Brian de Palma: 24 Mentiras por Segundo

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Um falsário subversivo: Saudações, Olá, Mamãe! e a energia de 68    Victor Guimarães

- 036 garão um engajamento político sem precedentes (com a tentativa de criação de um Front Cultural Revolucionário) e uma densa produção teórica, que influenciou toda uma geração da crítica mundial. Embora os années rouges constituam, ainda hoje, uma referência incontornável para o pensamento sobre as relações entre o cinema e a política (basta pensar na importância das críticas à montagem como sutura ou à ideologia do visível no modo representacional dominante), é também necessário dizer que o investimento teórico foi, muitas vezes, desproporcional em relação à cinefilia e à análise dos filmes. Como escreve Emilie Bickerton, “à medida que o programa dos Cahiers se politiza, a cobertura do cinema se reduz a olhos vistos” (BICKERTON, 2012, p. 106)3. Foram muitas as lacunas cinéfilas, os cineastas francamente ignorados, os gestos políticos preteridos. Foram muitos “os erros, o dogmatismo, as cegueiras, os impasses da crença politista ou maoista” (COMOLLI & NARBONI, 2011, p. 373). O caso de Brian De Palma é particularmente eloquente. O primeiro texto sobre o cineasta a figurar nas páginas dos Cahiers é uma pequena “Note sur le cinéma de Brian De Palma”, escrita por Pascal Kané e publicada já em 1977, quase dez anos depois da entrada em cartaz de Murder à la Mod (1968)4. Kané analisa a figura da monstruosidade em Irmãs Diabólicas (1973), O Fantasma do Paraíso (1974), Trágica Obsessão (1976) e Carrie, a Estranha (1976), investiga as relações entre o tratamento desses personagens e a ideologia dominante na sociedade americana, mas não há a menor menção à feição política dos primeiros filmes. Em 1981, instigados por uma provocação de Jean Douchet numa festa de aniversário da revista (“será que nós gostamos o bastante dele?”), Daney e Bonitzer decidem conversar com o veterano crítico dos Cahiers amarelos, um dos maiores admiradores de De Palma. Na extraor3Tradução nossa. No original: “à mesure que le programme des Cahiers se politise, la couverture du cinéma réduit à vue d’oeil”. 4Embora o longa Festa de Casamento tenha sido realizado anos antes, ele só entraria em cartaz em 1969.


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