Tribo Skate Edição 210

Page 60

chorão // 1971 - 2013

“Meu skate é Meu escudo e o Microfone, Minha espada!”

M

chamada What’s Up? para divulgar na revista, que por coincidência, era o nome da coluna da revista. O som era totalmente voltado para o hardcore de bandas do skate-rock e sua influência musical direta, como Suicidal Tendencies, TSOL, Agent Orange (veio a tocar depois com todas essas bandas que cresceu ouvindo), com uma pegada para o metal, mas com as letras cantadas em inglês. Nessas idas e vindas pra falar com a gente, o pai do Chorão queria que ele fosse sócio da revista, pra dar oportunidade ou ter uma ocupação na vida. Sorte dele que não rolou a sociedade, pois a primeira banda também não vingou, mas com certeza, trouxe experiência para o que viria em um futuro não muito distante, a chamada Charlie Brown Jr. Depois de tocar em diversos campeonatos de skate pelo Brasil e a banda começando a bombar, fez questão de colocar o skate também em evidência em inúmeras letras das músicas, inserindo tanto nos clips que produzia para a TV, quanto nos shows. O skate sempre foi o “sexto” integrante da banda e o sucesso não o fez perder o amor pelo carrinho. Pelo contrário, pois contratava skatistas para andar no palco durante as apresentações da banda e não eram poucos. E pra manter ainda mais forte a sua raiz e origem no skate colocou o amigo e skatista Thronn, como o “sétimo” integrante da banda durante mais de 5 anos. Era uma maneira de ter ao seu lado a “essência” do skate no dia a dia... A inquietação que tinha por natureza e uma capacidade de fazer negócios, fez com que lançasse modelo assinado de tênis de skate, investisse nas marcas Doce e Plata e chegou a realizar um evento profissional de street na Bahia, o Doce Skate Pro, com direito a hotel cinco estrelas e show da banda. Lembro como se fosse hoje, a frase que usou pra falar da iniciativa de construir o Chorão Skatepark: “Essa pista vai ser pra GENTE andar de skate!” E essa frase não era por egoísmo, mas sim, que seria uma pista “fácil”, com curvas e paredes doces e ele realmente fez uma pista para se divertir com os amigos! Mesmo com a pista fechada e sem movimento no caixa, bancou todos os custos desde sempre. A grande mídia fazia questão de veicular sua imagem a brigas e atritos, mas pra quem o conhecia, sabia do lado bom samaritano e amigo, preocupado com causas nobres em ajudar sem pensar às pessoas que tinham necessidade. As dificuldades do passado, o remetiam sempre a se posicionar do lado dos que necessitavam. Não era santo, mas se tinha algo que o tirava do sério - e era melhor não estar por perto pra ver o que poderia acontecer - era falar mal da banda e do skate. Talvez esses tenham sido sempre os maiores motivos de expor e deixar claro seu temperamento explosivo e personalidade forte. Não queria estar na pele de quem fazia essa afronta a ele e isso ele sempre deixou bem claro, tanto que uma das suas frases de efeito, sempre marcantes entre diversas, foi: “Meu skate é o escudo e o microfone, a minha espada”. Posso dizer com toda convicção, que entre essas e muitas outras histórias, Chorão fez muito mais pelo skate com verdadeiro prazer e amor, do que muitos que deveriam fazer até por obrigação e não fazem. Obrigação para o Chorão não era o caso, era paixão. O Brasil perdeu um dos melhores músicos que o país já teve, e um uma espécie de “último dos moicanos”, com sua autenticidade, sem hipocrisias e papas na língua, coisa rara no meio musical que beira o colapso pela falta de qualidade; mas perdeu também, um das pessoas mais apaixonadas pelo skate que já passaram por esse planeta e que sabia que era o que era pela influência total do skate. Descanse em paz, amigo, skatista e Ibiraboy nato! Sua história será sempre lembrada! marcelo mug

uito difícil falar de alguém que se foi e fazia parte da nossa história de maneira tão intensa e participante. Me sinto um pouco mais à vontade pra falar do Chorão não sobre sua a banda e sua bem sucedida carreira musical, mas sim, sobre a parte que era muito mais a alma e coração, remetendo a quando ele começou a andar de skate. E tudo começa exatamente aí, pois o skate tem essa particularidade de influenciar na personalidade das pessoas e dos praticantes de forma categórica. E pra uma criança que ele era nos anos 80, quando começou a andar de skate em uma época totalmente contracultural, odiado por muitos mas glamurizados por poucos, “entrou” em um universo totalmente discriminado pela sociedade. Alexandre Magno Abrão (nome de batismo antes do apelido que ganhou no skate), ainda com seus 15 anos de idade, pegou e absorveu essa fase punk do skate que envolvia música e atitude, entendeu sobre o localismo nos picos e de ter que brigar por aceitação e conquistar o seu território para andar. Filho direto dos remanescentes dos Ibiraboys, skatistas locais do Parque do Ibirapuera, que foi um dos últimos redutos do skate pós declínio do skate dos anos 70, foi aceito quando absorveu toda a postura de como era ser um skatista em uma galera de elite do skate naquele momento. Brigar pela causa e valorizar o local que se andava, era e sempre foi a palavra de ordem. Naquele período, não havia várias “portas” de entrada para se andar de skate. Pelo contrário, havia muito poucas e pra entrar, tinha que ter identidade, perseverança, personalidade e, acima de tudo, gostar de skate e andar de verdade. Não havia “coleguismo” para ajudar pregos. Enquanto alguns imploravam pra entrar e outros eram expulsos do parque, ele carimbou seu “passaporte” com esses requisitos, fazendo freesyle com personalidade, sua modalidade até então. E, como todo bom skatista em geral, tinha que ter um apelido, ter dado o apelido de Chorão não foi difícil. Bastava olhar pra cara dele, mas não lembrava que eu que o tinha “batizado”, até começar a divulgar nas entrevistas pra falar da banda e sobre a origem do apelido. Muitos anos depois perguntei se era isso mesmo e respondeu daquele jeito: “Você não lembra desse dia? Quem ‘bate’ nunca lembra...” Pra muitos que chegaram a duvidar se ele era skatista de fato, Chorão correu campeonatos do circuito brasileiro nos anos 80, foi patrocinado pela H-Prol, uma das maiores marcas de skate da época e, na revista Yeah, teve um pôster de página dupla fazendo freestyle. Quando se mudou para Santos, continuou um legítimo Ibiraboy. Uma história interessante, entre infinitas outras, foi quando o Thronn ganhou o primeiro campeonato brasileiro de street profissional em 1987, no famoso Campeonato Brasileiro de Guaratinguetá e fomos direto para Ubatuba comemorar essa vitória do nosso amigo Ibiraboy. Com meu carro, descemos a serra, eu, o Thronn, o Chorão e o Lance, outro Ibiraboy. Não existia celular na época; não havia internet para enviar e-mail e avisar à família. Quando voltamos pra São Paulo dias depois, a família do Lance e do Chorão já tinham colocado a polícia pra procurar a gente... Good times! Mas no final dos anos 80 e com o declínio do mercado brasileiro com o famoso Plano Collor, que colocou o skate em decadência novamente, Chorão se aventurou quase que sem querer para a música. Como uma obra do destino, cantou em um bar para substituir um vocalista de uma banda e agradou muito. Em 1992, quando já estávamos fazendo a revista Tribo Skate, Chorão subiu para São Paulo e trouxe uma fita demo no bolso da primeira banda que ele havia montado,

// Por Fabio bolota

Sentado na mesa da Tribo Skate, com o Bolota, por volta de 2003.

60 | TRIBO SKATE abril/2013

Reprodução da Tribo Skate 3, com a banda What’s Up?

No palco, vestindo a camiseta da revista.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.