Ângelo da Silva Fernandes, Presidente da Associação Espírito-Santense de Impren-

Nossas Comissões A sessão do Conselho elegeu os associados mencionados a seguir para as suas Comissões Auxiliares. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Carlos Di Paola, Jarbas Domingos Vaz, José Carlos Machado, Luiz Sérgio Caldieri, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Wilson Fadul Filho, Presidente, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Ernesto Viana, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson Nunes de Carvalho e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Paulo Jerônimo de Sousa, Presidente, Ilma Martins da Silva, Jorge Nunes de Freitas, José Rezende Neto, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Moacyr Lacerda e Wilson Nunes de Carvalho.

sa-AEI que veio ao Rio especialmente para participar da solenidade de posse. Emocionado, José Ângelo agradeceu a oportunidade que lhe foi dada de fazer parte do Conselho Deliberativo: “Estou aqui nesta solenidade, onde estou sendo empossado Conselheiro desta grandiosa Casa, templo da imprensa brasileira. Hoje, 13 de maio, é o dia da Abolição, data que todos nós reconhecemos como memorável e que para mim é mais especial porque a partir de agora me sinto realmente um homem de imprensa. Toda a minha vida profissional eu quis participar desta instituição. Essa oportunidade surgiu através da iniciativa do nosso querido Presidente, que me recebeu carinhosamente em função do trabalho que venho realizando no Espírito Santo”, agradeceu. José Ângelo lembrou que a instituição capixaba tem 76 anos de luta pela independência da atividade jornalística. Modesto, disse que gostaria de aprender com os companheiros da ABI. “Principalmente nos lugares mais distantes, onde não existe apenas a truculência daqueles que dominam as regiões, mas ainda temos que enfrentar os nossos ditadores togados. Se, por um lado, não existe mais a violência praticada pelos homens de farda, hoje somos vítimas daqueles que deveriam estar a nosso favor. É por isso que eu vejo este momento como importante. Nós precisamos dar respaldo a todos os nossos companheiros que precisam da presença moral, da História e da tradição da ABI neste País”, disse. Outro momento de emoção da sessão foi a lembrança, pelo Conselheiro Carlos Rodrigues, da revogação da Lei de Imprensa. A colaboração principal para tal feito, lembrou, foi a atuação persistente do Deputado Federal Miro Teixeira (PDT-RJ), também membro do Conselho Consultivo da ABI. Na avaliação de Maurício Azêdo, Miro é credor das homenagens da ABI pelo empenho que teve ao questionar a existência de uma legislação equivocada, por ele próprio bem definida como um dos ‘últimos entulhos da ditadura’. “Indo além das palavras, Miro formulou com sua extrema competência uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental da Constituição, fez uma defesa brilhante no Plenário do STF, numa audiência de que a ABI também participou como amicus curiae. Ele expressou a opinião favorável da nossa entidade à revogação da Lei de Imprensa pelos motivos alinhados também pelo eminente relator, Ministro Carlos Ayres Britto”, disse Azêdo.


HOMENAGEM

A ABI , a primeira no Prêmio Barbosa Lima Criada pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio por iniciativa do Deputado Marcelo Simão, a distinção tem a Casa como primeira destinatária. FOTOS: HENRIQUE HUBER/FOLHA DIRIGIDA

O reconhecimento do esforço em defesa da plena liberdade de expressão. Foi graças a esse trabalho que a ABI foi a vencedora da primeira edição do Prêmio Barbosa Lima Sobrinho de Jornalismo, concedido pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de JaneiroAlerj. O troféu, instituído pela Resolução nº 341, de autoria do Deputado Marcelo Simão (PHS-RJ), compreende o busto do jornalista que dá nome ao prêmio, morto em 2000, e foi entregue ao Presidente da Casa, Maurício Azêdo, na noite de 14 de maio. “O objetivo é premiar anualmente pessoas físicas e jurídicas que reconhecidamente tenham prestado meritória e destacada contribuição ao desenvolvimento da imprensa no Estado do Rio de Janeiro. Portanto, nada mais justo do que homenagear a ABI, que, no ano passado, completou 100 anos de glórias e lutas”, disse o Deputado durante a solenidade, realizada no Plenário da Alerj, que também leva o nome do jornalista Barbosa Lima Sobrinho, ex-Presidente da ABI. “Em 1992, o ilustre político, advogado e jornalista pernambucano, então Presidente da Associação, foi responsável direto pelo impeachment de Collor, sendo o primeiro orador inscrito para defender a cassação dele no processo”, lembrou o parlamentar. Poderoso estímulo Ao agradecer a homenagem à Casa, Maurício Azêdo destacou a importância da premiação para a imprensa do Rio de Janeiro. “A iniciativa constitui um poderoso estímulo à qualificação do trabalho profissional dos jornalistas, porque eles vêem que a sua atuação pode ser reconhecida por instituições importantes. A Alerj tem atualmente uma posição de destaque na elaboração legislativa, na discussão das questões políticas, econômicas e sociais de interesse do povo do Rio de Janeiro e na investigação de fatos que preocupam o conjunto da cidadania, como as milícias. A Alerj se afirmou como um Poder interessado na preservação de ideais de convivência harmoniosa na sociedade”, afirmou o Presidente da ABI. Maurício sublinhou o reconhecimento da ABI por ser a primeira entidade a conquistar a distinção. “A Associação aplaude a iniciativa do Deputado Marcelo Simão, primeiro por insti-

disse em 1969 Fernando Segismundo, que presidiu a Casa, ‘além das finalidades fundamentais, a Associação deve interpretar o pensamento, as aspirações, os reclamos, a expressão cultural e cívica da nossa imprensa, estimular entre os jornalistas o sentimento de defesa do patrimônio cultural e material da Pátria, realçar a atuação da imprensa nos fatos da História e colaborar em tudo o que diga respeito ao desenvolvimento intelectual do País’. Sendo assim, nada mais justo do que a entidade ser a primeira a receber a premiação”, explicou Marcelo Simão. Integração Maurício Azêdo complementou a fala do parlamentar. “Esta homenagem é uma forma de integração muito grande entre a Assembléia Legislativa e a ABI. Nós acompanhamos o trabalho da Alerj não só através do noticiário dos Criador da distinção, o Deputado Marcelo Simão entrega ao Presidente da ABI jornais, mas também por meio das puo diploma do Prêmio Barbosa Lima Sobrinho, o primeiro conferido pela Alerj. blicações da Casa, como o jornal editado pela Assessoria de Comunicação Social, que tem à frente a jornalista Fernanda Pedrosa”. Marcelo Simão também salientou a importância da parceria do Poder Legislativo com a mídia. “Sem a imprensa, nossas decisões e atitudes, tanto as boas quanto as condenáveis, não sairiam daqui de dentro. Pelo jornalismo o País toma conhecimento do que acontece na Alerj”. Membro do Conselho Deliberativo e da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos HumaMário Augusto Jakobskind (à esquerda), membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da ABI, disse nos da ABI, Mario Augusque o avanço no processo de democratização passa pela democratização dos meios de comunicação. to Jakobskind, que compôs a mesa da solenidade ao lado de Maurício Azêdo e Marcelo da Silva, Yacy Nunes e Moacir Lacertuir o Prêmio Barbosa Lima Sobrinho Simão, destacou a significação do ato. da, e convidadas especiais, como a mude Jornalismo, que mereceu o referen“Esta homenagem é oportuna, pois a seóloga Lygia Santos. do do Plenário da Alerj. E também por ABI representa todos os jornalistas braEvocando palavras de Fernando Seter sido escolhida como a primeira sileiros há mais de 100 anos, atuando gismundo, que presidiu a ABI de 1977 destinatária. A ABI se sente duplamensempre em defesa dos interesses desa 1978 e de 2000 a 2004, o Deputado te honrada pela homenagem a Barboses profissionais e da liberdade de imrevelou os motivos que o levaram a sa Lima e também a ela, como a Casa prensa, que é um bem vital para a deprestar a homenagem. “A ABI jamais à qual o jornalista serviu com empemocracia no Brasil. O País hoje está deixou de cumprir os objetivos que a nho, dedicação e espírito público”, avançando no processo democrático, originaram, mas se adaptou ao longo destacou Maurício para os presentes à e esse avanço passa por algo que a ABI do tempo. Seus estatutos foram ajussolenidade, entre os quais associados sempre defendeu: a democratização tados às diversas situações socioeconôe Conselheiros, como Zilmar Borges dos meios de comunicação”. micas da indústria jornalística. Como Basílio, Leonor Guedes, Ilma Martins Jornal da ABI 341 Maio de 2009

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HOMENAGEM

Medalha Pedro Ernesto para Villas-Bôas Com mais de seis décadas de atuação no jornalismo, ele é considerado o mais experiente e respeitado analista político em atividade no País. SÔNIA TOLEDO

POR CLAUDIA SOUZA

Uma homenagem ao mais antigo analista político em atividade no Brasil. Já são mais de seis décadas de incansável exercício jornalístico. Por isso, poucas vezes a condecoração com a Medalha Pedro Ernesto, honraria concedida pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, foi tão simbólica e expressiva. Villas-Bôas Corrêa recebeu a comenda especial na noite do dia 27 de maio, por iniciativa do Vereador Eliomar Coelho (Psol). Luiz Antônio Villas-Bôas Corrêa nasceu no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, em 2 de dezembro de 1923. Formou-se em Direito pela Faculdade Nacional de Direito, da antiga Universidade do Brasil, em 1947. Logo no ano seguinte traçou as primeiras linhas de sua carreira jornalística e se tornou um dos comentaristas políticos mais respeitados do País, com passagens por empresas como A Notícia, Diário de Notícias, O Dia, Rede Manchete, O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil, entre outras. Jornalistas, políticos e parentes de Villas-Bôas Corrêa participaram da homenagem, com destaque para a mulher, Regina de Sá Corrêa, os filhos Marcos e Marcelo Sá Corrêa e a neta Joana Ramalho Ortigão Corrêa. A mesa de honra da solenidade, conduzida pelo Vereador Eliomar Coelho, foi formada pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, pelo acadêmico Murilo Melo Filho, pelo jornalista Teixeira Heizer e pelo Embaixador e acadêmico Affonso Arinos de Melo Franco. Anos de amizade Teixeira Heizer iniciou seu discurso recordando os anos de amizade e de relacionamento profissional com Villas-Bôas Corrêa. “Eu o conheci em etapas distintas. Como um grande repórter, que iniciou carreira em A Noite; como editorialista, função que sempre exerceu com brilho. E, ainda hoje, no Jornal do Brasil, onde nos brinda com suas colunas, verdadeiras aulas de jornalismo. Guardo outra fase importante, ocorrida nas proximidades das Ruas São José e Quitanda, no Centro do Rio, onde funcionava a Sucursal Rio de O Estado de S.Paulo. A Redação era uma bomba de nitroglicerina e ali estavam jornalistas que, mesmo sem utilizar o recurso da pólvora, enfrentaram os momentos mais cruéis da imprensa e do País. Villas-Bôas era o principal redator. Foi a época de ouro do jornalismo e o momento áureo do Estadão no Rio. Ali, ele nos ensinou 18

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Sob as vistas de sua mulher, Regina de Sá Corrêa, e do Vereador Eliomar Coelho, que propôs a homenagem, Villas-Bôas recebe da neta Joana Ramalho Ortigão Corrêa uma das medalhas que compõem o conjunto de condecorações com o nome do Prefeito Pedro Ernesto.

com seus textos brilhantes e equilibrados”, destacou. Teixeira Heizer sublinhou a atuação firme de Villas durante a ditadura e o respeito que ele inspirava nos militares. “Villas fazia duras críticas no espaço denominado Destaque, na página 3 do Estadão. Lembro de um artigo que ele assinou a respeito do ‘solitário da Granja do Torto’, o General Garrastazu Médici. Esse foi um dos textos mais duros do período. Nesta época, por generosidade dele, eu atuava como seu secretário. A partir daquele texto só restavam duas opções: o fim da sucursal ou o fim da ditadura. Os militares prenderam, torturaram e assassinaram jornalistas com a maior facilidade. VillasBôas enfrentou a todos com garra. É um exemplo de dignidade, honestidade e grandeza. Repetindo a velha expressão que aprendi com meu pai, digo que “Villas-Bôas Corrêa é um homem de bem”, resumiu. Affonso Arinos discursou em seguida e destacou a sua convivência estreita com a imprensa e com o homenageado. “Ao longo de toda a minha vida estive sempre próximo ao jornalismo. Meu pai dirigiu os jornais O Estado de Minas e Diário da Tarde e fundou a Folha de Minas. Tenho laços familiares com o Márcio Moreira Alves, herói da batalha pela liberdade de imprensa. Minhas lembranças de Villas-Bôas Corrêa começam na década de 40, quando ele, muito jovem, iniciava a carreira cobrin-

do a Câmara dos Deputados. Recordo ainda dos nossos encontros em minha casa, em Copacabana. Eu costumava ir à Redação tarde da noite para visitá-lo. Acompanhei sua trajetória na cobertura política, que incluía nomes como Carlos Castelo Branco, Pompeu de Souza e Prudente de Moraes, neto, amigo fraterno de meu pai”, afirmou. Arinos ressaltou também a relevância do jornalista no cenário político nacional. “Com a mudança da capital para Brasília, Villas-Bôas, que já era indispensável, passou a ser uma espécie de bússola a nos conduzir, cobrindo fatos com integridade, isenção e espírito público. Um exemplo que o Brasil merece ter e seguir na imprensa e no Legislativo, Executivo e Judiciário. As denúncias que acompanhamos diariamente envolvendo os três Poderes da República viraram regra, quando no passado eram exceção. O Brasil precisa de homens como Villas-Bôas Corrêa para que o Direito volte a prevalecer de fato na vida política brasileira”, disse. A década de ouro Murilo Melo Filho falou sobre os momentos que marcaram o início da carreira de Villas-Bôas Corrêa. “Ele começou como simples foca, mas logo em seguida era promovido a repórter político. E foi aí que nos conhecemos pessoalmente, quando testemunhamos a década de ouro da democracia

brasileira, entre 1950 e 1960, antes da transferência da capital. Extasiados, assistimos nós dois, Villas-Boas e eu, a alguns históricos debates, ali no Palácio Tiradentes, com suas galerias repletas de entusiasmados participantes, que acompanharam o permanente e diário exercício de talentos oratórios. Embates travados por cultos e eruditos parlamentares”. Murilo citou grandes talentos que, ao lado do homenageado, construíram a História da Imprensa no Brasil. “Aqueles foram anos dourados, exercidos na imprensa por mestres tais como Carlos Castelo Branco, Heráclio Sales, Prudente de Morais, neto, Benedito Coutinho, Otacílio Lopes, Mário Martins, João Duarte Filho, Pompeu de Souza, Joel Silveira, Osório Borba, Mauritônio Meira, Otto Lara Resende, Rubens Amaral, Evandro Carlos de Andrade, Murilo Marroquim, Octávio Malta, Paulo Mota Lima, Maria da Graça Dutra, Odylo Costa Filho e muitos outros, todos eles pioneiros do nosso jornalismo. Somos os últimos remanescentes dessa escola de reportagem política, num modelo que, ainda agora, 60 anos depois, provoca muitas saudades”, afirmou. Observou Murilo Melo Filho que ao longo destas seis décadas fortes mudanças foram impostas à imprensa brasileira: “Villas-Bôas e eu somos do tempo em que a Câmara era constituída de 200 deputados. Quase todos eles


moravam no Rio, garantindo presença certa no trabalho dos parlamentares, em vez da semana de apenas três dias, como agora acontece. Não eram poucos os que preferiam morar em modestos hotéis do Flamengo, de Botafogo ou do Catete. E Villas reconhece que os tempos do jornalismo atual são bem diferentes dos daqueles anos. Quando entra numa Redação, tem a impressão de estar entrando numa maternidade, com todos voltados para a tela da sua televisão. Ninguém conversa... Para falar com o colega ao lado, preferem mandar-lhe, pelo computador, um e-mail.” Estoque de emoções Convidado a discursar, o Presidente da ABI saudou os presentes e cumprimentou o Vereador Eliomar Coelho pela iniciativa de homenagear VillasBôas. “Vossa Excelência está prestando uma homenagem não só a Villas, mas a todos nós que tivemos e ainda temos o prazer de enriquecer o nosso conhecimento e nosso estoque de emoções ouvindo os depoimentos dos componentes desta mesa de honra”, disse Maurício, que destacou o perfil combativo do homenageado. “Villas-Bôas Corrêa é um infatigável escritor de jornal a nos iluminar com textos que revelam o seu domínio

da arte de escrever e, sobretudo, a sua indignação diante das mazelas que marcam a vida brasileira hoje. Ele imprime seu traço neste setor especial da nossa admiração, que é o alto sentido ético no desempenho profissional, na compreensão da sociedade e na necessidade de incorporarmos aos nossos costumes e práticas valores que atualmente são desdenhados com uma freqüência que nos causa estupor e vergonha. A ABI, aqui representada por mim e por Lênin Novaes, Primeiro-Secretário do Conselho Deliberativo, aplaude a homenagem que celebra o que Villas representa desde o início de sua atividade em A Notícia e de sua corajosa atuação na Sucursal Rio de O Estado de S. Paulo. Ele é uma referência do jornalismo brasileiro e do comportamento ético na vida pessoal e profissional”, destacou. Autor da homenagem, o Vereador Eliomar Coelho enalteceu a figura de Villas-Bôas Corrêa e a relevância da solenidade: “Esta é uma noite especial, e a Medalha Pedro Ernesto é uma forma de agradecimento que o Rio de Janeiro, através de sua Câmara de Vereadores, presta às pessoas que contribuíram para tornar nossa cidade mais humana, digna e melhor de se viver. Este jornalista fez muito por nós todos, cariocas e brasileiros. Com 60 anos de

profissão, é o mais importante cronista da política brasileira. Aos 85 anos, é o último sobrevivente da geração que forjou o modelo de reportagem que ainda hoje se pratica. Estamos diante de um mestre que sempre fez um jornalismo no qual o espírito crítico e a capacidade de isenção são duas molas mestras das análises imparciais, carregadas de credibilidade que caracterizam sua vasta produção”. Furo jornalístico Após a condecoração, Villas-Bôas, muito aplaudido pela platéia que ocupava o Plenário da Câmara, agradeceu a homenagem e as palavras dos companheiros que participavam da mesa. Em seguida, detalhou parte de sua trajetória profissional. “Procurei meu sogro, Bitencourt de Sá, pois precisava conseguir mais um emprego para pagar a cesariana da minha mulher no nascimento do meu segundo filho. Meu sogro me encaminhou ao jornalista Silva Ramos, de A Notícia, que me deu uma oportunidade. Seis meses depois, fui autor de um furo jornalístico, uma denúncia envolvendo autoridades políticas importantes do Governo do Presidente Eurico Dutra, em transação de venda de dormentes para a Central do Brasil. Fui alçado à reportagem política e, ao lado

de Carlos Castelo Branco, ajudei a forjar o modelo que está aí até hoje. Era o momento de ouro do jornalismo, impulsionado pelo fim da ditadura Vargas, a Constituinte de 1946 e o grande interesse da sociedade pelo noticiário político. Para vocês terem uma idéia, nós, repórteres, atravessávamos o Centro da cidade a pé. Ninguém tinha carro. Apenas um do grupo tinha... Era um repórter de A Noite. Mas o carro só andava para frente, não tinha marcha-à-ré”, contou, arrancando risos da platéia. Disse Villas-Bôas que a mudança da capital federal para Brasília promoveu o esvaziamento político do Rio e o distanciamento da população do debate acerca das grandes questões nacionais e de fatos que geraram profundas transformações no País. “O rumo da reportagem mudou e a realidade política também, até nós chegarmos aos dias atuais, com o pior Congresso da História do País, cercado por escândalos e denúncias de toda sorte. Contudo, sou grato por poder contar aqui um pouco da minha vida, na presença de toda a minha família e amigos, até mesmo para justificar a torrente de elogios que recebi. Me senti um Deus... Se fosse menos humilde estaria aqui a operar milagres”, encerrou, com seu marcante senso de humor.

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PREMIAÇÃO

Niemeyer e mais nove, as Personalidades Cidadania O arquiteto foi um dos homenageados pela Folha Dirigida como um dos exemplos de dedicação aos valores das lutas cidadãs. POR PAULO CHICO

“Meu bisavô mandou dizer a vocês muito obrigado.” Foi com apenas estas oito palavras que, tímido, e emocionado, o jovem arquiteto Paulo Sérgio Niemeyer agradeceu em nome de Oscar Niemeyer a placa e o diploma que lhe foram conferidos como uma das dez Personalidades Cidadania 2009 pelo Grupo Folha Dirigida, numa promoção com o apoio da ABI e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura-Unesco na qual, sem inscrição prévia de candidaturas, votaram mais de 4 mil pessoas dos diferentes setores da vida social do Rio de Janeiro. Paulo Sérgio, que recebeu a placa e o diploma das mãos do Presidente da ABI, Maurício Azêdo, é um dos arquitetos que trabalham no escritório do bisavô, na Avenida Atlântica, no Rio. Após a premiação, porém, ele não economizou palavras ao descrever a intensa atividade que Niemeyer desenvolve, aos 101 anos, completados em 15 de dezembro passado. A solenidade de entrega dos títulos foi realizada na noite de 5 de maio, na sede social do Jóquei Clube Brasileiro, e contou com discursos emocionados de defesa da geração de empregos e da distribuição de oportunidades e rendas no País. Este ano foram eleitos como instituições o Centro de Integração Empresa-Escola do Rio de Janeiro-CieeRJ, a Ordem dos Advogados do BrasilSeção do Estado do Rio de Janeiro e a instituição educacional Pró-Saber. Como Personalidades, tiveram sua atuação destacada o jurista Célio Borja; o Arcebispo Emérito do Rio Dom Eugênio Sales; o fundador da Biblioteca Tobias Barreto, Evando dos Santos; o exPresidente da República Fernando Henrique Cardoso, o empresário Israel Klabin; o coordenador do Afroreggae, José Júnior; o Presidente da Fecomércio-RJ, Orlando Diniz; o Ministro do Trabalho Carlos Lupi e o Governador do Estado do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, além de Niemeyer. A escolha dos homenageados, por voto direto e secreto em sobrecarta enviada e recebida pelo Correio pela Folha Dirigida, é feita por um colégio eleitoral formado por mais de quatro mil pessoas com atuação destacada nos setores educacional, cultural e político e entidades e movimentos sociais da Região Metropolitana do Rio de 20

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ARQUIVO ABI

Aos 101 anos, Niemeyer não pára Após a cerimônia, o arquiteto Paulo Sérgio Niemeyer comentou a expressividade da obra daquele que é considerado o maior arquiteto vivo do País e um dos mais prestigiados no mundo inteiro: seu bisavô Oscar Niemeyer. “Eu acho que ele é um cara incrível e que merece esta homenagem. Ele diz que não, mas eu acho que merece muito. Para se ter uma idéia, na semana passada ele terminou três projetos, aos 101 anos. Amanhã levantará cedo, seguirá para Niterói, onde tem uma obra que acompanha, almoçará, passará o dia lá e, assim, vai seguindo sua carreira profissional com a competência que nós conhecemos”, disse Paulo Sérgio.

Janeiro. À solenidade de entrega dos títulos às personalidades e instituições eleitas nesta quinta edição da promoção seguiu-se um coquetel de confraternização reunindo homenageados e convidados. Ações cidadãs Presidente do grupo Folha Dirigida, o jornalista Adolfo Martins saudou em seu discurso de apresentação um convidado em especial, além das demais instituições organizadoras da promoção. “Eu gostaria de saudar os componentes da mesa na figura deste baluarte do humanismo que é Dom Eugênio Sales. Mário Quintana já dizia que a modéstia geralmente é a vaidade escondida atrás da porta. Então, não tomem isso como modéstia, mas imaginem como seria esta promoção sem a presença da

ABI e da Unesco. Nós temos o maior orgulho do papel cidadão que exercemos, mas os holofotes desta festa não estariam tão iluminados se não fossem estas duas instituições”, disse Adolfo, que em abril passado foi eleito membro do Conselho Deliberativo da ABI, fez a defesa do papel do cidadão nos dias de hoje. “Temos tempos marcados pela pequenez ética que se banaliza, pela exclusão que se apresenta, pela injustiça que se institucionaliza, pelo humanismo que se fragiliza. Um tempo em que muitos já não têm capacidade de se sensibilizar diante de uma criança faminta ou de se comover diante de um adulto desempregado. Torna-se mais que oportuno, eu diria que fundamental, que busquemos exemplos daqueles que não se rendem, não se omitem”,

declarou numa referência aos homenageados da noite. Necessidade de mobilização O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, disse em seu discurso que ações cidadãs devem ser cada vez mais incentivadas e promovidas e salientou que a sociedade está permeada por indivíduos, inclusive vinculados à administração pública, que constantemente ferem o princípio de cidadania e até mesmo de civilidade. “Esta iniciativa da Folha Dirigida ganha um contorno de grande atualidade no momento que o País vive. Práticas que ofendem a cidadania estão presentes com freqüência no noticiário dos meios de comunicação e é preciso que as pessoas se unam, através de iniciativas como esta, para enaltecer aqueles que exaltam os valores da cidadania plena”, acentuou. Representante da Unesco, uma das organizadoras do Personalidades Cidadania 2009, o Coordenador do Escritório Antena da Organização no Rio, Pedro Lessa, chamou a atenção para a necessidade da construção de uma cidadania inclusiva e mais justa no País. “O cenário atual propõe novos e inesperados desafios ao desenvolvimento social. Os problemas não demandam mais a solução apenas pela ação do Estado e do mercado, mas sim um novo pacto que considere a importância estratégica de organizações não-governamentais, da imprensa e de entidades internacionais”, destacou. Desafios à cidadania Em seu discurso de agradecimento, o Ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, destacou a importância do papel de instituições como a Unesco e a ABI, parceiras da Folha Dirigida na promoção, por possuírem a visão social de um mundo mais justo, lutando pela promoção e resgate da cidadania. “As ações cidadãs vão desde os direitos mais elementares do ser humano, como o da liberdade de ir e vir, do direito à saúde, do direito a uma educação de qualidade, até todos terem acesso a um trabalho digno e bem remunerado”, disse. O Presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, saudou de maneira efusiva outro homenageado, o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Célio Borja, considerado um dos maiores juristas do Brasil, e discorreu de forma objetiva sobre a atuação da instituição que dirige. “Bastaria a OAB-RJ exercer este papel, em defesa de uma classe como


HENRIQUE HUBER/FOLHA DIRIGIDA

DIEGO REIS/FOLHA DIRIGIDA

A Secretária de Educação Teresa Porto recebeu a placa e o diploma conferidos ao Governador Sérgio Cabral. O Cardeal Emérito Dom Eugênio Sales exaltou as pessoas que silenciosamente se gastam pelo bem da sua comunidade.

a dos advogados, da cidadania desta classe, para merecer esta comenda. Mas ela não faz só isso. Representa muito mais. Nós entendemos, e basta olhar para o panorama da sociedade, que apesar dos inúmeros avanços, ainda temos milhares de pessoas carentes de cidadania. Fazemos parte da luta pela democracia, contra a tortura, pela anistia e por melhores dias para a nossa população”, lembrou. Mensagem de FHC Eleito pela primeira vez Personalidade Cidadania, o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso não pôde comparecer à cerimônia de entrega do título,

pois já havia assumido compromissos no exterior. Ele enviou uma mensagem de agradecimento à organização da premiação, a qual foi lida pelo representante da Unesco, Pedro Lessa: “Lamento não estar presente a esta homenagem que me calou fundo. Resta-me dar os parabéns à Unesco, à Associação Brasileira de Imprensa e à Folha Dirigida por essa iniciativa e agradecer, sensibilizado, aos que me distinguiram, por eleição, com este título, o qual farei questão de receber pessoalmente, assim que regressar ao Brasil”, dizia o texto do sociólogo e professor aposentado da Universidade de São Paulo-Usp, que atualmente preside o

Instituto Fernando Henrique CardosoiFHC, em São Paulo, centro de estudos e de debates sobre a democracia e o desenvolvimento e que preserva o acervo pessoal construído ao longo da vida pública. Exortação de Dom Eugênio Eleito pela terceira vez Personalidade Cidadania e agora, por essa nova eleição, integrante da Galeria das Grandes Personalidades, o Arcebispo Emérito Dom Eugênio de Araujo Sales lembrou que desenvolve ações de defesa da cidadania desde seus tempos de estudante, no Rio Grande do Norte. Ao longo de seu discurso, Dom Eugênio enfati-

zou a alegria de ser homenageado, mas garantiu que os nomes eleitos devem fazer um exame de consciência e avaliar seus papéis na sociedade, de maneira a contribuir para seu constante crescimento cultural e social. “Os grandes avanços na cultura da humanidade costumam ter, como seu impulso inicial, transformadores, inspirações de personagens que, na sua integridade, transcendem seus interesses próprios e fecundam a consciência pública para uma nova humanização da vida coletiva e da história dos povos. Com imensa estima, vemos inúmeras pessoas que silenciosamente se gastam pelo bem da sua comunidade, embora, mesmo merecendo, não sejam contemplados com tal alta distinção como nós”, afirmou. Também eleito pela terceira vez, o Governador do Estado do Rio, Sérgio Cabral Filho, tem uma trajetória política ligada à promoção da cidadania. Em 1987, criou o Clube da Maior Idade e o Albergue da Juventude, facilitando o turismo das pessoas idosas e jovens. Atualmente, prioriza investimentos do Governo nas áreas de saúde, educação e segurança para garantir a cidadania plena à população fluminense. O Governador foi representado na solenidade pela Secretária de Estado de Educação, Tereza Porto. “Desde o início de sua gestão, Sérgio Cabral vem estreitando os laços com o Governo Federal, ampliando a parceria com as 92 prefeituras e trabalhando fortemente com a iniciativa privada na promoção dos direitos da sociedade”, disse a Secretária.

Cristiane Segatto, bicampeã do Prêmio Ary Frauzino Repórter da revista Época vence pela segunda vez consecutiva o certame realizado pelo Instituto Nacional do Câncer para estimular a divulgação de informações sobre o câncer na mídia. DIVULGAÇÃO INCA/DCS

O reconhecimento da informação como remédio. Como elemento vital para a prevenção e o tratamento de uma doença que ainda é envolta em preconceitos e provoca medo e apreensão, apesar de cada vez mais curável. Uma forma de incentivo para que a mídia passe a dar mais atenção à delicada editoria de saúde. Assim pode ser compreendido o Prêmio Inca-Ary Frauzino de Jornalismo, iniciativa do Instituto Nacional de Câncer, com o apoio da Fundação do Câncer, realizado pela segunda vez este ano. A solenidade de entrega do Prêmio, que tem o nome de um dos mais destacados ex-diretores do Inca, foi realizada na noite de 26 de maio na Academia Nacional de Medicina, no Centro do Rio. A Vida Por Um Fio, de Verônica Almeida, e Câncer: Por Que a Luta Ainda é Tão Difícil, de Cristiane Segatto, foram as grandes vencedoras. A matéria de Verônica, publicada no Jornal do Comércio, de Pernambuco, e

A vitoriosa repórter Cristiane Segatto declarou-se impressionada com a coragem e o otimismo do seu mais ilustre entrevistado, o Vice-Presidente José Alencar.

a de Cristiane, feita na Época, concorreram, respectivamente, nas categorias jornal e revista. A primeira delas enfrentou 45 reportagens selecionadas. Na competição com a segunda, havia outros 21 trabalhos inscritos. Cristiane Segatto tornou-se bicampeã do Prêmio, que ela vencera também no ano passado. Em cada categoria foram selecionadas cinco finalistas, após uma avaliação inicial do júri constituído por representantes da Divisão de Comunicação Social e das coordenações médicas do Inca. As matérias foram, então, avaliadas por jurados com experiência em comunicação e saúde. O vencedor de cada categoria recebeu, além de diploma e troféu, prêmio em dinheiro no valor de R$ 9.000,00. Jornal da ABI 341 Maio de 2009

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PREMIAÇÃO

Na cerimônia, foi prestada homenagem ao jornalista Guilherme Duncan, falecido há três meses. Bill, como era conhecido, era um dos organizadores do Prêmio Esso de Jornalismo e colaborou com o Inca na criação e organização do Prêmio Ary Frauzino. Duas campeoníssimas Na primeira edição do Prêmio Cristiane Segatto foi a primeira classificada com a matéria As Mil Faces do Câncer. Ela já conquistou três vezes o Prêmio Alexandre Adler, instituído pelo Instituto Brasileiro de Controle do Câncer-IBCC, e duas vezes o prêmio concedido pela Unimed. Ao todo, já obteve mais de 10 premiações. Cristiane recebeu o prêmio das mãos do curador da Fundação do Câncer e Presidente da Academia Nacional de Medicina, Marcos Moraes. Em seu agradecimento, ela destacou a coragem e o otimismo de seu entrevistado mais ilustre, o Vice-Presidente da República José Alencar, diante do câncer que enfrenta há 11 anos, e agradeceu ao marido e à filha, Beatriz, de nove anos, pelo apoio e compreensão, principalmente no período em que esteve mergulhada na produção dessa e de tantas outras reportagens extensas. Verônica Almeida também tem uma coleção de prêmios jornalísticos, conquistados tanto por reportagens na área de saúde como na de direitos humanos - duas editorias nas quais tem especialização. Em sua estante de troféus estão prêmios nacionais – Vladimir Herzog, Embratel, da Associação Brasileira de Medicina de Grupo, Alexandre Adler – e regionais, como os da OAB e do Senai. Seu troféu foi entregue pelo Diretor-Geral do Inca, Luiz Antônio Santini. Verônica disse

MOBILIZAÇÃO

NAS RUAS, DE NOVO, COM O PETRÓLEO É NOSSO

OS SELECIONADOS Em jornal, concorreram com a reportagem vencedora: – Efeito Dominó e Mulheres Não Sabem Que Câncer Atinge Mais Obesas, ambas de Flávia Mantovani, da Folha de S.Paulo; – Terapia de Grupo, - Solidão que Nada, da dupla Julliane Silveira e Amarílis Lage, também da Folha de S.Paulo; – O Remédio é a Doação, de Simone Miranda, publicada no Extra. Na categoria revista, foram selecionadas estas reportagens: – A Nova Cara do Câncer Infantil e A Força de José de Alencar, ambas da vencedora Cristiane Segatto, da Época; – Comida Anticâncer, de Cida de Oliveira, da Revista Saúde (SP); – Uma Rede Solidária, de Phydia de Athayde, da CartaCapital.

que dividia o prêmio com os pacientes que entrevistou e suas famílias e com seu editor, André Galvão, que sugeriu o tema da reportagem. Cristina Ruas, Chefe de Comunicação do Inca, destacou a importância do Prêmio concedido pelo Instituto. “Informações de qualidade – disse – contribuem para a adoção de hábitos saudáveis de vida, e a prevenção e o diagnóstico precoce são fundamentais para modificar a curva do câncer em nosso País. Neste sentido, queremos chamar a atenção do jornalista para a importância de seu papel no controle da doença, assim como despertar a população para a importância da prevenção e do diagnóstico precoce. Além, é claro, de reconhecer os melhores trabalhos publicados.” (Paulo Chico)

Entidades sindicais e da sociedade civil iniciaram no Rio uma série de manifestações de repúdio à campanha contra a Petrobras, denunciada em discursos, cartazes e faixas como uma ameaça à hegemonia da empresa na exploração do petróleo no País. Convidada, a ABI participou do ato, em coerência com uma tradição histórica: foi em seu auditório, em 4 de abril de 1948, que começou a campanha o petróleo é nosso.

DIVULGAÇÃO INCA/DCS

Repórter do Jornal do Comércio do Recife, Verônica Almeida recebeu dois troféus por suas reportagens na categoria jornal. Ela tem prêmios por matérias nas áreas de saúde e direitos humanos.

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Com faixas e bandeiras, entre as quais uma com a inscrição Sindicato Unificado de São Paulo - Em defesa da Petrobras, que cobria toda a largura da Avenida Rio Branco, milhares de pessoas marcharam na manhã do dia 21 de maio, da Candelária à sede da estatal, na Avenida República do Chile, em protesto contra a convocação da Comissão Parlamentar de Inquérito aprovada pelo Senado Federal. O ato foi convocado por uma série de entidades, à frente a Federação Única dos Petroleiros-Fup, a Central Única dos Trabalhadores-Cut e a Confederação dos Trabalhadores do BrasilCTB, e atraiu representações de sindicatos do Rio, entre os quais o dos Bancários e Financiários, de Municípios da Baixada Fluminense, de Angra dos Reis e do Sul do Estado, bem como dirigentes e delegações de São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia. Também se fizeram presentes dirigentes do PT, do PCdoB e do PCB. A convite da Federação dos Petroleiros, a ABI participou da manifestação, em coerência com uma tradição histórica da Casa: foi em seu Auditório Oscar Guanabarino, no nono andar do Edifício Herbert Moses, que começou a campanha o petróleo é nosso, em 4 de abril de 1948. Em nota distribuída à imprensa, a direção da Fup disse que a manifesta-

ção tinha como objetivo revelar a urgência de aprovar uma nova legislação para garantir o controle estatal e social sobre as reservas brasileiras de petróleo e gás. O texto reafirma a determinação do movimento sindical de defender a Petrobras e acusa os parlamentares da oposição, principalmente do PSDB, de atacarem a soberania nacional. Para os petroleiros, a CPI da Petrobras surge exatamente no momento em que o Governo e a sociedade discutem mudanças na Lei do Petróleo. “A idéia da marcha é denunciar o golpe que alguns senadores querem dar na Petrobras. O que eles pretendem é abafar a discussão do marco regulatório da lei que rege o petróleo do Brasil”, declarou Daltro Bonfim, diretor do Sindicato dos Petroleiros da Bahia. No ponto de concentração, diante da Igreja da Candelária, e, depois, próximo à sede da Petrobras, a manifestação expressou repúdio ao PSDB e ao DEM, evidente nos dizeres de uma das muitas faixas exibidas: CPI tucana é para entregar o petróleo do Brasil. Na abertura do ato, iniciado pouco depois das 9h, discursaram dezenas de oradores, entre os quais os Deputados Federais Luiz Sérgio (PT-RJ), Carlos Santana (PT-RJ) e Luiz Alberto (PT-BA), além dos Deputados Estaduais Gilberto Palmares e


FOTOS: RAFAEL ANDRADE/FOLHA IMAGEM

A passeata em defesa da Petrobras reuniu representações de vários Estados, entre estas numerosa delegação de São Paulo, que exibia gigantesca faixa, conduzida por parlamentares, líderes sindicais e diretores de entidades da sociedade civil. A manifestação culminou com um abraço coletivo na sede da Petrobras, na Avenida República do Chile.

Inês Pandeló, ambos do PT. Também participaram o Prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), e Lúcia Stumpf, Presidente da União Nacional dos Estudantes-Une. A passeata culminou com um abraço coletivo no edíficio-sede da Petrobrás, na Avenida República do Chile, onde discursaram os representantes das entidades nacionais. Convidado a dis-

cursar, no alto de uma caminhão de som, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, lembrou que o ato público que desencadeou a campanha do petróleo teve como cenário o seu Auditorio Oscar Guanabarino, há 61 anos. “A ABI tem desde então uma posição vigorosa de defesa da Petrobras e do monopólio estatal do petróleo”, disse o Presidente da ABI.

A FOLHA PISOU NA BOLA DA ÉTICA A manifestação de 2l de maio foi a maior de caráter estritamente político que se realizou no Centro do Rio nos últimos anos. Os principais jornais diários do Rio e São Paulo fizeram a cobertura da manifestação, que se prolongou por mais de três horas, e publicaram matérias na edição do dia seguinte, com chamadas e fotografias na primeira página. Três dias após o ato, em sua edição de domingo 24 de maio, a Folha de S. Paulo publicou na página A9 uma matéria em oito colunas (ou seis, atualmente) sob o título Entidades contra CPI recebem de estatal, na qual seus autores, os repórteres Rubens Valente e Ana Flor, da Reportagem Local do jornal, procuram atribuir a mobilização contrária à realização da CPI e em defesa da Petrobras a um interesse pecuniário, como deixam claro no subtítulo da manchete do alto de página: Nos últimos 3 anos, Petrobras injetou R$ 12 mi em projetos da CUT, UNE e ABI, que protestaram contra investigação. Em seu quinto parágrafo, dizia a reportagem: “Ao longo dos últimos três anos, a Petrobras apoiou com R$ 11,9 milhões projetos desenvolvidos por CUT. UNE e ABI.” Essa informação é maldosa, de um lado, e destituída de ética, de outro: l. para ser veraz, preciso e responsável, o texto deveria enunciar quanto dos R$ 11,9 milhões foi destina-

do a cada uma das entidades citadas, até mesmo para dotar a informação de credibilidade que essa generalização não permite; 2. no caso da referência à ABI, a informação é destituída de procedência, mentirosa, porque no período citado e mesmo antes a ABI não desenvolveu qualquer projeto com apoio da Pertrobras. Nesse ponto o jornal feriu a ética jornalística, porque a repórter Ana Flor, que entrevistou o Presidente da ABI, foi informada da inexistência de qualquer projeto da ABI que a Petrobras tivesse apoiado; mesmo assim incorporou ao texto da matéria ou permitiu que neste fosse imcluída a informação inverídica e improcedente. Aagressão à ética só não foi maior porque a reportagem reproduziu a declaração em que o Presidente da ABI justificou a presença da Casa no ato público: “A ABI tem uma posição histórica vinculada à Petrobras desde sua criação. A campanha “O petróleo é nosso” foi lançada no auditório da ABI em 4 de abril de 1948. A defesa que a ABI faz não é algo recente ou vinculado a patrocínios. O mesmo evento que a Petrobrás patrocinou teve apoio da Rede Globo, Furnas, Bradesco e Odebrecht; todos independeram de contrapartida nossa. Nosso ataque à CPI tem base em seu conteúdo partidário visível.”

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MERCADO

A crise bate à porta dos jornais. E entra Sufocada pelas seqüelas das perseguições sofridas sob a ditadura militar, a Tribuna da Imprensa deixou de circular em dezembro de 2008 e só não desapareceu totalmente porque seu diretor, o indomável Hélio Fernandes, edita uma versão eletrônica do jornal e criou um blog, agora atualizado de hora em hora. O Jornal do Brasil melhorou a qualidade editorial, mas enfrenta problemas de distribuição. A Gazeta Mercantil entrou em agonia. POR PAULO CHICO

Um dos mais tradicionais e combativos jornais do País, a Tribuna da Imprensa ainda não superou uma de suas maiores crises. Depois de ter a circulação de sua edição impressa suspensa no início de dezembro de 2008, o jornal sobreviveu por mais quatro meses na internet, sofreu um baque, durante o qual a última atualização foi feita em 31 de março deste ano, e finalmente voltou a respirar, com a retomada da versão eletrônica e a criação de um blog por seu diretor, o indomável Hélio Fernandes, que o atualiza de hora em hora. O drama pôde ser acompanhado no blog, como revela Hélio Fernandes, “Desde que este blog foi lançado – conta —, dezenas de leitores me repetem sempre a mesma pergunta, que eu também recebo diariamente por telefone e cartas. ‘Quando o jornal vai voltar a circular?’. Com muita tristeza, admito, não sei”, afirmou em um de seus posts. Como o Jornal da ABI já relatou, Hélio Fernandes decidiu suspender a circulação do jornal em face da impossibilidade da empresa de pagar dívidas contraídas em razão das perseguições sofridas durante a ditadura militar, de 1964 a 1985. Hélio acusou o Supremo Tribunal Federal de morosidade na tramitação do processo relativo ao pedido de indenização feito à União, para reparação das perseguições sofridas. Quando a indenização for paga, diz, o jornal fundado por Carlos Lacerda em 1949 poderá livrar-se das dívidas e voltar às bancas. E à internet. “De fato, a Suprema Corte confirmou as decisões das instâncias inferiores e mandou a União indenizar a Tribuna. Isso já faz três meses. Por incrí26

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vel que pareça, desolado, não posso assegurar quando retornaremos às bancas, pois esse processo de execução, de cobrança dos valores, por incrível que pareça, nem se iniciou. Tem advogado que tão logo ganha em primeira e segunda instâncias, dá início à ação de execução. Isso não se verificou no nosso caso e se ocorreu, pode ser, não deu resultado ainda”, contou Hélio em seu blog. Em 1979 a Tribuna da Imprensa outorgou procuração aos advogados Raphael de Almeida Magalhães e Sérgio Bermudes para que processassem a União pela censura diária, que se prolongou por mais de dez anos. “Isso se deu, portanto, há 30 anos. Inacreditável! Justiça tardia é injustiça manifesta e qualificada, como escreveu Rui Barbosa. Já não sei a quem recorrer para receber a indenização, pagar as contas e devolver a Tribuna ao povo. Sem dúvida, de todos os jornais censurados a Tribuna foi o que sofreu a mais severa e truculenta perseguição de censores ignorantes e atrabiliários, que inclusive denunciavam à Receita Federal e aos militares os nomes de empresas que ousavam nela anunciar. A ordem era uma só: sufocar e inviabilizar a Tribuna”, queixa-se Hélio. De seu lado, funcionários do jornal reclamam uma definição da empresa Tribuna da Imprensa sobre a situação de seus contratos de trabalho. Em seu blog, onde continua a exercer a verve de crítica ácida aos principais assuntos do dia, sobretudo no campo político e econômico, Hélio Fernandes, apesar de mostrar-se por vezes incrédulo, deixa uma mensagem de esperança. “Desculpem-me o desabafo. Não sei quando a Tribuna voltará às bancas. Certamente, isso ocorrerá só depois

que os advogados conseguirem promover a execução da dívida da União, o que, espero, não deverá demorar mais algumas décadas. Em 1979, a ditadura e a perseguição militar ainda imperavam em nosso País. Basta a gente se lembrar da explosão do prédio da Tribuna em 1981 e do atentado no Riocentro, que, por milagre, não se transformou numa carnificina inimaginável”. Crise também no JB e na Gazeta No início de maio, moradores de Nova Iguaçu reclamaram do desaparecimento do Jornal do Brasil das bancas da cidade, uma dos principais da populosa Baixada Fluminense. A informação foi publicada no Correio da Lavoura, o mais antigo jornal do Município fluminense. A dificuldade de se encontrar o JB tem sido verificada não apenas nas bancas de Nova Iguaçu, mas tambném de boa parte das cidades da Baixada. Na reportagem do Correio da Lavoura, quem chamou a atenção para o caso foi o jornaleiro Ari Marques, que trabalha em uma banca ao lado da Igreja de São Jorge, no Centro da cidade. Informou Ari que a distribuição do jornal foi

interrompida sem explicação e ele ficou sem saber o que dizer aos seis leitores que diariamente se dirigem à banca, sempre na esperança de encontrar algum exemplar do jornal. publicação. Marcos Andrade, dono da banca Hélio Andrade, disse à reportagem do Correio da Lavoura que recebeu carta do jornal informando que por motivos de “custo operacional elevado” o JB estaria deixando de circular em Nova Iguaçu. Apesar das queixas, o setor de atendimento ao leitor do JB informou que não houve qualquer alteração no esquema de distribuição do jornal em Nova Iguaçu, onde, disse a empresa, as vendas acontecem normalmente. Também o jornal Gazeta Mercantil, que faz parte do grupo Companhia Brasileira de Multimídia-CBM, ao qual pertence também o JB, enfrenta grave crise financeira, com reflexos na sua circulação, que está ameaçada. Especulava-se que a última edição do jornal, cujas atividades seriam paralisadas, chegaria às bancas no dia 29 de maio, já com a imediata suspensão da circulação a partir de 1º de junho. Referência no jornalismo econômico no País, a Gazeta tenta agora administrar dívidas trabalhistas de quase R$ 200 milhões. A CBM pertence a Nélson Tanure, empresário que arrendou a marca Gazeta Mercantil em 2003 e desde então responde por sua publicação. O motivo da desistência em relação ao jornal seria o acúmulo de inúmeras decisões judiciais favoráveis a credores, especialmente na Justiça do Trabalho. Diante da rescisão de contrato com a CBM, o dono da Gazeta Mercantil, Luiz Fernando Levy, afirmou que faria tudo para garantir a sobrevivência do jornal, fundado há 90 anos. Levy disse ainda que pretende processar o dono da CBM, Nélson Tanure, o qual, por sua vez, alega que as dívidas trabalhistas em questão seriam de responsabilidade dos proprietários da publicação.


Liberdade de imprensa

A Lei de Imprensa já era, mas continua em discussão Estudantes, professores e jornalistas reuniram-se nas Faculdades Hélio Alonso-Facha para discutir o antes, o agora e o depois da legislação que o Supremo derrubou. FOTOS ANGELO CUISSI

A derrubada da Lei de Imprensa, na sessão do Supremo Tribunal Federal do dia 30 de abril, teve grande repercussão na mídia e especialmente no meio acadêmico, como provou o debate realizado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso-Facha na manhã de 28 de maio, quando mais de duas centenas de estudantes de Jornalismo lotaram o auditório da instituição, em Botafogo, para assistir a uma palestra sobre o fim da Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. Participaram o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, o colunista de O Globo Ancelmo Góis e os Professores Ivan Cavalcânti Proença e José Eudes, este último mediador do encontro. Ao iniciar sua exposição, Maurício Azêdo lembrou o momento em que a Lei foi editada. Politicamente, afirmou, seu objetivo era claro: censurar as publicações que contestassem a ditadura. “Essa Lei de Imprensa surgiu para legalizar as intervenções que as Redações já vinham sofrendo por parte dos militares desde as primeiras horas do golpe militar de 1964. Foram silenciados e fechados logo no primeiro dia da quartelada jornais de esquerda ou progressistas, como Novos Rumos, do Partido Comunista Brasileiro-PCB; O Semanário, do jornalista nacionalista Osvaldo Costa; Brasil Urgente, dos padres dominicanos de São Paulo; A Liga, de Francisco Julião, criador das Ligas Camponesas e deputado federal eleito pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) de Pernambuco. Disse Maurício que se verificou a partir de então a padronização do pensamento e do noticiário na imprensa. “A partir de então, passaram a circular somente os jornais da grande imprensa, que adotaram a censura interna e apresentavam as versões dos fatos que vinham direto da Rua da Relação, sede da Polícia, no Centro da Ciodade, onde ficava o Dops, sigla do Departamento de Ordem Política e Social, órgão de repressão política. Com a Lei nº 5.250 foi implantado um sistema de controle dos jornalistas e dos órgãos de comunicação. Tivemos um período em que a liberdade de imprensa ficou castrada por essa Lei”, contou. O Professor Ivan Cavalcânti Proença acendeu a polêmica no encontro, ao afirmar que ainda hoje há censura interna na imprensa. “Eu citaria três revistas como exemplo disso: Veja, IstoÉ e Época, as quais denomino ‘Não Veja’, ‘Isto NãoÉ’ e ‘Fora de Época’. Em cer-

sendo superdimensionada, pois o direito de resposta não pode servir de pretexto para fazer a edição de uma nova Lei de Imprensa que pode abrigar agressões ao exercício da liberdade de expressão. Entendemos que o Código Civil já supre essa lacuna. Quem se sentir agredido, que entre com uma ação e pleiteie seu direito de resposta”, ponderou o Presidente da ABI. Ivan Cavalcânti Proença e Maurício, assim como os estudantes, aplaudiram a irreverência de Ancelmo Góis: José Eudes citou “Batemos na manchete e só vamos nos desculpar na seção de cartas dos leitores, de uma forma que ninguém vê”. um editorial da Folha de S.Paulo, que sa, agora temos que concentrar esforta ocasião, uma delas me procurou para também defendia a criação de uma ços para acabar com a Lei da Anistia. fazer uma matéria que mostrava o nova Lei de Imprensa. Ele questionou Assim como o Uruguai e a Argentina, quanto o professor universitário era qual seria o interesse das empresas de temos que colocar nossos torturadores bem remunerado; que essa história de comunicação em postular a necessidano banco dos réus”, reivindicou. que no Brasil o professor ganha mal é de de uma nova regulamentação para A revogação da Lei de Imprensa não pura balela. Eu discordei completameno exercício do jornalismo. pôs fim à polêmica sobre regras para o te dessa tese durante a entrevista. Ancelmo Góis disse não perceber exercício do jornalismo. Surge agora a Quando li a reportagem, vi que o úniessa intenção nas Organizações Globo. polêmica sobre a regulação do direito co depoimento que não foi publicado “Lá eu não sinto isso. E concordo com de resposta, trazida à tona pelo Presifoi o meu”, disse o professor. a posição da ABI de que não é necessária dente do Supremo, Ministro Gilmar uma nova regulação para o direito de Mendes. Maurício Azêdo também Agradecimento a Miro resposta. O Código Civil já abriga essa abordou o tema. O Presidente da ABI explicou aos questão”, disse Ancelmo, que fez uma “Na nossa opinião, essa questão está alunos que a derrubada da Lei de Imcrítica à classe. prensa só foi possível graças à atuação “Nós não pedimos desculpas, isto do Deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), não está na cultura do brasileiro. Bateque, por meio de seu partido, apresenmos na manchete e só vamos nos destou a Argüição de Descumprimento de culpar dentro da seção de cartas dos Preceito Fundamental nº 130 pedindo leitores de uma forma imperceptível, sua revogação total e definindo-a simque ninguém vê”. bolicamente como o “último entulho As desculpas também devem partir da ditadura”. Neste processo, a ABI daqueles que cometeram e cometem também teve participação ativa. crimes contra a democracia, defende “Nós apresentamos memorial ao Ancelmo, que citou, como exemplo, o Supremo Tribunal como amicus curifrustrado atentado ocorrido no dia 1º ae (amigo da Corte) pedindo, como de maio de 1981, quando militares tenMiro Teixeira, a revogação total da Lei, taram colocar uma bomba no Centro de que foi acatada pelo Supremo por sete Convenções Riocentro, na cidade do Rio votos a quatro”. de Janeiro, onde artistas da música poPara Ivan Cavalcânti Proença, que pular brasileira faziam um show em presidiu o Conselho Deliberativo da comemoração ao Dia do Trabalhador. ABI de 2005 a 2006, o último entulho “Acredito que nossas Forças Armada ditadura não é a Lei de Imprensa, e das, em sua grande maioria, sentem sim a da Anistia. grande constrangimento pelo fato, “Nunca fomos consultados se quemas até hoje nenhum militar pediu ríamos mesmo o perdão para ambos os desculpas. As pessoas têm vergonha lados. Nessa história, nós servimos de de dizer ‘eu errei’. É interessante obProfessor e jornalista, José Eudes questiona: limão para a limonada deles. Nós já servar isso quando falamos em direiQue interesse têm os grandes jornais na edição de uma nova Lei de Imprensa? conseguimos derrubar a Lei de Imprento de resposta.” Jornal da ABI 341 Maio de 2009

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Liberdade de imprensa

Insatisfeitos com a derrubada da Lei nº 5.250/67, os três maiores diários do País estão defendendo a instituição de nova lei, a fim de regular num texto único aspectos da atividade jornalística que consideram lançados num vácuo legal, como o direito de resposta.

POR MAURÍCIO AZÊDO Ainda que tenham recebido com aplausos a derrubada das disposições mais repressivas da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967), como a possibilidade de apreensão de publicações, o agravamento das penas para os crimes de calúnia, injúria e difamação quando cometidos por jornalistas e o tabelamento das indenizações em ações de dano moral, os principais diários do País – a Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo – estão defendendo a instituição de uma nova lei para regular, num texto único, como o revogado pelo Supremo Tribunal Federal em 30 de abril passado, aspectos da atividade jornalística que consideram lançados num vácuo legal, como o direito de resposta. Em editoriais especialmente dedicados ao tema, os três jornais, que figuram entre os de maior circulação no País, mas também, certamente por isso, os mais influentes no campo político, partem do pressuposto, exposto pelo Estadão (edição de 2l de maio, página A3), de que “o vácuo jurídico está disseminando insegurança entre os órgãos de comunicação e no próprio Judiciário, onde tramitam milhares de ações contra jornais e jornalistas”. A decisão do Supremo, diz o jornal, produziu o que “muitos advogados, promotores e magistrados mais temiam”, o tal vácuo gerador do sentimento de insegurança. No editorial sob o título Antes que tardia (edição de 3 de maio, página 6), O Globo apontou o que seriam “dois vácuos que precisam ser preenchidos: regras que racionalizem o exercício do direito de resposta e normas que disciplinem os pedidos de indenização”. Diz o jornal que essas regras e normas “são necessárias para evitar excessos, geralmente cometidos por juízes de primeira instância, onde são aceitos pedidos de resposta inexequíveis – leitura de extensos veredictos em jornais de tv, publicação de textos em páginas e páginas de jornais e revistas etc. – e às vezes decretadas indenizações que, se pagas, levarão a empresa de comunicação à falência”. Acrescenta o jornal, com razão, que “este é um problema especialmente grave no interior do País”. 28

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Ao defender a elaboração de “uma nova lei de imprensa, plenamente democrática”, objeto de seu editorial Direito à informação (edição de 3 de maio, página A2), a Folha de S. Paulo sustentou que com a revogação total da Lei nº 5.250/67 “decisões relativas às várias formas de manifestação da imprensa estão entregues, a partir de agora, a interpretações fragmentárias e por vezes intempestivas de juízes singulares”. Diz o jornal nesse ponto: “Uma das principais fontes de incerteza, decerto, será a ausência de parâmetros para o direito de resposta —, o que vai afetar não só empresas jornalísticas, mas sobretudo o cidadão que se sentir ofendido por uma publicação”. Acrescenta a Folha: “Grandes companhias de comunicação podem, sem dúvida, prosseguir na defesa do direito à informação, apelando a instâncias superiores, onde o princípio encontra abrigo sólido. Mas só por meio de uma lei de imprensa estariam os órgãos de comunicação regionais, os sites isolados da internet e os cidadãos em geral mais bem protegidos das ameaças, que nunca cessam.” Diferentemente de O Globo e da Folha, que centraram a postulação de instituição de nova lei na necessidade de regulação do direito de resposta, ambos, e também de disciplinamento dos pedidos de indenização, como fez o primeiro, o Estadão alinhou pelo menos nove aspectos que, a seu juízo, justificariam a edição de um texto de substituição da Lei nº 5.250/67. Em editorial que dá o seu recado já a partir do título (Por uma nova Lei de Imprensa), o Estadão enunciou como lacunas a serem removidas pela regulação preconizada estes pontos: l. direito de resposta; 2. pedido de explicações; 3. retratação; 4. retificação espontânea; 5. sigilo da fonte; 6. exceção da verdade; 7. cálculo da indenização por danos morais; 8. garantias dos jornalistas; 9. competência da ação. Ao contrário de O Globo e da Folha, o Estadão não fez por menos: em seu entendimento, exposto no último parágrafo do editorial citado, a nova Lei de Imprensa deve ser aprovada em regime de urgência.

RITA BRAGA

A grande imprensa quer nova lei


GIL FERREIRA/SCO-STF

REPRODUÇÃO

Um direito, sim. Mas de quem?

ERRATA

Foi o Presidente do Supremo, Gilmar Mendes, quem provocou o debate sobre o direito de resposta. A quem este servirá? O questionamento quanto à necessidade de instituição de uma lei que regule o direito de resposta foi formulado pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, na sessão de l de abril passado, quando a Suprema Corte iniciou o julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n º 130/2008, ajuizada pelo Deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) através de seu partido, que detém a titularidade do direito de representação em questões dessa natureza. Como o julgamento entrara pela noite, após o voto do relator, Ministro Carlos Ayres Britto, que se manifestou pela revogação total da Lei de Imprensa, por considerá-la incompatível com o texto da Constituição de 5 de outubro de 1988, houve tempo apenas para a manifestação de voto do Ministro Eros Grau, que, numa intervenção objetiva e sucinta, acompanhou o entendimento de Ayres Britto. Ao suspender a sessão, em razão do adiantado da hora e da previsível extensão da enunciação do voto pelos demais ministros, o Presidente do Supremo

marcou a continuação do julgamento para o dia 15 seguinte, não sem antes antecipar o voto que proferiria na sessão posterior. Gilmar Mendes concordava parcialmente com o relator, admitindo a revogação de disposições da Lei º 5.250/ 67, mas divergindo da proposta de revogação total, por entender que havia necessidade de preservação de numerosos dispositivos do texto legal, como os relacionados com o direito de resposta. Mendes declarou então que temia que se instaurasse um vácuo legal e, em conseqüência deste, os juízes chamados a decidir sobre pedidos de direito de resposta adotassem decisões conflitantes. Marcada para o dia 15, a sessão de continuação do julgamento foi adiada para o dia 29 e depois para o dia 30 de abril, quando efetivamente se realizou. Mendes manteve o voto pela revogação apenas parcial, posição assumida também pelos Ministros Joaquim Barbosa e Ellen Gracie. Foi a luva lançada no ar por Gilmar Mendes que os chamados jornalões agarraram com unhas e dentes, aprofundando a polêmica que ele suscita-

Ministro Gilmar Mendes: luva lançada no ar.

ra. A insistência com que proclamaram e sustentam a necessidade de edição de uma nova Lei de Imprensa, seja para regular apenas o direito de resposta, como defendem O Globo e a Folha, ou para disciplinar os nove aspectos enunciados pelo Estadão, deixa dúvidas sobre um ponto essencial: como a liberdade de imprensa não é um bem jurídico-constitucional dos jornalistas e dos veículos de comunicação, mas do conjunto da sociedade, que é o verdadeiro destinatário do direito à informação, a grande imprensa está a defender quem? A ela própria ou a cidadania? O tempo por certo oferecerá a resposta a essa indagação. (MA)

GILBERTO NASCIMENTO

Aplauso a Miro no Conselho de Cultura

A atuação de Miro (foto) para a revogação da Lei de Imprensa foi exaltada pela unanimidade do Conselho Estadual de Cultura: moção apresentada por Ziraldo foi aprovada e assinada pelos 20 membros do principal órgão cultural fluminense.

A iniciativa dele restituiu o direito de acesso à informação a todos os setores da sociedade, diz moção dirigida ao parlamentar. A revogação da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal e a atuação do Deputado Federal Miro Teixeira (PDT-RJ) no episódio foram objeto de aplausos no Conselho de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Por decisão de seu colegiado, por proposta de um dos seus membros, o cartunista Ziraldo, o Conselho encaminhou um ofício ao parlamentar enaltecendo a sua atuação na derrubada da Lei. No texto, a Presidente do Conselho, jornalista e escritora Ana Arruda Callado, afirma que a decisão restituiu ao povo brasileiro o seu direito ao acesso à informação e à livre manifestação em todos os setores da nossa sociedade. “Na Sessão Plenária n° 1373 do Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, o Colegiado, por indicação de Ziraldo Alves Pinto, resolveu enviar congratulações a V. Ex.ª por sua iniciativa em relação à extinção da coerciva

Lei de Imprensa. Esta louvável vitória restitui ao povo brasileiro o acesso à informação e o direito de manifestação. Este Conselho, que sempre defendeu os ideais de liberdade em todas as áreas, reconhece sua luta em prol desta causa e vem, por este ofício, se manifestar partícipe e disseminador desta conquista que contempla todos os setores de nossa sociedade. Uma iniciativa que demonstra o inegável senso de oportunidade que o caracteriza como homem de governo, de cultura e de ação”, diz o texto da mensagem enviada a Miro. Além da Presidente Ana Arruda

Callado, assinaram o ofício os Conselheiros Urbino Ubiratan Corrêa, Carlos José Fontes Diegues (Cacá Diegues), Edino Krieger, Frederico Augusto Liberalli de Góes, Godofredo de Oliveira Neto, Haroldo Costa, Heloísa Aleixo Lustosa, Hermínio Bello de Carvalho, Lélia Coelho Frota, Marcos Vinícius Rodrigues Vilaça, Maria Ângela Abras Vianna, Martinho José Ferreira (Martinho da Vila), Nilson Luiz Raman Pereira, Paulo Roberto Menezes Direito, Reinaldo Paes Barreto, Ziraldo Alves Pinto, Amir Haddad, Affonso Maria Furtado Silva e Raymundo Nery Stelling Júnior.

Bandeira criou um neologismo indecifrável No artigo que fez para a edição do antigo Boletim da Associação Brasileira de Imprensa comemorativa dos 50 anos da ABI, com data de capa junho de 1958, o poeta Manuel Bandeira criou um neologismo para relatar seu diálogo com o então Presidente Raul Pederneiras, que pôs em dúvida a declaração emitida em seu favor por Luís Aníbal Falcão, diretor da revista Idéia Ilustrada, para que ele pudesse filiar-se à entidade. Transcrito sob o título Os amores de Manuel Bandeira com a ABI na página 10 da edição nº 340 do Jornal da ABI, com data de capa abril de 2009, o texto do poeta narra o encontro que ele manteve com Pederneiras mais de 30 anos antes, em 1925, visando à sua filiação. Contou Bandeira: “Raul passou a vista no atestado de Falcão e indagou, sem me olhar: Essa revista existe mesmo? A pergunta pareceu-me “desobligeante”. Mas Raul era um humorista e eu decidi tomá-la como humorismo. Respondi: Existe sim, mas nós não a percebemos porque ela existe apenas ... Percebi que Raul não conhecia os versos de Vicente de Carvalho; considerei-me desforrado. (...)” Para a reprodução da crônica na edição 340, o Jornal da ABI tomou a grafia de desobligeante como erro de revisão e substituiu o termo por desobrigante, sem supor que Bandeira criara um vocábulo que o nosso mais moderno Dicionário, o Houiass, não registra, assim como o Dicionário Aurélio. Nascido no Recife em 1886 e falecido no Rio em 1968, Bandeira deixou-nos sem explicar o que pretendeu dizer com este seu desobligeante. Algum leitor saberá? Jornal da ABI 341 Maio de 2009

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NOVIDADE

Na telinha, um museu para a corrupção “Construído” pelo jornal Diário do Comércio, de São Paulo, o espaço é virtual, mas lembra quão reais são as mazelas provocadas pelo histórico problema das falcatruas no Brasil. POR MARCOS STEFANO

A corrupção é uma praga histórica no Brasil. Periodicamente novos casos surgem na imprensa, revelando um universo de abusos e de desmandos com o dinheiro público. Um dos mais recentes levantamentos sobre o tema, feito pela consultoria KPMG, revela que cerca de R$ 160 bilhões – ou 6% do Produto Interno Bruto brasileiro – são perdidos a cada ano com crimes de colarinho branco, como lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e fraudes. Uma tragédia que custa caro ao País não apenas pelas altas cifras que escoam dos cofres públicos para os bolsos privados, mas também por conta dos valores que deixam de ser aplicados com a perda de investidores e pela imoralidade intrínseca que carrega cada escândalo em um país em que cada centavo desviado é dinheiro que deixa de ser gasto em merenda escolar, na compra de remédios ou na melhoria de serviços como saneamento, educação e transporte para a imensa população carente. Esse quadro é denunciado quase diariamente nas páginas de jornais e revistas, reportagens na televisão e na internet por conta dos novos e sucessivos casos. Entretanto, a memória brasileira parece ser curta. Por causa da repetição exaustiva ou pelo sentimento de impunidade, pouca gente se dá conta do real tamanho do problema. Pensando nisso, o Diário do Comércio, de São Paulo, resolveu encarar a questão de um modo bastante inusitado: com a criação do Museu da Corrupção, o MuCo, um memorial virtual na internet, “erguido” para que Lalaus, mensaleiros e anões do orçamento não sejam esquecidos, mas devidamente combatidos. 30

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O espaço pode ser acessado no endereço www.dcomercio.com.br/especiais/2009/museu desde 22 de abril, dia em que se comemoraram os 509 anos do descobrimento do Brasil – e também de problemas com corrupção, já que, como explica o editor Luiz Octávio de Lima na introdução, a corrupção chegou ao País com as caravelas – e que a farra das passagens aéreas no Congresso ganhou as manchetes do noticiário. Nesse primeiro momento, o Museu da Corrupção trata de casos ocorridos entre a década de 1970 e os dias atuais, mas o objetivo é, aos poucos, recuar mais e mais no tempo, levantando casos até os tempos coloniais. Pensando dessa maneira, o acervo inicial do Museu, fruto de seis meses de pesquisas feitas pela jornalista Kássia Caldeira e que já se tornou um material de inestimável importância para a memória nacional, deve aumentar muito ainda. A iniciativa de aprofundar a temática da corrupção não é propriamente uma novidade no Brasil. Vários jornais e revistas mantêm hotsites com artigos e as principais reportagens feitas sobre o assunto. Porém, a forma encontrada pelo Diário do Comércio para tratar do tema é bastante original e inusitada: – Queremos montar um banco de dados sobre corrupção, não apenas com nossos textos, mas com um material muito mais amplo. A proposta é ter um espaço on line de exibição e reflexão sobre os escândalos que marcam o País – explica Moisés Rabinovici, Diretor de Redação do Diário e um dos idealizadores do museu virtual. Apesar de se tratar de um Museu, como diria a música, esse é também um espaço de grandes novidades. A começar pela introdução animada que ofe-

rece ao visitante uma vista panorâmica do prédio da instituição, logo que se acessa o site. Como conta Rabinovici, apesar de ser virtual, o projeto é bastante real e, apesar de existir apenas na internet, bem poderia ser erguido com uma estrutura metálica e vidro. O desenho foi feito pelo arquiteto Rodrigo de Araújo Moreira, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, que desenvolveu a proposta com um grupo de alunos. Rabinovici diz que durante dois ou três meses muitas idéias passaram por sua cabeça; sabia, porém, que esse seria um desafio diferente. Afinal, pela primeira vez em seus 78 anos de vida poderia trabalhar com total liberdade, sem limite de valor, sem metragem de terreno e sem dimensões pré-definidas. O resultado é um prédio em forma de uma enorme pirâmide triangular com 40 metros de base em cada face e 60 metros de altura. A fachada, com um triãngulo, lembra bastante o Museu do Louvre, em Paris. – Achei que essa era uma boa solução. Por isso, criei uma pirâmide com uma parte virtualmente transparente. Tem vidro nas duas faces, e a face da frente se repete atrás. Esse é o lado em que a corrupção precisa ficar transparente. Porém, também há uma parte cega, toda a parede dos fundos, com o triângulo inclinado e a torre. Se fizer as contas, essa estrutura é maior que a transparente. Quem passa por esse lado, percebe que tudo está muito oculto ainda. Claro, tudo tem uma intenção, que é transformar o espaço em um marco permanente de denúncia com grande visibilidade, no qual a pureza da forma contraste fortemente com a essência do tema – afirma o arquiteto, em entrevista ao site do próprio Museu.

Ataque terrorista O sucesso do museu virtual foi instantâneo. Apenas poucos dias depois de entrar no ar, o espaço ganhou elogios de alguns parlamentares nas tribunas do Congresso e ultrapassou a marca dos 50 mil visitantes diários. Mas nem todos gostaram da idéia. Alguém foi até mais longe e, segundo conta o Diretor de Redação Rabinovici, tentou corromper o Museu da Corrupção: – Fomos vítimas de um ataque de hackers. O site foi invadido, infectado por um vírus e ficou três dias fora do ar. Fomos obrigados a refazer tudo e criar uma blindagem mais sólida para agüentar essas invasões. Já houve novo ataque, mas desta vez estávamos preparados e pudemos resistir. Nem aqui esses corruptos dão folga, pode? Rabinovici explica ainda que uma curadora foi contratada especialmente para gerir o projeto e novos espaços já estão sendo planejados e desenvolvidos. Há propostas de se criar links para livros virtuais sobre corrupção em bibliotecas como a de Washington e do site de serviços Google, e colocar pessoas para administrar a loja do Museu. Até agora, já apareceram três interessados em colocar produtos reais à venda. Outra idéia é colocar uma música de fundo. As favoritas são o tema da animação O Aprendiz de Feiticeiro, pela clara conotação com o assunto, e Bolero de Ravel, por possuir uma nota que se repete continuamente. – Queremos denunciar o problema, que é gravíssimo. Mas sempre com bom humor e sem desesperança. Há soluções e, acima de tudo, esse também é um espaço para encontrá-las – completa Rabinovici.


Um passeio pelos escândalos 1

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Logo no início do tour virtual, o visitante se depara com uma escultura de terracota, presente de Rodrigo Moreira ao Museu. A peça mostra quatro corpos decapitados sem braços e sem um pedaço de perna. Eles estão entrelaçados e empilhados. O memorial descritivo da obra garante que a escultura foi escolhida “como marco indelével do monumento, evocando a imagem grotesca do povo pobre e dilacerado”. Na perspectiva do prédio, a escultura é representada por esferas sobrepostas; assim como todo o conjunto, está sobre um imenso espelho d’água que duplica a imagem da obra. Logo que adentra o saguão principal (1), o visitante tem várias opções para iniciar seu passeio pelas salas, galerias e auditórios do Museu. Em todas elas, é possível acessar textos, reportagens e entrevistas produzidas pelo jornal diário ou especialmente para o site, além de vídeos e músicas. Clicando na sala multimídia o internauta pode ver vídeos que o MuCo mantém no YouTube, com trechos de reportagens, pequenos documentários e até um engraçadíssimo Melô do Congresso. Também dá para ler entrevistas com artistas e diretores e críticas sobre peças teatrais que abordam temas relativos à corrupção. A Sala dos Escândalos (2) é na verdade um conjunto com os espaços menores sobre os mais diversos casos denunciados no Brasil nos últimos tempos: a Operação Satiagraha, a Máfia dos Sanguessugas, o Mensalão, o caso da construção da nova sede do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo – o escândalo do juiz Nicolau -, a Operação Anaconda e até o incidente dos dólares na cueca. Todos com um breve relato do assunto, imagens e uma lista de links que remetem a reportagens que mostram a repercussão que cada um teve na grande imprensa. A Sala das Operações da Polícia Federal traz um resumo sobre cada ação de investigação e combate às falcatruas desde 2003. Logo ao lado, o visitante ainda acessa uma extensa cronologia de escândalos e fraudes, com mais de duas centenas de casos desde 1964. Outros dois espaços, o da Arquitetura da Corrupção (3) e a Galeria Edemar Cid Ferreira, dão o ar da modernidade ao desenho do espaço. No primeiro, é possível encontrar fotos de alguns dos principais prédios e construções em que houve suspeita de desvio de dinheiro ou superfaturamento, como o Estádio João Havelange, no Rio, e a Ponte Forte-Redinha, no Rio Grande do Norte. Ainda é possível “admirar” o escandaloso Edifício Palace 2 desabando em 1998, por ter sido construído pela empresa do Deputado Sérgio Naya com areia da praia, e o majestoso castelo do Deputado Edmar Moreira, construído para ser um cassino, numa das apostas mais recentes com suspeita de corrupção. Quem gosta de arte pode conferir mais de perto parte do acervo de Edemar Cid Ferreira, que se tornou conhecido como um autêntico mecenas e por ser controlador do Banco Santos. Acusado de fraudes fiscais, ele teria sido o grande responsável pelo rombo de R$ 2,2 bilhões que levou o banco à falência em 2005. Antes de encerrar seu tour pelo Museu, o visitante tem a opção de se manter atualizado, acessando a sala Em Exibição. Ali, encontra diversas reportagens sobre os últimos escândalos no País. Antes de ir embora, no entanto, vale a pena dar uma passadinha na Livraria do Museu, que oferece artigos e entrevistas com sugestões sobre como combater tantos escândalos. Prova de que não é preciso arrancar os cabelos diante de tantas calamidades, mas para enfrentá-las será preciso muita perseverança e profundas mudanças. Quem quiser, ainda pode conferir uma série de souvenirs da loja de lembranças (4). Eles vão de camisetas com a logomarca do Museu – curiosamente cortado, como se estivesse ele também corrompido –, banquinho para guardar o mensalão recebido dos pais, camisas de colarinho branco, última moda na alta costura, e, como não poderia faltar, cuecas para levar dólares. Se estiver com fome, dê um pulinho na Pizzaria Zia Ângela (5) e, no clima da célebre dança da ex-Deputada Federal Ângela Gadagnin, comemorando a absolvição de um colega envolvido nas denúncias do mensalão, aproveite para clicar no vasto cardápio da casa, que conta com variedades como a pizza Celso Daniel, a dos Cartões Corporativos e a da Crise Aérea. Gostosas a ponto de fazer qualquer turista aproveitar – afinal, a ordem é “relaxar e gozar”. Certo?

JUSTIÇA

Desembargadores pedem apoio à emenda dos 75 anos Entidade quer a elevação da idade limite para a aposentadoria compulsória no serviço público. Uma ação em defesa da qualidade do serviço público e também de proteção à saúde da Previdência Social. Assim pode ser vista a Proposta de Emenda à Constituição 457/2005, que propõe a elevação da idade limite para aposentadoria compulsória no serviço público de 70 para 75 anos de idade. A Associação Nacional de Desembargadores-Andes pediu o apoio da ABI ao Projeto, através do envio de mensagens a parlamentares e aos líderes de partidos no Congresso. O pedido foi formalizado no dia 17 de maio pelo Presidente da Andes, Desembargador aposentado Luiz Eduardo Rabello, durante encontro que ele, o Diretor de Relações Institucionais da entidade, Desembargador Amaral e Silva, e o Presidente do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, Conselheiro Thiers Montebello, também sócio da Andes, mantiveram com o Presidente da ABI, Maurício Azêdo. O documento da Andes afirma que o retardamento da aprovação da emenda acarreta perdas não só para o Judiciário, mas também para outros segmentos importantes do serviço público em geral, incluindo as universidades, centros de pesquisa e o corpo diplomático. “As instituições perdem profissionais com notável conhecimento, grande experiência, serenidade e preparação técnicocientífica acumulada durante longos anos de trabalho, sem que lhes seja dada a opção de continuarem ativos, prestando os seus serviços, caso assim queiram”, afirma o Presidente da Andes, Desembargador Luiz Eduardo Rabello, que expõe outros argumentos em defesa do projeto. “O Brasil já tem um aumento da expectativa de vida que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, beira os 81 anos. Outro ponto está ligado à Previdência Social. É que os profissionais, por terem maior expectativa de vida, ficarão mais tempo recebendo a aposentadoria. A Emenda Constitucional daria folga de cinco anos à Previdência Social”, prevê. A apreciação da Pec 457/05, de autoria do Senador Renan Calheiros (PMDBAL), pela Câmara dos Deputados estava prevista para ocorrer no final de maio. Contudo, uma forte mobilização de entidades representativas da magistratura conseguiu retirar o texto da pauta de votação. São contra a proposição entidades como a Associação dos Magistrados Brasileiros-AMB, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do TrabalhoAnamatra e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB. Apesar de ter tido a votação adiada, a Pec 457/ 05 está pronta para ir à pauta e, por isso, pode ser incluída na ordem do dia a qualquer momento. Jornal da ABI 341 Maio de 2009

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ubens Ewald Filho costuma ser tão polêmico com as palavras, que sua vida mais se parece um roteiro de filme. E dos bons, com

direito à aventura, suspense e drama. Apontado como um dos melhores críticos brasileiros, ele entende de cinema como poucos. Afirma já ter visto mais de 30 mil filmes e foi chamado pela revista Veja de “O Homem do Oscar”, por ter comentado mais de 20 vezes a transmissão da entrega do prêmio para as redes Globo, SBT e o canal pago TNT e por conhecer os bastidores e a política da Academia em profundidade. “Por aí está cheio de gente que faz crítica superficial e descompromissada. Quem faz bom jornalismo nessa área foge dos releases e busca informação”, diz, com o natural tom provocativo. Pioneiro nas críticas de filmes da televisão em jornais, na publicação de livros sobre cinema no País, na produção de guias e críticas de vídeos e dvds e em programas do gênero para a tv por assinatura e para a internet, ele é acima de tudo um empreendedor que não gosta apenas de falar, mas também de pôr a mão na massa. Por isso, além de criticar também dirige e produz. Isso, quando não trabalha em um ousado projeto: a criação de um pólo cinematográfico em Paulínia, no interior paulista. Para falar sobre tudo isso e contar os bastidores de suas duas grandes paixões, cinema e literatura, Rubens Ewald Filho recebeu o Jornal da ABI em seu apartamento em São Paulo para esta entrevista. ENTREVISTA A FRANCISCO UCHA*

JORNAL DA ABI – COMO FOI SUA INFÂNCIA E COMO SURGIU ESSA SUA PAIXÃO PELO CINEMA?

Rubens Ewald Filho – Venho de uma família razoavelmente abastada de Santos, litoral paulista. Lá, éramos fazendeiros e, entre outras coisas, cultivávamos banana. Porém, na década de 1970 houve muitas enchentes. Dois anos seguidos de muitos prejuízos foram suficientes para perder tudo o que tínhamos. Minha família era rica, mas eu não sabia, pois tudo era muito controlado em casa, eles eram bastante austeros. A ironia é que meus pais não aceitavam que eu trabalhasse com cinema e, de repente, foi esse trabalho que os sustentou durante muito tempo. Não que pensasse apenas em trabalhar com crítica. Cheguei até a fazer pós-graduação em Administração, com o objetivo de lidar com os negócios da família e não jogar dinheiro fora. Não sei se foi por causa da estrutura extremamente conservadora lá de casa, com minha avó controlando tudo e todos ao extremo, mas as minhas memórias de infância foram bloqueadas. Minha vida 32

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praticamente começa depois dos nove anos. Antes disso, algumas das poucas lembranças que tenho são justamente dos filmes a que assisti. Desde pequeno, sou uma pessoa solitária. Moro sozinho e sou meio obsessivo com trabalho. Acredito que a dedicação é a fórmula para se vencer. Isso vem desde cedo. Para minha geração, o cinema era uma válvula de escape, um sonho, uma droga. Não fumávamos maconha, mas tínhamos os filmes. Costumo brincar e digo que sou um pouco como no filme A Rosa Púrpura do Cairo, aquela personagem da Mia Farrow, que sai para realizar seus sonhos. Minha outra paixão é a literatura. Por isso, sou um pouco como aquele menino de História Sem Fim, que lendo, tinha coragem de enfrentar o mundo. A natação, que pratiquei até os 18 anos, deu-

me a disciplina. No universo de imaginação que construí na infância, o cinema tornou-se outra paixão, uma âncora para minha vida. JORNAL DA ABI – COMENTA-SE QUE VOCÊ JÁ TENHA ASSISTIDO A MAIS DE 20 MIL FILMES.

AFINAL, QUANTOS FILMES VOCÊ JÁ VIU?

Rubens Ewald Filho – Comecei a contar com onze anos. Nessa época, comprei um caderninho e comecei a fazer anotações sobre cada filme a que assistia. Colocava a data, o nome do filme, o cinema em que o vi, o nome dos atores e, eventualmente, também o do diretor. Não parei mais e, desde então, fui aprimorando esse trabalho e a escrever críticas. As primeiras que saíram eram meio bobinhas, de acordo com a cabeça que tinha naquele tempo. Mas guardo todos os caderninhos, por isso, sei a quantos filmes já assisti. Estou na casa dos 30 mil e pretendo fazer uma festa junto com o lançamento da nova edição do Guia de DVD. Por que fazer isso? Um dos críticos do mais importante jornal de Londres decidiu se aposentar quando completou 70 anos e declarou que chegava nesse momento satisfeito, afinal, já tinha assistido uns 16 mil filmes. Eu já vi quase o dobro! Tudo anotado, sem contar reprises. Em outro caderno, eu fazia a votação dos melhores de cada ano. Era o meu Oscar particular. Num terceiro caderno, comecei a fazer uma espécie de dicionário de cineastas, pois não havia nada igual ainda. JORNAL DA ABI – VOCÊ FALOU SOBRE LIALGUMA PUBLICA-

TERATURA NAQUELA FASE.

ÇÃO CONTRIBUIU NESSE SEU ENVOLVIMENTO COM O CINEMA?

Rubens Ewald Filho – Duas revistas alimentaram essa minha paixão, a Filmelândia e a Cinelândia, publicadas pela Rio Gráfica, da Globo [atual Editora Globo]. Ambas não têm nada equivalente hoje. A Cinelândia era a versão nacional de uma revista norte-americana chamada Modern Screen e trazia fofocas, matérias com dicas sobre como lidar com problemas cotidianos, assinadas por atores, reportagens sobre importantes nomes do cinema como John Ford e grandes diretores, colunas assinadas por Louella Parsons, Ida Hoppern e Sheilah Graham, as grandes fofoqueiras da época, A revista Cinelândia, que publicava reportagens com astros de Hollywood como Terry Moore (abaixo), foi uma das publicações que alimentou a paixão de Rubens Ewald pelo cinema.

reunidas numa única publicação. Apesar de muito material bem traduzido, não se limitava a isso. Tinha muita coisa produzida por aqui. Ela conseguia transmitir o fascínio, mas a que realmente fez a cabeça foi a Filmelândia, adaptação da Screen Stories. Ela pegava os filmes e, a partir do roteiro original, produzia um grande conto, uma verdadeira novela. Nada a ver com telenovelas. Ela trazia todos os filmes do mês, que eram uns oito, e fazia uma cotação de 1 a 5, sistema que até hoje eu uso. A única coisa que lamento é não ter visto todos aqueles filmes. Uns eram proibidos para menores de 18 anos, outros, para menores de 14, e eu não conseguia entrar. Escola e horários também me brecavam muitas vezes. Estou correndo atrás do “filme perdido” até hoje. Até pouco tempo, dificilmente eram lançados em dvd, mas já vi alguns dos anos 50 no site do Internet Movie DataBase-IMDb, nos Estados Unidos. A Filmelândia também me deu toda uma estrutura que usei quando fui escrever novela com o Silvio de Abreu. Ele me pedia certas cenas específicas, de discussão ou de brigas, e eu tinha várias estruturas já armadas na cabeça. Porém, com isso, também tornou-se muito comum para mim encontrar filmes editados e com trechos cortados e finais inteiros mudados, como aconteceu com O Passado Não Perdoa, do John Houston. JORNAL DA ABI – COMO ASSIM?

Rubens Ewald Filho – A revista trabalhava em cima do roteiro original e não da versão editada final. Há filmes incrivelmente danificados na edição final dos estúdios. De certa forma, tudo isso despertou em mim o autodidatismo, facilitado porque dominava bem o inglês e o francês. JORNAL DA ABI – COMO VOCÊ AVALIA AQUELE PERÍODO DO CINEMA, FINAL DOS ANOS

50 E ANOS 60?

Rubens Ewald Filho – Para mim, foi o melhor momento do cinema. A Itália tinha o melhor cinema, mas também surgia a Nouvelle Vague, na França, e nos Estados Unidos, Hollywood morria no começo da década para ressurgir no final dela. Eu tenho críticas do primeiro Spielberg, do primeiro Copolla, do primeiro Brian de Palma. É com essa qualidade que vou. Toda essa geração e mais os franceses. A geração que surgia ali e ainda hoje está por aí é também a minha. As coisas foram mudando. No cinema brasileiro, a mesma coisa. Eu via chanchada e passei para o Cinema Novo. Eu adorei o Gláuber Rocha. Até ele enlouquecer. Por que as pessoas não falaram que isso tinha acontecido? Isso costuma acontecer com muitos gênios. O poeta Rimbaud, por exemplo, termina como traficante de escravos. Depois dos 21 anos, não escreve mais nada. Bem, o final é perfeitamente coerente, mas as pessoas não entendem e não perdoam. JORNAL DA ABI – GOSTOU DE GLÁUBER DIRIGIU?

TUDO O QUE O

Rubens Ewald Filho – Adoro o Ter-


DEPOIMENTO

Rubens Ewald Filho O HOMEM QUE MAIS ENTENDE DE FILMES NO BRASIL

Um dos mais prestigiados críticos do País, Rubens fala sobre seus quarenta anos de carreira, jornalismo, bons e maus filmes. Ele tem dois amores: além do cinema, a literatura.

FRANCISCO UCHA

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ra em Transe, mas detesto o Idade da Terra, por exemplo. Nesse último, ele já estava pirado. Aliás, não gosto nem de Cabeças Cortadas. A verdade é que ele parou em Terra em Transe. A partir daí, personagens como Antônio das Mortes já se tornavam esquisitos, mas possíveis. Aí o Gláuber vai para a Europa e fica deslumbrado demais. JORNAL DA ABI – TÃO FASCINADO PELO CINEMA, COMO FOI PARAR NO JORNALISMO?

aulas mais tarde sobre História do cinema em uma faculdade, a São Luiz, em São Paulo. Além disso, conheci muita gente talentosa, como o Carlos Monforte, hoje na Globo. Fui eu quem o lançou na Tribuna de Santos. JORNAL DA ABI – E COMO FOI O COMEÇO DE SUA CARREIRA?

Rubens Ewald Filho – Além das amizades, uma experiência me impulsionou para o mundo do jornalismo. No último ano da faculdade, a Folha de S. Paulo resolveu lançar um novo jornal na cidade para concorrer com a Tribuna de Santos. Esse jornal, Cidade de Santos, seria o primeiro com sistema ofsete colorido do Brasil e, por isso, provocou muita ansiedade. Fizeram um teste com os estudantes e eu fui reprovado. Foi um golpe para um jovem de 21 anos que se achava o tal,

JORNAL DA ABI – ESCREVER CRÍTICAS DE FILMES TROUXE PROBLEMAS PARA VOCÊ?

JORNAL DA ABI – VOCÊ FOI TRABALHAR NA REDAÇÃO DO JORNAL?

Rubens Ewald Filho – Em 1967, o Bahia convidou-me para começar um departamento de pesquisas no jornal. Por causa do JB, que foi pioneiro nisso, era um sonho para qualquer jornalista trabalhar com esse tipo de coisa. Mas também escrevia algumas críticas, mais como um plus. Depois, passei a escrever com freqüência. Lá também conheci o Chico Santa Rita, criador do marketing político no Brasil, um cara altamente criativo. Ele diagramava e criou uma página inteira chamada de O Jornal da Praia. O trabalho serviu de passaporte para o Jornal da Tarde, novo veículo do maior do jornal do País na época, o Estadão. A revolução do JB já tinha terminado e estava começando agora a do JT. Quando ele saiu, eu, que era seu colaborador direto, assumi a seção. Fizemos naquela época coisas FRANCISCO UCHA

Rubens Ewald Filho – Santos até tinha um bom cineclube, mas mesmo assim muitos filmes não passavam lá. Então, eu ficava limitado. No último ano da escola, o meu científico, ainda não sabia o que fazer da vida. Decidi passar por um teste vocacional, algo que a maioria ainda não conhecia bem naquele tempo. E ele apontou as áreas em que tinha aptidão: diplomacia, direito, jornalismo e medicina. Estava certo, afinal, procuro ser sempre diplomático (risos). Para fazer o curso do Itamarati, não precisava ter cursado uma faculdade, mas a idade mínima era 21 anos. E eu estava com 17. Parti para as outras opções. Chegou um tempo em que estava cursando Direito, pela manhã, História e Geografia, à tarde, e Jornalismo, à noite. Apesar de ter me formado em Direito, ter carteirinha de advogado e até estar aposentado, pois paguei à Caixa dos Advogados a vida inteira, nunca gostei da área. Gostava de Jornalismo, até porque lá estavam meus amigos. Mas ainda naqueles tempos de faculdade fiz movimento estudantil e participei de um grupo de teatro da faculdade, ao lado de Ney Latorraca, Jandira Martini, Neide Veneziano e Carlos Roberto Sofredini. Eles e mais gente como Bete Mendes e Bruno Del Maia é que formavam a minha turma. Mesmo com tanta coisa, ainda dava aula nos momentos vagos.

Rubens Ewald começou a relacionar todos os filmes que via em cadernos escolares a partir dos onze anos. Hoje os mantém preservados desde os primeiros (acima alguns deles e abaixo, segurando o primeiro). Numa rápida folheada podese conferir clássicos como Vera Cruz, Vinhas da Ira, O Último Pôr de Sol, E Deus Criou a Mulher, La Violetera, O Homem do Oeste, O Filho Pródigo e muitos outros.

que ninguém tinha feito, inovando e experimentando.

mas necessário como experiência de vida. Por outro lado, depois de muito pensar, decidi que deveria mostrar meu valor e que era capaz de ser um bom jornalista. Eles tinham cometido uma injustiça e eu provaria isso. Devido a falhas na administração, o jornal não se transformou no sucesso esperado. Eu, porém, tive como professor na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, hoje Universidade Católica de Santos, o Juarez Bahia, um dos grandes jornalistas da História do País. Ele trabalhou no Jornal do Brasil, na Folha de S. Paulo, no Estadão e em outros importantes veículos, foi correspondente internacional, escreveu obras teóricas e referenciais no ensino do jornalismo. Lutou contra a ditadura e acabou sendo perseguido e preso. Ele tinha sido o homem de confiança do Prefeito de Santos, José Gomes, cassado posteriormente pelo regime militar. Quando passou a chefiar a Secretaria da Tribuna, ele iniciou uma reforma do jornal e me convidou a trabalhar lá.

Rubens Ewald Filho – O dono de uma grande distribuidora – a Paris Filmes – durante anos foi paranóico, chegando ao ponto de mandar investigar a minha vida. Eu não sabia de nada. Só fiquei sabendo no dia em que concluíram que eu era honesto e não tinha nada a esconder. Então vieram falar comigo. Puxa, por que não me perguntaram antes? Eu teria dito que era honesto para eles. O pior é que eu gostava de muitos desses exibidores, achava que eram empreendedores, estavam valorizando o cinema, trazendo coisas novas para o Brasil, inovando no marketing. Jamais discriminaria algum distribuidor boicotando filmes ou prejudicando deliberadamente em minhas críticas. Mas muitos não viam a crítica com simpatia. A gente não tinha noção de quem trouxe o filme, porque não nos envolvíamos nesse tipo de coisa. Na época de Santos, já comecei a ser perseguido pelo exibidor local. Evidentemente, por ser uma cidade pequena, quando falava que o filme era ruim, acabava com o filme. Depois, vim para São Paulo, trabalhar no Jornal da Tarde, e assumi a crítica de cinema. Certo momento, vou ao Festival de Brasília e lá falo mal do filme do Rogério Sganzerla, que me dá um tapa nas costas e outro na cara. Saímos rolando no chão. Quando estréia o filme em São Paulo, o jornal me prestigia e publica a mesma crítica. Nisso, eu estou num restaurante, de frente para o Chico Santa Rita, mas de costas para a porta. De repente, ele fala: “Você não sabe quem está entrando”. Só vi uma mão e depois todos nós rolando outra vez, desta feita, por cima das mesas: o Sganzerla, eu e o Santa Rita. As revistas não tinham site como hoje, nem sequer a fofoca e as celebridades não eram tão prestigiadas como agora, mas esse tipo de incidentes me tornou conhecido: virei o cara, o crítico que provoca briga. Mas sou o oposto, um diplomata. JORNAL DA ABI – E CONSEGUIRAM RESOLVER A PENDENGA?

Rubens Ewald Filho – Quando fui para a Globo, o Sganzerla me procurou e pediu para publicar uma matéria. Publiquei, editei e fiquei amigo dele. Hoje estou publicando o livro da Helena Inês, da coleção Aplauso. Também publiquei o roteiro de O Bandido da Luz Vermelha, uma obra-prima. O fato é que a vida é mesmo assim: cheia de idas e voltas. JORNAL DA ABI – FOI NO JORNAL DA TARDE QUE SURGIRAM AQUELAS PEQUENAS CRÍTICAS AOS FILMES EXIBIDOS NA TELEVISÃO?

JORNAL DA ABI – DE CINEMA, NATURALMENTE...

Rubens Ewald Filho – É. Uma das coisas que fiz no período em que estudei Jornalismo foi dar aula de cinema para os colegas que pediam. Mesmo sem receber nada. O curso foi muito elogiado e logo comecei a dar aula também nas melhores escolas da cidade. Não era remunerado, mas foi uma ótima experiência que, inclusive, me encorajou a dar 34

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Rubens Ewald Filho – Sim. A gente tinha criado uma coluna inédita chamada Filmes de Hoje na TV. O título quem deu foi o Maurício Kubrusly, que era uma espécie de editor de criação, mas o projeto é meu. Antes dessa coluna, não existia nada na imprensa. E a coluna criou, por tabela, a assessoria de imprensa. Essa coluna deve ter durado uns 33 anos, até 2002. É muito tempo na imprensa brasileira e influenciou todas as outras pu-


FOTOS: ACERVO PESSOAL

JORNAL DA ABI – MAS NEM PARA FAZER OS

blicações. Filmes na TV era página inteira de críticas e não meros releases. Até hoje, muita gente me diz que aprendeu a gostar de cinema por causa daquelas páginas. Naquela altura, no Jornal da Tarde, a gente trabalhava a noite inteira, porque o jornal era vespertino, saía ao meio-dia. Ás vezes, ficávamos procurando um título até as seis da manhã. Eu mesmo vivia em função do jornal.

GUIAS VOCÊ COSTUMA LER CRÍTICAS?

JORNAL DA ABI – MAS VOCÊ NÃO PERMANECEU POR MUITO TEMPO NESSA ROTINA DE REDAÇÃO...

Rubens Ewald Filho - Em 1972, o Murilo Felizberto, já falecido, que na época era o editor do Jornal da Tarde, resolve me mandar embora. Eu nunca soube direito as razões, mas ele me deixou como colaborador por causa da coluna. Aí passo a diversificar minhas atividades: dou aulas em Santos, na Faap, faço testes para a televisão, a Irene Ravache me leva para conhecer algumas pessoas, tenho contato com o pessoal da TV Cultura. Certo dia, a própria Cultura faz um teste para apresentador de um programa chamado Cinema de Estrelas. Eu participo e eles dizem que é para lançamento de filmes da Metro, como O Retrato de Dorian Gray. Disse na hora: “Legal, então vamos gravar”. “Ah mas você não precisa ir para sua casa para se preparar?”, perguntaram, surpresos. “Não”, completei, “sei de cor o assunto” (risos). A Lídia Lícia, diretora da emissora e hoje uma grande amiga, estranhou. Mas resolveu apostar. Hoje, ela também escreve para a coleção Aplauso. Mas daquele momento em diante entro para o mundo da televisão: fazendo testes. Não sei como consegui, pois era extremamente tímido. Aliás, sou até hoje. Se eu puder evitar de ir a algum lugar, evito. Você não me vê em coquetel, lançamento etc.

Amigos desde os tempos de faculdade, Rubens Ewald conheceu Carlos Monforte quando dava aulas de cinema, e logo o levou para a Tribuna de Santos.

JORNAL DA ABI – VOCÊ FOI O PRIMEIRO CRÍTICO A ESCREVER SOBRE VÍDEO, NÃO?

Como não poderia deixar de ser, Rubens Ewald conheceu muitos diretores de cinema importantes, como os premiados Sidney Pollack, de Entre Dois Amores - Out of Africa (acima) e Anselmo Duarte, ganhador da Palma de Ouro em Cannes por O Pagador de Promessa.

JORNAL DA ABI – PARECE CONTRADITÓRIO ESSA TIMIDEZ EM ALGUÉM COM SUA EXPOSIÇÃO.

Rubens Ewald Filho - Eu me fecho em tudo, porém faço questão de ser muito atencioso com os fãs, com a pessoa que está me prestigiando. Eu levanto, cumprimento e me torno fácil, fácil, amigo da pessoa. Mas aparecer por aparecer, já é outra história. Eu acabei de ter um convite para fazer uma peça de teatro, mas uma coisa que não quero ser é ator. Mesmo que seja um papel importante. No fundo, criamos uma persona, técnicas de apresentação. É obvio que eu sei, mas não quero porque não sinto dentro de mim essa necessidade. Certo tempo, eu tinha ainda um pouco do sonho de fazer cinema, e esse sonho quem me ajudou a realizar foi o Rubem Biáfora, o crítico mais importante do Estado na época. Fiz uma crítica acabando com o filme dele, mas ele não deu bola e acabamos nos aproximando. Nossa relação sempre foi muito conturbada, mas aprendi muito também. É engraçado que eu não era discípulo, mas amigo mesmo. JORNAL DA ABI – O BIÁFORA NÃO ACABOU INFLUENCIANDO SEU MODO DE FAZER CRÍTICA?

Rubens Ewald Filho - Ele tinha algumas coisas muito certas, legais e tinha outras muito ruins. Propositalmente, eu

Rubens Ewald Filho - Leio críticas no IMDb, quando faço guias de dvd, mas para ver informações. Primeiro, eu não gosto de saber das histórias antes de ver qualquer filme, eu quero que o filme me surpreenda. Aí eu vou me informar, saber como, quando foi feito, por quem, essas coisas, depois de ter visto. Quando digo que não leio, obviamente não estou querendo dizer que em hipótese alguma. Teria que viver numa gruta para não saber o que está acontecendo. Então, acabo sabendo algo por meio das notícias que aparecem. Isso acontece muito com textos do pessoal lá de fora. Particularmente, gosto do Roger Ebbert, acho que é um cara que escreve bem, sensato, inteligente, culto, muito além do padrão. E gosto também do Leonard Maltin, que tem muito a ver comigo dentro do trabalho de pesquisa, conhecimento.

Rubens Ewald Filho – Sim, fui a primeira pessoa a escrever sobre vídeo. A cada semana, ia numa locadora e fazia de graça, noticiando o que tinha, no começo do mercado de vídeo. Até por isso eles ficaram meus amigos depois. Por fim, fui o primeiro a produzir guias e críticas de dvd, que estão na moda hoje. Fui também o primeiro crítico na tv por assinatura. O Paulo Autran foi o primeiro a aparecer, inaugurando o canal, mas o primeiro programa foi meu, o Showtime, de 1990 para 91. Trabalhei 12 anos na Globo, fiz novelas lá e no SBT. Quando precisaram de alguém para comentar o Oscar, chamaram-me. Comento isso no livro O Oscar e Eu. Todo ano vinha um repórter aqui e fazia a festa do Oscar em casa, e durante os três ou quatro anos eu acertava tudo. Então, passamos a fazer a transmissão. Deu tão certo, que passo a fazer jornalismo cotidiano também. Estou falando de 1979 e de toda década de 80. Saio quando entra o Fernando Collor de Melo na Presidência. JORNAL DA ABI – COMO FOI ESSA NOVA TRANSIÇÃO?

Rubens Ewald Filho – Foi boa, até porque tive liberdade como ninguém. Se você parar para pensar na TV Globo, principalmente nos anos 80, ela não falava mal de nada. A única pessoa que falava mal de alguma coisa era eu. Eu podia falar mal do Stallone, do Schwarzenegger, de Sete Gatinhos. O Nélson Rodrigues quase morreu quando eu falei. Ou seja, eles me davam liberdade e queriam que fosse ponta-de-lança contra a censura, mostrar que a censura não se metia com o cinema. Hoje, a Globo se retraiu novamente. Ninguém critica nada. O Jabor, por exemplo, não é literário, nem somente de arte, fala de tudo. Fica difícil dar opinião assim.

não o lia, para não ser influenciado; afinal, éramos colegas e trabalhávamos paralelamente. Eu era influenciado, sim, por outros tipos de crítica, às vezes americanas, pelos livros que li e pela crítica americana intelectual, não o tipo de crítica de todos os dias. Mas para ser justo, o Moniz Viana, que morreu recentemente, acabou exercendo alguma influência sobre mim. Quando garoto, lia o Correio da Manhã e gostava muito do que ele escrevia. Não lia o Estado, nem o Biáfora. Só muito mais tarde passei a ler algumas coisas que ele escreveu. Naquele tempo, não fui, mas hoje sou influenciado por elas.

ca nenhuma, para dizer a verdade. Isso não quer dizer que eu não goste de alguns. Acho interessante o padrão do Estado e, em especial, adoro o Merten [Luiz Carlos Merten]. Posso discordar do que ele escreve, mas isso não tem importância nenhuma. Acho que o Estado faz uma grande cobertura de cinema. O Sérgio Augusto, do Rio, é uma pessoa maravilhosa também, uma cabeça ótima. Fora esses, lamento a situação da crítica. Vejo a crítica hoje como algo abominável, as pessoas estão ficando cada vez mais burras. JORNAL DA ABI - CADA VEZ MAIS INFLUENCIADAS PELO MARKETING, NÃO?

CENSURA NA DITADURA?

JORNAL DA ABI - VOCÊ LÊ ALGUM CRÍTICO DO BRASIL?

Rubens Ewald Filho – Sim. Lamento a situação, ainda mais porque fui um dos pioneiros na área.

Rubens Ewald Filho – Na época em que entrei no Jornal da Tarde, ele estava sendo duramente censurado. Eu participei de

Rubens Ewald Filho - Eu não leio críti-

JORNAL DA ABI – POR CAUSA DESSAS POSIÇÕES, VOCÊ TEVE ALGUM PROBLEMA COM A

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DEPOIMENTO RUBENS EWALD FILHO

muitas ações, desde o primeiro dia em que entrou o censor. Num desses protestos, uma a uma, as pessoas iam se levantando, iam embora e deixando-o sozinho na Redação. Mas ele não percebeu, porque nunca tinha entrado numa Redação (risos). Mesmo assim, nos achamos os grandes heróis contra a censura. Em meu trabalho, especificamente, nunca tive problemas. Era a área em que você podia falar, porque o censor não lia. Muitas vezes, a gente se permitia fazer algumas críticas sutis ao regime. JORNAL DA ABI – POR QUE VOCÊ DECIDIU 70?

FAZER CINEMA NOS ANOS

JORNAL DA ABI – O QUE VOCÊ PENSA SOXUXA CONTRA AMOR, ESTRANHO AMOR? BRE AS AÇÕES NA JUSTIÇA DA

Rubens Ewald Filho – Absurdas. Ela afirma que era inocente, que não sabia que a trama estava sendo produzida daquela maneira. Mas no making-of que fizemos, quase um documentário que também serviria como trailer, ela própria apresenta a produção em detalhes. Mas em qualquer lugar justiça é muito relativa, aqui no Brasil mais ainda. Então é um absurdo proibir, coisa de fascismo, absurdo. Assim como comprar os direitos e mandar recolher todas as cópias das locadoras e lojas do País. JORNAL DA ABI – E AS EXPERIÊNCIAS COM NOVELAS?

Rubens Ewald Filho - A Irene Ravache apresentou-me ao Sílvio Abreu dizendo que tínhamos muito em comum. Ele

as pirações da série norte-americana, porque isso já é coisa contemporânea. Se fizéssemos tais coisas naquele tempo, seríamos presos. A história tratava da queda de um avião e da sobrevivência das pessoas na selva. Só quando entrou um novo diretor, o Henrique Martins, fizemos Éramos Seis, que foi um grande sucesso. JORNAL DA ABI – POR QUE DECIDIU DESBRAVAR A ÁREA DE LIVROS?

Rubens Ewald Filho – Realmente, entrei numa área bastante complicada, já que na época em que comecei a escrever não havia muitos livros sobre cinema. Acabei me tornando uma referência, mas não tive esse objetivo. Apenas escrevi os livros que eu gostaria de ter para consultar. O primeiro a sair foi Filmes de Hoje na TV, em 1975. Em 1978, sai o Dicionário de Cineastas, que é um livro importante, tanto que agora vou lançar uma nova edição. Para fazê-lo, passei dois anos vasculhando o arquivo do Estado, procurando nos jornais, porque não havia informação nenhuma. O Biáfora me ajudou muito, com a memória dele, mas também não tinha anotações, era só pela memória. E o livro é dedicado a ele, e é o único livro brasileiro assim, não há outro. Eu acho que o fã de cinema gosta de ter um guia anual para ficar sabendo sobre os filmes, anotar, comparar cotações, discordar ou não das críticas. É para esse tipo de pessoa que eu faço hoje os guias de dvd. Dinheiro não dá. Ás vezes, preciso colocar do bolso, mas dá prestígio e supre um espaço vazio. JORNAL DA ABI – E QUANDO SURGIU A HISTÓRIA DE QUE VOCÊ

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JORNAL DA ABI – VOCÊ COSTUMA DIZER QUE O PÚBLICO ESTÁ PASSANDO POR UMA ENORME TRANSFORMAÇÃO E AS PUBLICAÇÕES HÁ MUITO TEMPO.

COMO ASSIM?

Rubens Ewald Filho - A primeira coisa é a crise do jornal, que hoje não tem dinheiro para pagar bem aos seus jornalistas. As novas tecnologias e a internet crescem, enquanto a circulação dos jornais diminui cada vez mais. Por outro lado, as pessoas não se deram conta de que o público da televisão aberta está envelhecendo. O jovem vê muito pouco tv aberta. Prefere séries de televisão e internet; fica no computador ou no laptop, ouvindo música, baixando arquivos, entrando em sites de relacionamento, assistindo a vídeos e achando novelas totalmente caretas. A ausência desse público provoca um círculo vicioso: as novelas ficam cada vez piores, perdem audiência, buscam fórmulas extravagantes. As emissoras ainda não perceberam que esse é um caminho sem volta. O novo público, que gosta de cinema, precisa ser educado para entender cinema. Há muita gente perdida, cheia de opiniões. Vou dar um exemplo: todo mundo sabe que o Mickey Rourke é um grande ator porque fez um papel recente em O Lutador. Todo mundo, inclusive críticos, o colocaram no topo dos favoritos ao Oscar. Fui o único a falar em uma matéria para o Uol que ele não ganharia o prêmio. E expliquei por quê. Experiência os outros até poderiam ter para dizer, mas não tinham a tranqüilidade de observar isso. Não adianta, é necessário conhecer a regra do jogo. Não entro no mérito se é justo ou injusto.

ASSISTIA A VÁRIOS FILMES AO MESMO TEMPO?

Rubens Ewald Filho – Era uma época áurea do mercado de vídeo e, de certa maneira, é verdadeira. Trabalhava em casa e formei uma pequena equipe que me ajudava composta por pessoas como o Roberto Rios, atualmente VicePresidente da HBO, o Maneco, que se tornou assessor de imprensa, e o Cléber Eduardo, que foi crítico da revista ÉpoApresentador do Oscar desde as primeiras transmissões para o JORNAL DA ABI – NESSE CASO ca, entre outros. Aí começou Brasil, Rubens Ewald atualmente faz esse trabalho para o canal TNT. A TIMIDEZ NÃO ATRAPALHOU... a lenda. Aqui, tínhamos duas Rubens Ewald Filho – Não. televisões, uma ao lado da precisou de alguém, chamou-me e escreDepois de fazer Amor, Estranho Amor, filoutra e eu assistia às duas. Naquele temvemos quatro roteiros, dois foram filmame de resultado muito bom até, algumas po trabalhávamos com cópias de serviço, dos. No segundo, os produtores fizeram pessoas chegaram a mim e me disseram: realmente muito ruins. Então, na da estantas concessões, que a obra virou uma “Eu vi você, você está legal no filme mas querda, eu via uma primeira vez, sempre pornochanchada. Por isso, o Silvio decio problema é que eu não consigo acrelegendado. Na outra, da direita, apenas diu rumar para as novelas. Ele já estava ditar em você. Sua cara está muito marrevia cópias, algumas vezes dubladas. filmando quando a Irene novamente me cada. É você, tentando fazer outra pesMas já aumentaram, dizendo que acomlevou para a TV Tupi. O Roberto Talma soa”. A revista Veja já tirou sarro de mim, panhava quatro ou mais filmes ao mesdisse que queria sangue novo e pediu porque estou com a mesma cara há trinta mo tempo. Quem me dera. Isso é perfeipara levarmos um projeto. A gente levou anos. De fato, esse é meu estilo. Torneitamente possível quando se pensa que um na semana seguinte, ele aprovou, me um crítico e sou reconhecido assim. hoje a pessoa trabalha, assiste à televisão, contratou e a novela nunca saiu porque Não quero mudar minha cara. Estou enescuta música, tudo ao mesmo tempo. a Tupi foi muito pressionada pelo Govervelhecendo com o meu público. Se fosClaro, vai se concentrar mais em alguma no. O nome da novela é O Acidente, uma se uma coisa que eu quisesse, faria na delas. Outros, com os recursos da tv diespécie de Lost em dois tempos, mas sem boa. Mas acho a profissão de ator misegital, assistem a mais de um programa ao 36

mesmo tempo. A atenção é seletiva e, com o tempo, você aprende a render. Busquei essa forma para acompanhar os filmes do começo ao fim e mais de uma vez.

ESPECIALIZADAS EM CINEMA CONTINUAM COMO

MARK HILL/TNT LATIN AMERICA

Rubens Ewald Filho – Na verdade, fiz um curta-metragem, que acabou perseguido e tentei fazer um longa, com a Marília Pêra, chamado O Cordão Umbilical, adaptação de uma peça do Mário Prata. Mas não deu muito certo, porque a pessoa encarregada de levantar dinheiro sumiu com tudo. Essas coisas que só acontecem no cinema. No fim, o Prata cedeu os direitos a outra pessoa e o filme nunca saiu. A partir daí, o Biáfora começou a me chamar para fazer filmes como ator. O último foi o do Khouri (Walter Hugo Khouri), Amor, Estranho Amor. Fiz para aprender o que é um set, para saber como dublar e como se faz um filme. Essa experiência também me ajudou no trabalho de roteirista. Continuo não querendo ser ator. Só atuo em circunstâncias especiais, como uma que surgiu recentemente. Participei do Manual Para Atropelar Cachorro, O Filme. Nele, faço uma única participação como eu mesmo, tirando sarro do Rubens Ewald Filho. Na Globo, já fiz A Vida Como Ela É, com o Luis Fernando Guimarães e o Pedro Cardoso. O Luis Fernando interpretava o ator brasileiro que concorria ao Oscar. Eu falava: “Não, ele não vai ganhar de jeito nenhum”. Cortava e ele aparecia recebendo o Oscar. Esse tipo de coisa é legal, o norte-americano faz muito e acho legal fazer também, para mostrar que você não se leva tão a sério.

rável; ele sofre, é rejeitado o tempo inteiro. Eu prefiro dirigir ator a ser ator.

JORNAL DA ABI – VOCÊ FICOU SURPRESO POR GLOBO DE OURO?

ELE TER GANHO O

Rubens Ewald Filho – Mas isso não quer dizer muita coisa também. Na verdade, eu preferia o Frank Langella, que para mim é ator, não é parecido, ele construiu um personagem ali. O Oscar preferiu Sean Penn, que é filho da indústria: o pai era perseguido, diretor; o irmão morreu; ele estava defendendo os gays, que era uma forma de também limparem a barra da bobagem que a Academia fez em O Segredo de Brokeback Mountain. Ou seja, a Academia é o country clube de Beverly Hills, nada mais. JORNAL DA ABI – QUADRINHOS?

Rubens Ewald Filho - Eu acho que os quadrinhos são a grande moda, até para o cinema. Você vai à banca e não encontra nenhuma revista de cinema que vai bem. A Set está cambaleando, nunca teve um apogeu porque só sobrevive com a ajuda de alguém que gosta de cinema. A Revista de Cinema do Brasil também vive de força de vontade. Quadrinhos hoje são mais importantes para essa geração do que cinema. É assustador isso, é bom que se explique também, porque há quadrinhos e quadrinhos; quadrinhos que dão certo e os que não prestam.


FRANCISCO UCHA

JORNAL DA ABI – COMO ESTÁ O PROJETO DE SE CRIAR UM PÓLO DO CINEMA NACIONAL EM

PAULÍNIA, NO INTERIOR DE SÃO PAULO?

Além de se dedicar a produzir e dirigir peças de teatro, como HamletGasshô, adaptação da obra de Shakespeare, Rubens também está na internet com o seu programa Cinema Com Rubens Ewald Filho, em parceria com a Clic TV e o portal Uol.

DIVULGAÇÃO

Rubens Ewald Filho – Estou bastante animado com esse projeto e as coisas estão indo muito bem. Tudo começou há uns quatro anos, quando o Prefeito Edson Moura, de Paulínia, procurou-me para fazer lá um festival de cinema. Eu falei para ele que já havia muitos festivais de cinema. Mas a proposta que ele me apresentou era muito maior: transformar a cidade num pólo de cinema, que também seria turístico, um tipo de turismo cultural. A cidade tem um problema grave: vive só da indústria do petróleo, que é uma indústria com data de falecimento. Se morrer o petróleo morre a cidade, então eles queriam transformar a cidade atraindo para lá o audiovisual, a indústria do entretenimento, que no mundo inteiro é muito forte. A minha parte foi pôr os pés no chão. Na Europa e nos Estados Unidos, visitamos os estúdios para escolher o melhor modelo. Fomos a Cannes conhecer o festival e mostrar a ele como fazia. Em Curitiba, fomos ver como é organizado o festival de teatro, visitar o Guiarão. Hoje, Paulínia tem o melhor teatro do interior. A cidade tem dinheiro e isso é um diferencial. Mas só isso não basta. É preciso vontade de trabalhar aquilo culturalmente, e foi o que ele fez. Ficamos uns três anos lá, fizemos o Primeiro Festival de Paulínia, e houve eleição. Seu sucessor não quis me liberar e continuo lá como consultor do pólo e curador do festival. A cidade tem um estúdio e está construindo mais três, um bem grande e dois pequenos, para produção de televisão. Tem teatro funcionando, escola de cinema que é muito legal, vai ter um museu que será chamado Museu da Imaginação, coisa do futuro – o Marcelo Dantas fez, é sensacional. O pólo deve disponibilizar neste ano uns R$ 8 milhões para a produção, dois milhões para séries e programas de televisão, e seis para longasmetragens. A gente não interfere no conteúdo, mas exige que 25% do filme sejam feitos na cidade, e sejam contratados estagiários de lá, assim como outras despesas sejam realizadas lá também. Não interferimos no trabalho, apenas leio o roteiro e avalio os projetos.

creto, eu não me coloco muito. Acho que o único em que eu me coloquei foi o do Oscar, a pedido da editora, que queria dessa forma. Fiz o livro em tempo recorde; terminei de madrugada, vomitando e passando mal. JORNAL DA ABI – QUANDO VOCÊ ENTREVIS-

JORNAL DA ABI – O QUE ACHOU DE O MENINO DA PORTEIRA, FEITO POR LÁ?

Rubens Ewald Filho - Achei que seria um filme interessante comercialmente, até acompanhei parte das filmagens. Infelizmente, ficou insosso, sem graça e bobo. Mas outros já foram rodados lá, uns oito ou dez e há patrocínio para uns 30. Agora vamos fazer outro pacote. Não tenho números ainda, mas vamos começar as inscrições de projetos. JORNAL DA ABI – A REVISTA VEJA O CHAMOU DE “O HOMEM DO OSCAR”, POR CAUSA DAS TANTAS VEZES EM QUE PARTICIPOU DA APRESENTAÇÃO DO PRÊMIO E PELO SEU CONHECIMENTO.

COMO VOCÊ SE SENTE COM RELAÇÃO A ISSO?

Rubens Ewald Filho – A ligação é tanta que até escrevi um livro para falar sobre ela: O Oscar e Eu. Em todos os meus livros, sou extremamente objetivo e dis-

TA ALGUM ATOR DE QUEM GOSTA, COMO FAZ PARA EVITAR A TENTAÇÃO DA TIETAGEM?

UMA

DE SUAS ENTREVISTAS, COM O ED HARRIS, VOCÊ FEZ MUITOS ELOGIOS A ELE.

Rubens Ewald Filho – É muito difícil para o brasileiro entrevistar um ator estrangeiro. Primeiro porque o tempo é curto demais, até para aprofundar ou criar qualquer relacionamento. A única coisa que você pode falar é sobre o Brasil e se a pessoa tem alguma relação com o País. Você pode entrevistá-los durante dez anos e, mesmo assim, eles não o reconhecem. De alguma forma, se a pessoa estava realmente bem no papel você tem que encontrar alguma coisa boa para puxar assunto. Por acaso, sou fã do Ed Harris. E era um caso muito especial, em que ele herdou um papel que era do Dennis Hopper. Então era também uma forma de deixá-lo aberto pra responder

o que eu queria ouvir. Minha técnica de entrevista é fazer um bate-papo. Eu não venho preparado demais, eu dou uma olhada na carreira da pessoa, e tento ouvir tudo aquilo que ela tem a dizer. O que me incomoda mais em qualquer pessoa que me entrevista, particularmente em televisão, é isso. Se a pessoa preparou a entrevista antes, ela está com um papelzinho e ela não me ouve. Acho que quem cumpre tarefa burocrática dessa maneira deveria repensar porque escolheu essa área para trabalhar, pois é muito ruim ser exibido ou demonstrar que sabe mais que o entrevistado. E o Ed Harris é tradicionalmente uma pessoa fechada. Daquela maneira, deu samba e ficou maravilhoso. Outra vez, entrevistei o ator John Savage, que fez Hair. Enquanto conversamos, ele me diz que está morando num sítio, numa fazenda, e que costuma passear sozinho. Resolvi perguntar se ele era uma pessoa espiritual. Ele disse que sim, e acabamos conversando sobre Deus, o que era Deus para ele, como ele se sentia, sem dogmatismo. E virou uma entrevista maravilhosa. O homem é muito inteligente, mas entrei também na dele, com a pergunta e o assunto certos. Ele não agüentava falar mais de filme, de violência; queria falar um pouco sobre sua experiência. O jornalista seguinte veio me indagar o que tinha dito a ele, pois ele só falava de mim, dizendo que foi a melhor entrevista que já havia concedido. Apenas deixei-o falar. Não é todo dia que eu vou encontrar um ator falando sobre como encontrar Deus num rancho em Nevada. JORNAL DA ABI – O QUE É MAIS DIFÍCIL: FAZER UMA ENTREVISTA, UMA CRÍTICA OU INTERPRETAR?

Rubens Ewald Filho – Sabe que há muito em comum entre esses ofícios? Fazendo, você aprende a estrutura de cada uma e aprendendo uma ajuda a outra. Ao elaborar uma entrevista ou uma crítica, você deve saber conduzir o

que está fazendo, de forma a uma coisa levar a outra. É importante chegar até o hoje. Os anos em que fiquei fazendo entrevistas foram para mim como fazer outra pós-graduação de interpretação, não de técnica de entrevista. De como aprender o que é a arte de interpretar. Hoje, essa experiência me ajuda muito na hora de lidar com o ator, dirigir ator. De respeitá-lo, respeitar o tempo deles, o processo de criação, porque eu discuti isso com muita gente, de todos os lugares possíveis. Já conversei com cineastas do mundo inteiro sobre processo de criação. A mim não interessava a fofoca; então eu acho que também aprendi muito artisticamente. JORNAL DA ABI – TRABALHAR COM ATORES, DIRIGIR, ENTREVISTAR, ASSISTIR A UM FILME.

TUDO BEM. MAS COMO VOCÊ LIDA COM A CRÍTICA A SEU TRABALHO?

Rubens Ewald Filho – Ainda bem que existem as pré-estréias (risos). Mas, para ter mais isenção, costumo convidar pessoas, se possível não amigas, para dar opinião. E acredito no que elas dizem. Não quero que riam ou reajam para me agradar, quero que sejam autênticos e sem idéias pré-concebidas. O bom crítico é aquele que aponta saídas, funções. Eu sempre conto a história do Inácio Araújo. Dizem até que virou crítico por minha causa, mas o fato é que tinha virado montador de cinema, quando eu fiz meu primeiro curta. Foi ele quem percebeu e me alertou que a primeira parte não combinava com a segunda. Era verdade, eu não tinha percebido, mas não dava mais tempo de arrumar. No teatro, você concerta no dia seguinte; no cinema, não. Respeito o crítico que me dá a dica; por outro lado, o crítico que fala por falar me deixa enlouquecido. Não consigo ver isenção. Mas serve para mim também, porque quando você lê a crítica avalia o crítico também. A boa crítica aponta soluções, mostra onde a pessoa errou ou acertou, discute as soluções sejam formais ou de idéia mesmo. Jornal da ABI 341 Maio de 2009

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DEPOIMENTO RUBENS EWALD FILHO

FOTOS: ACERVO PESSOAL

JORNAL DA ABI – E COMO ANDAM AS CRÍ-

ta vai trabalhar numa assessoria, no Governo, arranja um galho não sei onde, e muitas vezes não consegue se dedicar ao seu trabalho no jornal. Penso que é esse tipo de coisa que desprestigia. Aquele jornalismo épico muitas vezes mostrado no cinema se perdeu. Não temos mais o jornalismo investigativo por aqui. A gente tem revistas semanais que se seguram mais ou menos, mas os jornais...

TICAS A SEU TRABALHO NO TEATRO?

Rubens Ewald Filho – Acho que estou até dando sorte com a crítica. Fui para o Festival de Teatro de Curitiba e estou com duas peças em cartaz: O Querido Mundo, há três anos, o que não é nada mal e também um sinal de que acertamos; e Lady Chatterley, que lançamos no festival. Ela teve uma crítica média, mas um dos críticos reclamou que não tiro a roupa das personagens e não mostro o sexo mais explícito. Desculpe, mas eu não estou ali para apresentar sacanagem; quer dizer, acho que o crítico nem tem consciência de que ficou excitado em ver a peça, que era exatamente o que queríamos. O fato de despertar a curiosidade, de querer mais da montagem era o nosso alvo. Isso não me aborreceu porque a pessoa soube avaliar uma série de outras coisas. Também serve como advertência aos críticos: é muito difícil fazer boas críticas em espaço curto e quase impossível fugir à superficialidade, pois você acaba falando muita bobagem. “Gostei” ou “não gostei” me dá sono e não é essa a questão. Frases pela metade, do tipo “é chato”, também não são boas para se avaliar uma obra de arte.

JORNAL DA ABI – QUAIS JORNAIS VOCÊ COSTUMA LER?

JORNAL DA ABI – COMO FOI SUA EXPERIHBO?

ÊNCIA COM A

Rubens Ewald Filho – Quando fui convidado para assumir o trabalho lá, estava no canal Showtime, na Abril. O Showtime foi um caso muito curioso e eu dizia na época que era o melhor canal de televisão por assinatura do mundo. Porque tinha todos os estúdios, tinha cinema francês, cinema nacional, absolutamente tudo. Tinha mais filmes bons do que horários para exibi-los. A HBO foi o autêntico herdeiro do Showtime. Praticamente o que havia de bom no Showtime foi levado para a HBO, quando fui para lá. Lá, fizemos uma revolução. Eu era diretor de tudo, de produção e de programação. Fizemos tudo, a chamada, o tipo de letra, o tipo de apresentador, a roupa, como era apresentado um filme. O canal Cinemax foi criado do zero. Aliás, a marca já veio dos Estados Unidos, mas só. Infelizmente, a HBO foi vítima, primeiro, da falência da TVA; ficou sem o sócio brasileiro. Segundo, da ganância da Venezuela: o pessoal de lá veio aqui e detonou o canal, queriam mandar, achando que eles eram melhores que a gente. Acabaram com o canal e fomos obrigados a fechar o canal e mandar embora um monte de gente. Foi a coisa mais difícil pela qual passei, criar um grupo, montar uma equipe, treiná-la e mandar embora sem razão. Eu fui o último, apaguei a luz e fechei a porta. JORNAL DA ABI – SE SOUBESSE DESSE FINAL, VOCÊ TERIA ACEITADO A MISSÃO?

Rubens Ewald Filho – Com toda certeza. Além da lição de vida, mesmo passados quase dez anos – tudo aconteceu em 2000 e 2001 –, as amizades e experiências permanecem para futuros desafios. Acho que é uma história que precisa ser contada, junto com a da tv por assinatura. JORNAL DA ABI – QUAL É SUA OPINIÃO SO-

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Jornal da ABI 341 Maio de 2009

Dois encontros internacionais: com o desenhista Maurício de Souza, que fazia uma viagem a Boston, e com a jornalista e produtora Paoula Abou-Jaoude, em Los Angeles.

Rubens Ewald Filho – Há muito não compro jornais brasileiros. Leio o The New York Times, dou uma passada no Uol e no Terra para ficar informado. Mas a internet também tem problemas. A democracia que oferece é sua maior qualidade e também seu maior defeito. Passe por lá e você verá que é tanto um fenômeno de crítica quanto é arrasado por elas. Um caso ilustra bem isso: a Tina Fey, atriz que ganhou o Globo de Ouro pela série 30 Rock e é a estrela do momento, deu uma entrevista quando ganhou o prêmio e disse: “Quem se acha uma grande estrela deve dar um pulinho na internet”. Se você está com problemas de ego, se achando maravilhosa, vai na internet e você vai encontrar sempre alguém acabando com você. Porque ninguém é ninguém, eu e o José da Silva temos o mesmo peso no Google. Só que o jornalismo tem embarcado por esse caminho de efemeridade e de falta de responsabilidade e compromisso com o que se escreve. JORNAL DA ABI – APESAR DE SEU NOME APARECER MAIS DE 220 MIL VEZES NO GOOGLE...

BRE O JORNALISMO PRATICADO HOJE NO BRASIL?

Rubens Ewald Filho – Eu sempre fui um pouco adepto da teoria de que o sapateiro deve falar do sapato que concerta. Por isso, prefiro falar do jornalismo do cinema. Quando eu comecei a fazer crítica de cinema, sabia-se que no JT quem fazia crítica de cinema é porque estava ganhando pouco na sua área, então ganhava um pouquinho mais como forma de compensar o salário. Ou seja, não havia a preocupação de pegar uma pessoa da área. Eu entrei meio por acaso, como copidesque. Passei a subeditor de Variedades e, por acaso, entendia de cinema. Então essa falta de preocupação de pegar especialistas da área era uma coisa que o jornalismo sempre teve, porque ele sempre achou que a cultura

não era uma coisa importante. E estou falando de um jornal com tradição e caderno específico sobre cultura. Para você ter uma idéia, o JT fez certa vez uma exposição e não havia qualquer menção nem ao Divirta-se, nem à revolução que fizemos na área. Não era um caderno só de reportagens, era um jornal meio revista e nosso trabalho mostrava o making-of, os bastidores. Era o prenúncio do que pode se encontrar nos extras dos dvds, hoje. Há quarenta anos, já apontávamos que o cinema seguiria por esse caminho e já mostrávamos esse negócio do culto às celebridades, coisa que abomino por causa dos excessos, mas nem o próprio veículo se deu conta. O jornalismo, hoje mais do que nunca, é uma passagem, porque o jornalis-

Rubens Ewald Filho – Pode ser, mas não para o pesquisador casual, ou seja, a maioria dos internautas. Esses dias, eu recebi um comentário pela internet: “Gosto muito de você. Sempre defendo você quando dizem que não entende nada de cinema” (risos). É a primeira vez que isso acontece. Graças à internet, que popularizou a crítica. Mas devemos ter cuidado, pois a selva é verdadeira. Muita gente quer “ser igual ao Rubens Ewald Filho”, porque o conhecem superficialmente. “É o cara que entrevista celebridades, vai ao Oscar...”. Mas não se preocupam em aprender, em conhecer. Se pego um filme e há uma atriz dos anos 40 e não a conheço, fico absolutamente transtornado enquanto não for investigar quem é, quando e como surgiu, o que aconteceu e por que não fez sucesso? E quero saber também por que eu não a conheço! Isso não acontece com ninguém. As pessoas não têm o menor interesse em descobrir nada. E a internet hoje é uma arma de pesquisa sensacional, tem coisas incríveis e as pessoas não usam e não sabem usar. Muitos jornais também sobrevivem praticando aquele jornalismo enciclopédico, mas sem o estofo de um Rui Castro ou um Marcelo Correia, que são pessoas que tiveram uma formação filosófica e fizeram muito mais do que publicar informação telegrafada. Mas eles são uma raça em extinção. Temo que o jornalista à moda antiga acabe e não encontre um substituto, nem mesmo na internet. *Colaborou Marcos Stefano


Livros FOTOS DIVULGAÇÃO

Numa coleção, o Brasil que tem memória Aplauso faz um registro histórico das artes cênicas brasileiras e leva ao grande público roteiros de filmes, peças de teatro e perfis de dramaturgos, atores, atrizes e diretores. POR MARCOS STEFANO

Aracy Balabanian, Gianfrancesco Guarnieri, Dina Sfat, Paulo Goulart, Eliane Caffé, Fernando Meirelles, Alcides Nogueira, Joana Fomm, Ewerton de Castro, Raul Cortez... O que todos eles têm em comum? Além de serem grandes nomes do cinema, do teatro e da televisão no Brasil, todos são protagonistas da Coleção Aplauso, publicada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Com 165 títulos já lançados, a coleção documenta a produção cultural brasileira ao falar da vida e da carreira de alguns dos mais notáveis personagens da cena artística, publicar roteiros e análises de obras cinematográficas e peças de teatro. Um registro histórico que mostra um país que tem, sim, memória – pelo menos nesses campos. Criada em 2004, Aplauso nada tem a ver com a atual febre da mídia de celebridades, que faz a festa dos curiosos, expondo publicamente a intimidade de famosos. Apesar de não trazer revelações bombásticas, a coleção abre arquivos de documentos e imagens, permitindo a pesquisadores, professores, estudantes e mesmo interessados nas artes cênicas conhecer o intrincado processo de criação do cinema e do teatro e facetas que caracterizam a formação e o ofício de artistas e diretores. Nada efêmero ou inversamente proporcional ao real talento dos personagens e de suas obras. O conteúdo publicado na Coleção depende de sua relevância para a cultura. Apesar de existirem outras iniciativas regionais em realização no País, principalmente em Curitiba, no Rio e em Porto Alegre, a coleção paulista é inovadora devido à sua abrangência. Como já acontece em diversos países, Aplauso procura trabalhar uma visão preservacionista de toda a memória cultural brasileira: – Não há restrição de tema, desde que voltado para recuperação ou pre-

servação dessa memória, especialmente no tocante às obras biográficas de autores, diretores e atores. Quanto às peças teatrais e aos roteiros cinematográficos, queremos começar a preencher uma lacuna editorial, já que estudantes, pesquisadores e interessados quase não têm material disponível em edições nacionais – explica Marcelo Pestana, Coordenador Operacional e de Pesquisa Iconográfica da Coleção. A série começou ainda em 2003, quando o Presidente da Imprensa Oficial, Hubert Alquéres, idealizador da Aplauso, convidou o crítico e comentarista Rubens Ewald Filho para dar forma e coordenar a Coleção. Mas havia dificuldades a serem vencidas: – Pensamos em produzir grandes biografias, mas para prepararmos uma boa biografia precisávamos de três anos de trabalho: dois de pesquisas e um para redação. E não sabíamos se haveria esse tempo, se o Governo seguinte daria continuidade ao projeto. Então, optamos por um caminho intermediário, que reunisse aspectos técnicos com histórias de vida elaboradas a partir do registro oral e que pudesse mapear a história cultural do Brasil. Para isso, montamos uma estrutura que pudesse funcionar paralelamente à Imprensa Oficial, de forma a garantir a continuidade do projeto caso houvesse mudança no comando. E privilegiamos áreas menos cobertas da produção cultural – conta Ewald Filho. Alternativas como a música popular e a arquitetura foram pesquisadas. Alguns títulos sobre dança e até ópera foram publicados, mas o foco ficou mesmo nas artes cênicas. Ainda assim, o leque é bastante amplo e novidades podem aparecer. A certeza é que devem seguir a linha adotada no restante da Coleção: ter preços acessíveis. A maior parte dos volumes, em formato pocket – de bolso –, tem preço de R$ 15 cada um. Alguns, em formato maior e com mais fotos, custam R$ 30.

Na série Perfil, grandes atores ganham destaque merecido em volumes repletos de fotos históricas: Raul Cortez (capa ao lado), Eva Wilma (acima, com Edney Giovenazzi em Um Bonde Chamado Desejo) e Dina Sfat (abaixo, com Ney Latorraca, no ensaio de A Mandrágora) são apenas três exemplos do que é possível encontrar na Coleção Aplauso.

– Esperamos com isso tornar acessíveis ao grande público depoimentos e testemunhos, análises e teses, biografias e significativos roteiros da nossa produção artística – afirma Pestana, que foi chamado junto com Carlos Cirne, responsável pelo Projeto Gráfico e Editoração, para operacionalizar o trabalho, dar assessoria a autores e biografados,

fazer a ligação com a Imprensa Oficial e coordenar o levantamento iconográfico para a montagem dos livros. Dos clássicos aos contemporâneos Costuma-se dizer que não se pode ter um bom filme sem um bom roteiro. Por isso, a Coleção Aplauso tem investido na publicação do roteiro de Jornal da ABI 341 Maio de 2009

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Livros TÍTULOS QUE MERECEM APLAUSOS

Audiovisual - Luiz Gonzaga Assis de Luca

SÉRIE CRÔNICAS Eis a relação completa dos livros da Coleção Aplauso:

SÉRIE CINEMA BRASIL Alain Fresnot, Um Cineasta sem Alma - Alain Fresnot Agostinho Martins Pereira, Um Idealista - Máximo Barro O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias - Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte, O Homem da Palma de Ouro - Luiz Carlos Merten Antonio Carlos da Fontoura, Espelho da Alma - Rodrigo Murat Ary Fernandes, Sua Fascinante História - Antônio Leão da Silva Neto O Bandido da Luz Vermelha - Roteiro de Rogério Sganzerla Batismo de Sangue - Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton Bens Confiscados - Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak, Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega - Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes - Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra, Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach, O Cinema Como Razão de Viver - Marcelo Lyra A Cartomante - Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas - Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves - Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely - Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias Chega de Saudade - Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens - Roteiro de Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero Críticas de B.J. Duarte, Paixão, Polêmica e Generosidade - Org. Luiz Antônio Souza Lima de Macedo Críticas de Edmar Pereira, Razão e Sensibilidade - Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira, Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun - Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão, Analisando Cinema: Críticas de LG - Org. Aurora Miranda Leão

Desmundo - Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista, Livre Pensador - Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro - Jeferson De Dois Córregos - Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História - Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos - Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias Estômago - Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Fernando Meirelles, Biografia Prematura - Maria do Rosário Caetano Fim da Linha - Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola, Cinema e Futebol no Brasil - Luiz Zanin Oricchio Geraldo Moraes, O Cineasta do Interior - Klecius Henrique Guilherme de Almeida Prado, Um Cineasta Cinéfilo - Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton, O Cinema Além das Montanhas - Pablo Villaça O Homem que Virou Suco - Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Ivan Cardoso, O Mestre do Terrir Remier João Batista de Andrade, Alguma Solidão e Muitas Histórias - Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky, O Homem com a Câmera - Carlos Alberto Mattos José Antonio Garcia, Em Busca da Alma Feminina - Marcel Nadale José Carlos Burle, Drama na Chanchada - Máximo Barro Liberdade de Imprensa, O Cinema de Intervenção - Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda, Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla, A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Mauro Alice, Um Operário do Filme Sheila Schvarzman Miguel Borges, Um Lobisomem Sai da Sombra - Antônio Leão da Silva Neto Não por Acaso - Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé - Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga - Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Orlando Senna, O Homem da Montanha - Hermes Leal Pedro Jorge de Castro, O Calor da Tela - Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo? - Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva, Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni, Um Realizador Persistente - Neusa Barbosa O Signo da Cidade - Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti, O Sonho Intacto Rosane Pavam Vladimir Carvalho, Pedras na Lua e Pelejas no Planalto - Carlos Alberto Mattos Viva-Voz - Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel - Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende

SÉRIE CINEMA Bastidores, Um Outro Lado do Cinema - Elaine Guerini Críticas de Ruben Biáfora, A Coragem de Ser - Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem - Roteiro de Cláudio Yosida e direção de Ricardo Elias

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SÉRIE CIÊNCIA & TECNOLOGIA Cinema Digital, Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca A Hora do Cinema Digital, Democratização e Globalização do

Crônicas de Maria Lúcia Dahl, O Quebra-cabeças - Maria Lúcia Dahl

SÉRIE DANÇA Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo, Dança Universal - Sérgio Rodrigo Reis

SÉRIE TEATRO BRASIL Alcides Nogueira, Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta, Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros, Um Palco Visceral - Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia, A Crítica Como Oficio - Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias, Duas Tábuas e Uma Paixão - Org. José Simões de Almeida Júnior João Bethencourt, O Locatário da Comédia - Rodrigo Murat Leilah Assumpção, A Consciência da Mulher - Eliana Pace Luís Alberto de Abreu, Até a Última Sílaba - Adélia Nicolete Maurice Vaneau, Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini, Cumprimenta e Pede Passagem - Rita Ribeiro Guimarães

Teatro Brasileiro de Comédia, Eu Vivi o TBC - Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira, Trilogia: Ópera Joyce; Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso; Pólvora e Poesia - Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral, Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora; Os Cantos de Maldoror; De Profundis; A Herança do Teatro - Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo, De Pernas para o Ar - Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista, O Fingidor, A Terra Prometida - Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda, Quatro Décadas em Cena - Ariane Porto

SÉRIE PERFIL Aracy Balabanian, Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Arllete Montenegro, Fé, Amor e Emoção - Alfredo Sternheim Ary Fontoura, Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes, O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria, Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati, Luz Natural - Carlos Alberto Mattos Cecil Thiré, Mestre de Seu Ofício Tania Carvalho Celso Nunes, Sem Amarras - Eliana Rocha

Cleyde Yaconis, Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso, Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio, Memórias da Lua Tuna Dwek Elisabeth Hartmann, A Sarah dos Pampas - Reinaldo Braga Emiliano Queiroz, Na Sobremesa da Vida - Maria Leticia Etty Fraser, Virada Pra Lua - Vilmar Ledesma Ewerton de Castro, Minha Vida na Arte: Memória e Poética - Reni Cardoso Geórgia Gomide, Uma Atriz Brasileira Eliana Pace Gianfrancesco Guarnieri, Um Grito Solto no Ar - Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli, Um Artesão do Cinema - Maria Angela de Jesus Ilka Soares, A Bela da Tela - Wagner de Assis Irene Ravache, Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania, Arte e Psicoterapia Germano Pereira Isabel Ribeiro, Iluminada - Luis Sergio Lima e Silva Joana Fomm, Momento de Decisão Vilmar Ledesma John Herbert, Um Gentleman no Palco e na Vida - Neusa Barbosa Jonas Bloch, O Ofício de uma Paixão Nilu Lebert José Dumont, Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar, Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral, Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Lolita Rodrigues, De Carne e Osso Eliana Castro Louise Cardoso, A Mulher do Barbosa - Vilmar Ledesma Marcos Caruso, Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral, A Emoção Libertária - Tuna Dwek Marisa Prado, A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Mauro Mendonça, Em Busca da Perfeição - Renato Sérgio Miriam Mehler, Sensibilidade e Paixão - Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart, Tudo em Família - Elaine Guerrini Nívea Maria, Uma Atriz Real - Mauro Alencar e Eliana Pace Niza de Castro Tank - Niza, Apesar das Outras - Sara Lopes Paulo Betti, Na Carreira de um Sonhador - Teté Ribeiro Paulo José, Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel, O Samba e o Fado - Tania Carvalho Regina Braga, Talento é um Aprendizado - Marta Góes Reginaldo Faria, O Solo de Um Inquieto - Wagner de Assis Renata Fronzi, Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi, Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte, Contestador por

Índole - Eliana Pace Rolando Boldrin, Palco Brasil - Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho, Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco, Um Internacional Ator Brasileiro - Nydia Licia Ruth de Souza, Estrela Negra - Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst, Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti, O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu, Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sônia Guedes, Chá das Cinco - Adélia Nicolete Sonia Maria Dorce, A Queridinha do meu Bairro - Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica, Uma Atriz Rodrigueana? - Maria Thereza Vargas Suely Franco, A Alegria de Representar - Alfredo Sternheim Tatiana Belinky, ... E Quem Quiser Que Conte Outra - Sérgio Roveri Tony Ramos, No Tempo da Delicadeza - Tania Carvalho Vera Holtz, O Gosto da Vera - Analu Ribeiro Vera Nunes, Raro Talento - Eliana Pace Walderez de Barros, Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta, Muito Prazer - Rodrigo Murat

ESPECIAL Agildo Ribeiro, O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall, Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara, Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca, Dicionário de Diretores - Alfredo Sternheim Dina Sfat, Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor, O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma, Arte e Vida - Edla van Steen Gloria in Excelsior - Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira - Álvaro Moya Lembranças de Hollywood, Dulce Damasceno de Britto - organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa, Seu Teatro, Sua Vida - Warde Marx Ney Latorraca, Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez, Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete - Aconteceu, Virou História - Elmo Francfort Sérgio Cardoso, Imagens de Sua Arte Nydia Licia Tônia Carrero, Movida Pela Paixão Tania Carvalho

TV Tupi, Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara, O Homem das Mil Faces - Tania Carvalho Walmor Chagas, Ensaio Aberto para um Homem Indignado - Djalma Limongi Batista


produzi-los foram chamafilmes brasileiros clássicos dos experientes jornalistas e contemporâneos, mas que, por meio de pesquisa e sempre com algum diferenentrevistas, apresentam ao cial. Pode ser o comentário público um texto narrado do diretor ou mesmo do em primeira pessoa, com autor. Ou então, a apresentom extremamente colotação das diversas versões quial e direito às lembranças pelas quais a obra passou da infância, dos momentos até chegar às telas. Dessa mais marcantes da vida do forma, a série Cinema Braartista e, de quebra, uma resil conta com o histórico flexão sobre aquilo que roteiro de O Caçador de Diacontece nos bastidores do amantes, de Vittorio Capemundo das artes. Entre oullaro, de 1933, considerado tros perfis estão os de Beto primeiro roteiro complety Faria, Carla Camurati, to escrito no País com a inCleyde Yaconis, Marcos Catenção de ser efetivamente ruso, Paulo Betti, Paulo José filmado. Mas também há e Maria Adelaide Amaral. obras mais recentes como O Na relação ainda há voluCaso dos Irmãos Naves, de mes especiais, em formato Luís Sérgio Person; Dois Córmaior e repleto de fotos, de regos, de Carlos ReichenbaAgildo Ribeiro, Beatriz Sech; Narradores de Javé, de gall, Carlos Zara, Eva Todor, Eliane Caffé; Como Fazer um Ney Latorraca, Sérgio CarFilme de Amor, de José Rodoso, Tônia Carreiro e Walberto Torero; O Homem que mor Chagas. Virou Suco, de João Batista A Coleção também não de Andrade; Quanto Vale ou fica restrita aos palcos, sets, É Por Quilo?, de Newton coxias e cenários. Atrás das Cannito, Eduardo Benaim e Sérgio Bianchi. Sérgio Cardoso como um corcunda em A Raposa e as Uvas. câmeras, discute e problematiza o mundo das artes. Na série Teatro Brasil, há É assim com o livro Bastidocríticas, peças e análises com – Tem gente que não topa fazer porres – Um Outro Lado do Cinema, que traz momentos históricos dos palcos nacique não quer aparecer, principalmenentrevistas feitas pela jornalista Elaionais como Teatro Brasileiro de Comédia te na série Perfil. Mas quando acaba ne Guerini e publicadas originalmen– Eu Vivi o TBC, de Nydia Licia; A Críticompreendendo qual é nossa proposte em jornais e revistas brasileiros; Cica como Ofício – Críticas de Clóvis Garta, participa e ainda ajuda a convencer nema da Boca do Lixo, um dicionário de cia, organizado por Carmelinda Guimaquem está mais reticente – comenta diretores do movimento, produzido rães; De Pernas para o Ar – O Teatro de Rubens Ewald Filho. por Alfredo Sternheim; Cinema DigiRevista em São Paulo, de Neyde Venezital – Um Novo Começo?, em que Luiz ano; Quatro Textos para um Teatro Veloz, Perfis, de quem topa Gonzaga Assis de Luca debate o futude Ivam Cabral. Apesar de alguns atoA maioria dos títulos da Coleção é ro e as técnicas da Sétima Arte. Não tão res, diretores e autores não aceitarem o da série Perfil. Não se trata do registro teóricas, mas bastante históricas são as convite para participar, a maioria revebiográfico das personalidades, mas da obras que fazem o registro da memólou plena simpatia pelo projeto e rapirevelação do artista e de seu ofício. Para ria da televisão nacional. damente toma parte:

O que aconteceu na tv Rede Manchete – Aconteceu, Virou História é fruto de mais de uma centena de entrevistas e muita pesquisa de Elmo Francfort, que conta a história da emissora, de 1983 a 1999, e mostra como sua programação unia o popular com o refinado, com novelas, musicais, Carnaval, documentários, grandes reportagens e programas de entrevistas. Com tom de paixão e aventura, a atriz, autora, apresentadora, produtora e diretora Vida Alves narra a trajetória da Tupi, a primeira emissora da América Latina, que ajudou a fundar em 1950. TV Tupi – Uma Linda História de Amor mostra como a emissora paulista definiu as bases da televisão brasileira, formou seus primeiros profissionais e definiu uma tipologia que existe até hoje. Pena que Gloria in Excelsior, de Álvaro Moya, que apresenta a ascensão, o apogeu e a queda da TV Excelsior, esteja esgotado e não exista previsão de reedição. A obra relata como tantas personalidades que promoveram o crescimento da Globo, na década de 1970, foram forjadas nos estúdios da Excelsior, que sucumbiu com o Grupo Simonsen, perseguido pelo regime militar. – São informações que corriam sério risco de se perder por falta de recursos, interesse comercial ou pela inexistência de uma política voltada para resgatar, valorizar e consolidar essa belíssima produção. Agora, aos poucos, o Governo de São Paulo coloca capa dura nos livros e os envia para todas as escolas públicas, promovendo o acesso à cultura. Gostaríamos até de publicar biografias mesmo, mas por enquanto não dá. Porém, esperamos logo criar e consolidar, quem sabe, um gênero no Brasil – acredita, otimista, Rubens Ewald Filho.

bate-papo, tanto especialistas no esporte bretão, como Armando Nogueira, autor do prefácio da obra, quanto gente que não possui qualquer intimidade com a bolinha, como a Professora Lívia Barbosa, do Departamento de Antropologia da Universidade Federal Fluminense-Uff, que escreve na orelha do livro: “Não precisa gostar de futebol para ler o livro. Eu não gosto e mesmo assim tive excelentes momentos ao atravessar suas páginas”. Passe de Letra – Futebol e Literatura, do ex-ponta-direita e hoje escritor, crítico literário e professor universitário Flávio Carneiro, é outra obra que se propõe uma tarefa nada simples e tenta responder à questão “Como duas paixões tão díspares como o futebol e a literatura podem se juntar?”. A resposta, assim como DaMatta, ele dá a la Nélson Rodrigues, traçando um consistente paralelo entre ambos. O livro, que tem apre-

sentação de Luiz Fernando Veríssimo, conta com fotos e ilustrações. Inicialmente publicadas no jornal literário Rascunho, de Curitiba, as crônicas de Carneiro têm um tom algo pessoal e memorialístico. Ele conta como alimentou desde criança o sonho de se tornar jogador de futebol, enquanto o desejo de se tornar escritor surgiu repentinamente, quase do nada. Com o perdão do trocadilho, quase num passe de mágica. Também dessa mesma maneira, ele fala sobre como Garrincha dominava a arte da simplicidade, tornando-se tão lírico quanto os poetas Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira; como Dadá Maravilha fazia graça com a bola, tal qual um comediante; e como Pelé se apresentava heróico e perseverante dentro das quatro linhas, digno de um personagem da epopéia de Homero. (José Reinaldo Marques)

Duas paixões em perfeita harmonia Obras doadas à Biblioteca da ABI fazem um autêntico gol de letra ao traçar paralelos entre a literatura e o futebol. Quando bem trabalhados, futebol e literatura podem se tornar dois lados de uma mesma moeda: a arte. E também motivo para uma enorme paixão, que começa nos campos e termina nas páginas dos livros. Isso fica muito claro quando se lê A Bola Corre Mais que os Homens (Rocco, 2006, 210 páginas) e Passe de Letra – Futebol e Literatura (Rocco, 2009, 168 páginas), as duas mais novas obras a integrar o acervo da Biblioteca Bastos Tigre. Com 13 crônicas e três ensaios, A Bola

Corre Mais que os Homens reúne textos publicados na imprensa, especialmente em O Estado de S. Paulo e no Jornal da Tarde, durante as Copas de 1994 e 1998, e ensaios produzidos para publicações acadêmicas, para falar sobre grandes craques, como Didi, o inventor da folha-seca, antropologia e ciências sociais. Ao misturar o popular com o erudito, o antropólogo e ensaísta Roberto DaMatta, com habilidade similar à dos grandes boleiros, consegue encantar, como se estivesse num

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EVOCAÇÃO Como sempre acontece em ambientes de trabalho, durante bom tempo o assunto foi motivo de brincadeiras. Era só o Mendez chegar à Redação, que alguém gritava: “Olha o Lampeão!”.

MÁRIO MENDEZ Artista do traço e leitor de almas Foi Herman Lima, o historiador da caricatura no Brasil, quem definiu assim esse cearense de Baturité, que, além de rigoroso na descrição física, fixava em seus desenhos a psique dos retratados. POR Z É ROBERTO GRAÚNA

do de Drumond, que avisou que Mendez não estava, já que ele gozava de merecidas férias. Contrariado e acreditando na lorota, o injuriado atleta foi embora e não mais voltou.

ARQUIVO ZÉ ROBERTO GRAÚNA

A movimentação na Redação do jornal A Noite era de total atividade. Ouvia-se o tec-tec-tec das máquinas de escrever, provocado pelos dedos dos jornalistas ansiosos por encerrar mais um dia de batente. Mas alguém entra de surpresa e brada: “Quem é o tal de Mendez? Quero um entendimento com ele!” Foi o suficiente para toda a zoeira típica que acontece nos jornais se transformar em silêncio. Impossível olhar para o autor da frase sem gelar. Na entrada da Redação, estava plantado, esperando uma resposta, um homem mal-encarado. Pilar Drumond, chefe da seção, logo identificou quem era a medonha figura. Tratava-se de Virgolino de Oliveira, também conhecido como Lampeão do Boxe, o pugilista que havia poucas horas estivera no ringue; seu rosto cheio de marcas, principalmente nos olhos e supercílio, não dei-

xava esconder que seu desempenho na última luta fora sofrível. Na edição anterior do jornal, uma caricatura anunciava o embate que marcou a face daquele atleta. Porém, a caricatura do Mendez feriu mais o pobre Virgolino do que seu oponente nas quatro cordas. O caricaturista usou e abusou do seu talento humorístico. Retratou o valente boxeador conforme o via. “Ele era feio como o diabo, e ainda por cima estrábico”, afirmava Mário Mendez. Para deixá-lo ainda mais selvagem uma argola foi encaixada em seu beiço. O desenho foi publicado ilustrando um texto cujo título dizia: “Olhando atravessado”. Para piorar, o redator de esportes registrou na matéria: “Lampeão visto pelo nosso companheiro Mendez, que o traçou com certa maldade... o rapaz não é tão feio como parece”. O gaiato do traço escapou de levar uns sopapos graças ao raciocínio rápi-

Um encontro de grandes mestres do desenho: Mendez, Lan e Nássara numa exposição em homenagem a outro genial caricaturista: Alvarus.

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Um contador de histórias Essa era uma das muitas histórias que o genial caricaturista cearense gostava de contar. Muitas delas nos foram narradas pessoalmente, nos anos em que freqüentávamos sua residência, no bairro de Fátima. Mendez adorava conversar. Ficava horas relembrando fatos engraçados que aconteceram com ele e com alguns de seus famosos colegas. As narrativas tinham sempre a participação de Dona Emília, sua amada esposa. Ela sempre lembrava algum detalhe das histórias quando a memória do marido o traía. Dedicada, Emília fazia questão de dizer que era ela que administrava a vida financeira do artista. “Se deixar, ele faz tudo de graça”, dizia. Mendez ouvia o comentário e morria de rir, mesmo sabendo que ela tinha razão. Quando o conheci, Mendez já contava 80 anos de caricatura e aventuras. O encontro foi marcado pelo telefone. Me lembro que descobri uma antiga lista de assinantes, dos tempos em que as pessoas não temiam deixar seus nomes e endereços registrados num catálogo, que havia pertencido ao meu avô. Não tive dificuldades em encontrá-lo naquelas páginas, já que nelas existia apenas um Mário de Oliveira Mendes. Liguei, falei com ele e marcamos para aquela mesma semana nosso primeiro encontro, que aconteceu em março de 1988. Não me recordo mais quantas vezes estive em seu apartamento. Foram muitas. Geralmente as visitas aconteciam aos sábados. Cada encontro era especial. Cada dia era como freqüentar uma aula de artes, ou como assistir a uma palestra sobre História, jornalismo e humor gráfico. A memória do casal era invejável. Mendez e Emília lembravam com detalhes alguns dos fatos mais interessantes e divertidos. Bastava um começar uma história que o outro terminava e arrematava numa seguinte, às vezes ainda mais divertida e curiosa. Encontro com J. Carlos Em 1988, Max Barbosa, caricaturista que iniciava sua carreira, era muito influenciado pela obra de José Carlos de Brito e Cunha, o caricaturista J. Carlos, que se consagrou graças ao seu traço clássico e extremamente belo. Para estudar melhor o estilo de seu artista predileto, Max estava em contato com os herdeiros do grande caricaturista e me sugeriu que fizéssemos uma visita à casa dos Brito e Cunha; sabendo da minha amizade com Mendez, recomendou que o levássemos também. Apesar da preocupação de Dona Emília e das muitas, e justas, recomendações exigidas, fomos com nosso ami-


REPRODUÇÃO

go para a Rua J. Carlos, no Jardim Botânico, o mesmo local onde anos antes, ao lado dos colegas Alvarus, Théo, Raul Pederneiras e K. Lixto, Mendez inaugurou a rua que, em homenagem ao caricaturista, ganhou o nome do criador da Melindrosa. O encontro foi um dos mais marcantes de que participei. É claro que registrei com algumas fotografias esse dia especial. A alegria do Mendez em rever os filhos de seu amigo e colega, além de poder recordar alguns fatos divertidos sobre ambos, era flagrante. Meu amigo aproveitou para lembrar como conheceu J. Carlos e nos contou que quando trabalhava para o jornal A Batalha costumava almoçar numa pensão cuja proprietária se chamava Laura e era amiga de Dona Emília, com quem Mendez já namorava na época. Num dia, enquanto almoçava, começou a rabiscar a caricatura de um sujeito que estava sentado próximo. O homem não percebeu, mas Dona Laura viu e comentou:

“O senhor é caricaturista... Tenho um freguês que é seu colega”. Achando que ela fosse falar sobre um amador que gostava de rabiscar, Mendez perguntou, com ares de quem já era profissional, quem seria o tal caricaturista. Ela respondeu: “Ah, é J. Carlos”. Ao ouvir o nome, Mendez corou de espanto. Ele não imaginava que freqüentava o mesmo local que o grande mestre, de quem guardava grande admiração desde os tempos de menino. Quando J. Carlos chegou, Dona Laura fez as apresentações e os dois passaram a conversar animadamente. Numa demonstração de humildade que Mendez nunca mais esqueceria, J. Carlos afirmou que já conhecia o trabalho do novo amigo, e que havia gostado especialmente de uma caricatura de um cômico espanhol que atendia pelo pseudônimo de Palitos. Uma turma de peso Mendez adorava conversar e recordar histórias como essas. Ganhou renome com as centenas de caricaturas que publicou em jornais e revistas, retratando cantores do rádio, escritores, estrelas de cinema e políticos. Suas caricaturas eram de qualidade indiscutível e mereceu comentários cheios de elogios do maior historiador da caricatura no Brasil, Herman Lima, que o definiu como um “leitor de almas”, que registrava não só os traços externos, como também os segredos mais íntimos da psique dos seus retratados. Quando jovem, Mendez morou em Santa Teresa, onde costumava receber muitos amigos e colegas para almoços comemorativos. As reuniões, que ficaram famosas, eram freqüentadas por jornalistas, artistas e intelectuais da estirpe de Grande Otelo, Dorival Caymmi, Alvarus, Carlos Thiré e os Pachecos, o desenhista e seu homônimo, o jornalista.

Na solene inauguração da rua em homenagem ao caricaturista J. Carlos, no Jardim Botânico, um encontro de grandes mestres do traço: Alvarus, Théo, Raul Pederneiras, K. Lixto e Mendez (ao centro), que homenageou, através de suas caricaturas, personalidades da cultura e do esporte, como o jogador Dida, do Flamengo (à direita); além de J. Carlos, do radialista Jorge Cúri e do historiador Herman Lima (abaixo, da esquerda para a direita), que o definiu com um “leitor de almas”. No pé da página o pintor Di Cavalcânti e o jogador Heleno de Freitas.

Numa das edições da revista Vamos Ler, em 1945, o jornalista Armando Pacheco escreveu um artigo sobre Mendez justamente num desses almoços. No texto afirmava Pacheco que o fato mais importante ocorrido em 25 de dezembro de 1907, em Baturité, no Ceará, foi o nascimento do seu filho mais ilustre, o caricaturista Mário Mendez. Pacheco chegou a parodiar o nascimento de Jesus dizendo que, assim como aconteceu com o Salvador, que foi admirado por três reis, Mendez foi também homenageado, mas pelos célebres nordestinos Padre Cícero, o cangaceiro Lampeão e Antônio Silvino. Estes trouxeram presentes, incenso e mirra, além de uma mamadeira cheia de água que passarinho não bebe.

Depois da brincadeira, Armando Pacheco contou sobre as idas e vindas do desenhista de humor pelas terras do Nordeste, até chegar ao Rio de Janeiro, em 1925. Sua estréia na imprensa carioca aconteceu quando da publicação de uma caricatura do maestro Francisco Braga na Revista Musical. A partir daí, conquistou seu espaço nas páginas dos principais jornais e revistas da cidade publicando caricaturas e ilustrações em veículos importantes como A Batalha, A Noite, Vamos Ler, A Manhã, Noite Ilustrada, Revista Carioca, Radiolândia, Revista do Rádio, Carioca, Jornal do Brasil, O Globo. Mendez faleceu no dia 21 de outubro de 1996, aos 88 anos, deixando viúva Dona Emília, com quem conviveu por 63 anos. Ele sobrevive na memória dos que o conheceram e admiraram e o festejam como um dos nossos maiores artistas do traço. Zé Roberto Graúna (José Roberto Lopes de Almeida) é cartunista e sócio da ABI.

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Vidas ROBERTO FAUSTINO/FOLHA IMAGEM

Boal

O REINVENTOR DO TEATRO POR MARCOS STEFANO

“Ele reinventou o teatro político e é uma figura internacional tão importante quanto Brecht ou Stanislawski”. As palavras do The Guardian, um dos mais importantes diários da Europa, dão idéia do que significou a morte do dramaturgo, diretor teatral e ensaísta Augusto Boal, ocorrida no dia 2 de maio. Um dos nomes mais importantes do teatro brasileiro, Boal foi a principal liderança do Teatro de Arena de São Paulo nos anos 1960 e, mais tarde, criou o Teatro do Oprimido, juntando a arte com a ação social. Conhecido em todo o mundo como protagonista de um teatro radical, ganhou fama por fazer experiências, sem medo de ousar e tentar ir mais fundo na tentativa de buscar transformação pela arte. “Todos os seres humanos são atores, porque atuam. E espectadores, porque observam. Somos todos espect-atores”, costumava dizer. Mas com isso não ficava apenas nas palavras. Boal era dos poucos homens de teatro que também escreviam sobre sua prática, formulando teorias a respeito de seu trabalho e tornando-se referência. Com expressiva obra escrita, traduzida em mais de 20 línguas, suas concepções são estudadas nas principais escolas de teatro do mundo. Livros como Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas trazem sistemas de exercícios, jogos e técnicas de teatro-imagem, utilizadas por atores e interessados. Utilizadas não apenas por quem vê no teatro um instrumento de luta política, mas também em áreas como educação, saúde mental e no sistema prisional. — Boal foi o mestre de todos nós, é o artista que universaliza o teatro brasileiro. O reconhecimento que nossa arte tem no exterior começa com ele. A qualidade, a profundidade, a humanidade de seu teatro possibilitam isso. Não por acaso seus livros são traduzidos em tantos idiomas. Para mim, ele era um amigo querido, mestre e imortal – diz o amigo e diretor teatral Aderbal Freire-Filho. A abrangência de seu trabalho é reconhecida não apenas no meio artístico. Para o Ministro da Saúde José Gomes Temporão, o dramaturgo deu exemplo ao aproximar o mundo das 44

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artes cênicas ao cuidado com pacientes mentais. A ação social do teatro de Boal foi destaque de nota oficial de Temporão: “Augusto Boal foi um símbolo, no mundo inteiro, do intelectual generoso que abre caminhos com a arte e a coragem para enfrentar a desigualdade que marcou, historicamente, a sociedade brasileira. Fez isso também na saúde pública, levando o Teatro do Oprimido aos Centros de Atenção Psicossocial. Tornou protagonistas do grande teatro da cena pública os pacientes mentais pobres, duplamente excluídos pelo estigma e pela pobreza.” A arte de um químico Augusto Pinto Boal nasceu no Rio de Janeiro em 16 de março de 1931. Filho de um padeiro português, desde a infância dirigia os irmãos nas peças familiares. Mesmo durante o tempo em que cursou Química na antiga Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro escrevia seus textos teatrais. Quando embarcou para Nova York, nos anos 50, para fazer seu PhD na Universidade de Columbia, também aproveitou para estudar direção e dramaturgia na School of Dramatics Arts, com John Gassner, e assistir a montagens do Actors Studio. A paixão pelas artes tomava forma e ganhava corpo. Quando volta ao Brasil, Boal está decidido a seguir um caminho diferente. Em 1956, aos 25 anos, é contratado para integrar o Teatro de Arena de São Paulo, dividindo as tarefas de direção com José Renato, o mentor artístico da companhia. Começa ali uma história de inovação que durará até 1970. Logo no início, Boal investe na formação dramatúrgica da equipe, criando um Curso Prático de Dramaturgia, e aprofunda o trabalho de interpretação, adaptando o método de Stanislawski às condições brasileiras e ao formato de teatro arena. Sua atuação é decisiva para que o grupo faça a opção ideológica pela esquerda e volte seu trabalho para as discussões e reivindicações nacionalistas, em voga na época. Sua estréia na direção de Ratos e Homens, de John Steinbeck, rendeu-lhe seu primeiro prêmio, o de Diretor Revelação de 1956, concedido pela Asso-

Um dos mais importantes nomes do teatro contemporâneo em todo o mundo, esse filho de um padeiro realizou trabalhos que o tornaram conhecido como o “Brecht dos palcos brasileiros”.


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A ABI É ENTIDADE QUE SEMPRE RESPEITEI

Logo em sua estréia no teatro, na peça Ratos e Homens, de John Steinbeck (à esquerda, com José Serber e Gianfrancesco Guarnieri), Boal ganhou o prêmio de Diretor Revelação da Associação Paulista de Críticos de Artes. Sua carreira marcante incluiu diversas peças de sucesso, como Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Viana Filho (abaixo, com Flávio Migliaccio e Francisco de Assis) e o espetáculo Opinião (à direita, com Zé Kéti), que teve grande repercussão em 1964, logo após o golpe militar. REPRODUÇÃO

Embaixador Mundial do Teatro No tempo de exílio, que dura até 1986, Augusto Boal fixou as bases teóricas de seu Teatro do Oprimido, transformando o espectador em elemento ativo do espetáculo e dando renovada liberdade aos atores. Um conceito novo, que preconizava a inserção das pessoas na sociedade e, apesar de sofrer pesados ataques de parte da mídia brasileira, que se espalhou pelo mundo. Hoje, conta com centros de difusão nos Estados Unidos, na França e nas cidades brasileiras do Rio, Santo André, SP, e Londrina, PR. O reconhecimento viria em 2008, quando

“Meu sogro completou 99 anos, exemplo que pretendo seguir à risca.” ciação Paulista de Críticos de Artes. Outras peças de sucesso se seguiriam sob sua direção, como Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Viana Filho; O Testamento do Cangaceiro, de Chico de Assis; A Mandrágora, de Maquiavel; e O Noviço, de Martins Pena. Em 1960, um texto de sua autoria, Revolução na América do Sul, dirigido por José Renato, torna-o um dos melhores dramaturgos do período. Durante esse tempo, Boal sugere a criação do Seminário de Dramaturgia. O objetivo é propor a criação de um teatro próprio, voltado para a realidade nacional. Além de compor o repertório da fase nacionalista do Arena, em tempos de Bossa Nova e Cinema Novo, também produções brasileiras em outras áreas, esse seminário seria decisivo para formar toda uma geração na dramaturgia do País. Mas o reconhecimento não vem apenas por causa do trabalho no Arena. Em parceria com o Teatro Oficina, Boal produziu alguns de seus principais trabalhos: A Engrenagem, de JeanPaul Sartre, que fez ao lado de José

Celso Martinez, e Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams. Em 1964, logo após o golpe militar, Boal vai ao Rio de Janeiro dirigir o show Opinião, com Zé Kéti, João do Vale e Nara Leão – substituída depois por Maria Betânia. A iniciativa de um grupo de autores ligado ao Centro Popular de Cultura, o CPC, da União Nacional dos Estudantes, seria o embrião do combativo Grupo Opinião. Até o AI-5, em 1968, Boal dirigiria outras bem-sucedidas adaptações de obras nacionais e clássicas para o Arena, além de produzir musicais e criar um dos principais núcleos de resistência da classe artística brasileira, em São Paulo. Em 1969 e 1970, chegou a passar muito tempo excursionando pelo exterior e apresentando parte desse trabalho. Porém, já em 1971, sua carreira é interrompida pela prisão e pela tortura, que o obrigam a se exilar, primeiro na Argentina, depois nos Estados Unidos, em Portugal e na França, onde passa a lecionar, na Universidade de Sorbonne, em Paris.

Embora fosse portador de leucemia, Boal se tratava e, sem suspeitar que estivesse no fim da v ida, continuava a trabalhar com a paixão com que se entregou ao teatro e à cultura desde moço. Ele tinha paixão de viver, para poder criar, como demonstrou na mensagem que dirigiu à ABI em 14 de fevereiro passado, menos de três meses antes do seu falecimento. Ao agradecer o convite da Casa para participar do ato de lançamento da Edição Especial do Centenário, Volume 2, do Jornal da ABI, ele mandou um e-mail em que expressava o seu desejo de viver. Disse então: “Caríssimo Maurício Azêdo, Justamente na quarta-feira pela manhã embarco para Buenos Aires para visitar meu sogro que completou 99 anos, exemplo que pretendo seguir à risca. Mesmo ausente, estarei torcendo por você e pelo Jornal da ABI. Um fraterno abraço do Augusto Boal.”

Declaração feita em mensagem à ABI em setembro de 2007 ao aceitar o convite para integrar a Comissão de Honra do Centenário da Casa. Ele se declarou honradíssimo com o convite. Foi esta a sua manifestação: “Caríssimo Maurício Azêdo, Eu me sinto honradíssimo em ser convidado para integrar essa Comissão de Honra do Centenário da ABI e aceito com alegria seu convite por duas razões principais: porque vem da ABI, entidade que sempre respeitei, e de você, pessoa que sempre admirei. Um grande abraço fraterno do (a) Augusto Boal.”

teve seu nome indicado para o Prêmio Nobel da Paz, pelo trabalho do Teatro do Oprimido; depois, em março deste ano, quando foi nomeado pela Unesco Embaixador Mundial do Teatro. Sua indicação para o Nobel recebeu o apoio da ABI, que se dirigiu ao Comitê do Prêmio Nobel da Paz pedindo que fosse ele o esolhido. – Boal pertence à primeira geração de brasileiros mestres da dramaturgia, mestres do teatro que sempre estimularam a existência de grupos teatrais, de grupos culturais acima de tudo. Foi bastante perseguido naquele momento da censura, da ditadura, teve que viver fora do País e usou isso em função de seu aprendizado cada vez mais intenso, mais completo. Quando retornou, retornou mais informado e formado culturalmente – disse a atriz Eva Wilma, em entrevista a O Globo. A atuação do dramaturgo na defesa da cidadania, nas transformações sociais e na formação de lideranças nas periferias das grandes cidades e nas zonas rurais não se resumiu apenas ao teatro e ao ensino. Seis anos depois de se estabelecer novamente no Brasil, Boal foi eleito vereador no Rio de Janeiro, pelo PT. E foi na cidade que morou até o fim da vida. Sua família informou que ele sofria de leucemia. No dia 28 de abril, foi internado no Hospital Samaritano, em Botafogo, Zona Sul do Rio, com infecção respiratória, que teria causado sua morte na madrugada de 2 de maio. Durante a cerimônia de cremação do corpo, no Cemitério do Caju, sua obra foi lembrada, desde a visão progressista que conferiu à cena cultural brasileira nos anos 50 e 60, passando pela resistência contra a censura e o lançamento de técnicas que aliaram arte e pedagogia. Justo para quem brilhou nos palcos da vida e da cultura. Ou, como disse certa vez o diretor da revista especializada The Drama Review, Richard Schechner: “Boal conseguiu fazer aquilo com que Brecht apenas sonhou e escreveu: um teatro alegre e instrutivo.” Jornal da ABI 341 Maio de 2009

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O escritor português, morto aos 88 anos, deixa importante obra, graças à sua intensa militância social, política e intelectual e ao vasto levantamento de depoimentos e documentos de militantes anarquistas e sindicalistas de Portugal e do Brasil. POR PAULO CHICO

TRATAMENTO SOBRE FOTO: UCHA

m anarquista. Um idealista sempre preocupado com os seus. Autor de mais de 60 livros publicados em diversos países, Edgar Rodrigues faleceu no dia 14 de maio, vítima de parada cárdio-respiratória. Mais antigo exilado político português no Brasil, o escritor, nascido António Francisco Correia, em Angeiras, em 1921, foi duramente perseguido durante o Estado Novo, regime político autoritário que vigorou em Portugal de 1933 a 1974. Exilou-se em 1951 no Brasil, onde aderiu aos setores anarco-sindicalistas. Além de sua militância nos meios anarquistas, Rodrigues colaborou com diversos setores oposicionistas portugueses exilados no País em apoio ao General Humberto Delgado, fundador da Frente Portuguesa de Libertação Nacional. No Brasil, foi sempre incansável no combate à ditadura militar que se instaurou em 1964. Nessa mesma década, criou a Editora Mundo Livre – nome que traduzia muito da tônica de sua obra, classificada como essencialmente libertária. Uma de suas últimas obras foi Lembranças Incompletas, de 2007, que aborda a trajetória de militância do escritor desde a adolescência, em Portugal, a partir de 1939, até à chegada à antiga colônia. Autor de centenas de artigos sobre a história e as idéias anarquistas, Edgar foi o maior e o mais importante difusor da cultura libertária desde o final dos anos 1960. Mesmo sob o peso da ditadura militar, publicou livros clássicos como Socialismo e Sindicalismo no Brasil, Nacionalismo e Cultura Social, Novos Rumos e Alvorada Operária. Em 1989, com o Brasil já de volta à democracia, produziu Anarquistas: Trabalhadores Italianos no Brasil. No Rio, onde desembarcou no começo dos anos 50, relacionou-se com os militantes anarquistas históricos, entre os quais José Oiticica e Edgard Leuenroth e passou a participar das atividades do movimento e a colaborar com a imprensa libertária. Em 1969, foi um dos presos durante a repressão militar contra os anarquistas do Centro de Estudos José Oiticica, também na capital fluminense. Rodrigues é autor de quatro volumes sobre o movimento operário e o anarquismo em Portugal. Seus trabalhos são um manancial de informação para pesquisadores da História Social do Brasil e de Portugal; pode-se afirmar que foi mesmo um precursor do estudo do movimento operário, em boa parte ainda incipiente e até mesmo desacreditado. Nas suas atividades de pesquisa percorreu o Brasil recolhendo depoimentos de militantes e seus descendentes, coletando documentos de operários e ativistas anarquistas e formando um acervo singular da História Social do Brasil


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PERFIL

Militância, herança de família Filho de um militante anarco-sindicalista português do Sindicato da Construção Civil filiado à CGT, Edgard Rodrigues participou desde jovem da luta contra a ditadura salazarista. Quando chegou ao Brasil, em 1951, trazia na pouca bagagem os originais de suas primeiras obras: Na Inquisição de Salazar e Fome em Portugal. No Rio, além de recomeçar a vida, tratou de publicar livros contra a ditadura portuguesa, os quais logo entraram no índex do regime autoritário, embora Edgar Rodrigues não tenha deixado de os fazer entrar clandestinamente no seu país de origem. Só voltou a visitar Portugal após a derrubada do fascismo, em 1974. No final de 2008 Edgar Rodrigues recebeu no Consulado-Geral de Portugal no Rio de Janeiro a Medalha da Associação 25 de Abril, alusiva à Revolução dos Cravos e às ações de combate desenvolvidas em prol da liberdade. O Embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa, que participou dessa homenagem no Palácio de São Clemente, residência do Consulado-Geral de Portugal, disse que a iniciativa teve um significado especial.

“O Brasil constituiu porto de refúgio para muitos portugueses, que aqui vieram encontrar a liberdade que a ditadura portuguesa lhes negava”, afirmou “Esta homenagem é também um gesto de respeito e gratidão ao acolhimento fraterno que o Brasil deu aos portugueses perseguidos e impedidos de expressarem as suas idéias políticas na sua terra natal”, disse Seixas da Costa na solenidade, na qual exaltou a trajetória do homenageado: “Edgar Rodrigues representa uma figura política e intelectual com percurso pessoal quase solitário, guardião de valores sociais que acalentou ao longo de toda a sua vida, durante a qual publicou uma imensa obra, editada em vários países”. O funeral de Rodrigues estava previsto para o dia 15 de maio. Contudo, conforme informou sua neta Renata Correia Espanol, foi encontrada certidão em cartório na qual ele pedia para ter o corpo cremado, o que ocorreu em cerimônia realizada no dia 16, no Rio. Edgar Rodrigues deixou esposa, dois filhos e netos, além de uma obra intelectual ímpar. E inestimável.

IDÉIAS

“O sindicalismo perdeu-se no corporativismo e na corrupção pelega Algumas opiniões expostas por Edgard Rodrigues em entrevista aopesquisador Jorge E. Silva, Assessor do Centro de Cultura e Cidadania de Florianópolis-Cecca.

OS SINDICATOS, HOJE “Os assalariados de hoje vivem ainda sujeitos à exploração ou à exclusão social como os operários e trabalhadores do passado. Também os movimentos sociais e o sindicalismo enfrentam muitos dos problemas do passado, por isso acredito que muitos dos métodos e da teoria do sindicalismo autônomo continuam sendo válidos. Esse sindicalismo, em que acredito, poderia ser a base da produção, da distribuição e da própria autogestão social. O suporte da nova sociedade. Agora o sindicalismo que aí está perdeu-se no corporativismo, politicagem e corrupção pelega. Mesmo o que se apresenta pintado de esquerda”.

MUDANÇAS: A CURTO PRAZO, NÃO “Já não tenho idade para ser ingênuo e pensar que vão acontecer a curto prazo

mudanças profundas nas sociedades que conheço. Os obstáculos a vencer são tais que certamente exigem, entre outras coisas, tempo, agravamento da crise e o renascimento de novos movimentos sociais mais capazes, mais preparados, mais cooperativos e mais fortes para enfrentar esse desafio de criar uma sociedade realmente humana”.

ANARQUISTA NÃO É MÁGICO “O anarquismo, como qualquer outra filosofia social, não se baseia em milagres. Não se propõe curar todas as enfermidades. Nem somos mágicos. Pelo contrário, o anarquista é um atleta, um corredor de fundo, que precisa ter fôlego para agüentar os desafios que enfrenta. Quem não for capaz disso, de resistir, não é certamente um libertário. Terá de pensar em ser comerciante ou conseguir um cargo político e se acomodar. Outra solução é criar uma igreja e conseguir muitos crentes, prometendo a vida melhor na eternidade. Dessa forma, consolam-se os tolos e fica rico o padre ou pastor!”

Dono de uma biblioteca preciosa, Edgar Rodrigues reuniu uma documentação igualmente preciosa de militantes do movimento social em Portugal e no Brasil, sobre o qual escreveu nada menos de 60 livros.

COMISSÃO DE HONRA

“Se meu nome for para atestar a luta-defesa da liberdade, aceito!” Sócio da Casa desde 27 de julho de 1978, Edgar Rodrigues era membro da Comissão de Honra do Centenário da ABI, distinção honorífica que aceitou através desta declaração: “Ilustre Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azêdo, Confirmo e agradeço sua carta-convite de 1 de outubro de 2007 para integrar a Comissão de Honra do Centenário da ABI, em abril de 2008. Foi uma surpresa e uma honra seu convite! Embora seja um lutador pela Li berdade Plena há mais de meio século, ainda assim sou ignorado, quase sempre... Fazia pouco mais de meia dúzida de anos que me havia refugiado no Rio de Juaneiro quando fui (a convite do anarquista e jornalista Edgard Leuenroth, em caráter particular) assistir ao 7º Congresso (7-14/9/ 1958) da Associação Brasileira de Imprensa, recebendo dois grossos volumes com 1.170 páginas , de teses e debates, que guardo em meu acervo. Logo em 1959, participei de outro Congresso em defesa da Liberdade Plena, numa chácara no Itaim, São Paulo, que teve a cobertura do jornalista e do fotógrafo da revista O Cruzeiro, Audálio Dantas e Neil Ferreira. Isto posto, em abril de 2008 terei completado 87 anos de idade, carregando bastante problemas de saúde. No entanto, se meu nome for para atestar a lutadefesa da Liberdade Plena, com meus dois mil artigos publicados em jornais e revistas de vários países e dos sessenta livros publicados em cinco países, sem necessidade de esforços físicos e intelectuais maiores, que não tenho como dispor deles, ACEITO!”

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