Brian de Palma: 24 Mentiras por Segundo

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apresentação  |  joão toledo

- 010 soube levar sua carreira mesmo quando completamente imerso em um contexto muitas vezes ingrato que, não raro, demonstrou grande competência em achatar a individualidade de cineastas ditos radicais. A ameaça de se tornar uma “vítima” do sistema, como Orson Welles, não fez com que ele cedesse à indústria, mas com que a driblasse com seu cinema desviante. Mestre do disfarce, usando desde os truques mais baratos aos mais sofisticados, De Palma é um cineasta particular, um debochado muitas vezes subestimado e incompreendido, e muitas vezes celebrado ironicamente pelas próteses que cria para desvirginar nosso olhar ingenuamente crédulo nas aparências. Ver seus filmes é como ver-se preso em um enorme labirinto kafkiano, onde um sem número de portas nos leva por caminhos falsos a becos (aparentemente) sem saída. Mas a diferença é que, ao invés da angústia típica de um espectador perdido e manipulado, feito joguete pelos artifícios tantos de cada filme, abrimos com prazer cada porta falsa, e exploramos com deleite cada cenário que nos envolve e nos arremessa para mais e mais falsas descobertas, falsas conclusões, falsas verdades. Brian é um apaixonado pelo cinema, e por seu potencial para criar imagens – e, ao longo de seus mais de quarenta anos de filmes, ele tem explorado, sempre que pode, e de todas as formas possíveis, esse potencial criador. Quando brinca de cinema, De Palma cria uma complexa rede de referências, dialogando com suas matrizes de maneira sempre ambígua. Se ele flerta com a forma grandiosa e operática do cinema, também flerta com a vulgaridade de sua falsidade, com a leviandade de seu sonho – e suas imagens se chocam nesse meio termo entre o brega, o caricato, o grotesco e o mágico, o sublime, o belo. Um dos mais ordinários e equivocados pensamentos sobre a obra de Brian De Palma é o de que tudo não passa de um formalismo vazio cujo interesse único é ostentar o domínio da técnica, de que seus enredos são meras desculpas para que ele realize os tais exercícios elaborados de câmera em brincadeiras de emular gêneros e imitar


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