Trabalho Colaborativo

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE CIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO

O TRABALHO COLABORATIVO NA CONSTRUÇÃO DO SABER MATEMÁTICO DOS ALUNOS

Patrícia Susana Pereira Isidoro

MESTRADO EM EDUCAÇÃO ESPECIALIDADE: DIDÁCTICA DA MATEMÁTICA

2008


DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO DA FACULDADE DE CIÊNCIAS UNIVERSIDADE DE LISBOA

O TRABALHO COLABORATIVO NA CONSTRUÇÃO DO SABER MATEMÁTICO DOS ALUNOS

Patrícia Susana Pereira Isidoro Licenciada em Ensino da Matemática Universidade de Lisboa

Dissertação Apresentada para Obtenção do Grau de Mestre em Educação Especialidade de Didáctica da Matemática

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor João Filipe Matos

2008


RESUMO

Este trabalho pretende contribuir para a compreensão das formas como um professor pode dinamizar actividades e promover interacções na comunidade da sala de aula, utilizando o trabalho colaborativo como principal metodologia de trabalho a desenvolver na construção do saber matemático, de forma a promover uma aprendizagem colaborativa. Neste sentido, o presente estudo descreve e analisa o modo de actuar dos alunos do 7º ano em sala de aula, em particular a colaboração e a interacções emergentes nesse contexto, pelo que assenta em quatro questões: (a) Como se caracteriza a colaboração em Matemática? (b) Como se relaciona colaboração com a aprendizagem? (c) Que papel tem a organização da actividade na sala de aula na promoção de interacções sociais que propiciam a colaboração na construção do saber matemático? e (d) Que estratégias se deve desenvolver para fomentar a colaboração em Matemática na sala de aula? Na investigação adoptei uma abordagem interpretativa, assente em técnicas de índole qualitativa na análise e recolha de dados não estruturados, ou seja, numa abordagem com características etnográficas. Nos instrumentos de recolha de dados destaca-se a observação participante, envolvendo a realização de um diário do investigador onde registei alguns dados relevantes da observação, bem como os registos áudio/vídeo para uma compreensão mais fidedigna da actividade dos alunos, da participação, da colaboração e interacções sociais emergentes em contexto de sala de aula. A análise de dados ilumina os contributos que o trabalho colaborativo pode ter na construção do saber matemático dos alunos, quando estes assumem um papel activo e participativo na aprendizagem, contribuindo com a sua experiência, saberes, capacidade e atitudes na promoção de um ambiente colaborativo e democrático. A colaboração entre os alunos evidenciou-se assim, através de um engajamento mútuo dos mesmos, num esforço coordenado na resolução de problemas, partilha de ideias, tomadas de decisões conjuntas, discussão matemática e negociação de significados, emergentes em interacções sociais, fomentando uma aprendizagem matemática significativa. Palavras-chave: Aprendizagem, Trabalho Colaborativo, Interacções Sociais, Colaboração, Saber Matemático.

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ABSTRACT

This study aims to contribute to the understanding of how the mathematics teacher can design activities and promote community interactions in the classroom, using a collaborative work approach as the main method for the construction of mathematical knowledge while promoting collaborative learning. Accordingly to this, the present report describes and analyses how students act in a 7th grade classroom, addressing especially the emerging collaboration and interaction in this context, for it relies on four questions: (a) How to characterize collaboration in the Mathematics classroom? (b) How to relate collaboration with learning? (c) What role has the organization of activity in the classroom in the promotion of social interactions, which provide collaboration in the construction of mathematical knowledge? and (d) What strategies should be developed to promote collaboration in Mathematics classroom? In this research I adopted an interpretive approach, based on the qualitative nature of analysis and unstructured data collection, i.e., an approach that takes ethnographic characteristics. Data collection strategies included participant observation, and the the writing of an research diary, where I noted some relevant observation data, as well as audio/video records for a more accurate understanding of student’s activity, and participation, emerging collaboration and social interactions in the context of the classroom. The analysis of data illuminates the contributions that collaborative work may have on the construction of students’ mathematical knowledge, when they assume an active and participatory role in learning, contributing with their experience, knowledge, skills and attitudes in promoting a collaborative and democratic environment. The collaboration between students showed up well through a mutual engagement in a coordinated effort to solve problems, sharing ideas, joint decision-making, math discussion and negotiation of meanings, emerging in social interactions and promoting a significant mathematical learning. Keywords: Learning, Collaborative work, Social Interactions, Collaboration, Mathematical knowledge

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe por sempre me apoiar incondicionalmente nas decisões que tive que tomar ao longo da minha vida, pelo seu carinho, amor, dedicação e por, neste ano me possibilitar o quotidiano que permitiu dedicar-me à investigação. Ao Professor Doutor João Filipe Matos pela orientação deste trabalho, disponibilidade e estímulo, factores importantes para a sua conclusão. Agradeço ainda de uma forma especial a sua disponibilidade e compreensão. Aos meus professores de Mestrado com os quais aprendi imenso também o meu muito obrigada. Aos meus colegas do ano curricular do Mestrado, pelos momentos inesquecíveis de trabalho, de partilha de experiências e de convívio. À minha colega de mestrado e amiga Teresa Silva, que desde o início sempre me acompanhou, atenta e confiante, apoiando-me nos momentos mais difíceis. Ao Ricardo Machado por, num dos momentos de maior desmotivação, ter tido uma palavra amiga, de apoio e incentivo, reforçando a minha vontade de continuar a dedicar-me a este estudo. Às minhas colegas de grupo, Cláudia Ventura, Margarida Nabais e Maria João Simões, pelo companheirismo e pelos momentos de convívio inesquecíveis, onde predominaram a alegria e a boa disposição. Aos órgãos de gestão da escola, onde me encontro como professora contratada desde o ano lectivo 2006/2007 e onde foi realizada a investigação, pela confiança e disponibilidade para colaborarem na realização da investigação e pela autorização da recolha de dados. Aos alunos que participaram neste estudo pelo empenho e gosto que manifestaram na aprendizagem da matemática, o que proporcionou a existência de um ambiente de trabalho agradável, colaborativo e empático. Aos meus alunos o meu muito obrigada por um ano lectivo de trabalho tão prazeiroso. Aos amigos mais próximos e a familiares, pela força e apoio que me deram, com uma palavra amiga, de conforto, de coragem e incentivo nos momentos mais precisos.

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ÍNDICE

Resumo

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Abstract

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Agradecimentos

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Índice

vii

Índice de Figuras

xi

Índice de Quadros

xiii

1

Capítulo I – Introdução I.1. Contextualização do Estudo

1

I.2. Problema e Questões de Estudo

2

I.3. Organização da Dissertação

4

7

Capítulo II – Revisão de Literatura II.1. Aprendizagem – Uma Introdução

7

II.2. Aprendizagem na Abordagem de Vygotsky

10

II.2.1. A Relação entre Desenvolvimento e Aprendizagem

12

II.2.2. A Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP)

13

II.2.3. A Mediação Sociocultural

18

II.2.4. A Aprendizagem Matemática na Abordagem de Vygotsky

21

II.2.5. A Concluir…

24

II.3. A Aprendizagem Situada

25

II.3.1. Participação Legítima Periférica

30

II.3.2. Comunidade de Prática

35

II.3.2.1. Características de uma Comunidade de Prática

39

II.3.2.2. Aprendizagem, Participação e Identidade

45

II.3.2.3. Modos de Pertença

47

II.3.3. A Concluir…

50

vii


II.4. Aprendizagem Colaborativa

51

II.4.1. Como se caracteriza a Aprendizagem Colaborativa?

52

II.4.2. Elementos básicos da Aprendizagem Colaborativa

61

II.4.3. Como promover a Aprendizagem Colaborativa?

64

II.4.4. Vantagens e Constrangimentos da Aprendizagem Colaborativa

68

II.4.5. A Concluir…

71

73

Capítulo III – Metodologia III.1. A Opção Metodológica

73

III.2. A escola

76

III.3. Os participantes em estudo

77

III.4. Instrumentos de Recolha de Dados

79

III.4.1. Observação Participante

80

III.4.2. Recolha fotográfica e áudio/vídeo

83

III.4.3. Diário do Investigador

84

III.4.4. Recolha Documental

85

III.5. Procedimentos

86

III.6. Fases de Investigação

88

91

Capítulo IV – Resultados IV. 1. Uma primeira abordagem…

92

IV.1.1. O percurso da professora/investigadora

92

IV.1.2. A turma

94

IV.2. O Trabalho Colaborativo

97

IV.2.1. A Começar…

98

IV.2.2. O Trabalho Colaborativo

100

IV.2.2.1. Em díades…

101

IV.2.2.2. Em grupos…

106

IV.3. A Colaboração e a Aprendizagem

119

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141

Capítulo V – Considerações Finais V.1. Objectivo de Estudo e Questões de Investigação

141

V.2. Resultados e Conclusões

143

V.2.1. O Trabalho Colaborativo

144

V.2.2. A Colaboração e a Aprendizagem

146

V.3. Implicações do Trabalho Realizado

148

V.4. Limitações e Recomendações

150

Referências Bibliográficas

153

Anexos

161

Anexo 1 – Comunicação ao Conselho Pedagógico: Registos das Aulas em Suporte Áudio e Vídeo

163

Anexo 2 – Autorização aos Encarregados de Educação: Registos das Aulas em Suporte Áudio e Vídeo

167

Anexo 3 - Ficha Diagnóstica de Matemática – 7º Ano

171

Anexo 4 – Ficha de Trabalho sobre Proporcionalidade Directa intitulada: “Resolução de Problemas usando Proporções

177

Anexo 5 – Actividade de Investigação: “Potências e Regularidades”

181

Anexo 6 – Ficha de Trabalho sobre Potenciação. Regras de Potenciação

187

Anexo 7 - Ficha de Trabalho sobre Soma de Ângulos Internos de um Triângulo (com material manipulável)

193

Anexo 8 -Actividade com o Geometer’s Sketchpad - Soma dos Ângulos Internos de um 197

Triângulo

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1

A génese de uma capacidade de desempenho: avanços para além da zona de desenvolvimento proximal (modelo adaptado de Tharp e Gallimore, 16

1988, p.35) Figura 2

Dimensões da prática como propriedade de uma comunidade (Wenger, 1998, pg. 73)

40

Figura 3

Modos de Pertença (adaptado de Wenger, 1998, p. 174)

47

Figura4

Componentes essenciais da Aprendizagem Cooperativa (adaptado de Johnson e Johnson (1999a) por Fontes e Freixo, 2004)

64

Figura 5

Habilitações Literárias dos pais e mães dos alunos da turma do estudo

95

Figura 6

Disciplinas preferidas pelos alunos e disciplinas onde sentem mais dificuldade (de acordo com o Projecto Curricular de Turma)

Figura 7

Esquema sobre o sinal do resultado de uma potência de base racional

Figura 8

Avaliação das aulas de Matemática por parte de alguns alunos da turma

96 112

117

7ºF Figura 9

Sugestões para futuras aulas de Matemática dadas por alguns alunos da turma 7ºF

Figura 10

118

Fotografias tiradas no desenvolvimento da tarefa referente à soma dos 131

ângulos internos de um triângulo, com material manipulável Figura 11

Fotografias tiradas no desenvolvimento da tarefa referente à soma dos ângulos internos de um triângulo, com material manipulável

Figura 12

132

Fotografias de alunos a realizarem a tarefa proposta com o 138

Geometer´s Sketchpad

xi



ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1

Funções que o professor deve assumir no desenvolvimento do trabalho de grupo (adaptado de Fontes e Freixo, 2004)

Quadro 2

Funções do professor em relação à turma (adaptado de Fontes e Freixo, 2004)

66

67

Quadro 3

Fases da investigação

88

Quadro 4

Idades dos alunos da turma em estudo

94

xiii



Capítulo I INTRODUÇÃO

Neste primeiro capítulo pretendo introduzir aspectos que considero essenciais, caracterizadores da investigação realizada. Para tal, inicio com uma breve contextualização do estudo, enunciando de seguida o problema e as questões que se lhe encontram associadas. Por fim, apresento a organização da dissertação.

I. 1. Contextualização do Estudo

Numa sociedade em constante mudança, assistem-se a vastas e crescentes influências advindas da multiplicidade de realidades étnicas e culturais que nela coexistem, as quais se manifestam numa crescente multiculturalidade e que se reflecte na actual população escolar, bem como à ocorrência, de forma bastante acelerada, da difusão de informação e a apropriação de conhecimento, resultantes da existência de grandes avanços nos sectores científico e tecnológico. Neste contexto, assiste-se à emergência de diversas transformações sociais, bem como de novos desafios com que nos deparamos no nosso dia-a-dia, pelo que os processos de aprendizagem e desenvolvimento de um indivíduo têm revelado novas necessidades e desafios à prática pedagógica, invocando por uma reflexão sobre os mesmos. Perante esta realidade, a Escola não poderá continuar a manter-se à margem, pelo que deverá acompanhar a evolução da sociedade em que se encontra inserida, indo ao encontro das suas necessidades e exigências, de modo a preparar os jovens para o exercício de uma cidadania plena. Neste sentido, compete à escola e aos educadores assumirem “ (…) um papel mais interventivo e mais claro na formação dos alunos” (Teles, 2005), enquanto cidadãos activos, críticos e participativos na sociedade, promovendo o desenvolvimento pleno de todos.

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Assim, a Escola deve assumir um papel mais amplo no processo de ensino/aprendizagem, privilegiando o educar em detrimento do apenas instruir e transmitir conhecimentos e conteúdos programáticos, tendo-se como preocupação central o desenvolvimento de competências, atitudes e valores em todos os alunos, de forma a tornar-se “ (…) verdadeiramente uma escola de e para todos. Uma escola que valorize as diversas culturas, que respeite os hábitos e costumes de cada um (…)” (Teles, 2005), tendo em consideração a especificidade de cada um dos jovens, isto é, as suas motivações, interesses, projectos de vida, competências, meios socio-económicos e socio-culturais de origem, bem como o desenvolvimento cognitivo e socio-afectivo. Para tal, um dos grandes desafios com que as escolas e os seus agentes educativos se deparam é no estabelecer de estratégias conducentes a uma melhor integração dos alunos no meio escolar, envolver os intervenientes da comunidade educativa, criar condições para uma gestão democrática, reforçar os processos de comunicação e participação, aumentar a eficácia pedagógica e fomentar a partilha de saberes e experiências, por forma a promover o sucesso académico e consequentemente, o pleno desenvolvimento de todos os seus alunos. Importa assim, mudar as formas de ensino tradicional, adoptando novas práticas de sala de aula que, a par com as acções do professor, possam contribuir para uma consciencialização do aluno para o seu papel de cidadão da sociedade em que se encontra inserido. Neste sentido, partilho da opinião de César (2003) ao afirmar que uma das metodologias de trabalho que tem revelado mais-valias para a Educação, nomeadamente para a Educação Matemática, é o trabalho colaborativo, a partir do qual se espera ocorrer uma aprendizagem colaborativa, sendo assim, esta a temática a abordar na presente dissertação.

I. 2. Problema e Questões de Estudo

“Aprender Matemática é um direito básico de todas as pessoas – em particular de todas as crianças e jovens – e uma resposta a necessidades individuais e sociais” Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999, p.17), pelo que emerge a necessidade e urgência em criar modos de actuação, na sala de aula, que proporcionem aos alunos um clima de

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trabalho que possibilite atingir estes objectivos, permitindo assim, que a aprendizagem da disciplina de Matemática seja significativamente vivida num ambiente em que ela se evidencie como uma parte integrante da cultura humana. Para tal, torna-se fundamental ter em atenção o contexto social da sala de aula, para que o mesmo seja próprio para a aprendizagem de conceitos específicos em que problemas, actividades e ideias sejam partilhadas, discutidas e negociadas, de forma a fazerem sentido. O trabalho colaborativo assume assim, um papel importante na formação integral de cada indivíduo, o qual segundo César et al. (1999) se revelado como sendo uma forma inovadora e de grandes potencialidades na promoção do sucesso dos alunos na disciplina de Matemática. Este sucesso deve-se à coerência com que esta forma de trabalho é aplicada em sala de aula, pelo que um dos factores a considerar na implementação destas práticas se prende com o papel do aluno: é imperativo que sejam fornecidas condições eficazes que lhe permitam assumir um papel activo e participativo na construção do seu conhecimento e das suas concepções acerca da matemática e onde se privilegiem as interacções sociais e consequentemente, a partilha de saberes e responsabilidades na promoção do desenvolvimento de capacidades e competências. Para tal, há que se ter em conta aquilo que se sabe sobre o modo como os alunos aprendem e, em particular, sobre o modo como aprendem a Matemática. Neste sentido, a investigação que sustenta esta dissertação incide sobre a organização do ensino e a caracterização da aprendizagem na sala de aula de Matemática, pelo que o seu principal objectivo é aprofundar a compreensão sobre o modo como um professor pode dinamizar as actividades e as interacções sociais na comunidade da sala de aula, utilizando o trabalho colaborativo como principal metodologia de trabalho a desenvolver na construção do saber matemático, por forma a promover uma aprendizagem colaborativa, “facilitando” a criação de um ambiente de interajuda e proporcionando uma maior responsabilização e envolvimento dos alunos na sua aprendizagem, bem como na dos outros. Pretende-se assim, descrever e analisar o modo de actuar dos alunos em sala de aula, em particular, a colaboração e as interacções sociais emergentes nesse contexto. Este objectivo levou à formulação das seguintes questões: 1 – Como se caracteriza a colaboração em Matemática? 2 – Como se relaciona colaboração com a aprendizagem?

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3 – Que papel tem a organização da actividade na sala de aula na promoção de interacções sociais que propiciam a colaboração na construção do saber matemático? 4 – Que estratégias se devem desenvolver para fomentar a colaboração em Matemática na sala de aula?

I. 3. Organização da Dissertação

A dissertação encontra-se organizada em 5 capítulos, que passarei a descrever resumidamente: Capítulo 1 – Introdução, no qual farei uma breve contextualização do estudo e enunciarei o problema e as questões que se lhe encontram associadas; capítulo 2 – Revisão de Literatura, no qual apresentarei os fundamentos teóricos que sustentam a presente investigação. Neste capítulo, que se encontra dividido em quatro subcapítulos, iniciarei com uma breve introdução ao tema da aprendizagem, seguida de uma abordagem vygotskiana, onde focarei um dos conceitos mais importantes da teoria desenvolvida por Vygotsky, o de Zona de Desenvolvimento Proximal. Seguir-se-á uma abordagem à aprendizagem situada, onde se percepciona a aprendizagem como um processo de participação crescente em variadas práticas culturais e na partilha de actividades de aprendizagem, relacionando-se com a pessoa em acção no mundo, ao invés de um “simples” processo de criação (individual) de conhecimento. No último subcapítulo debruçar-me-ei sobre a aprendizagem colaborativa, no qual se reforça a importância do seu papel na formação integral dos indivíduos, no sentido de serem capazes de assumir um papel mais activo, crítico, reflexivo e participativo perante os constantes desafios que a actual sociedade lhes coloca; Capítulo 3 – Metodologia, onde apresentarei as bases metodológicas do trabalho desenvolvido, onde farei uma descrição da escola, bem como dos participantes envolvidos no estudo, os instrumentos utilizados na recolha de dados e onde descreverei, ainda, os procedimentos da investigação; Capítulo 4 – Resultados, no qual iniciarei com um breve apresentação da professora/investigadora e da turma envolvida no estudo, dado que é importante o seu conhecimento para que melhor se entenda este trabalho. De seguida, apresentarei os resultados obtidos com a investigação realizada, seguindo-se uma reflexão e discussão

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sobre os mesmos; e Capítulo 5 – Considerações Finais, onde realizarei uma reflexão sobre o trabalho desenvolvido ao longo desta investigação, bem como as implicações da mesma para os participantes envolvidos, nomeadamente os alunos. Por fim, farei ainda uma breve reflexão sobre as limitações da investigação, terminando com algumas sugestões para futuras investigações.

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Capítulo II REVISÃO DE LITERATURA

No presente capítulo, ao abordar a temática da aprendizagem, em particular da aprendizagem matemática e privilegiando a natureza social do ser humano como um aspecto fulcral para a mesma, irei apresentar duas perspectivas teóricas, a sociocultural e a antropológica, que considero apropriadas como enquadramento teórico para o estudo que pretendo realizar. Por último, tentarei articular ambas as perspectivas ao abordar a aprendizagem colaborativa, onde se privilegia a colaboração como característica das interacções sociais, na construção negociada e conjunta do conhecimento, assistindo-se a um fluxo de comunicação bidireccional contínuo entre os participantes e onde se reconhece a importância do seu papel na formação integral dos indivíduos, preparandoos para enfrentar os constantes desafios que a actual sociedade lhes coloca.

II. 1. Aprendizagem – Uma Introdução…

Desde o início da sua existência, o ser humano apresenta uma vontade e necessidade constantes em aprender, derivadas da curiosidade inata a respeito de si próprio e em compreender tudo o que o rodeia. Visto a aprendizagem constituir um factor tão importante naquilo que somos como no que fazemos, uma melhor compreensão do seu processo contribuiria em muito para o autoconhecimento. Neste sentido, consequente de uma motivação contínua para o estudo sobre a aprendizagem, não apenas pelos benefícios práticos que daí podem ser auferidos, mas também por curiosidade das pessoas a respeito de si mesmas e da forma como vieram a ser o que são, o estudo da mesma tem uma história tão longa como a própria espécie humana. Numa primeira abordagem, e tendo em conta a imagem existente na sociedade, advinda de experiências passadas no contexto de escola e fora da mesma, poder-se-ia definir a aprendizagem como um processo onde se adquirem novos conhecimentos e se

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desenvolvem competências necessárias ao desenvolvimento de cada um. No entanto, este processo de forma alguma se sugere “simples”, assumindo uma grande complexidade, tão complexa como a própria existência humana, o que dificulta a atribuição de um significado comum a todos. Conquanto seja impossível dar uma definição exacta de aprendizagem que seja de aceitação geral, existe unanimidade na ideia de que o que é aprendido não é necessariamente “correcto” ou adaptativo, não é necessariamente consciente ou deliberado e não envolve necessariamente qualquer acto manifesto (pode-se aprender atitudes e emoções, da mesma forma como se aprendem habilidades e conhecimento). Assim, consequente da necessidade de uma percepção sobre a aprendizagem, assistiram-se ao longo dos anos, a evoluções significativas do conceito da mesma, resultantes de um esforço conjunto de psicólogos, educadores, filósofos, etnógrafos, entre outros, que impulsionaram a investigação sobre a aprendizagem humana, contribuindo com vários estudos. Este fenómeno proporcionou a emergência de diversas teorias de aprendizagem, cada uma abarcando diferentes perspectivas e enfatizando a importância de uma variedade de factores sociais e culturais, na interpretação e no desenvolvimento da aprendizagem. Aprender não se relaciona apenas com uma questão cognitiva, mas também com uma forma de participação em práticas culturais. Assim, segundo Fernandes (1998), Sfard (1996) identificou duas formas alternativas de compreensão da aprendizagem, caracterizadas como metáfora da aquisição e metáfora da participação, as quais importa fazer uma breve abordagem no presente capítulo. A metáfora de aquisição conceptualiza a aprendizagem como um processo de aquisição de conhecimento. Na perspectiva de Piaget e de Vygotsky, a aprendizagem é vista em termos de desenvolvimento de conceitos, os quais podem ser acumulados ao longo do tempo, gradualmente redefinidos e articulados, de forma a enriquecer as estruturas cognitivas de um indivíduo. No que concerne a uma visão construtivista da aprendizagem, pode-se sugerir que a mente é vista como um “recipiente” de conhecimento e a aprendizagem é o processo de enchimento desse recipiente, implantando no mesmo o respectivo conhecimento. Neste sentido, a mente surge com um papel de aquisição de bens conceptuais. Importa aqui salientar que o desenvolvimento de conceitos, anteriormente abordado, tem sido alvo das mais variadas interpretações, nomeadamente no que concerne a uma recepção passiva de 8


conhecimento, seguindo-se uma construção activa deste pelo aluno, bem como passando por uma análise do modo como os conceitos eram transferidos do plano social para o processo individual e consequentemente, como eram interiorizados pelo aluno. De modo análogo, assistia-se a uma relação entre a aprendizagem e o processo de emergência de conceitos, provenientes de uma contínua interacção entre os alunos e entre alunos e professores. Uma abordagem alternativa é a metáfora da participação que enfatiza o papel das comunidades sociais e da interacção social. De acordo com esta nova visão, a aprendizagem é percepcionada como um processo de participação em variadas práticas culturais e de partilha de actividades de aprendizagem, ao invés de um “simples” processo de criação (individual) de conhecimento. Nesta perspectiva de participação, a aprendizagem é concebida como um processo de tornar-se membro de uma comunidade, assistindo-se a uma transferência gradual de uma participação periférica para uma participação plena (full), através do seu engajamento na prática da respectiva comunidade e na aprendizagem de como interagir, de acordo com as normas sociais negociadas (Lave e Wenger, 1991). Neste sentido, pode afirmar-se que esta metáfora assume a aprendizagem como uma “participação legítima periférica” nas actividades de uma comunidade de prática. Importa salientar ainda, que as actividades de aprendizagem nunca devem ser separadas do contexto onde têm lugar, pelo que, segundo Fernandes (1998), os professores são os preservadores da continuidade da comunidade, sendo o aluno uma parte integral da equipa. Ao contrário da aquisição de conhecimento, a metáfora da participação incide o seu foco sobre a comunicação, enfatizando a importância da partilha. O desejo de pertencer a uma certa comunidade, por parte dos alunos, é o pré-requisito mais importante para aprender, podendo influenciar a construção da sua identidade. Aqui, as capacidades cognitivas deixam de ter tanta relevância, passando a valorizar-se qualidades vistas como sociais, nomeadamente a capacidade de comunicar na linguagem da comunidade em que o aluno pertence ou deseja pertencer, de negociar, de partilhar saberes e responsabilidades, bem como de trabalhar em equipa. Em suma, consciente da visão das duas metáforas, Sfard (1996, citada por Fernandes, 1998, p. 36), é da opinião de que não se deve substituir por completo, a metáfora da aquisição pela metáfora de participação, considerando que nenhuma delas é, por si, suficiente. De acordo com a autora, deve-se aprender a conviver com as 9


metáforas de aquisição e da participação em comunhão, “ (…) tentando fazer o melhor com a combinação sinérgica das duas” (Fernandes, 1998, p.36, aspas no original)

II. 2. A Aprendizagem na abordagem de Vygotsky

Na sociedade actual, a difusão de informação e a apropriação de conhecimento ocorrem de forma bastante acelerada, consequente da existência de grandes avanços nos sectores científico e tecnológico, levando assim, à emergência de diversas transformações sociais, bem como novos desafios com que nos deparamos no nosso diaa-dia. Neste contexto, os processos de aprendizagem e desenvolvimento de um indivíduo têm revelado novas necessidades e desafios à prática pedagógica, invocando por uma reflexão sobre os mesmos. Para tal, há que ter em conta a diversidade cultural característica das nossas sociedades actuais e a importância da cultura na aprendizagem, bem como nas interacções entre as pessoas, salientando-se assim, a notabilidade da influência que o meio exerce no comportamento e na acção do indivíduo, bem como no seu desenvolvimento, conforme sugere a teoria de Vygotsky. Vygotsky, desde muito jovem, evidenciou grande preocupação com a questão do desenvolvimento do ser humano, tentando em todo o seu percurso decifrar os processos de aprendizagem e desenvolvimento e a sua relação com os aspectos sociais, pelo que a sua teoria tem como perspectiva o homem como um indivíduo na sua globalidade, enquanto mente e corpo, bem como um ser social. Assim, a sua teoria tem por base o princípio de que o desenvolvimento do indivíduo se encontra vinculado às interacções que ocorrem entre o indivíduo e a sociedade, cultura e história de vida, bem como a situações de aprendizagem que promovem esse mesmo desenvolvimento durante o seu percurso de vida. Segundo este autor, o ambiente e o indivíduo então em interacção contínua e são interdependentes, admitindo que o desenvolvimento de processos mentais superiores (isto é, especificamente humanos) têm origem na cultura e na actividade social, indo ao encontro do que enuncia na sua “lei genética geral do desenvolvimento cultural”:

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“Qualquer função no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes ou sobre dois planos. Primeiro aparece no plano social, e só então no plano psicológico. Inicialmente aparece entre pessoas como uma categoria interpsicológica e, então, no interior da criança, como uma categoria intrapsicológica. Isso é igualmente verdade em relação à atenção voluntária, à memória lógica, à formação de conceitos e ao desenvolvimento da volição (…). É desnecessário dizer que a interiorização transforma o próprio processo e altera a sua estrutura e funcionamento.” (Vygotsky, 1981, p.163) Importa aqui salientar que, segundo este autor, os processos mentais superiores, tais como a atenção voluntária, a memória lógica e o pensamento, não se desenvolvem em indivíduos isolados, mas em díades ou em grupos maiores, o que o levou a focalizar a sua atenção nas interacções emergentes nestes últimos. Ao considerar a aquisição e o desenvolvimento de conhecimento como um processo eminentemente social e os instrumentos e símbolos culturais como mediadores das funções psicológicas humanas, as quais são historicamente desenvolvidas e resultantes da actividade prática, Vygotsky atribui à Escola um novo e importante papel na construção do conhecimento. Para o autor, a Escola representa um contexto social mediador muito importante, onde as salas de aula se caracterizam como organizações sociais (Moll, 2002), propícias ao domínio e manuseamento consciente desses instrumentos culturais, necessários à aquisição de capacidade e meios para a dita actividade intelectual de “ordem superior”. Assim, ao formular a sua teoria sobre as relações entre aprendizagem e desenvolvimento, Vygotsky propôs-se a investigar diversas áreas da aprendizagem escolar, incluindo a de matemática. Segundo Moll (1990), a sua principal contribuição “(…) foi desenvolver uma abordagem geral que situou a educação como uma actividade humana fundamental, no âmbito de uma teoria do desenvolvimento psicológico.” (p.15), uma vez que considerava a capacidade de ensinar e para se beneficiar de instrução, um atributo fundamental do ser humano. Contribuiu ainda, para a implementação de metodologias inovadoras no processo de ensino/aprendizagem, o que tornou a sua teoria uma referência teórica a um número considerável de investigações no contexto escolar, em particular na aplicação da aprendizagem colaborativa. 11


Ao recorrer à teoria sócio-histórico-cultural de Vygotsky como uma das referências teóricas na investigação que me proponho realizar, importa abordar alguns princípios importantes na compreensão do processo do desenvolvimento e que, presentemente, chamam a atenção dos pesquisadores em educação, a saber: relação entre desenvolvimento e aprendizagem, mediação cultural e a zona de desenvolvimento proximal.

II. 2. 1. A Relação entre Desenvolvimento e Aprendizagem Vygotsky foi o primeiro a perspectivar a construção do conhecimento como um processo eminentemente social e complexo, mediado pelo contexto sociocultural e histórico do indivíduo, enfatizando a importância deste contexto no significado atribuído às suas actividades. Nesta perspectiva, segundo o autor, a aprendizagem e o desenvolvimento são realidades muito distintas. A aprendizagem é um processo social complexo, no qual o indivíduo se apropria de informações e conhecimentos que lhe são apresentados através da sua interacção com o meio (social). Deste modo, a aprendizagem ocorre a partir do momento em que signos e símbolos culturais são internalizados pelo indivíduo, contribuindo assim, para o processo do desenvolvimento. De acordo com Vygotsky (1987, p. 101), a aprendizagem “(…) adequadamente organizada resulta num desenvolvimento mental e coloca em funcionamento vários processos (internos) de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer”, salientando que os mesmos só se tornam concretizáveis através da interacção do indivíduo com os outros. Neste sentido, a aprendizagem deixa de ser individual, para se tornar social e facilitadora da aprendizagem dos outros. Assim, pode-se depreender que o desenvolvimento se encontra directamente relacionado com a aprendizagem do indivíduo, reforçando a ideia de Vygotsky de que o desenvolvimento resulta de um processo histórico-social e cultural, onde a linguagem e a aprendizagem desempenham um papel fundamental. Para o autor, a linguagem é assumida como a ferramenta mais importante na relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento, funcionando como um mediador que surge inicialmente como uma forma de comunicação entre o indivíduo e os outros, permitindo posteriormente organizar o seu pensamento. Salienta ainda que a aquisição da linguagem representa o

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momento mais importante do desenvolvimento cognitivo de um indivíduo. No que concerne à aprendizagem, esta permite ao indivíduo a maturação das suas funções psicológicas, propiciando o seu desenvolvimento. Daqui se depreende que Vygotsky evidencia um interesse particular pelo estudo das funções ainda em desenvolvimento, ou seja, o nível de desenvolvimento potencial. É nesta perspectiva de desenvolvimento que o autor introduz o conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP).

II. 2. 2. Zona de Desenvolvimento Proximal1 (ZDP) Ao tentar estabelecer a relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento, Vygotsky manifestou interesse pelo estudo de características particulares assumidas por esta relação, em particular quando as crianças atingem a idade escolar, reconhecendo que para tal não se poderia limitar apenas a um nível de desenvolvimento, sendo necessários pelo menos dois níveis: um que diz respeito ao que as crianças podem fazer sozinhas, o real, e o outro àquilo que as crianças podem fazer com a ajuda dos outros, isto é, ao interagir com um par mais competente, relacionando-se com as funções que, segundo Vygotsky (1978), “(…) ainda não amadureceram, mas estão no processo de maturação, funções que amadurecerão amanhã, mas que estão correntemente num estado embrionário.” (p.86). É neste seu estudo que o autor introduz o conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) ao referir-se à “distância” entre aquilo que a criança (aluno) já sabe, que já foi assimilado, isto é, que ele consegue fazer sozinho, daquilo que pode vir a aprender ou a fazer com a ajuda de outras pessoas, denominado por desenvolvimento potencial. De acordo com Vygotsky (1932/1978), a zona de desenvolvimento proximal (ZDP) é: “(…) a distância entre o nível de desenvolvimento real, tal como determinado pela resolução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, tal como determinado através da resolução de problemas com a orientação de um adulto ou em colaboração com um par mais competente”(p.86).

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Tradução do termo em inglês zone of proximal development (ZDP)

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Ao analisar esta definição pode-se constatar que a essência deste conceito reside numa perspectiva diferenciada que se adquire ao contrastar a performance das crianças (alunos), quando se encontram na resolução independente de problemas, com a sua performance quando se encontram numa actividade conjunta, onde colaboram com um par mais competente (professor ou outro aluno). Neste sentido, a ZDP permite percepcionar o potencial de aprendizagem de um indivíduo, sendo nesta que ocorre o desenvolvimento cognitivo. Importa ainda, salientar que por as pessoas estarem sempre em desenvolvimento, a ZDP encontra-se sempre em mudança, o que levou Vygotsky a percepcioná-la como uma actividade dinâmica que se constrói ao longo do tempo, e portanto histórica. De todos os conceitos abordados por Vygotsky no seu trabalho, o da zona de desenvolvimento proximal é o que apresentou mais aplicações na área da educação, sendo reconhecida pelo autor como uma ‘região’ de sensibilidade à instrução, assumindo esta última um papel fundamental no cerne da aprendizagem, bem como no desenvolvimento. Segundo o autor, a instrução precede e conduz o desenvolvimento, sugerindo que a “única ‘boa aprendizagem’ é aquela que está à frente do desenvolvimento” (Vygotsky, 1978, p.89) e que “a instrução só é útil quando ultrapassa o desenvolvimento. Quando isso acontece, impele ou desperta uma série completa de funções que estão adormecidas, em estado de maturação, na zona de desenvolvimento proximal” (Vygotsky, 1987, p. 212). Beneficiar da instrução, bem como da capacidade para ensinar era para Vygotsky um atributo fundamental dos seres humanos, pelo que considerava a educação como central ao desenvolvimento e consequentemente, “as escolas (assim como outras situações educacionais, de carácter informal) como o melhor “laboratório cultural” disponível para o estudo do pensamento: são cenários sociais especialmente desenhados para modificar o pensamento” (Moll, 1990, p.3, aspas no original). A escola assume assim, um papel fundamental na “ (…) organização social da instrução” (Moll, 1990, p.3, itálico no original), oferecendo ao aluno oportunidades significativas de construção de conhecimentos e valores sociais, diversificando e potencializando as relações inter e intrapessoais através de uma “forma distintiva de cooperação entre a criança e o adulto que constitui o elemento central do processo educacional” (Vygotsky, 1987, p.169). Nesta perspectiva, não faz sentido retratar-se um aluno como apenas um “recipiente” onde se armazena a informação a ser transmitida pelo professor e a qual 14


deve ser adquirida de forma organizada e passiva. Pelo contrário, privilegia-se um aluno activo e participativo no processo educacional, onde a interacção entre os participantes pode beneficiar de um papel central no processo de construção do conhecimento (matemático) e consequentemente, na promoção do pleno desenvolvimento dos envolvidos, potenciado pelo engajamento dos mesmos numa actividade conjunta, partilhando saberes e responsabilidade pelo desempenho da tarefa. Assim, percepcionar a ZDP como uma actividade que se desenvolve num contexto social significa privilegiar uma aprendizagem interactiva, com recurso ao trabalho de grupo, onde se valorizam as interacções heterogéneas, uma vez que as mesmas implicam indivíduos com diferentes zonas de desenvolvimento proximal, cada um interactuando na ZDP do outro. Aqui, pode-se constatar a importância que a heterogeneidade, numa sala de aula, assume no desenvolvimento deste tipo de trabalho, uma vez que proporciona ao aluno menos experiente, a oportunidade de beneficiar dessa interacção, através da qual o outro pode ajudá-lo no desenvolvimento de conceitos científicos que ele não consegue realizar individualmente. De igual modo, ao procurar ajudar o outro a desenvolver os novos conceitos, o aluno mais experiente beneficia da interacção, uma vez que isso implica uma compreensão, reorganização e reestruturação das suas próprias ideias, no intuito de as poder partilhar com o outro. Este processo permite desenvolver em cada aluno novas perspectivas, consolidar antigas concepções, reconhecer e colmatar lacunas que existam na sua própria compreensão, rectificar equívocos, bem como reforçar elos existentes entre as novas informações apreendidas e as aprendizagens realizadas em experiências anteriores, indo ao encontro de um dos mecanismos específicos da aprendizagem colaborativa, identificado por Dillenbourg como (Auto-)explanação ((self-)explanation), o qual irá ser abordado posteriormente. Trabalhar em sala de aula com a ZDP acarreta inúmeras implicações para a prática docente, uma vez que o professor (mediador) tem de assumir o papel fundamental que tem na “condução” do desenvolvimento cognitivo do seu aluno. Segundo Vygotsky, é na zona de desenvolvimento proximal que essa “condução” ou “mediação” pode acontecer por meio de uma actividade colaborativa: “Quando os adultos ajudam a criança a realizar coisas que são incapazes de conseguir sozinhas, estão estimulando o desenvolvimento do conhecimento e da aptidão…A partir dessa perspectiva, que coloca 15


a instrução no cerne do desenvolvimento, o potencial da aprendizagem de uma criança é revelado e, de facto, frequentemente concretizado em interacções com pessoas mais instruídas. (Wood, 1988, p.24) Assim, ao explorar esta zona em sala de aula, o professor tem de enfrentar novos desafios e consequentemente assumir novas responsabilidades, como por exemplo: conhecer o nível de desenvolvimento real dos seus alunos e desempenhar, em simultâneo, as funções de par mais competente em relação a cada um deles. Para tal, deverá estar consciente dos estágios evolutivos do aluno que caracterizam o progresso na zona de desenvolvimento proximal, os quais se encontram ilustrados no seguinte modelo (ver figura 1):

Retorno Capacidade inicial

Capacidade desenvolvida

ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL

Assistência prestada por indivíduos mais capacitados pais

Autoassistência

Interiorização Automatização Fossilização

Desautomatização: Retorno aos estágios iniciais

professores

especialistas

colegas

treinadores

TEMPO 

ESTÁGIO I

ESTÁGIO II

ESTÁGIO III

ESTÁGIO IV

Figura 1 – A génese de uma capacidade de desempenho: avanços para além da zona de desenvolvimento proximal (modelo adaptado de Tharp e Gallimore, 1988, p.35)

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De acordo com Gallimore e Tharp (1996), podem-se considerar quatro estágios da zona de desenvolvimento proximal: (a) estágio I – o desempenho é assistido por indivíduos mais capazes – antes que os alunos possam funcionar como actores independentes, eles dependem do professor ou de colegas mais capazes para assegurarem uma regulação externa ao seu desempenho das suas tarefas. Neste nível, pais, professor ou colegas mais capazes oferecerão orientações ou modelos, e a resposta do aluno será de aquiescência ou imitação (Wertsch, 1981). O aluno, aos poucos, compreende como as partes de uma actividade se relacionam umas com as outras ou entende o significado da sua realização, até que assume o desempenho da tarefa. (b) estádio II – o desempenho é auto-assistido – o aluno é capaz de desempenhar uma tarefa sem ser auxiliado externamente, mas isso não quer dizer que o desempenho esteja desenvolvido ou automatizado. Aqui verifica-se o fenómeno do discurso autodirigido do aluno, numa tentativa de se auxiliar a si mesmo de todas as formas possíveis, o que reflecte um desenvolvimento da profunda significação. Este princípio permanece válido para toda a vida. (c) estádio III – o desempenho é desenvolvido, automatizado – a execução de tarefas torna-se amena e integrada: ela foi interiorizada e automatizada; já não há, para aquela tarefa, necessidade de assistência do adulto, ou de autoassistência. Aqui, o desempenho já não se encontra em desenvolvimento. Vygotsky descreveu este estádio como “frutos” do desenvolvimento, mas também o percepcionou como “fossilizado”, dado a sua rigidez e distanciamento da dinâmica da mudança social e mental. (d) estádio IV – a desautomatização do desempenho conduz a um retorno à zona de desenvolvimento proximal – para qualquer indivíduo, ao longo da sua vida, a aprendizagem segue as mesmas regras e sequências da ZDP: da assistência externa à auto-assistência, e essas regras retornam-se reiteradas vezes para o desenvolvimento de novas capacidades. Para cada aluno, em momentos diferentes da sua aprendizagem, verifica-se uma mistura de regulação externa, auto-regulação e de processos automatizados. Aqui pode-

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se tomar consciência da “ (…) relação íntima e oscilante que se estabelece entre as formas de autocontrole e de controle externo” (p.182). Esta teoria da aprendizagem tem bem patente a importância da assistência externa ao aluno, onde o papel do professor nos contextos sociais é fornecer a direcção e a mediação necessárias para o desenvolvimento na sua zona de desenvolvimento proximal. Para trabalhar com esta zona na sala de aula, o professor tem de conhecer o nível de desenvolvimento real dos alunos, de forma a realizar mudanças qualitativas no ensino: construir a instrução de acordo com as características comuns compartilhadas pelos seus alunos e, em simultâneo, desempenhar as funções de par mais competente em relação a cada um deles, sempre com consciência de que cada aluno é único e individual. Em suma, deve-se pensar na ZDP como uma característica não apenas do aluno ou do ensino, mas também do aluno engajado numa actividade colaborativa dentro de ambientes sociais específicos, onde se privilegie o diálogo ou o ensino interactivo, beneficiando de diversas formas de assistência ao seu desempenho para que avance no domínio de sucessivas habilidades pela zona de desenvolvimento proximal. Neste sentido, “ (…) a ZDP deve ser usada como um instrumento para a instrução da turma (…)”, de forma a proporcionar a oportunidade desta trabalhar “ (…) activamente como um todo por meio do diálogo, do trabalho em grupo e da resolução de tarefas” (Hedegaard, 1990, p.360). De acordo com Daniels (2001), “Moll (1990) sugere que o foco de mudança na ZDP deve ser posto na criação, desenvolvimento e comunicação de sentidos, através da utilização colaborativa de meios mediacionais (…)”, enfatizando a relação existente entre a ZDP e a noção de mediação, de apropriação e de atribuição de significados.

II. 2. 3. A Mediação Sociocultural Ao formular a sua teoria, Vygotsky é o primeiro a perspectivar a construção do conhecimento como um processo eminentemente social e complexo, mediado pelo contexto sociocultural e histórico da criança, enfatizando a importância da interacção entre o meio externo (social) e a criança, nomeadamente da acção do adulto (mediador) no mundo desta, tanto na vida familiar, como na vida escolar. Estas acções são

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realizadas no sentido de orientar as aprendizagens dos indivíduos e constituem o que Vygotsky entende por mediação, cuja qualidade e intensidade determinam a condição positiva do desenvolvimento e da aprendizagem do mesmo. Para Vygotsky, a mediação assumia uma importância crucial no seu trabalho, escrevendo, no ano anterior à sua morte, que “(…) o facto central na nossa psicologia é o da mediação” (1982, p.116, citado em Wertsch, 1985, p.15), influenciando assim, autores como Cole (1996) que, segundo Daniels (2001), situa o conceito de mediação no cerne da sua concepção de psicologia cultural. Ele identifica as principais características de uma psicologia cultural geral e desenvolve a sua própria versão de uma abordagem histórico-cultural, sugerindo que a mesma:

enfatiza acções mediadas num contexto;

procura posicionar a sua análise em situações do dia-a-dia;

assume que o pensamento emerge numa actividade conjunta mediada entre pessoas. O pensamento é (…) “co-construído e distribuído”;

assume que os indivíduos são agentes activos no seu próprio desenvolvimento; e

rejeita causa-efeito, estímulo-resposta, bem como ciência explanatória (explanatory) em prol de uma ciência que enfatiza a natureza emergente do pensamento numa actividade e que reconhece um papel central para a interpretação na sua estrutura explicativa (explanatory framework). (adaptado de Daniels, 2001, p.13) Esta síntese realizada por Daniels (2001), servirá como um bom ponto de partida

numa breve reflexão sobre o legado de Vygotsky, por capturar “ (…) a maior parte das características das abordagens contemporâneas à psicologia (…) e identificar conceitoschave que são específicos da psicologia histórico-social” (p.14), um deles e o mais importante: a mediação. A mediação, segundo Vygotsky, não se trata de um conceito, mas de um processo pelo qual a acção de um indivíduo sobre o objecto é mediada por um determinado elemento, ou seja, a mediação é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação – a relação deixa de ser directa e passa a ser mediada por esse elemento.

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De acordo com Wertsch (1996), “ O fundamental aqui é que a actividade humana (tanto no plano interpsicológico como no plano intrapsicológico) pode ser entendida apenas se levarmos em consideração os “instrumentos técnicos” e os “instrumentos psicológicos” ou “sinais” que medeiam esta actividade. Estas formas de mediação, as quais são produtos do meio sociocultural no qual existem, não são vistas como simplesmente facilitadoras de actividades que, de um modo ou outro, aconteceriam. Em vez disto, são vistas como fundamentalmente formatadoras e definidoras dessas actividades.” (p. 114, aspas no original) Ao abordar-se a questão da mediação, impreterivelmente emerge a necessidade de explicitar aspectos inerentes ao elemento mediador, que constituem as palavraschave na teoria de Vygotsky: instrumentos e signos. O instrumento, de acordo com Vygotsky, é o elemento mediador da acção do indivíduo sobre o objecto do seu trabalho, sendo externamente orientado, podendo fomentar mudanças nesse mesmo objecto. Os instrumentos são criados e utilizados no intuito de ligar os seres humanos ao mundo real e de regular o seu comportamento e as suas interacções com o mundo e com os outros. São, assim, objectos sociais e mediadores da relação do indivíduo com o mundo. De modo análogo, os signos também são mediadores, no entanto a sua função tem presença na actividade psicológica, sendo denominados por Vygotsky como instrumentos psicológicos. Os signos são assim, elementos que simbolizam algo, sendo usados para significar alguma coisa que foi criada culturalmente ou resultante da experiência. O signo é intrínseco ao indivíduo e tem como função regular e controlar as acções psicológicas do mesmo. Neste sentido, o signo é orientado internamente, agindo no sentido de activar uma actividade psicológica, como por exemplo, a memória, uma vez que representam ou simbolizam objectos ou factos, acompanhados de um significado implícito. Por exemplo, a “fumaça indica fogo” é um dos tipos de signos, denominados como indicador. Outro tipo de signo é o icónico que se traduz na imagem ou desenho daquilo que significa. Tem-se ainda, os chamados signos simbólicos que representam abstracções daquilo que significam, como por exemplo, as palavras, os gestos, os números, entre outros.

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Assim, os signos serem construções sociais e consequentemente, elementos historicamente e culturalmente construídos, pelo que os mesmos se podem admitir diferentes entre indivíduos de diferentes culturas. Importa salientar ainda, que à medida que o indivíduo internaliza os signos que controlam as actividades psicológicas, o mesmo cria sistemas simbólicos, os quais representam estruturas de signos articuladas entre si, recaindo a ênfase primária de Vygotsky sobre os usados na comunicação humana, especificamente no discurso, por este ter favorecido o desenvolvimento social, cultural e intelectual ao longo da história humana. Segundo Wertsch (1996), o objecto da análise de Vygotsky era “(…) a actividade comunicativa humana, ou o discurso, não a linguagem entendida como um sistema de uso abstracto” (p. 114), sendo a sua principal preocupação “ (…) saber como o discurso está inter-relacionado com outros aspectos da actividade social e individual.” (p. 115). Nos seus estudos, evidencia-se a ênfase dada por Vygotsky, à importância da linguagem como um instrumento-chave, criado pelo homem, para organizar e expressar o pensamento, representando o momento mais importante do desenvolvimento cognitivo humano. A linguagem é, para Vygotsky, um instrumento que assume um imenso poder, uma vez que funciona como um mediador, o qual surge primeiro como forma de comunicação entre a criança e os outros, permitindo de seguida organizar o pensamento da mesma, através da reestruturação de diversas funções psicológicas, como a memória, a atenção voluntária, a formação de conceitos, da mesma forma que os instrumentos criados pelo Homem modificam as formas humanas de vida. Em suma, a linguagem exerce uma influência decisiva na estrutura do pensamento, além de ser o instrumento essencial ao processo de desenvolvimento, assumindo assim um papel fundamental na relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento.

II. 2. 4. A Aprendizagem Matemática na Abordagem de Vygotsky Nos dias de hoje, vivem-se momentos de mudança rápida e acentuada, consequentes de grandes avanços nos sectores científico e tecnológico, conduzindo à emergência e evolução de “Novos conhecimentos, ferramentas e formas de procedimento e comunicação matemática (…)” (NCTM, 2000, p.4). Sente-se assim, uma presença crescente da Matemática na sociedade actual, em comunhão com as mais

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diversas áreas da actividade humana e um reconhecimento da mesma como “um património cultural da humanidade e um modo de pensar”, como haviam afirmado Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999, p.17), constituindo, portanto, uma “ (…) das maiores aquisições culturais e intelectuais da espécie humana (…)” (NCTM, 2000, p.4). De salientar que, a afirmação supracitada reforça a ideia de que a aprendizagem da matemática é um direito de todos, desafiando-se o pressuposto de que esta é apenas para alguns. Pelo contrário, todas as pessoas necessitam de conhecer e compreender a matemática, devendo-se para tal, proporcionar a oportunidade e o apoio necessário para uma aprendizagem, com significado, com profundidade e com compreensão, contribuindo assim para a formação integral do indivíduo. Neste sentido, emerge a necessidade de desocultar a matemática presente nas mais diversas situações, promovendo-se a formação de cidadãos críticos, reflexivos, participativos, autónomos e confiantes na forma como lidam com a matemática e consequentemente, com os constantes desafios que a actual sociedade (altamente tecnológica e matematizada) lhes coloca. Segundo Bishop (1988), a matemática deve ser concebida como uma “forma de saber”, encarando-se a sua aprendizagem como um processo de construção activa de conhecimento, bem como de valores e prática social, onde se privilegiam as interacções sociais, através das quais os alunos atribuem significados às suas palavras e acções, tendo como referência conhecimentos prévios, consequentes das suas experiências e vivências anteriores. Importa aqui salientar que, ao se reconhecer a aprendizagem matemática como um processo, se requer um envolvimento activo e participativo dos alunos em actividades significativas, onde a comunicação e a negociação desempenham um papel central em sala de aula e onde o professor assume o papel de mediador da aprendizagem, facilitando a apropriação dos diferentes saberes, indo assim, ao encontro da perspectiva sociocultural, alicerçada ao trabalho de Vygotsky. Assim, nesta perspectiva, a aprendizagem da Matemática é encarada como um processo de enculturação, vivida num ambiente no qual se evidencia como uma parte integrante da cultura humana, encorajando e orientando os alunos para a sua apropriação, de forma significativa, através de uma constante negociação e re (criação) de significados culturais (Bruner, 1986), com base na actividade e experiências partilhadas. Na perspectiva de Bruner, a educação, em particular a educação matemática, é uma constante procura de significado, com o intuito de aprender a

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interpretar o que nos rodeia com um sentido matemático, dando-se assim, uma importância fundamental à natureza cultural do saber matemático. Admite-se assim, que a aprendizagem da Matemática não se resume a uma interacção individual com o mundo físico, mas sim num mundo social, pelo que a construção do conhecimento resulta da apropriação de saberes, mediante a sua recontextualização do espaço interpessoal para o intrapessoal. De acordo com Vygotsky, é na troca com outros indivíduos (pares competentes) e consigo próprio, que se verifica a internalização de saberes, papéis e funções sociais, permitindo o desenvolvimento dos conhecimentos matemáticos e a aquisição de competências. Assim, a aprendizagem matemática é vista como produto da acção do par competente (podendo este ser o professor e/ou os seus colegas com maior experiência), responsável pela mediação no processo de aprendizagem dos indivíduos. No processo de mediação propicia-se o uso de ferramentas culturais, tais como a linguagem, em particular a linguagem matemática – entendida como um sistema articulado de signos ou símbolos, responsável pelo desenvolvimento e transmissão de significados, e consequentemente um instrumento essencial na estruturação do pensamento - bem como de outros meios, pelo que mais do que ser um processo de assimilação e acomodação, como defendia Piaget, é um processo de internalização, na qual o indivíduo assimila e se apropria dos instrumentos culturais (Vygotsky). Nesta perspectiva, a sala de aula de matemática é mais do que um ambiente físico, é um lugar potenciador da construção do processo de ensino/aprendizagem do aluno, onde a intervenção do professor assume um papel explícito, como mediador da aprendizagem deste, facilitando-lhe a apropriação dos diferentes instrumentos culturais, tais como os conceitos, as ideias, a linguagem, as competências e todas as outras possíveis aprendizagens. No entanto, segundo Vygotsky, esta acção docente, como mediador no processo de aprendizagem dos alunos, só terá sentido se for realizada no plano da zona de desenvolvimento proximal (ZDP), a qual é definida pelo autor como a distância que medeia o desenvolvimento real – adquirido ou formado, que determina o que o aluno já é capaz de fazer por si próprio - e o potencial – capacidade de aprender com outra pessoa. Deste modo, o professor constitui-se na pessoa mais competente, cuja função é ajudar o aluno na resolução de problemas matemáticos que se encontram fora do seu alcance, desenvolvendo estratégias para que gradualmente, este seja capaz de resolver por si mesmo, proporcionando a transformação do desenvolvimento potencial em desenvolvimento real. 23


Importa assim, não tanto ensinar aquilo que o aluno pode aprender por si mesmo, mas sim potenciar o processo de aprendizagem dos alunos, pelo que emerge a necessidade de definir estratégias promotoras de interacções sociais, nomeadamente através do trabalho de grupo as quais, de acordo com estudos realizados por diversos autores, têm revelado grandes potencialidades: não só permitem observar progressos para os alunos que interagem com um par mais competente (colega ou professor), como também o par mais competente surge beneficiado pelo facto de interagir com o par menos competente, uma vez que o próprio processo interactivo permite uma coconstrução de saberes. Assim, as interacções em grupo, por promover a participação, a colaboração e a comunicação, constituem um meio de promover o pleno desenvolvimento dos alunos e o seu sucesso em matemática, objectivos que surgem expressos nos currículos actualmente em vigor (Abrantes, Serrazina e Oliveira, 1999).

II. 2. 5. A Concluir… Moll (1990), na introdução do seu livro, intitulado “Vygotsky and education: instructional implications and social applications of sociohistorical psychology”, refere que a principal contribuição de Vygotsky foi “ (…) desenvolver uma abordagem geral que situou a educação, como uma actividade humana fundamental, no âmbito de uma teoria do desenvolvimento psicológico. A pedagogia humana, em todas as suas formas, é a característica definidora da sua abordagem, o conceito central do seu sistema” (p.15). Para Vygotsky, a educação é central para o desenvolvimento cognitivo do indivíduo, realçando o facto de que a capacidade para ensinar e para se beneficiar da instrução é um atributo fundamental dos seres humanos. Importa ainda, salientar que Vygotsky foi o primeiro autor a perspectivar a construção do conhecimento como um processo social complexo, mediado pelo contexto sociocultural e histórico da criança, enfatizando assim, a importância entre o meio externo (social) e a criança, pelo que a sua teoria incidia primordialmente na compreensão e exploração de aspectos relacionados com a construção social do conhecimento, “ (…) segundo a qual pensamento, linguagem e cultura caminham de mãos dadas” (Fontes e Freixo, 2004, p.15), bem como no desenvolvimento social e pessoal dos alunos. Neste sentido, a sua teoria coloca um particular interesse na importância da interacção entre o meio externo (social) e a criança, enfatizando a

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importância do contexto sociocultural no significado atribuído às actividades do indivíduo. Para este autor, o ambiente e os indivíduos interagem constantemente, sendo estas interacções sociais mediadas por meios auxiliares (com maior relevância, pela linguagem), os quais englobam significado e sentido cognitivo, conduzindo à aprendizagem e consequentemente, ao desenvolvimento. Em suma, segundo Moll (2002), a abordagem sociocultural de Vygotsky pode resumir-se em três aspectos gerais: (a) a confiança que depositava na análise genética (evolutiva); (b) o pressuposto de que as funções mentais superiores têm origem na sua actividade social e são formadas durante a aculturação das crianças. Para Vygotsky, a educação formal constituía um instrumento essencial de aculturação, sendo as escolas (assim como outras situações educacionais, de carácter informal) as melhores representantes de um “laboratório cultural”, por serem cenários sociais especialmente desenhados para modificar o pensamento; e (c) a ideia de que os instrumentos e sinais utilizados como mediadores dos processos humanos, psicológicos e sociais, são a chave para a sua compreensão.

II. 3. A Aprendizagem Situada

Uma perspectiva semelhante à abordada anteriormente pode ser encontrada no trabalho desenvolvido em 1991, pelos investigadores Jean Lave e Etienne Wenger, no qual propõem um novo olhar sobre a aprendizagem, reportando-se à importância de “redireccionar o foco de análise de o indivíduo como alguém que aprende para a aprendizagem como participação no mundo social, e passar do conceito de processo cognitivo a uma visão mais alargada de prática social” (Lave e Wenger, 1991, p. 43). Esta nova visão sobre a aprendizagem que envolve a pessoa na sua globalidade, apesar de reconhecida a sua importância, principalmente perante a heterogeneidade existente nas nossas salas de aula, revela-se contrária à da sociedade actual, em particular da instituição Escola, onde permanece ainda a convicção de que a aprendizagem é um processo individual, com um princípio e um fim, separada das restantes actividades que fazem parte da vida diária das pessoas e, consequentemente,

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resultante do ensino. É neste sentido, que ainda se visualiza a instituição Escola como a guardiã dos saberes e a escolarização como um processo centrado no ensino, em vez de o ser na aprendizagem, existindo a crença de que: (…) a informação e o conhecimento passam do professor, à medida que ele ou ela fala para o estudante, que escuta (…). O papel do aprendente é, primariamente, o de receber informação e acondicioná-la na memória. (Säljö, 2004, p. 181) A ideia supracitada é familiar a qualquer leitor que se recorde da sua própria experiência de aprendizagem, em particular de aprendizagem matemática na Escola, onde se ensinava e, consequentemente se aprendia (ou não) parte de um corpo consolidado e universal de conhecimento matemático. As práticas pedagógicas dominantes eram períodos de exposição ou demonstração por parte do professor, durante os quais se estabeleciam interacções com os alunos através de questões fechadas e/ou problemas, sendo realizados individualmente pelos mesmos e posteriormente desenvolvidos pelo

professor.

Nesta ideia

encontra-se presente o

binómio

transmissão/aquisição de conhecimentos, o qual se associa a uma postura menos participativa do aluno, prevalecendo substancialmente no domínio da educação matemática. Isto implica que “a aprendizagem é concebida essencialmente como passiva, uma actividade que implica ouvir em vez de participar, receber em vez de produzir. Estas são as expectativas básicas (…)” (Säljö, 2004, p. 181) para que os alunos adquiram conhecimentos, saberes e sejam posteriormente avaliados, no intuito de se verificar se houve de facto aquisição, pelo que a aprendizagem aqui é conceptualizada como um tipo de processo cognitivo específico e a Escola assume a sua função de especialista da aprendizagem. A cultura de transmissão/aquisição deve ser interrogada no actual mundo desafiador e em constante mudança, em particular numa Escola que se pretende inclusiva, uma Escola para Todos, capaz de preparar cidadãos críticos, reflexivos e participativos que consigam responder aos constantes desafios que a actual sociedade lhes coloca. A perspectiva de transmissão faz pouco sentido se tivermos em consideração os fracos resultados escolares dos estudantes na disciplina de Matemática e a consequente desmotivação para o seu estudo, aliados ao esforço (aparentemente)

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infrutífero dos professores em diversificar estratégias e modificar práticas para a dita transmissão de factos matemáticos, considerada necessária e importante para uma melhor compreensão e assimilação dos mesmos. Ora, se a Matemática constitui “um património cultural da humanidade e um modo de pensar”, como afirmam Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999, p.17), sendo a sua aprendizagem um direito de todos, então não se pode olhar para um aluno como apenas um “recipiente” onde se armazena informação (factos, princípios e regras), transmitida de forma correcta pelo professor, esperando-se que esta seja adquirida pelo mesmo, de modo organizado e passivo. Devese sim, optar por práticas pedagógicas que promovam uma aprendizagem colaborativa, onde se privilegiem as interacções sociais como dinâmica fundamental no processo de construção do conhecimento matemático e consequentemente, na promoção do pleno desenvolvimento dos alunos. Assim, há que se repensar na aprendizagem sob uma perspectiva diferente, assumindo-a como parte da natureza humana como ser social e, encarando-a como um fenómeno situado e construído socialmente, que ocorre num contexto onde o conhecimento existe no seio das comunidades em que as pessoas participam. Esta ideia é reforçada por Lave e Wenger quando advogam que a “aprendizagem é tomada como sendo um aspecto integral da prática (num sentido histórico e generativo)” (1991, p.34), pelo que a aprendizagem deixa de ser vista como um tipo de actividade, para passar a ser considerada como um aspecto de todas as actividades. Sob esta perspectiva, a aprendizagem é situada na prática como “ (…) uma parte integral da prática social generativa no mundo vivido2” (1991, p. 35). Nesta parte do presente capítulo, importa clarificar como o conceito “situado3” é entendido nesta abordagem, uma vez que existe alguma confusão sobre o significado de aprendizagem situada, resultante das diferenciadas interpretações. Num sentido mais vulgarizado do termo “situado” associamo-lo muitas vezes ao de “localizado”, tanto no espaço como no tempo. Em algumas ocasiões, “situado” significa apenas que pensamentos e acções das pessoas se encontram localizadas no tempo e no espaço. Noutras, parece significar que pensamentos e acções são sociais num sentido mais restrito de envolverem outras pessoas ou de os significados dependerem, de forma

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Tradução da expressão lived-in world frequentemente usada por Lave e Wenger Tradução da expressão situatedness frequentemente usada por Lave e Wenger

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imediata, dos ambientes sociais em que decorrem. Este tipo de interpretações leva a considerar algumas actividades como sendo situadas e outras não. Importa assim sublinhar que na concepção de actividade situada desenvolvida por Lave e Wenger (1991), a característica situada surgiu como um simples atributo empírico da actividade diária ou um elemento que valoriza características da aprendizagem informal, baseada na experiência quotidiana, adquirindo posteriormente “proporções de uma perspectiva geral teórica” (p. 33). Assim, esta característica de “situado” constitui o suporte na justificação do carácter relacional de conhecimento e aprendizagem, bem como do carácter negociado de significado em relação à natureza da actividade em que as pessoas se encontram envolvidas. Isto implica a afirmação de que não existe actividade que não seja situada, dando-se ênfase ao envolvimento da pessoa na sua globalidade, na actividade no e com o mundo social, contrariando a importância da recepção de um corpo de conhecimento factual sobre o mundo, e concebendo a visão de que “agente, actividade e o mundo se constituem mutuamente uns aos outros” (p. 33). Neste sentido, perante a “resistência” à concepção de aprendizagem situada que Lave e Wenger (1991) defendem, os mesmos salientam que “o chamado conhecimento geral só tem poder em circunstâncias específicas” (p. 33) pelo que, mesmo reconhecendo

que

a

generalidade

aqui

referida

se

encontra

associada

a

descontextualização e a representações abstractas, estas últimas não têm qualquer significado, a não ser que se tornem específicas em determinadas situações. O conhecimento de uma regra geral por si só de forma alguma assegura que qualquer generalidade, possivelmente associada a esta regra, seja aplicada em circunstâncias nas quais a mesma é relevante. Tal “generalidade de qualquer forma de conhecimento assenta sempre no poder de renegociar o significado do passado e futuro na construção de significado em circunstâncias presentes” (p. 34). A análise da aprendizagem, em particular da aprendizagem matemática escolar, como fenómeno situado, requer a presença de um novo olhar sob a perspectiva de que aprender e conhecer são partes da prática social, ou seja, de que aprender e pensar matematicamente significa desenvolver um ponto de vista matemático e competência para trabalhar com ferramentas próprias, por forma a compreender e apropriar um determinado sentido matemático que os professores desejam que os seus alunos se apropriem e partilhem. Neste tipo de abordagem, pode-se constatar a substituição do binómio transmissão/aquisição, mencionado anteriormente, pela noção de apropriação,

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a qual envolve uma participação activa do aluno e tem como implícita a existência de interacções sociais estabelecidas, numa partilha, com os restantes participantes. Assim, ao invés de dar a conhecer a Matemática aos alunos, perspectivando a aprendizagem da mesma como um ganho de bens conceptuais, deve-se levá-los a apropriarem-se de modos de entender matematicamente as situações do dia-a-dia, pelo que a aprendizagem da mesma deve ser encarada como um processo de construção activa, não só de conhecimento, mas também de valores e de prática social, através da qual os alunos atribuem significados às suas palavras e acções, tendo como referência aquilo que sabem das suas experiências e vivências diárias, isto é, ao actuarem e reflectirem sobre o mundo. Deste modo, de acordo com a nova visão, em contraste com a aprendizagem assumida como internalização, a aprendizagem é percepcionada como um processo de participação crescente em variadas práticas culturais e na partilha de actividades de aprendizagem, relacionando-se com a pessoa em acção no mundo, ao invés de um “simples” processo de criação (individual) de conhecimento. É nesta perspectiva que Lave e Wenger (1991) defendem que aprender é um processo que tem lugar num framework participativo e não numa mente individual, o que significa, entre outras coisas, que a aprendizagem é mediada pelas diferentes perspectivas dos coparticipantes. Jean Lave e Etienne Wenger, no seu trabalho “Situated Learning – Legitimate peripheral participation”, propõem-se repensar e reformular a ideia de aprendizagem, procurando situá-la nas relações sociais – situações de co-participação – ao invés de a considerar como aquisição de certas formas de conhecimento. Como William F. Hanks refere na sua introdução do livro supracitado: “Em vez de perguntar quais os tipos de processos cognitivos e estruturas conceptuais que estão envolvidas, eles questionam-se sobre os tipos de engajamentos sociais que providenciam o contexto adequado para que a aprendizagem tenha lugar” (1991, p. 14). Situam a aprendizagem não tanto na aquisição de estruturas ou modelos, mas no acesso por parte dos aprendizes a papéis de participantes em performance de experts. Assim, a aprendizagem pode ser considerada como uma característica da prática, presente em todo o tipo de actividade, e não somente em casos de treino ou apprenticeship4 (1991, p. 18), pelo que envolve a participação numa comunidade de prática. O termo participação aqui refere-se, segundo

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A ideia de apprenticeship é muito utilizada na abordagem situada e uma vez que não parece existir uma tradução simples em Português, optei pela utilização do termo inglês.

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Wenger (1998) ao “processo de tomar parte e às relações com os outros que reflecte este processo (…)” (p. 55), pelo que alude “não só a momentos de engajamento em certas actividades com certas pessoas, mas sim a um processo mais circundante ao tornar-se um participante activo nas práticas de comunidades sociais e na construção de identidade em relação a essas comunidades” (p.4). Envolve assim, “a pessoa no seu todo, incluindo corpo, mente, emoções e relações sociais.” (p.56) A aprendizagem, vista por Lave e Wenger (1991) como aprendizagem situada, é entendida como “um aspecto integral e inseparável da prática social” (p.31), sendo integral no sentido de que é essencial para a completude da prática social, tornando-se constituinte dessa prática. Esta noção de aprendizagem situada surge como um conceito transitório, uma ponte, entre a visão segundo a qual os processos cognitivos (e consequente a aprendizagem) são primordiais e a que assume a prática social como fenómeno generativo e principal, e a aprendizagem como uma das suas características. Assim, como aspecto da prática social, a aprendizagem é concebida como um processo que envolve a pessoa na sua globalidade, o que implica não só uma relação com actividades específicas, mas também uma relação com comunidades sociais, tornando-se participante (full), um tipo de pessoa (identidade), membro. Neste sentido, aprender significa tornar-se uma pessoa diferente com respeito às oportunidades proporcionadas por essas relações sociais, envolvendo a construção de identidades. Aprender não é meramente uma condição de pertença, é ela mesmo uma forma evolutiva de pertença (Lave e Wenger, p.53), o que implica associar a aprendizagem a um certo tipo de participação designado como “participação legítima periférica5”.

II. 3. 1. Participação Legítima Periférica

O termo “participação legítima periférica” foi utilizado por Jean Lave e Etienne Wenger, no seu livro em 1991, para caracterizar o processo através do qual newcomers6 se tornam parte de uma comunidade de prática, no qual se podem “identificar condições importantes sob as quais as pessoas se tornam membros da referida comunidade” 5

Tradução da expressão Legitimate Peripheral Participation usada por Lave e Wenger (1991) Apesar de se poder traduzir a expressão newcomers por “recém-chegados”, característico no discurso de Lave e Wenger para falar sobre a aprendizagem, irei manter a expressão original inglesa. 6

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(Wenger, 1998, p. 100). Simultaneamente, propõem este termo como um “descritor do engajamento na prática social, que tem inerente a aprendizagem como um constituinte integral” (1991, p. 35) e como uma expressão que propicia “uma forma de falar acerca das relações entre newcomers e old-timers, e sobre actividades, identidades, artefactos e comunidades de conhecimento e de prática. (…) A intenção das pessoas para aprender encontra-se engajada e o significado da aprendizagem é configurado através de um processo de se tornar um participante (full) na prática sociocultural” (Lave e Wenger, 1991, p. 29). Nesta citação pretende-se realçar o facto de a aprendizagem ocorrer não tanto através da reificação7 de um currículo, mas sim através de formas de participação estruturadas para permitir o acesso à prática dos futuros membros (Wenger, 1998, p.100). Importa aqui salientar que a participação legítima periférica não deve ser assumida como uma forma educacional, muito menos como uma “ (…) proposta pedagógica ou uma técnica de ensino (tal como não é o construtivismo ou o conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky). ” (Matos, 1999, p.72). Este conceito constitui um ponto de vista analítico da aprendizagem, uma forma de a compreender, ou seja, uma forma de compreender como ocorre o processo de ensino/aprendizagem num contexto sociocultural (escola), em particular, na sala de aula de matemática. De acordo com Matos (1999), a aprendizagem como participação legítima periférica ocorre qualquer que seja a forma educativa que providencie um contexto próprio para tal ou inclusivamente na ausência de uma forma educativa intencional, uma vez que proporciona um maior envolvimento e interesse da pessoa (aluno) na participação num certo tipo de actividades, o que poderia não suceder se a mesma fosse vista como alguém “ (…) interessado na acumulação de posses privadas. Ou seja, a aprendizagem é agora concebida como um processo de tornar-se membro de uma 7

Tradução da expressão reification utilizada por Wenger (1998) quando se refere ao processo de ir dando forma à nossa experiência produzindo objectos que ‘congelem’ (tradução de congeal) essa experiência em ‘coisas’ (tradução do termo thingness). Fazendo isto criamos pontos de foco à volta dos quais a negociação do significado se organiza. Neste sentido, juntamente com o termo de participação, reificação é um conceito muito útil para descrever o engajamento com o mundo com um significado produtivo e é um processo central a qualquer prática, visto que qualquer comunidade de prática produz abstracções, ferramentas, símbolos, histórias, termos e conceitos que reificam algo dessa prática numa forma congelada. (p. 58-59)

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comunidade” (Fernandes, 1998, p.33), onde o desejo de pertença à mesma, por parte do aluno, constitui um pré-requisito importante na sua predisposição para aprender. Existe assim, uma distinção fundamental entre aprendizagem e instrução intencional, o que não nega que a aprendizagem possa ocorrer onde existe ensino (intencional), não o tomando como sendo a fonte ou causa8 da aprendizagem. Se assim fosse, não se assistiria certamente, como vem sendo habitual todos os anos, aos fracos resultados escolares a matemática que se têm revelado num problema persistente e não perduraria uma desmotivação e uma rejeição nítida à disciplina e ao seu estudo por parte dos alunos, os quais a vêem como complexa e acessível apenas a alguns. Neste sentido, ensinar matemática revela-se uma tarefa bastante árdua e complexa, principalmente se o intuito é ir ao encontro de uma aprendizagem significativa, com compreensão, reconhecendo-se a inexistência de “receitas” que permitam que todos os alunos a aprendam, indo ao encontro de uma Matemática para todos. Neste sentido, tal como Matos (1999) afirma, torna-se claro que “ (…) aquilo que é aprendido é problemático com respeito ao que é ensinado” (p. 69). Ao aceder-se ao conceito de participação legítima periférica, é importante analisá-lo com algum cuidado não o decompondo, naturalmente, num conjunto de três pares contrastantes: participação versus não participação, legítima versus ilegítima e periférica versus central. Deve ainda, ser desenvolvido com a preocupação de não separar os seus três elementos constitutivos – a participação, a ideia de legitimidade e a noção de periferia, devendo ser visto como um todo, pelo que “cada um destes aspectos é indispensável na definição dos outros e que não podem ser considerados isoladamente. Os seus constituintes são aspectos inseparáveis e a sua combinação cria o panorama dos membros da comunidade” (Lave e Wenger, 1991, p. 35). Assim, segundo Lave e Wenger (1991, p.35-7), ao falar-se do conceito de participação legítima periférica, devese ter em conta os seguintes aspectos fundamentais: 1) a legitimidade da participação - característica que define modos de pertença de uma pessoa a uma comunidade social, sendo não apenas uma condição essencial para a aprendizagem, mas também um “elemento constitutivo do seu conteúdo”;

8

Tradução da expressão source or cause utilizada por Lave e Wenger (1991)

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2) a participação periférica – diz respeito ao posicionamento de quem aprende no mundo social, onde se verifica uma modificação natural de posicionamentos e de perspectivas que fazem parte das trajectórias de aprendizagem, bem como o desenvolvimento de identidades.

A

periferialidade sugere que existem formas variadas, inclusivas, múltiplas, mais ou menos engajadas de se estar posicionado no campo da participação definido por uma comunidade, aspecto este que salienta um elemento positivo e dinâmico da participação e que proporciona uma abertura e uma forma de acesso às fontes do saber através de um envolvimento crescente na prática. Assim, pode dizer-se que traduz a existência de múltiplas formas de participação e a possibilidade de diversos graus de envolvimento, definidos pela comunidade. A participação periférica traduz-se numa participação (full9) que evidencia a multiplicidade de relações continuamente renovadas e compreendidas nas várias formas de se tornar membro numa comunidade; e 3) a legitimidade da periferia – é uma noção complexa, implicada em estruturas sociais que envolvem relações de poder, podendo tornar-se numa posição de articulação no que concerne ao relacionamento da comunidade. A ‘chave’ para legitimar a periferia é o acesso dos newcomers à comunidade de prática e tudo o que isso implica. Para se tornar um participante (full) da comunidade de prática requer um vasto acesso a actividades-em-acção10. Pode-se exemplificar ao se afirmar que se o carácter da periferia for legitimado através do acesso a uma crescente e mais intensa participação, está-se perante uma posição que progressivamente vai dar poder a quem aprende. No entanto, se a participação se mantém periférica porque existe legitimidade para impedir um maior envolvimento na participação, então está-se perante uma posição que impede o acesso ao poder. (Santos, 1996, p.71). Neste sentido, a legitimidade da periferia pode ser a fonte que confere ou não o poder, de forma a permitir ou a evitar a articulação e o intercâmbio entre as comunidades de prática.

9

Full não significa necessariamente completa, do termo inglês complete, visto esta sugerir um domínio de conhecimento fechado ou uma prática colectiva para existem graus mensuráveis de “aquisição” para os newcomers 10 Tradução da expressão ongoing activity usada por Lave e Wenger.

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O conceito de Participação Legítima Periférica, como ferramenta analítica e descritiva do envolvimento na prática social, permite abordar a aprendizagem como elemento constituinte não só dessa prática, como também das identidades. Como consequência, esta ferramenta permite reconhecer a mudança das formas de participação e o desenvolvimento de identidades especializadas na prática, bem como a reprodução e transformação das comunidades de prática, sendo que “aprendizagem, transformação e mudança, estão sempre implicadas umas nas outras” (Lave e Wenger, 1991, p.57). A leitura desta última afirmação de Lave e Wenger sugere-me que a opção assumida no início do presente capítulo foi a mais acertada para o estudo que me proponho realizar, o qual tem como objectivo aprofundar a compreensão de como um professor pode dinamizar actividades e em simultâneo promover um ambiente colaborativo no intuito de “facilitar” uma aprendizagem matemática significativa, tendo consciência de que a mesma constitui “(…) um direito básico de todas as pessoas – em particular de todas as crianças e jovens (…) ” como afirmam Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999, p. 17). Assim, no intuito de alcançar este objectivo, é de extrema importância compreender “como” os alunos aprendem e o que aprendem, consciente de que os mesmos apresentam características diferentes, diversos ritmos de trabalho e de aprendizagem, bem como motivações e interesses distintos. E, é neste sentido, que considero importante esta teoria da prática social de Lave e Wenger, uma vez que a mesma permite reflectir sobre a aprendizagem escolar, em particular, sobre o que se aprende na escola e “como” se aprende, bem como “ (…) perceber como é que relacionam a sua participação na actividade escolar com a sua participação nos meios não escolares da sociedade” (Fernandes, 1998, p. 40), já que é através desta participação que os alunos se tornam um membro da comunidade da sala de aula e consequentemente, desenvolvem a sua identidade.

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II. 3. 2.Comunidades de Prática

Ao utilizar o conceito de participação legítima periférica para caracterizar a aprendizagem, vista como uma aprendizagem situada, emerge um elemento importante nesta perspectiva, o de “Comunidade de Prática”, definido como “conjunto de relações entre pessoas, actividade e o mundo ao longo do tempo e em relação com outras comunidades de prática tangenciais e parcialmente sobrepostas”. (Lave e Wenger, 1991, p. 98) Consideram este novo elemento como uma condição intrínseca para a existência de conhecimento e mantêm o princípio epistemológico de aprendizagem como participação numa prática cultural, cuja estrutura social, o seu poder relacional e as suas condições para a legitimidade propiciam oportunidades de aprendizagem (ou seja, de participação legítima periférica). Salientam ainda, que “o termo comunidade não implica necessariamente co-presença, um grupo bem identificado ou com fronteiras socialmente visíveis” (p. 98), mas sim co-existência de interesses e pontos de vista diferentes entre os respectivos participantes, que levam a contributos diversos e consequente valorização das interacções emergentes entre os mesmos. Uma exploração mais detalhada do conceito de “Comunidade de Prática”, que surge no seu livro “Communities of Practice – Learning, Meaning and Identity”, em 1998, levou Wenger a propô-lo não tanto como um modelo prescritivo mas como uma ferramenta analítica, mostrando como os conhecimentos dos seus membros e do colectivo são partilhados e desenvolvidos, proporcionando assim, um novo olhar sobre a aprendizagem concebendo-a como participação em comunidades, ao engajar em acções e interacções. Para tal, o conceito de comunidade de prática pode ser proposto como uma descrição sociológica de formas de participação nas práticas sociais de uma comunidade, no caso particular de uma comunidade de sala de aula de matemática. Equacionar a ‘aprendizagem como participação social’ em comunidades de prática – foco da teoria expressa – onde se proporciona uma partilha de compreensões entre os participantes na comunidade, sobre o que fazem ao participar, de forma diversificada, num sistema de actividades e o significado que isso assume nas suas vidas e para as 35


suas comunidades, possibilita-nos olhar para quem aprende (através da sua aprendizagem e das trajectórias de identidade), bem como para as comunidades de prática (através da sua evolução, transformação, etc.) (Ernest, 2000). Assim sendo, o conceito “Comunidade de Prática” torna-se merecedor de uma análise um pouco mais pormenorizada, bem como de algumas das ideias que lhes estão associadas e que são importantes no âmbito do trabalho que pretendo desenvolver. Wenger cunhou o conceito de Comunidade de Prática como grupo informal de pessoas que partilham uma preocupação, um conjunto de problemas, um interesse ou uma paixão por algo que fazem e aprendem a fazê-lo à medida que vão interagindo regularmente uns com os outros, realçando no entanto, que “uma comunidade de prática não é um mero agregado de pessoas definidas por determinadas características. O termo não é sinónimo de grupo, equipa ou rede.” (Wenger, 1998, p. 74) Este é um dos alertas realizados por Wenger no sentido de contrariar a ideia facilitadora de identificação do que poderá ser uma comunidade de prática. Um outro alerta refere-se ao facto de não se poder dar como garantido a constituição destas comunidades através de uma determinada forma de organização, pelo que as comunidades de prática não existem por decreto ou por quaisquer poderes formalmente instituídos, tal como não se impõem organizacionalmente – “uma comunidade de prática é uma estrutura emergente, nem inerentemente estável nem mutável ao acaso” (Wenger, 1998, p. 49). Estas podem sim, ser consideradas como “comunidades que aprendem”, sendo constituídas por pessoas que, integrando-se de forma voluntária, assumem um compromisso de incorporar melhores práticas, aprendendo, construindo e “fazendo” a gestão do conhecimento (Wenger, 1998). Aqui, percebe-se um foco não só na pessoa-em-acção, mas também nas formas de participação em comunidades de prática, conceito que apesar da visibilidade obtida nas abordagens situadas da aprendizagem, mereceu algumas críticas por parte de alguns investigadores, como por exemplo de Adler (1996), nomeadamente no que concerne à sua adaptação ou extensão à aprendizagem escolar, em particular à aprendizagem matemática escolar. Segundo Fernandes, Adler (1996) afirma que “ (…) é difícil identificar o que é uma comunidade

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de prática na matemática escolar e relacionado com isto, o que constitui a participação (participação legítima periférica) na sala de aula de matemática” (p. 40). No entanto, tal como Lave (1996 b) afirma em textos mais recentes , a sua teoria social deve ser vista como base para uma reflexão sobre a aprendizagem escolar, em particular sobre “o que” e “como” se aprende na escola, mais propriamente num contexto matemático escolar e, para tal, é importante que a escola (professores) tenham conhecimento das comunidades de prática que aí coexistem, uma vez que as mesmas são consideradas pela autora como uma condição intrínseca à existência de conhecimento. Neste sentido, as interacções sociais e a negociação de significados aí emergentes, são vistas como um contexto e um processo, respectivamente, de construção de conhecimento. A noção de comunidade de prática é, portanto, uma ferramenta de análise da aprendizagem, a qual proporciona meios para se perceber melhor os processos de aprendizagem e consequentemente, traduzi-los para sugestões de estratégias de ensino por forma a que o professor possa rentabilizar o potencial das comunidades de prática na aprendizagem. De realçar ainda, que uma prática centrada na aprendizagem colaborativa e na co-construção de conhecimento poderá ser similar à da comunidade de prática, uma vez que existem situações numa aula de Matemática onde o empreendimento de todos os participantes parece coincidir, como por exemplo quando professor e alunos engajam na exploração conjunta de problemas e no desenvolvimento de conhecimento matemático. Importa salientar ainda, que esta perspectiva teórica para pensar o ensino e a aprendizagem da matemática escolar tem sido utilizada por outros investigadores e educadores matemáticos. É o caso particular de Peter Winbourne e Anne Watson (1998a) que desenvolvem uma perspectiva teórica para identificar e descrever comunidades de prática locais, afirmando que: “Tais comunidades podem ser locais em termos tanto de tempo como de espaço: são locais em termos da vida das pessoas; em termos de práticas normais de escola e sala de aula; em termos de se tornar membro na prática; podem ’aparecer’ numa sala de aula apenas numa aula (lição) e pode decorrer muit tempo antes de serem reconstituídas (…)” (Winbourne e Watson, 1998, p. 94/95) 37


Afirmam ainda, que é útil pensar em qualquer sala de aula como uma intersecção de múltiplas práticas e trajectórias, apresentando de seguida, como conclusão, as características necessárias para se constituir uma comunidade de prática local, a saber: “1) os alunos verem-se, a eles próprios, como funcionando matematicamente e, para esses alunos, fazer sentido ‘o ser matemático’ como uma parte essencial de quem são naquela aula; 2)

através das actividades e papéis assumidos há reconhecimento

público do desenvolvimento da competência naquela aula; 3)

os alunos verem-se a trabalhar conjuntamente, com um

propósito, para conseguirem um entendimento comum; 4)

existem modos partilhados de comportamento, linguagem,

hábitos, valores e uso de ferramentas; 5)

a aula é, essencialmente, constituída por participação activa dos

alunos e professor; e 6)

os alunos e o professor podem ver-se engajados na mesma

actividade.” (Winbourne e Watson, 1998, p. 103) Afirmam que, ao discutirem as comunidades de prática locais, têm como objectivo fornecer uma linguagem e uma perspectiva aos professores, de forma a estes melhorarem as experiências matemáticas dos seus alunos. Assim, as escolas (professores) devem assumir o seu papel fulcral no que concerne a se inteirarem mais sobre as comunidades de prática existentes dentro e fora da escola, às quais os alunos pertencem ou que tenham interesse em pertencer, o “quê” e “como” aprendem e ainda, tentarem perceber como a sua participação na actividade escolar se relaciona com a sua participação nos meios não escolares da sociedade. Se a Escola “pretende continuar a ser um local privilegiado para a aprendizagem, é importante pensá-la à luz do que se acredita sobre o modo como se aprende” (Fernandes, 2004, p. 110), pelo que o propósito aqui é a mudança do foco de análise do ensino para a aprendizagem, bem como para as práticas em que os alunos se encontrem

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engajados. Para tal, um dos requisitos a estabelecer é analisar professores e alunos como indivíduos no seu direito, recomendando-se um olhar cuidado sobre cada um deles como participantes na comunidade e sobre as relações estabelecidas entre si. De notar ainda a importância de, neste processo, se proporcionar a oportunidade aos alunos de ver o seu professor como alguém empenhado e em situação de aprender, de forma sentilo como um elemento da comunidade de prática a que pertencem ou que possam também vir a pertencer.

II.3.2.1. Características de uma Comunidade de Prática A Comunidade de Prática surge de relações e situações que envolvem as pessoas, na procura de soluções para os problemas com que se defrontam no seu dia-adia, incorporando um conjunto de conhecimentos, consequentes de uma partilha e de interacções existentes entre si. Apesar de não ter um nome específico que a caracterize, podendo ser reconhecida por variadas denominações, tais como “comunidade de conhecimento”, “comunidade de aprendizagem”, entre outras, é de realçar que uma comunidade de prática é uma combinação única de três elementos fundamentais (Wenger; McDermott e Snyder, 2002, p. 27-9): 1) um domínio de conhecimento, que define um conjunto de questões; cria uma base e um sentido de identidade comum; guia a aprendizagem dos membros, como elemento principal de inspiração, para que contribuam e participem de forma a darem significado às suas acções e às suas iniciativas; particularizando para o ensino e aprendizagem da Matemática. Matos (2003) afirma que o domínio tem sido sistematicamente entendido como Matemática escolar e que, no entanto, é necessário colocar o desafio de o definir mais como ‘educação matemática’ visto que uma alteração desta natureza implicaria necessariamente alterações na forma como a prática e a comunidade se desenvolvem; 2) uma comunidade de pessoas que se preocupam, interagem, aprendem conjuntamente e constroem relações entre si e em torno do domínio, num processo de engajamento mútuo e de pertença; e 3) uma prática partilhada que os membros dessa comunidade desenvolvem para serem efectivos no seu domínio; o seu conceito dá estrutura ao significado do 39


que fazemos, pelo que é sempre prática social (Wenger, 1998), sendo constituída por um conjunto de “esquemas de trabalho, ideias, informação, estilos, linguagem, histórias e documentos que são partilhados pelos membros da comunidade; enquanto o domínio se refere ao tópico específico em que a comunidade se foca, a prática é o conhecimento específico que a comunidade desenvolve, partilha e mantém” De realçar ainda, que “a prática é antes de mais nada, um processo pelo qual podemos experimentar o mundo e o nosso envolvimento nele como algo que faça sentido” (Bolzani Jr. et al, 2002, p. 10). Neste contexto, uma Comunidade de Prática pode ser caracterizada a partir de três dimensões de relação entre comunidade e prática, sendo esta última identificada como fonte de coerência de uma comunidade de prática, a saber: engajamento mútuo (mutual engagement); empreendimento conjunto (joint enterprise); e reportório partilhado (shared repertoire). Estas três dimensões inter-relacionam-se e ao pensar em cada uma delas torna-se necessário ter presente a interacção com as restantes, como se pode verificar no esquema da próxima figura apresentado por Wenger (1998), onde sumariza vários aspectos pertinentes para a discussão de cada uma dessas dimensões.

Figura 2- Dimensões da prática como propriedade de uma comunidade (Wenger, 1998, pg. 73)

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O engajamento mútuo dos participantes é a primeira característica da prática como fonte de coerência da comunidade. A prática não reside em livros ou em ferramentas, envolvendo sim todo o tipo de artefactos. Não reside na estrutura que a precede, embora não comece num vácuo histórico. A prática reside sim, numa comunidade de pessoas e nas relações de mútuo engajamento em acções cujos significados são negociados, que lhes permite fazer o que fazem. Ser membro de uma comunidade é uma questão de engajamento mútuo e consequentemente, uma questão de pertença. Neste sentido, ser incluído no que quer que seja, é um requisito para se estar engajado numa comunidade de prática, na qual cada participante encontra um lugar único e ganha uma identidade única, que é integrada e definida no seio do engajamento na prática. Estas identidades tornam-se interligadas e articuladas umas com as outras através do engajamento mútuo, embora não se fundam. As relações de engajamento mútuo geram, normalmente, tanto diferenciação como homogeneização. (Wenger, 1998, p. 75-76). Neste sentido, o engajamento mútuo torna-se uma forma de pertença e a base da identidade. Importa aqui sublinhar que a mutualidade que vem sendo referida no presente trabalho, apesar de ser uma condição necessária para que a prática tenha lugar e para que a comunidade exista, não implica necessariamente a existência de relações harmoniosas (entre as pessoas), podendo gerar partilha de tensões e conflitos (de modo favorável). “O desacordo, desafios e competição podem ser formas de participação. Como forma de participação , a rebelião muitas vezes revela um maior compromisso do que a conformidade passiva.” (Wenger, 1998, p. 77). Ao reportarmo-nos à escola, nomeadamente a uma sala de aula, em particular de Matemática, facilmente identificamos tensões e conflitos derivados de interesses, motivações, experiências e vivências individuais diversas dos participantes, não significando, por si só, que o engajamento mútuo não exista. Todos os participantes numa sala de aula de Matemática, encontram-se engajados em práticas (práticas escolares) conjuntas, no sentido de se apropriarem do processo de aprendizagem de acordo com os seus objectivos definidos como indivíduos e membros da sociedade. No entanto, normalmente não existe um sentimento partilhado de pertença, que se espera numa comunidade de prática, resultante na maioria das vezes da falta de mutualidade existente entre professor e aluno ou entre aluno e aluno. Uma hipótese de inverter esta situação seria proporcionar a criação de um ambiente propício a interacções e a partilha (‘instigado’ por trabalho colaborativo), ajudando os participantes a criar infra-estuturas 41


de engajamento, por forma a permitir e contribuir para que estes se percebam envolvidos em algo comum (um empreendimento conjunto) e consequentemente desponte um sentimento partilhado de pertença à respectiva comunidade. A ideia de empreendimento conjunto, segunda característica da prática como fonte de coerência da comunidade de prática, foi proposta por Wenger (1998) como “resultado de um processo colectivo de negociação que reflecte a complexidade global do engajamento mútuo”, sendo “definido pelos participantes no próprio processo de o realizar” e criando entre estes “relações de responsabilidade mútua que se tornam parte integrante da prática” (p. 77 – 78). Neste sentido, o empreendimento de uma comunidade de prática não constitui apenas um objectivo, incluindo também “aspectos instrumentais, pessoais e interpessoais das nossas vidas”, o que revela a sua complexidade tão complexa como o próprio ser humano, aspecto este que dificulta a aplicação desta teoria social num contexto de sala de aula de matemática, onde os empreendimentos de alunos e professores são claramente diferentes. Enquanto o empreendimento dos alunos é, ostensivamente, tornarem-se competentes nas práticas da matemática escolar, o do professor é que os seus alunos se tornem competentes nestas práticas. Aqui, pode-se constatar uma sobreposição e não uma oposição entre os empreendimentos verificando-se, no entanto, que a sua natureza é claramente diferente da dos que ocorrem numa comunidade de prática. Lave (1996a) compara a relação professor – aluno com a de terapeuta – cliente, referindo que estes não se encontram envolvidos num empreendimento conjunto, explicando o porquê. Os terapeutas (leia-se professores) tomam a seu cargo, a partir de certas interpretações, a caracterização da subjectividade dos seus clientes (leia-se alunos), direccionando as suas acções para com estes, tendo em consideração essas interpretações. No entanto, quando se trata da sua própria participação, os terapeutas reduzem-na a um ponto de vista que é o agir em benefício dos seus clientes, como se eles não tivessem os seus próprios interesses, motivações, objectivos ou preocupações que embocam e afectam o que transparece (p. 158). O resultado nestes casos reside na dificuldade dos participantes em se perceberem envolvidos em algo comum (empreendimento conjunto), o que resultaria de um processo colectivo de negociação de significado e de partilha, tal como sucede nas comunidades de prática. Em tal contexto, todos os membros da comunidade trabalham em conjunto num empreendimento e é através do engajamento mútuo que a aprendizagem ocorre como característica da prática. 42


No caso particular de uma sala de aula, em particular de matemática, se aquilo que os alunos estão a aprender é ‘como’ se aprende certo tipo de coisas, então, de acordo com o modelo de comunidades de prática, o professor tem a desempenhar um papel importante como guia, mediador e facilitador, bem como um modelo de alguém que aprende, manifestando assim vontade em trabalhar em conjunto com os seus alunos em algo comum (empreendimento) permitindo-lhe assim, tornar-se um membro da comunidade. Para tal, emerge a necessidade de uma recaracterização do papel do professor, o qual deixa de ser visto como detentor de conhecimento, um “técnico que dá o currículo”, passando a ser reconhecido como um expert em práticas sociais da comunidade, proporcionando aos seus alunos a oportunidade de o verem como alguém empenhado em aprender e que se mostra em situação de aprender, exemplificando-lhes assim, como participar legitimamente nessas mesmas práticas. Importa aqui, sublinhar que por o engajamento mútuo não requerer homogeneidade, o empreendimento conjunto não significa concordância num sentido simples. De facto, em algumas comunidades, o desacordo pode ser visto como uma parte produtiva do empreendimento, pelo que este é conjunto não porque todos acreditem no mesmo ou concordem com tudo, mas porque é negociado conjuntamente (Wenger, 1998, p. 78). Quer com isto dizer que a partilha de um empreendimento não implica a partilha das mesmas condições de trabalho, a existência de dilemas comuns e a criação de respostas análogas (ou não) às suas condições. As suas situações individuais e respectivas respostas variam de pessoa para pessoa, dependendo das suas experiências e vivências individuais, e de um dia para o outro. No entanto, as suas respostas às condições encontram-se interconectadas, visto as pessoas se encontrarem engajadas num empreendimento conjunto. O empreendimento conjunto realça-se assim, pelo seu carácter de produção colectiva apresentando características inerentes a um produto organizacional (como empresa) desenvolvido por iniciativa dos vários participantes, pelo que emerge da forma conjugada e negociada de actuação de várias componentes (pessoas, organização, …). Neste sentido, um empreendimento é um “recurso de coordenação, de dar sentido, de empenhamento mútuo (…)” (Wenger, 1998, p. 82). Na prossecução deste desenvolve-se um conjunto de recursos (físicos e simbólicos) para negociar o significado, a que Vygotsky já havia referido, constituindo a terceira característica de prática como fonte de coerência da comunidade e que Wenger (1998) denomina por reportório partilhado. Os elementos do reportório podem 43


ser muito heterogéneos, obtendo a sua coerência não por eles próprios como actividades específicas, símbolos ou artefactos, mas pelo facto de pertencerem à prática da comunidade em busca de um empreendimento. Ao envolverem-se conjuntamente na construção do empreendimento, os participantes vão adequando as suas interpretações distintas decorrentes das acções, bem como das consequentes condições e constrangimentos, desenvolvendo significados que, não sendo semelhantes entre eles, se inter-relacionam, conjugando e ganhando coerência relativamente à prática que os une. O reportório de uma comunidade de prática é identificado por Wenger como apresentando duas características importantes: um desenvolvimento histórico e uma produção local de significado. O engajamento na prática durante um período de tempo leva ao desenvolvimento de um reportório partilhado que “inclui rotinas, palavras, ferramentas, modos de fazer as coisas, histórias, gestos, símbolos, acções ou conceitos que a comunidade produziu ou adoptou no curso da sua existência, e que se tornaram parte da sua prática. (…) Inclui o discurso pelo qual os membros criam afirmações significativas sobre o mundo, bem como os estilos pelos quais expressam as suas formas de ser membro e a sua identidade como membros.” (Wenger, 1998, p. 83) Numa situação de sala de aula de matemática, o objectivo passa por transmitir um conjunto de práticas escolares matemáticas, geradas externamente, o que não a distingue, por si só, de uma comunidade de prática, uma vez que segundo Wenger (1998), “não é necessário que um reportório seja totalmente e localmente produzido” (p.126). Reforça no entanto, a importância da ideia de este reportório ser partilhado, ou seja, os participantes têm de sentir que contribuem, de forma pertinente, para a construção desse reportório ou, pelo menos, para a constituição do significado dos seus elementos. Para tal, é necessário garantir a possibilidade de um espaço de participação, de forma a reconhecerem o sentido desta e consequentemente reconhecerem valorizado o seu engajamento com os outros elementos e se envolverem na constituição e sustentação de um empreendimento conjunto, derivado de uma negociação partilhada do significado.

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II.3.2.2. Aprendizagem, participação e identidade No presente capítulo pode-se constatar uma ênfase na visão relacional entre as pessoas, as suas acções e o mundo, típico de uma teoria de prática social, onde se concebe a aprendizagem em termos de participação social, com foco na pessoa-nomundo, como membro de uma comunidade sociocultural. Lave e Wenger (1991) afirmam que, ao contrário da aprendizagem como ‘internalização’, a “aprendizagem como uma participação crescente em comunidades de prática concerne à pessoa na sua globalidade, actuando no mundo” (p. 49), o que implica não só uma relação com actividades específicas, mas também uma relação com comunidades sociais, tornandose participante (full), um tipo de pessoa (identidade), membro. Assim, a aprendizagem implica tornar-se numa ‘pessoa diferente’, pelo que envolve a construção de identidades – centrais para as ‘carreiras’ dos newcomers nas comunidades de prática e fundamentais para o conceito de participação legítima periférica – as quais são concebidas como relações, a longo termo, entre pessoas e o seu lugar e como participação em comunidades de prática. No seu livro, em 1998, Wenger utiliza o termo de participação para descrever a experiência social de viver no mundo em termos de se tornar membro em comunidades sociais e o envolvimento activo em empreendimentos sociais. A participação é tanto social como pessoal, sendo reconhecida como um processo activo e complexo que combina fazer, falar, pensar, sentir e pertencer. Envolve a pessoa no seu global, incluindo corpo, mente, emoções e relações sociais (p. 55). Neste sentido, é caracterizada pela possibilidade de mútuo reconhecimento, associado à capacidade dos participantes para negociar o significado. Nesta experiência de mutualidade, a participação é a base da nossa identidade, sendo uma sua característica a possibilidade de desenvolver uma “identidade de participação”, isto é, uma identidade constituída através de relações de participação. (p. 56). No entanto, a construção das nossas identidades não depende só das práticas em que engajamos mas também naquelas em que isso não se verifica. As nossas identidades são constituídas não apenas por aquilo que somos, mas também pelo que não somos. Neste âmbito surge o termo da não-participação11, que também é identificado por Wenger (1998) como a base da identidade, tal como a participação. Consequentemente, 11

Tradução do termo non-participation usado por Wenger no seu livro, em 1998.

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as nossas relações com as comunidades de prática envolvem tanto a participação como a não-participação, e as nossas identidades são moldadas pela combinação das duas (p.164). Wenger salienta que as experiências da não-participação não constroem, necessariamente, uma identidade de não participação, isto porque as nossas próprias práticas incluem elementos de outras práticas e ainda, porque inevitavelmente entramos em contacto com comunidades de prática às quais não pertencemos, pelo que tudo contribui para a nossa experiência de identidade. Neste sentido, as experiências da nãoparticipação são inevitáveis na nossa vida, mas assumem um tipo diferente de importância quando a participação e a não-participação interagem para se definirem uma à outra, contribuindo assim para a coerência da nossa identidade. Wenger (1998) distingue assim, dois casos de interacção de participação e não participação, a saber: 1) periferia, onde algum grau de não-participação é necessário para capacitar um tipo de participação que é menos que completo. Aqui, é o aspecto da participação que domina e define a não-participação como um factor que capacita a participação; e 2) marginalidade, onde a forma de não-participação impede a participação completa. Aqui, é o aspecto da não-participação que domina e define uma forma restrita de participação. Assim, daqui depreende-se que periferia e marginalidade envolvem uma mistura de participação e não-participação, através da qual definimos a nossa identidade, reflectindo-se no nosso poder como indivíduos e comunidades para definir e influir as nossas relações com o resto do mundo. De referir ainda, que a diferença entre periferia e marginalidade deve ser entendida num contexto de trajectórias que determinam o significado das formas de participação, emergentes nesta discussão, e identificadas por Wenger (1998) como: participação completa (de dentro); nãoparticipação completa (de fora); periferia (a não-participação capacita a participação, quer leve à participação completa ou se mantenha numa trajectória periférica); e marginalidade (participação restringida pela não-participação, quer isso leve a não ser membro ou a uma posição marginal) (p.167).

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II.3.2.3. Modos de Pertença A perspectiva situada de Lave e Wenger ao entender a aprendizagem como uma experiência que faz parte integrante da participação em comunidades de prática, é assumida, por Wenger (1998), como um ‘veículo’ para a evolução das práticas e inclusão de newcomers, bem como (e através do mesmo processo) para o desenvolvimento e transformação de identidades (p. 13). Wenger (1998) afirma ainda que, para fazer sentido o processo de formação de identidades e aprendizagem, é útil considerar três modos de pertença a uma comunidade: a)

engajamento – envolvimento activo em processos mútuos de negociação do significado;

b)

imaginação – criação de imagens do mundo e visão de conexões através do tempo e espaço, extrapolando a partir da nossa própria experiência; e

c)

alinhamento – coordenar a nossa energia e actividades em ordem a se adaptar a estruturas mais amplas e contribuir para empreendimentos mais largos (p. 174).

Estes três modos de pertença podem ser sumarizados da forma apresentada no esquema da figura seguinte:

Figura 3 – Modos de Pertença (adaptado de Wenger, 1998, p. 174)

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O engajamento implica um envolvimento activo em processos mútuos de negociação do significado, pelo que Wenger (1998) o descreve como um processo triplo, que inclui a conjunção de: 1) negociação em curso do significado; 2) formação de trajectórias; e 3) revelação de histórias da prática (p. 174). De notar que, a conjunção destes três processos torna o engajamento num modo de pertença e numa base para a identidade, pelo que o seu conceito encontra-se fortemente relacionado com o de engajamento mútuo, este último responsável pelo sustento das comunidades de prática. Neste sentido, o engajamento requer a capacidade de tomar parte em actividades e interacções significativas, no desenvolvimento de relacionamentos interpessoais, na produção de artefactos partilhados, bem como na negociação de novas situações, o que implica “uma energia sustentada e relações de mutualidade” (Wenger, 1998, p. 184), condições necessárias para que a prática tenha lugar e a comunidade exista. Wenger (1998) sublinha ainda que, para uma aprendizagem sustentada, o engajamento requer um acesso fidedigno a ambos os aspectos da prática – participação e reificação – o que determina o acesso e a interacção com outros participantes no decorrer do seu próprio engajamento, permitindo a periferia na participação e consequentemente a existência de diferentes graus de envolvimento em actividades partilhadas. O engajamento requer também, capacidade e legitimidade para contribuir para um empreendimento, para a negociação de significado e para o desenvolvimento de uma prática partilhada, com acesso a símbolos, ferramentas, linguagem e documentos. É no acesso dual à participação e à reificação que torna o engajamento um contexto especial para a aprendizagem e para a identidade, sem o qual resultaria na incapacidade para aprender. (p. 184). A imaginação é um modo de pertença que não se encontra confinada ao engajamento mútuo, sendo reconhecida por Wenger (1998) como “um componente importante da nossa experiência com o mundo e o nosso sentido de lugar nele. Pode fazer uma grande diferença para a nossa experiência de identidade e o potencial para a aprendizagem inerente às nossas actividades” (p. 176). Através da imaginação podemos “localizar-nos no mundo e na história, e consequentemente incluir na nossa identidade outros significados, outras possibilidades, outras perspectivas” (p. 178), podendo levarnos a considerar a nossa própria posição, o nosso engajamento, com outros olhos – os olhos de um estranho12. A imaginação requer assim, a capacidade para explorar, assumir 12

Tradução da expressão outsider usada por Wenger (1998)

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riscos e criar conexões improváveis. Caracteristicamente, o trabalho da imaginação implica processos como: “reconhecer a nossa experiência nos outros, sabendo o que os outros fazem; definir uma trajectória que conecte o que fazemos com uma identidade alargada, vendo-nos em novos modos; localizar o nosso engajamento em sistemas mais amplos no tempo e no espaço (…); partilhar histórias, explicações e descrições; abrir acesso a práticas distantes através de excursões e contactos – visitando, conversando, observando, conhecendo; assumir o significado de artefactos e acções exteriores; criar modelos, reificando padrões, produzindo artefactos representativos; documentar desenvolvimentos históricos, eventos e transições; reinterpretar histórias e trajectórias em novos termos (…); gerar cenários, explorando outras formas de fazer o que fazemos, outros mundos possíveis e outras identidades.” (Wenger, 1998, p. 185) O conceito de imaginação de Wenger (1998) refere-se ao processo de “expandir o nosso eu transcendendo o nosso espaço e tempo e criando novas imagens do mundo e de nós próprios. Imaginação, neste sentido, é olhar para uma maçã e ver a árvore” (p.176). O uso do termo é utilizado, por vezes, para conotar fantasias retiradas da realidade, pelo que dá ênfase ao processo criativo de produção de novas ‘imagens’ e no gerar de novas relações através do tempo e do espaço. Designar este processo de imaginação não se trata de sugerir que produz aspectos da nossa identidade que são menos ‘reais’ ou ‘significativos’ dos que os baseados no engajamento mútuo, mas sim de que a mesma envolve um tipo diferente de trabalho do eu – um que concerne à produção de imagens do eu e imagens do mundo que transcende o engajamento (p.177). De notar que, enquanto o engajamento mútuo meramente cria uma realidade partilhada na qual se actua e constrói uma identidade, a imaginação é outro processo para criar tal realidade, cujo carácter criativo se encontra aposto a interacções sociais e experiências comuns. O alinhamento, tal como a imaginação, é um modo de pertença que não se encontra confinado ao engajamento mútuo. Segundo Wenger (1998) o processo de

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alinhamento liga tempo e espaço para formar um empreendimento mais lato, para que os participantes se conectem através da coordenação das suas energias, acções e práticas. O que o alinhamento nos traz para a cena é a intenção de acção, de coordenação de empreendimentos numa larga escala, não inerentes ao engajamento nem à imaginação (p. 178). Neste sentido, o alinhamento é um aspecto importante de pertença no que concerne a direccionar e controlar energia, bem como o poder: o poder sobre a nossa própria energia para exercitar o alinhamento e o poder para inspirar ou exigir o alinhamento. Ao conceito de poder atribui-se uma conotação negativa, em particular quando é utilizado para caracterizar relações sociais. No entanto, no sentido de dirigir e alinhar energia, o poder torna-se numa condição para a possibilidade de acção socialmente organizada. Assim, o alinhamento requer a capacidade na coordenação de perspectivas e acções de modo a direccionar energias para um propósito comum, sendo para isso necessárias formas específicas de participação e reificação. O desafio emergente é a conexão de esforços locais a estilos e discursos mais amplos, de forma a permitir aos que aprendem investir a sua energia neles. Isto implica a capacidade para comunicar propostas, necessidades, métodos e critérios entre os participantes. Wenger (1998) afirma que os três modos de pertença: engajamento, imaginação e alinhamento são, em conjunto, “importantes ingredientes da aprendizagem – eles ancoram-na na prática, tornando-a ampla, criativa e efectiva” (p. 217). No caso particular da escola, nomeadamente numa sala de aula de matemática, possibilitam a criação de um contexto de aprendizagem mais rico, onde os alunos podem ter acesso a locais de engajamento, a materiais e experiências com as quais possam construir uma imagem do mundo e de si próprios, bem como formas de ter um efeito sobre o mundo e tornarem-se as suas acções valorizadas.

II. 3. 3. A Concluir…

A teoria de aprendizagem situada proposta por Lave e Wenger (1991) defende que a aprendizagem é resultado de um processo de participação social em comunidades de prática, estas últimas identificadas por Wenger (1998) como “comunidades que

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aprendem”, sendo constituídas por pessoas que, integrando-se de forma voluntária, assumem um compromisso de incorporar melhores práticas, aprendendo, construindo e “fazendo” a gestão do conhecimento. Proporciona-se assim, uma partilha de compreensões entre os participantes na comunidade, sobre o que fazem ao participar, de forma diversificada, num sistema de actividades e o significado que isso assume nas suas vidas e para as suas comunidades. É nesta perspectiva que Lave e Wenger defendem que aprender é um processo que tem lugar num framework participativo e não numa mente individual, ou seja, que a aprendizagem é mediada pelas diferentes perspectivas dos participantes. Ao abordar esta teoria social, considerando-a um enquadramento teórico para o estudo a desenvolver, tenho consciência que a mesma não surgiu com o objectivo de se analisar a prática escolar. No entanto, tal como Lave (1996b), considero-a importante como base para uma reflexão sobre a aprendizagem, nomeadamente a aprendizagem escolar (matemática), em particular no que concerne a “o que” e “como” se aprende num contexto matemático escolar, tendo-se como foco as formas de participação dos alunos nas práticas sociais de uma comunidade (comunidade de sala de aula de Matemática). Assim, esta teoria possibilita-nos olhar para quem aprende, analisando a sua aprendizagem e as suas trajectórias de identidade, bem como para aspectos de ensino e aprendizagem escolar através da evolução e transformação de comunidades de prática a quem os alunos pertencem ou pretendem pertencer.

II. 4. Aprendizagem Colaborativa

No presente capítulo, em diversos momentos, a aprendizagem é vista fundamentalmente como uma actividade social, na qual as interacções sociais assumem um papel fundamental na construção activa do conhecimento, em particular do de Matemática e na promoção do pleno desenvolvimento do aluno. Vygotsky corrobora esta afirmação ao defender que a aprendizagem ocorre inicialmente de forma interpsíquica (nível social), seguindo-se uma construção intrapsíquica (nível individual), o que implica assumir a colaboração, característica das interacções sociais, como a base

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para o desenvolvimento de estratégias e capacidades gerais na resolução de problemas e/ou na realização de tarefas, resultante de um envolvimento conjunto dos participantes. Assim, perante perspectivas e conhecimentos diferenciados, os membros da comunidade experienciam a oportunidade de aprender e apreender saberes partilhados e consequentemente de se assumirem como participantes legítimos. Esta abordagem é valorizada por Lave e Wenger (1991), os quais defendem que aprender é um processo com lugar num framework participativo e não numa mente individual, ou seja, que a aprendizagem é mediada pelas diferentes perspectivas dos co-participantes. Esta ideia dos investigadores sugere que todo o conhecimento é construído, não individualmente, mas conjuntamente e de forma negociada, verificando-se um fluxo de comunicação bidireccional contínuo podendo assim, ser vista como um argumento a favor do trabalho colaborativo. Importa aqui salientar que, ao longo do presente capítulo, ao mencionar a expressão trabalho colaborativo me encontro a fazer referência às práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula, em particular na de Matemática, a partir das quais se espera dar origem a uma aprendizagem colaborativa.

II. 4. 1. Como se Caracteriza a Aprendizagem Colaborativa? O trabalho colaborativo e a aprendizagem colaborativa que se espera que ocorra assumem, actualmente e cada vez mais, um papel importante na formação integral dos indivíduos, no sentido de serem capazes de assumir um papel mais activo, crítico, reflexivo e participativo perante os constantes desafios que a actual sociedade lhes coloca. Reconhece-se assim, cada vez mais a importância em se saber trabalhar em equipa, partilhando saberes e responsabilidades em prol de um objectivo comum. No caso particular dos nossos alunos, se os mesmos se habituarem a trabalhar em conjunto, a partilharem saberes, tomarem decisões conjuntas, negociarem e respeitarem-se mutuamente numa sala de aula, em particular de Matemática, num ambiente de trabalho colaborativo, emergirão mais oportunidades de se entreajudarem, ultrapassar em conjunto os obstáculos inerentes à disciplina, melhorar a sua auto-estima, bem como auto e hetero motivarem-se para o seu estudo, e consequentemente, para o sucesso académico dos participantes. Assim, tal como Wiersema (2005) afirma, também eu acredito que os alunos se tornarão melhores cidadãos do mundo, capazes de conviver e interagir positivamente com as diferenças de cada um, valorizando-as e respeitando-as.

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No entanto, a realidade nas nossas escolas assume-se um pouco diferente, onde o desenvolvimento deste tipo de trabalho se pode revelar algo complexo, sendo visto com algum cepticismo por parte da comunidade escolar, em particular alunos e professores. Estes, motivados pelas suas experiências e vivências escolares comuns, associam as expressões ‘trabalho colaborativo’ e ‘aprendizagem colaborativa’ a um contexto de trabalho de grupo que se realiza esporadicamente quando se pretende abordar alguns temas, neste caso em particular temas matemáticos e no qual se promovem diversas práticas pedagógicas no sentido de se atribuir menos trabalho ao professor, transferindo o seu ‘fardo’ do ensino para o aluno. Importa aqui salientar que tal percepção é fruto de uma

ausência

de

conhecimento

da

essência

do

trabalho

colaborativo

e,

consequentemente da aprendizagem colaborativa que, segundo Courela (2007), não deverão ser assumidos apenas como “ (…) modalidades pedagógicas que podemos encontrar nos cenários da educação formal” (p.315), uma vez que esta filosofia de interacção se adequa perfeitamente ao mundo globalizado com que nos deparamos actualmente. Assim, segundo Wiersema (2005), a colaboração encontra-se em todo o lado e, por este motivo, se reconhece a existência de diversas abordagens motivadas pela variedade de significados do termo “colaboração” que, para muitos educadores e autores de dicionários, é considerado como sinónimo de “cooperação” e vice-versa. Ora, se assim fosse, tratar-se-ia apenas de gosto usar um ou outro termo. Todavia, a extensão dos termos é diferente, o que leva a que o debate “colaboração” versus “cooperação” seja mais complexo, em particular no que concerne a analisar se estes dois constructos têm o mesmo sentido em contextos de educação formal. Das palavras de Cuseo (1992), por exemplo, pode-se deduzir que colaborar tem maior amplitude do que cooperar, já que ao propor uma taxinomia para as formas de aprender com outros, colocou a aprendizagem cooperativa como um subtipo da aprendizagem colaborativa e a definiu como “colaboração entre estudantes”. De um outro prisma tem-se Panitz (1999) que defende a cooperação como uma técnica, uma estrutura de interacções concebida para facilitar o cumprimento de um objectivo ou de um produto final, através de um trabalho conjunto, o qual segundo Wiersema (2005) se encontra seccionado a realizar pelos membros do grupo, de forma a aumentar a produtividade do mesmo, num curto espaço de tempo: quanto mais depressa, melhor e quanto menos trabalho para cada um, melhor. No entanto, esta

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prática não passa pelo envolvimento conjunto e coordenado dos elementos do grupo na resolução de um dado problema ou na realização de uma determinada tarefa e, é neste sentido, que se ressalta o facto de a colaboração ser mais do que a cooperação. De acordo com Panitz (1999), a colaboração é uma filosofia de interacção e uma forma de estar na vida, de sentir e de actuar, onde os alunos são responsáveis pelas suas acções, incluindo aprender e respeitar as capacidades e contribuições de cada um. De salientar que a diferença aqui manifestada entre colaboração e cooperação deve-se ao facto de, como Panitz (1999) esclarece, serem dois constructos com origem na psicologia construtivista que, no entanto, no que concerne a contextos de educação formal, provêm de orientações teóricas diversas: “A aprendizagem cooperativa tem raízes francamente americanas dos escritos filosóficos de John Dewey, dando relevo à natureza social da aprendizagem e ao trabalho em dinâmica de grupos de Kurt Lewin. A aprendizagem colaborativa tem raízes inglesas, com base no trabalho de professores ingleses explorando as maneiras de ajudar os alunos a dar respostas às tarefas da escola, fazendo com que tomassem um papel mais activo na sua própria aprendizagem.” (Panitz, 1999, p.5) A leitura desta citação sugere que o uso dos termos cooperativo e colaborativo depende do território onde são empregues, situando-se a expressão “aprendizagem colaborativa” em Inglaterra. Este facto não é impeditivo, no meu entender, do uso dos dois termos, desde que devidamente diferenciados já que não se podem definir como sinónimos. Aliás, a sua ‘convivência’ revela-se importante e frutífera quando se pretende criar um ambiente de aprendizagem colaborativa numa sala de aula, em particular de Matemática, já que é uma boa opção começar por se proporcionar o desenvolvimento de um trabalho cooperativo entre os alunos, onde o professor possa assumir um maior controlo sobre as variáveis envolvidas. Assim, à medida que os alunos se vão familiarizando a um trabalho conjunto, coordenado e partilhado, dependendo uns dos outros como ‘fontes’ de conhecimento, cultura não muito frequente nas nossas salas de aula de Matemática, os mesmos irão prosperando no domínio da aprendizagem colaborativa. Para se promover este espaço de partilha, de interacção e não tanto de competição entre os alunos, o recurso à resolução de problemas 54


matemáticos parece ser o ideal por se tratar de uma actividade interpessoal, propiciando a discussão em grupo, ao partilhar e implementar estratégias de resolução, bem como originando a necessidade de explicar aos outros membros (alunos) a lógica dos seus argumentos. Assim, por se tratar “ (…) por tradição, de uma abordagem mais qualitativa, analisando o aluno a dar resposta a uma tarefa (…)” (Panitz, 1999, p.5), a aprendizagem colaborativa possibilita-nos observar

e descrever

uma ampla

variedade de

comportamentos das pessoas, em particular dos alunos e é, neste sentido, que os autores Roschelle e Teasley (1995), bem como Dillenbourg (1999) ao citar estes últimos, a definem como: “ (…) uma actividade coordenada e síncrona que é o resultado de um esforço contínuo para construir e manter uma concepção partilhada de um problema” (Roschelle e Teasley, 1995, p.75) Em suma, Dillenbourg (1999) afirma que as palavras “aprendizagem colaborativa” descrevem “ (…) uma situação na qual se espera que ocorram formas particulares de interacção entre as pessoas, que despoletarão mecanismos de aprendizagem (…)” (p. 7, itálico no original), revelando ainda, que a chave para a sua compreensão é a relação existente entre quatro itens: a definição de uma situação, as interacções sociais que têm lugar no grupo e que podem ser mais ou menos colaborativas, os processos e os efeitos. Segundo este autor, para que se possa considerar uma situação como colaborativa, é necessário que os indivíduos (alunos) envolvidos na realização das tarefas possam mobilizar as competências essenciais à sua concretização, que partilhem um objectivo comum e negociado e que trabalhem em conjunto, compartilhando saberes e responsabilidades. Trata-se de uma situação onde os alunos interagem de uma forma colaborativa, podendo definir-se as interacções aí emergentes segundo três critérios: “ (…) interactividade, sincronismo e “negociabilidade” (…)” (Dillenbourg, 1999, p.11, aspas no original) Dillenbourg (1999) defende que uma situação colaborativa deve ser interactiva, não no sentido de frequência de interacção entre os participantes, mas no que concerne à sua influência nos processos cognitivos dos mesmos. De acordo com o autor, as interacções são tanto mais colaborativas quanto mais os elementos do grupo participarem, se 55


auxiliarem e partilharem saberes no processo de acção em que se encontram envolvidos, despontando um sentimento de pertença, um aumento de auto-estima e uma maior motivação, traduzindo-se num enriquecimento a nível de desenvolvimento sociocognitivo e emocional dos participantes (alunos) e, no caso particular da disciplina de Matemática, promover o sucesso dos mesmos. De salientar que o desenvolvimento aqui referido se torna menos visível quando se trabalha cooperativamente, onde cada participante realiza isoladamente diferentes partes da tarefa proposta, interagindo apenas após a produção individual de soluções parciais para a mesma. Um segundo critério referido por Dillenbourg (1999) relaciona-se com o facto de que “fazer algo em conjunto” (aspas no original) implica a existência de uma sincronia na comunicação, enquanto a cooperação se encontra associada com uma comunicação assíncrona, ideia partilhada com Roschelle e Teasley (1995) ao defenderem que a colaboração se evidencia como um engajamento mútuo dos participantes num esforço coordenado na resolução de problemas, partilha de ideias, tomada de decisões conjuntas e discussão13, o qual se verifica em interacções face a face14, que podem ocorrer “ (…) numa actividade síncrona”. Outra característica das interacções colaborativas é serem negociáveis. Dillenbourg (1999) salienta que a diferença entre uma interacção colaborativa e uma situação hierárquica é a de que, na primeira, um participante não impõe o seu ponto de vista apenas com base na sua autoridade, tendo que “ (…) – até certo ponto – argumentar em função do seu ponto de vista, justificar, negociar e tentar persuadir o outro“ (p.13). Para tal, Dillenbourg et al. (1996) sugerem duas estratégias de negociação na interacção colaborativa: “a) adaptação mútua ou aperfeiçoamento das posições de cada indivíduo, e b) argumentação competitiva, onde um dos indivíduos tenta convencer os outros a adoptarem a sua proposta” (p.19). Outro tipo de negociação é referido por Dillenbourg et al. (1996) e que consideram ser “comum em qualquer interacção verbal que tem lugar a nível comunicativo, (…): a negociação do significado”(p.19), a qual é co-construída através da interacção entre os participantes, sendo determinante na emergência de mecanismos de aprendizagem que permitam uma compreensão partilhada de significados e que sejam internalizados a nível

13

Aqui, a discussão é uma forma de interacção em grupo, onde os alunos, ao abordar um tema ou uma questão, falam uns com os outros no intuito de alcançar uma solução conjunta e negociada. 14 Tradução da expressão “face-to-face” usada por Roschelle&Teasley (1995)

56


individual já que há que ter em consideração de que, como Dillenbourg (1999) refere, “ainda existem agentes individuais envolvidos em interacções de grupo”(p. 14). Dillenbourg (1999, p.14-5) destaca assim, os mecanismos que considera específicos para a aprendizagem colaborativa e centrais para a cognição individual, a saber: 1) Indução – os processos são indutivos, isto é, são tão relevantes as características presentes nas representações conjuntas como nas individuais, salientando-se também indutivos os processos ligados ao contexto (grounding); 2) Carga cognitiva (cognitive load) –a distribuição horizontal do trabalho existente na colaboração, ao nível da responsabilidade pelas tarefas e estratégias de resolução, reduz a quantidade de esforço necessário por parte de cada participante; 3) (Auto-)explanação ((self-)explanation) – o conceito de explanação encontrase relacionado com situações sociais. Para os autores Ploetzner, Dillenbourg, Preier e Traumn (1999) a construção, transmissão e compreensão de explanações são uma fonte importante na aquisição de conhecimento, em particular de conhecimento factual. Esta ideia traduz o princípio do método do “ensino socrático”, no qual o professor não recorre ao ensino expositivo, orientando os seus alunos nas suas próprias explorações

através

de

um

sucessivo

questionamento.

Ploetzner,

Dillenbourg, Preier e Traumn (1999) salientam ainda, que “Dois contextos distintos nos quais as explanações são construídas são as auto-explanações, nas quais um único indivíduo explica a si próprio/a; e as explanações interactivas, nas quais vários indivíduos explicam mutuamente e interactivamente uns aos outros”, pelo que estas últimas “ (…) envolvem formas de aprendizagem colaborativa.” (p. 103) e oferecem ainda mais oportunidades para aprender do que explicar a si próprio. Tal deve-se ao facto de cada indivíduo (aluno) ter de compreender e reorganizar a informação a transmitir na sua própria mente, para que a possa torná-la compreensível ao outro. Este processo permite desenvolver em cada aluno novas perspectivas, reconhecer e colmatar lacunas que existam na sua própria compreensão, rectificar equívocos, bem como reforçar elos existentes entre as novas informações apreendidas e as aprendizagens realizadas em experiências anteriores; e 57


4) Conflito – a noção de conflito encontra-se relacionado às interacções sociais, em particular com os planos intra e inter individuais, no sentido em que um indivíduo se confronta com ideias ou posições diferentes das suas no que concerne à tarefa em questão, resultante da discrepância existente entre o conhecimento e os pontos de vista de cada um dos participantes. O autor realça ainda, o facto de os processos que se encontram supramencionados não serem específicos de situações colaborativas, podendo aqui ocorrer com maior frequência ou mais espontaneamente do que em outras. Os processos de aprendizagem que o autor considera específicos em interacções sociais são: a) internalização (internalisation), isto é, “ (…) a "transferência" de ferramentas a partir do plano social (interacção com os outros) para o plano individual (raciocínio15), uma vez que este processo implica interacção social.” (p. 15, aspas no original); e b) “apropriação” (“appropriation”) através da qual “ (…) um indivíduo reinterpreta a sua própria acção à luz do que o outro faz ou diz” (p.16, aspas e itálico no original). No que concerne aos efeitos da aprendizagem colaborativa, normalmente os mesmos “ (…) são avaliados através dos desempenhos individuais na realização de tarefas previstas como forma de medida” (Dillenbourg, 1999, p. 17), o que é muito vago se considerarmos o facto de uma situação de aprendizagem colaborativa incluir uma variedade de contextos e interacções. É neste sentido que Dillenbourg (1999) se questiona “(…) «efeitos para quê?»” (p. 16, aspas e negrito no original), salientando a necessidade e a importância de analisar e focalizar a atenção no tipo de interacções sociais que possam ocorrer ao longo da colaboração, pelo que a avaliação do desempenho de grupo é, de acordo com o autor, uma medida de avaliação com maior validade, já que um dos objectivos é promover a melhoria do desempenho dos alunos numa situação colaborativa, onde se privilegiam as interacções entre os participantes e onde cada um se pode sentir responsável e consequentemente envolvido na sua aprendizagem, bem como na dos outros, através da sua participação na comunidade. Neste sentido, o trabalho colaborativo assume, cada vez mais, um papel importante na formação integral de cada indivíduo, proporcionando-lhe a oportunidade de se tornar num cidadão mais activo, crítico e participativo na sociedade, capaz de conviver e interagir positivamente com as diferenças dos outros, valorizando-as e respeitando-as.

15

Tradução da expressão reasoning usada por Dillenbourg (1999)

58


Em suma, pode-se afirmar que a colaboração é a chave no que concerne ao envolvimento da pessoa na sua globalidade na prática de uma comunidade, indo ao encontro do que Wenger (1998) defende na sua perspectiva de aprendizagem, corroborada por Kristin Gerdy, da Brigham Young University, que afirma: “ A aprendizagem é reforçada quando é vista mais como um esforço de equipa do que uma corrida a solo. Uma boa aprendizagem, como um bom trabalho, é colaborativa e social, e não competitiva e isolada…A partilha das nossas ideias e a nossa resposta às dos outros, melhora o pensamento e aprofunda o conhecimento.” (Gerdy, 1998) A afirmação supracitada é reforçada por Panitz (1999) quando, ao citar Orr (1997), identifica como princípios da aprendizagem colaborativa: 1) O trabalho conjunto resulta numa maior compreensão do que provavelmente teria ocorrido num trabalho individual; 2) Interacções orais e escritas contribuem para este aumento de compreensão; 3) Existe a oportunidade de tomar conhecimento, através de experiências em sala de aula, de relações entre interacções sociais e maior compreensão; 4) Alguns

factores desta

maior

compreensão

são

idiossincráticos e

imprevisíveis; e 5) A participação é voluntária e tem de ser assumida livremente. (p.12) Importa aqui salientar o facto de, nestes princípios referidos por Panitz (1999), se notar uma associação da aprendizagem a um certo tipo de participação que é diferente da participação afamada entre a comunidade escolar e a sociedade, sendo, no entanto, análoga à que Lave e Wenger (1991) designaram por participação legítima periférica, termo que propuseram como “descritor do engajamento na prática social, que tem inerente a aprendizagem como um constituinte integral” (p. 35). A intenção das pessoas para aprender evidencia-se num engajamento mútuo e, segundo Lave e Wenger (1991), “ (…) o significado da aprendizagem é configurado através de um processo de se tornar um participante (full) na prática sociocultural” (p.29), um tipo de pessoa (identidade), um membro de uma comunidade, pelo que o facto de

59


aprender “ (…) não é meramente uma condição de pertença, é ela mesmo uma forma evolutiva de pertença” (p.53). É neste sentido que, na aprendizagem colaborativa, se pode propor considerar o conhecimento como situado numa comunidade, assumindo-o como construído socialmente, em vez de individualmente, pelos seus membros. Para tal, Imel (1991) propõe-se identificar algumas características da aprendizagem colaborativa, a saber: a) Tanto o professor (facilitador) como o aluno tornam-se participantes activos nos processos educativos; b) A hierarquia entre os facilitadores e os alunos é eliminada; c) É criado um sentimento de comunidade; d) O conhecimento é criado, não transferido; e e) Considera-se que o conhecimento é localizado na comunidade e não no indivíduo. Num ambiente de aprendizagem colaborativa, os participantes (alunos) têm a oportunidade de experienciar o conhecimento como algo que é criado em vez de transmitido pelo facilitador (professor), algo acabado e exterior a si, começando a encarálo como um produto de interacções sociais na comunidade, fruto de participações diferenciadas. Para tal, é importante existir uma partilha de autoridade entre os participantes e o facilitador (professor), tornando-se este último membro da comunidade e empenhado como os outros participantes na construção do conhecimento, através do incentivo de um trabalho conjunto e coordenado e de uma partilha de saberes, bem como de uma responsabilidade solidária pelas estratégias desenvolvidas, partilhadas e negociadas para a obtenção de uma solução comum a um dado problema. Wiersema (2005) reforça esta ideia afirmando que a colaboração alude ao processo global de aprendizagem, onde os alunos se ensinam mutuamente e ensinam o professor e, é claro, onde o professor ensina os alunos, indo ao encontro de algumas ideias previamente manifestadas ao se abordar a aprendizagem situada no presente capítulo, onde se alega a emergência de uma recaracterização do papel do professor. Aqui, o professor deixa de ser visto como o detentor de conhecimento, um “técnico que dá o currículo”, passando a ser reconhecido como um expert em práticas sociais da comunidade, propiciando aos seus alunos a oportunidade de o verem como alguém empenhado em aprender e que se mostra em situação para tal, exemplificando-lhes assim, como participar legitimamente nessas mesmas práticas e consequentemente tornar-se um membro da respectiva comunidade, despontando um sentimento partilhado de pertença à 60


mesma. Este sentimento assume grande relevância na construção de uma identidade mais consistente, visto proporcionar um aumento de auto-estima, confiança, interesse e motivação no aluno, que se pode traduzir num maior sucesso académico. Para tal, é importante que tanto os alunos como o professor assegurem a construção de um ambiente de trabalho colaborativo, democrático, onde se verifique a existência de uma competição saudável entre os participantes, bem como a promoção de respeito mútuo.

II. 4. 2. Elementos Básicos da Aprendizagem Colaborativa Um ambiente de trabalho colaborativo não é sinónimo de um conjunto de alunos agrupados e a falar entre si, onde um ou dois alunos do grupo realizam todo o trabalho e os outros simplesmente se incluem no produto final. Para a existência de aprendizagem colaborativa é necessário que todos os membros se consciencializem de que só podem atingir os seus próprios objectivos se os restantes membros atingirem os deles, verificando-se uma co-responsabilidade pela aprendizagem de todos. Para tal, segundo Johnson et al. (1990), é imprescindível que se tenham em conta as seguintes características: 1. Uma interdependência positiva. Os membros (alunos) do grupo têm de desenvolver a convicção de que o seu sucesso está interligado com o do grupo e que, nesse sentido, acarretam com uma dupla responsabilidade: aprender o que o professor ensina e procurar que todos os seus colegas (os outros alunos) aprendam o mesmo, o que os leva a sentir-se co-responsáveis pela aprendizagem de todos os membros do grupo. Neste caso, num ambiente

de

aprendizagem

colaborativa,

pode

emergir:

a)

uma

interdependência positiva de objectivos (os alunos têm consciência que os seus objectivos serão alcançados se e apenas se os dos outros membros do grupo forem igualmente alcançados); b) uma interdependência positiva na recompensa/celebração (ao alcançar os objectivos do grupo de trabalho, cada membro sente-se recompensado, apreciado e respeitado, celebrando com os outros o que alcançaram, o que incentiva uma progressiva autoconfiança e confiança no grupo para aprender em conjunto e, consequentemente um sentimento partilhado de pertença); c) uma interdependência positiva de 61


tarefas (os alunos de um mesmo grupo coordenam-se para a realização de uma dada tarefa proposta); d) uma interdependência positiva de recursos (os diferentes membros do grupo, possuindo parte dos recursos, da informação e dos materiais necessários à concretização de uma determinada tarefa, partilham-nos entre si a fim de alcançar o objectivo estabelecido); e) uma interdependência positiva de papéis (cada aluno, com diferentes motivações, interesses e ritmos de aprendizagem assume o seu papel no grupo, podendo o mesmo ser complementar ao dos seus colegas, permitindo enriquecer o ambiente de trabalho e consequentemente alcançar, com maior eficácia, os objectivos do grupo), e f) uma interdependência positiva na identidade (os membros do grupo devem identificar-se com o mesmo, devem ter o sentimento de pertencerem ao grupo, indo-se assim, ao encontro da ideia de Lave e Wenger (1991) quando afirmam que aprender “ (…) não é meramente uma condição de pertença, é ela mesmo uma forma evolutiva de pertença” (p.53)). 2. Uma interacção estimulante frente a frente. Os alunos promovem a aprendizagem de cada elemento do grupo, proporcionando-lhes ajuda e apoio, partilha de saberes e estímulo para aprender, incentivando assim, o sucesso de cada um e consequentemente o do grupo. 3. Uma responsabilidade individual pelo trabalho de grupo. O grupo é responsável pelo alcance dos seus objectivos, sendo cada um dos seus membros responsável pela partilha de saberes e responsabilidades, bem como no desenvolvimento do trabalho. Para promover este compromisso individual e responsabilidade pessoal é importante que o professor avalie o esforço individual de cada membro (aluno) do grupo no que concerne ao seu contributo para a realização do trabalho, bem como que proporcione um feedback a cada aluno individualmente e ao grupo, avaliando desta forma o rendimento individual de cada elemento relativamente ao rendimento do grupo. 4. Um desenvolvimento das competências colaborativas (interpessoais e de grupo). Organizar os alunos em grupo e dizer-lhes para se tornarem uma equipa não é suficiente para assegurar que se comportem como tal. Para tal, é

62


importante que os elementos do grupo desenvolvam e usem correctamente um conjunto de competências sociais e de grupo que, por não surgirem de forma espontânea e por constituírem a base do sucesso do trabalho de grupo, lhes devem ser ensinadas e consequentemente praticadas de forma a não comprometer o trabalho colaborativo, permitindo assim que:

“Todos os elementos se conheçam e confiem uns nos outros;

Ocorra dentro do grupo um diálogo aberto, directo e sem ambiguidades;

Haja uma aceitação por parte de todos os elementos das diferenças individuais e se apoiem e incentivem mutuamente, e

Resolvam de forma positiva e construtiva todos os conflitos que eventualmente possam surgir.” (Fontes e Freixo, 2004, p. 34).

Assim, num ambiente de aprendizagem colaborativa, deve ser incluída a aprendizagem de competências sociais necessárias na liderança, tomada de decisões, confiança, comunicação e gestão de conflitos, uma vez que segundo Fontes e Freixo (2004), “(…) quanto maior for o nível das competências sociais atingidas por cada elemento do grupo, maior será o rendimento e o aproveitamento atingidos dentro dos grupos (…)”(p. 34)

5. Uma avaliação do funcionamento do grupo. O grupo necessita de tempo e espaço para discutir sobre o desenvolvimento do seu trabalho e o alcance dos seus objectivos. Neste sentido, a avaliação do grupo deve ser periódica e sistemática, de forma a permitir uma reflexão conjunta do seu funcionamento e uma avaliação contínua e efectiva do seu trabalho, capacitando-os para a identificação das melhores acções a assumir e para a tomada de decisões sobre a melhor atitude, bem como estratégias a adoptar na promoção do sucesso do todo.

63


Em suma, a existência de uma aprendizagem colaborativa tende a verificar-se quando os cinco elementos listados e apresentados na figura 4 se encontram presentes.

Figura4 – Componentes essenciais da Aprendizagem Cooperativa (adaptado de Johnson e Johnson (1999a) por Fontes e Freixo, 2004)

II. 4. 3. Como Promover a Aprendizagem Colaborativa? Uma das questões que se coloca ao abordar este tema é “Como promover a aprendizagem colaborativa?”, já que o que se encontra na sua origem não é propriamente a criação de um ambiente onde se organiza os alunos em grupo e se permite que comuniquem entre si, sabendo que um ou dois deles realizam a tarefa proposta e os outros se incluem no respectivo produto final, como já havia sido referido numa intervenção anterior. No intuito de responder à questão colocada há que se ter em consideração um dos aspectos mais importantes da aprendizagem colaborativa que é a aceitação, por parte de todos os elementos do grupo, de que o alcance dos seus próprios objectivos depende do alcance dos objectivos dos restantes membros do grupo, isto é, que exista uma interdependência positiva e consequentemente, uma co-responsabilidade pela aprendizagem de todos os participantes, consciencializando-se de que o sucesso do grupo passa pelo sucesso de cada um. Assim, torna-se responsabilidade do professor criar um ambiente de trabalho colaborativo, onde a aprendizagem colaborativa possa

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ocorrer, tendo em consideração que a mesma resulta da conjunção de três elementos importantes, presentes nos ditos cenários formais e identificados por Imel (1991) como sendo: a) o ambiente de aprendizagem colaborativa; b) o papel do professor; e c) o papel do aluno. Uma aprendizagem colaborativa ocorre apenas num ambiente onde os seus participantes, neste caso em particular os alunos, se encontrem abertos à troca de ideias e à partilha de experiências de forma a criar conhecimento. Para promover este ambiente, há que ter o cuidado de o tornar, tanto quanto possível, democrático de forma a desencorajar uma competição hostil e a estimular o respeito mútuo pelas ideias e opiniões dos restantes participantes. Assim, é fulcral que os alunos sintam vontade em ouvir e respeitar os diferentes pontos de vista dos outros, incluindo opiniões divergentes da sua, bem como em engajar na discussão resultante da realização de uma tarefa. Para tal, emerge a necessidade de uma recaracterização do papel do professor, visto como autoridade e transmissor de conhecimento, tendo em conta as características das nossas escolas e da população escolar, onde se denota uma manifesta multiculturalidade, bem como os constantes desafios com que se deparam no seu dia-a-dia. Assim, o professor deve tornar-se um facilitador, desenvolvendo formas de partilha do seu conhecimento e autoridade com os alunos, permitindo-lhes a possibilidade de tentativa em adquirir o seu próprio conhecimento. Para tal, o professor deve assumir-se como um dos participantes, um dos membros da comunidade, que se encontra empenhado em aprender e que se mostra disposto para tal, demonstrando assim, como participar legitimamente nas práticas da comunidade, desenvolvendo o sentido de compromisso e de responsabilidade para com o grupo e, consequentemente, despontando um sentimento partilhado de pertença, importante para a ocorrência da aprendizagem. O professor tem igualmente outras responsabilidades, duas das quais passam por preparar os alunos para o trabalho colaborativo e pela planificação do mesmo. Preparar os alunos para o trabalho colaborativo é proporcionar-lhes a oportunidade, segundo Imel (1991), de se familiarizarem com o processo implícito na aprendizagem colaborativa, desenvolverem competências na colaboração e adquirirem conhecimentos suficientes que lhes permita trabalhar numa situação de aprendizagem colaborativa. Para alcançar este objectivo, é ao professor que compete, como facilitador, explicar os procedimentos colaborativos a adoptar para que o grupo e cada um dos seus 65


elementos possam alcançar o sucesso, bem como colocar em funcionamento os princípios básicos que permitam a cada grupo de trabalho serem verdadeiramente colaborativos, nomeadamente a interdependência positiva, a responsabilidade individual, a interacção pessoal, a integração social e a avaliação do grupo. Compete ainda ao professor, sempre que possível em conjunto com os seus alunos, planificar o trabalho a desenvolver, prevendo o tempo necessário para a sua concretização, definindo os objectivos e a forma como os pretendem alcançar, tomando decisões e efectuando todos os preparativos considerados necessários. Importa ainda referir que, ao longo do desenvolvimento do trabalho com base no que foi previamente planificado, o professor tem como função acompanhar de perto o trabalho de cada grupo, bem como supervisionar a interacção entre os diversos elementos, dando informações pertinentes e respondendo às questões que lhe vão sendo colocadas e que estejam relacionadas com a execução da tarefa e com os conceitos a aprender e a aplicar. Em suma, Fontes e Freixo (2004) apresentam um quadro (quadro 1) adaptado de C. Mir et al. (1998), o qual resume o conjunto de funções a assumir pelo professor no desenvolvimento do trabalho de grupo que considero adequadas ao desenvolvimento do trabalho colaborativo e consequentemente, da aprendizagem colaborativa:

Funções do professor durante o trabalho de grupo

Garantir que cada aluno conheça os objectivos do grupo;

Verificar se se realiza o intercâmbio necessário dentro do grupo;

Estimular o intercâmbio de explicações e justificações que tenham a ver

com a realização das tarefas;

Assegurar a disponibilidade dos recursos básicos para a realização do

trabalho;

Garantir o sucesso dos elementos mais fracos;

Fornecer ao grupo critérios e instrumentos de avaliação do seu trabalho;

Controlar o tempo que o grupo ocupa na realização das tarefas;

Responder apenas a questões que tenham a ver com decisões do grupo e

66


que não se tenham resolvido com razoabilidade;

Estimular a argumentação dentro do grupo sempre que haja opiniões

divergentes.

Quadro 1 – Funções que o professor deve assumir no desenvolvimento do trabalho de grupo (adaptado de Fontes e Freixo, 2004)

De modo análogo, as mesmas autoras apresentam um quadro adaptado de C. Mir et al. (1998), o qual resume as funções a assumir pelo professor relativamente ao conjunto da turma (quadro 2)

Funções do professor em relação à turma

Explicar as normas do trabalho colaborativo;

Explicar as tarefas e os materiais necessários para a realização destas;

Expor as características gerais do trabalho que se vai desenvolver;

Organizar os grupos (heterogéneos) e os materiais de acordo com o trabalho a realizar;

Prever tarefas complementares.

Quadro 2 – Funções do professor em relação à turma (adaptado de Fontes e Freixo, 2004)

Num ambiente de trabalho colaborativo, também o papel do aluno requer uma recaracterização, passando de um sujeito passivo atento ao discurso do professor, ouvindo, tomando notas e observando, a um sujeito activo que contribui, discute e desenvolve diversas estratégias na resolução de problemas, permitindo-se a colaborar, em detrimento de competir hostilmente com os outros, participando legitimamente na prática social da comunidade a que pertence. Importa ainda salientar que, neste

67


ambiente, é incentivado o assumir de uma responsabilidade associada a uma aprendizagem interdependente, em vez de uma associada a uma aprendizagem independente. Desta forma, os alunos deixam de ver os professores como a única fonte de autoridade e conhecimento, vendo-se a si e aos restantes elementos do grupo como outras fontes igualmente importantes, remetendo-se assim, para o professor (facilitador) uma grande responsabilidade em todo este processo, como se pode constatar ao longo do presente discurso e nas tabelas anteriormente apresentadas.

II. 4. 4. Vantagens e Constrangimentos da Aprendizagem Colaborativa A aprendizagem colaborativa é, de acordo com Panitz (1999), “(…) uma filosofia pessoal, não apenas uma técnica de sala de aula” (p.3) que, como estratégia motivacional, inclui todas as situações de aprendizagem onde os alunos trabalham em grupo para alcançar determinados objectivos, sendo interdependentes no alcance com sucesso dos mesmos. Aqui, os alunos encontram-se activamente engajados no processo de aprendizagem, em detrimento de se encontrarem passivamente a assimilar a informação que lhes é transmitida pelo professor, representando assim, a forma mais efectiva de se verificar uma interacção contínua, promotora do desenvolvimento de capacidades na resolução de problemas, nomeadamente de problemas matemáticos. Aqui os alunos têm a oportunidade de formular ideias, discuti-las, debatê-las e receber de imediato questões e um feedback sobre as mesmas, formulando as respostas necessárias e imediatas sem que para isso tenha de passar por longos períodos de espera no intuito de participar na discussão, como se pode constatar no ensino tradicional. Além disso, o professor tem a oportunidade de, como membro, participar nesta discussão de grupo, questionando as ideias dos restantes elementos ou clarificando conceitos ou outras questões que possam ser colocadas pelos mesmos, guiando-os ao longo da realização da tarefa. Neste sentido, a aprendizagem colaborativa pode ser um processo enriquecedor, tanto para os professores como para os alunos, proporcionando um ambiente de aprendizagem activa, exploratória, participativa e interdependente, em suma um ambiente democrático e colaborativo, no qual os alunos - organizados em pequenos grupos heterogéneos – possam adquirir determinados valores e competências, bem como desenvolver atitudes inerentes à colaboração, em particular na disciplina de 68


matemática. Assim, de acordo com Panitz (1999), pode-se identificar diversas vantagens da aprendizagem colaborativa, podendo ser agrupadas em categorias como, competências cognitivas, sociais, psicológicas, entre outras, sendo aqui apresentadas as que considero mais importantes, tais como:

Promove junto do aluno um objectivo de aprendizagem, em vez de um objectivo de desempenho, o que se manifesta na vontade deste em aprender e não tanto em apenas corresponder às expectativas do professor, como se pode verificar num ambiente individualista e competitivo inerente ao ensino tradicional;

O desenvolvimento

do pensamento crítico, criativo e a resolução de

problemas matemáticos, permitindo através da discussão e do debate clarificar ideias;

Aquisição

e utilização de competências cognitivas superiores e de

estratégias cognitivas de nível elevado na realização de tarefas;

Desenvolvimento

de

um

compromisso

individual

e

uma

responsabilidade pessoal do aluno para com o grupo e com a sua própria aprendizagem;

Desenvolvimento

do

respeito

mútuo

baseado

na

confiança,

colaboração, solidariedade e empatia;

Fomenta e desenvolve, dentro do grupo, processos interpessoais, que proporcionam o aumento de interesse e de motivação e a diminuição da ansiedade e insegurança;

Desenvolvimento

de uma comunicação eficaz e positiva, através da

utilização de uma linguagem matemática correcta e mais elaborada nos debates e no intercâmbio de informação entre os elementos do grupo;

Integração

de alunos com dificuldades de aprendizagem, através da

colaboração e entre-ajuda entre os elementos do grupo, permitindo a melhoria do seu desempenho;

69


Aumento de expectativas futuras que têm por base a valorização das capacidades e dos esforços apresentados;

O

desenvolvimento de uma imagem pessoal mais positiva,

verificando-se um impacto positivo na valorização e na auto-estima do aluno;

Maior produtividade e rendimento escolar dos alunos. As vantagens supramencionadas da aprendizagem colaborativa permitem ao professor, como facilitador, incentivador e observador, alcançar com maior facilidade os objectivos que havia definido, quer no domínio cognitivo quer no domínio pessoal e social, podendo promover os mesmos em simultâneo através do trabalho colaborativo. Por se tratar de uma forma de trabalho diferente da de ensino tradicional, os alunos têm uma maior motivação e interesse para trabalhar, o que permite ao professor elevar o rendimento e a auto-estima dos seus alunos, bem como promover uma aprendizagem activa e colaborativa, preparando-os para o futuro, tornando-os cidadãos activos e participativos na sociedade. No entanto, há que se ter algum cuidado na transição do método tradicional para o colaborativo, uma vez que a diferença mencionada pode ter implicações no desenvolvimento do trabalho, pelo que a mesma deve ser lenta já que o primeiro se encontra muito enraizado na nossa cultura escolar e consequentemente, pode levar a uma certa resistência por parte dos alunos a uma imersão rápida numa aprendizagem activa, colaborativa e em grupo. Importa ainda, salientar que seria ingénuo pensar que a aprendizagem colaborativa apresenta apenas vantagens, uma vez que, tal como qualquer processo de ensino/aprendizagem, também nesta poderão surgir alguns constrangimentos que poderão passar por problemas relacionais e dificuldades de coordenação por parte do professor, o que poderá levar a dificultar o bom funcionamento dos grupos. Assim, para que o processo colaborativo decorra de forma eficaz, é importante que os alunos se tornem conscientes de um conjunto de procedimentos e atitudes inerentes ao mesmo, sendo para isso “(…) necessárias doses de persistência e paciência, sobretudo no início.” (Fraile, 1998, citado por Fontes e Freixo, 2004, p. 62), uma vez que os alunos não se encontram familiarizados com este novo processo. Estas autoras apontam ainda, alguns constrangimentos que podem surgir no desenvolvimento da aprendizagem colaborativa:

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Os alunos podem apresentar ritmos de trabalho e níveis académicos diferentes;

Os alunos transportam consigo atitudes individuais e aprendizagens quotidianas marcantes e diferentes;

A maioria dos professores não se encontra preparado, nem motivado, para aplicar esta modalidade de ensino/aprendizagem;

Dificuldade em encontrar parâmetros e modalidades de avaliação adequados;

Falta de apoio e convergência de todos os professores de uma turma;

A mentalidade das famílias dos alunos, que na sua maioria apenas se preocupam com a aquisição de conhecimentos em detrimento do desenvolvimento de competências sócio-afectivas.

Em suma, a aprendizagem colaborativa promove um ambiente democrático e de colaboração, existindo muito espaço para a interacção contínua e pouco para a competição hostil e entre os alunos, bem como a dimensão social da aprendizagem da Matemática, o que reflecte na motivação dos mesmos para estudar Matemática e consequentemente adquirirem mais confiança nas suas capacidades matemáticas individuais. Neste sentido, a aprendizagem colaborativa promove ainda, a autonomia dos alunos, tornando-os responsáveis pelo seu próprio processo de aprendizagem em colaboração com os restantes elementos envolvidos no processo, constituindo esta prática uma iniciação à vida, assente numa sociedade democrática, pluralista e moderna.

II. 4. 5. A Concluir… A aprendizagem colaborativa é um processo enriquecedor tanto para o professor como para o aluno, onde este último tem a oportunidade de contribuir com a sua experiência pessoal, saberes capacidades e atitudes, em conjunto com os restantes elementos, no intuito de se promover um ambiente democrático e colaborativo, no qual se fomenta uma aprendizagem activa, exploratória, participativa e interdependente entre os alunos, tornando-se uma abordagem apropriada à sala de aula de matemática, em 71


particular no que concerne à resolução de problemas. No entanto, não se trata de uma fórmula que determine a qualidade das aprendizagens. A aprendizagem colaborativa é uma estratégia de trabalho a desenvolver na sala de aula de matemática que pode promover as condições para aprendizagens significativas e duradouras mas que, no estatuto de estratégia, não substitui outros elementos que devem estar presentes no ensino da matemática, tais como o tipo de proposta de trabalho que se coloca aos alunos, os ritmos da actividade desenvolvida, a valorização dos aspectos sociais e afectivos da aprendizagem.

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Capítulo III METODOLOGIA

Um dos eixos fundamentais de qualquer investigação, seja de que natureza for, é o metodológico, dado que a sua escolha recai sobre o tipo de problema abordado pelo investigador. Por este motivo, o delineamento de uma investigação tem sido o ponto fulcral, a grande preocupação dos investigadores. Assim, este capítulo será dedicado a descrever a opção metodológica adoptada neste estudo, tendo em consideração o fenómeno em estudo, bem como o enquadramento teórico escolhido, apresentando de seguida, os participantes, bem como os instrumentos utilizados na recolha e análise de dados.

III. 1. A Opção Metodológica

A investigação que sustenta esta dissertação incide sobre a organização do ensino e a caracterização da aprendizagem na sala de aula de Matemática, pelo que o seu principal objectivo é aprofundar a compreensão sobre o modo como um professor pode dinamizar as actividades e as interacções sociais na comunidade da sala de aula, utilizando o trabalho colaborativo como principal metodologia de trabalho a desenvolver na construção do saber matemático, por forma a promover uma aprendizagem colaborativa, “facilitando” a criação de um ambiente de interajuda e proporcionando uma maior responsabilização e envolvimento dos alunos na sua aprendizagem, bem como na dos outros. Pretende-se assim, descrever e analisar o modo de actuar dos alunos em sala de aula, em particular, a colaboração e as interacções sociais emergentes nesse contexto. Este objectivo levou à formulação das seguintes questões: (a) Como se caracteriza a colaboração em Matemática? (b) Como se relaciona a colaboração com a aprendizagem? (c) Que papel tem a organização da actividade na sala de aula na promoção de interacções sociais que propiciam a colaboração na

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construção do saber matemático? (d) Que estratégias se devem desenvolver para fomentar a colaboração em Matemática na sala de aula? Abrantes (1994) considera que a escolha da metodologia a utilizar num trabalho de investigação deve fazer-se em função dos “ (…) objectivos do estudo e do tipo de questões a que ele procura responder, da natureza do fenómeno estudado e das condições em que esse fenómeno decorre” (p. 205). Assim, dada a forma como o problema e as questões que dele resultam se encontram formuladas, onde se dá grande ênfase à exploração da natureza social e cultural, cujo objectivo se centra mais nos processos do que propriamente nos resultados ou produtos, optei por adoptar uma abordagem interpretativa que, segundo Denzin (2002, citado por Courela, 2007), passa por seis etapas sucessivas: 1. delimitação (framing) da questão de investigação; 2. desconstrução e análise crítica das concepções prévias do fenómeno; 3. captura do fenómeno 4. fragmentação do fenómeno, ou sua redução aos elementos essenciais e corte da sua ligação ao mundo natural, de forma que as suas estruturas essenciais e características possam ser desocultadas; 5. construção do fenómeno ou sua recolocação em termos das partes essenciais, peças e estruturas; e 6. contextualização do fenómeno ou sua recolocação de volta no mundo social natural. (pp. 349 – 350) As questões de investigação devem assim, ser formuladas a partir de um como e não de um porquê, o que se ajusta a esta investigação, na qual recorro a uma abordagem interpretativa que, de acordo com Matos e Carreira (1994a, 1994b), “os fenómenos são olhados com o objectivo de criar uma teoria que os explique”. Para tal, encontra-se assente em técnicas de índole qualitativa na análise e recolha de dados não estruturados, ou seja, numa abordagem com características etnográficas: realização de trabalho de campo, em que o investigador contacta com as pessoas, situações, locais, eventos, de uma forma directa e prolongada, sem a pretensão de modificar ou controlar o ambiente para fins experimentais, mas cujo interesse é observar as pessoas, situações, locais e eventos como se manifestam naturalmente (Altheide & Johnson, 1998; Teles, 2005; Courela, 2007). A etnografia tem as suas raízes na antropologia cultural e na sociologia. Segundo Lapassade (1991), a expressão etnografia começou a ser utilizada pelos antropólogos 74


para designarem o trabalho de campo (fieldwork), no decorrer do qual são recolhidas informações e materiais que servirão de objecto para uma elaboração teórica posterior. A definição do termo etnografia tem sido alvo de controvérsias, existindo no entanto, unanimidade em se afirmar que “ (…) o cenário de interesse para a investigação se relaciona com a interacção das pessoas e os significados que criam conjuntamente” (Fernandes, 2004, 181). Para Spradley (1979), a etnografia é o trabalho de descrever uma cultura, sendo o objectivo do investigador etnográfico compreender a maneira de viver do ponto de vista dos seus nativos. Sugere, ainda, que é uma ferramenta útil para a compreensão do modo como outras pessoas vêem a sua experiência, devendo ser encarada mais como uma ferramenta que permite aprender com as pessoas, do que um utensílio para as estudar. De acordo com Spradley (1979, p.3), a particularidade da etnografia é a “compreensão das coisas do ponto de vista dos participantes, isto é, da ‘sua cultura’” (p.4). Assim, quando o objectivo de uma investigação é a descrição de uma cultura, é adequada a adopção de uma metodologia etnográfica, a qual segundo Matos (1999a), citando Atkinson e Hammersley (1994), envolve as seguintes características: - grande ênfase na exploração (de natureza social e cultural) de um fenómeno particular em vez da tentativa de testar hipóteses acerca do mesmo; - tendência para trabalhar sobre dados não-estruturados, isto é, que não foram codificados através de um sistema de categorias previamente definido; - existência de um número reduzido de participantes sob análise; - existência, na análise, de interpretação explícita dos significados e funções das acções das pessoas; e - integração, no produto dos estudos etnográficos, de descrições e explicações, em que a quantificação e a análise estatística ocupam quando muito um papel secundário. No que concerne à etnografia educacional, de acordo com Fernandes (2004), ao fazer referência às autoras Goetz e LeCompte (1984), a mesma tem como objectivo “(…) trazer valiosos dados dos contextos, actividade e crenças dos participantes nos contextos educacionais, tal como eles ocorrem naturalmente” (p. 181). Neste sentido, porque o foco de interesse desta investigação tem como ponto de partida questões socioculturais, pode-se considerar que a investigação aqui relatada tem natureza etnográfica, uma vez que se foca em todos os participantes, nos seus modos de

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participação e nas condições de mudança, tentando recriar ao leitor, as crenças partilhadas, as práticas, bem como os comportamentos de um grupo de alunos.

III. 2. A escola

A escola situa-se no distrito de Lisboa, concelho da Amadora, sendo Escola Sede de um Agrupamento de Escolas, homologado a 4 de Maio de 2004. Presentemente, tem um total de 790 alunos dos 2º e 3º ciclos, a saber: 264 do 5º ano; 248 do 6º ano; 148 do 7º ano; 71 do 8º ano; e 59 do 9º ano, quase metade do que a mesma tinha há vinte anos atrás, apenas com o 2º ciclo. O ano lectivo de 1973/ 74 marca os primórdios da escola em questão, com instalação provisória no Bairro Janeiro, ainda como secção da Escola Roque Gameiro. Em 1975/ 76 tornou-se “independente”, tendo-lhe sido atribuído pelo Ministério da Educação o nome que actualmente a identifica. Em 10 de Janeiro de 1981, passa a ter instalações definitivas na Rua Elias Garcia, na zona da Venteira. Até ao ano lectivo de 1983/ 84 funcionou como Escola Preparatória leccionando-se os 5 º e 6 º anos. No ano lectivo de 1985/ 86 passou a integrar turmas do 7 º ano, em 1992/ 93 turmas do 8 º e finalmente turmas do 9 º ano em 1993/ 94, pelo que passou a ter a designação de Escola do Ensino Básico 2+3. A escola encontra-se sediada na freguesia da Venteira, no concelho de Amadora, o qual se estende por uma superfície aproximada de 2 379,2 hectares, deparando-se com problemas inerentes à multiculturalidade que aqui co-existe, dado que se trata de uma zona de grande heterogeneidade em relação a etnias, culturas e formações. Grande parte da sua população escolar é proveniente, na sua maioria da freguesia da Venteira, existindo alguns alunos oriundos da freguesia de Queluz/ Belas e das zonas degradadas que se localizam próximo da Escola, como Casal de Santa Filomena e Carenque, pelo que se inserem num nível socioeconómico muito carenciado, podendo considerar-se como dado significativo o elevado número de alunos abrangidos pelos Serviços de Acção Social Escolar. Nos últimos tempos, tem-se assistido a uma progressiva inclusão de alunos provenientes da Europa de Leste, da Ásia e da América do Sul.

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De referir ainda, que muitos alunos provêm de famílias monoparentais, entregues ao cuidado dos avós que devido a diversos factores (idade, doença, fracos recursos económicos, de formação...) não acompanham devidamente o seu percurso escolar. Por este facto, muitas vezes os alunos são entregues ao abandono diário, chegando à Escola sem motivação para a aprendizagem, com carências no domínio da Língua Portuguesa e Matemática, sem hábitos de trabalho, de organização e de estudo, despojados de valores de cidadania e sem regras de respeito por hierarquias. Neste sentido, a principal preocupação do Agrupamento é estabelecer estratégias conducentes a uma melhor integração destes alunos no meio escolar, pelo que o seu projecto educativo centra-se na formação dos alunos e visa transmitir valores comuns, envolver os intervenientes da comunidade educativa, criar condições para uma gestão democrática, reforçar os processos de comunicação e participação, aumentar a eficácia pedagógica e fomentar a partilha de experiências com outras escolas, nomeadamente as pertencentes ao Agrupamento, de forma a promover o sucesso. Para a concretização do Projecto emerge a necessidade de atitudes de colaboração, cooperação e compromisso como pilares de uma cultura de responsabilidade partilhada por toda a comunidade educativa.

III. 3. Os participantes em estudo

Ao pretender estudar e analisar o modo de actuar dos alunos em sala de aula, em particular a colaboração e as interacções sociais resultantes nesse contexto, torna-se importante estar atenta não só ao que as pessoas dizem, mas também à forma como actuam e aos artefactos que utilizam, características estas que Spradley (1979) considera necessárias num estudo etnográfico, onde o trabalho conjunto com os informantes (participantes) tem como objectivo produzir uma “descrição cultural” (p.25) do fenómeno em estudo. Neste sentido, é fulcral que se verifique a criação de uma relação particular, complexa, entre o investigador e os participantes. O sucesso do estudo etnográfico depende, em grande medida, da natureza desta relação. Assim, tendo em conta a natureza do problema em investigação, bem como as questões propostas, neste estudo considera-se como objecto de análise os alunos em

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actividade na sala de aula de Matemática, onde se privilegia o trabalho colaborativo, tendo por base o dia-a-dia de uma dada turma com a professora que, neste caso, em particular, coincide com a investigadora. Trata-se de um estudo de tipo naturalista dado que o fenómeno em análise é a prática diária da professora e alunos. Será, neste caso, privilegiada a recolha de dados da vivência diária de uma turma, no caso em particular, do 7º ano de escolaridade, em situações de aula de Matemática diversas, surgidas ao longo do trabalho. A turma do 7º ano de escolaridade que participa no presente estudo é constituída por 24 alunos, 12 raparigas e 12 rapazes, apresentando idades no início do ano lectivo compreendidas entre os 12 e os 14 anos, verificando-se a existência de 6 alunos repetentes. No início de Novembro um novo aluno, do sexo masculino foi integrado na turma, proveniente de França, com 12 anos, perfazendo assim um total de 25 alunos. A turma apresentava relativamente a anos anteriores, um fraco desempenho académico ao nível da Matemática, manifestando, no entanto, um gosto particular pela disciplina, apesar das dificuldades que admitiam sentir no seu estudo e trabalho. Como excepção existiam dois casos: um aluno que se revelou bastante desmotivado logo no início do ano lectivo, uma vez que era repetente e nunca tinha conseguido uma positiva nesta disciplina (independentemente de ter tentado ou não) em todo o seu percurso escolar; e um outro aluno que apresentava uma auto-estima académica muito negativa, acreditando que nunca seria capaz de realizar qualquer tipo de trabalho relacionado com a Matemática, atribuindo a sua “culpa” à falta de tempo, por se encontrar a cuidar dos seus irmãos, bem como à “herança” deixada pelos seus pais, os quais também manifestavam muitas dificuldades em relação à disciplina. De realçar que a turma, em geral, apresentava um bom nível de adesão dos alunos às tarefas propostas em sala de aula, desde o início do ano lectivo, bem como uma excelente receptividade e participação em iniciativas inovadoras. Para além disso, o relacionamento entre os alunos da turma era, de um modo geral, amigável e de solidariedade, integrando muito bem alunos provindos de outras culturas. Dadas as características aqui apresentadas, a minha escolha recaiu sobre esta turma, tendo sido solicitada autorização aos respectivos Encarregados de Educação, os quais, de modo análogo aos seus educandos, manifestaram bastante interesse e entusiasmo na participação dos mesmos neste trabalho, esperançados que este promovesse o sucesso dos seus educandos à disciplina de Matemática. De realçar que, dentro da turma, foram seleccionados dois grupos dos sete existentes, cada um 78


constituído por 4 alunos de ambos os géneros, com diferentes percursos escolares ao nível da disciplina de Matemática e com características socioculturais distintas. Importa ainda, salientar que a fim de salvaguardar a privacidade dos alunos envolvidos neste estudo, a cada um foi atribuído um nome fictício, por eles escolhido, garantindo assim o seu anonimato.

III. 4. Instrumentos de Recolha dos Dados

Numa investigação de natureza etnográfica, o êxito depende em grande medida da capacidade interpretativa do investigador, sendo uma das suas vantagens permitir a este uma grande mobilização dos instrumentos teóricos de análise, acarretando, no entanto, como risco a existência de uma subjectividade que nunca poderá ser completamente controlada. Assim, é importante que o investigador possa obter informações de diversas fontes, de forma a facilitar a caracterização e a formulação de uma eventual resposta ao problema em estudo e às questões que daí emergiram. Assim, num estudo etnográfico, um investigador pode recorrer essencialmente a quatro tipos de métodos de recolha de dados: 

a observação participante, como estratégia para ouvir e ver as pessoas no seu ambiente natural;

a entrevista etnográfica, a qual surge como uma conversa ocasional, informal no terreno e portanto não-estruturada

a análise de artefactos; e

a introspecção (reflexão) do investigador.

No caso particular deste estudo, o método de recolha de dados privilegiado será o da observação participante, por se tratar de um meio indispensável para seleccionar informação pertinente a fim de descrever, interpretar e agir sobre a realidade em questão permitindo assim, em conjunto com a utilização de instrumentos de registo como o bloco-notas, o diário de pesquisa e gravações em áudio e/ou em vídeo, alcançar uma aproximação mais precisa do objecto de estudo. Daí que se possa considerar a observação participante como um instrumento poderoso e relativamente manejável para

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a análise e interpretação dos fenómenos de natureza sociocultural que ocorrem nas escolas.

III. 4. 1. Observação Participante A observação consiste na recolha de impressões sobre o mundo que nos rodeia (Adler e Adler, 1994) e permite ao observador um “ (…) contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenómeno pesquisado (…)” (Lüdke e André, p. 26, original em português do Brasil). Neste sentido, consiste num instrumento de recolha de dados, no qual o investigador assume a responsabilidade pela observação do objecto de estudo, permitindo-lhe olhar para o que está a acontecer in situ, em vez de tomar contacto com os acontecimentos em segunda mão (Patton, 1990). Em investigações de índole interpretativa/qualitativa como a que me proponho realizar, a observação é “(…) fundamentalmente naturalista na sua essência, ocorre no contexto natural da ocorrência, entre os actores que seriam naturalmente, participantes na interacção (…). Goza da vantagem de situar o observador no interior da complexidade fenomenológica do mundo, onde as conexões, correlações e causas podem ser testemunhadas conforme se revelam.” (Adler e Adler, 1994, p. 81) Assim, a observação pode ser considerada como o melhor instrumento de investigação, especialmente quando o observador é participante nos acontecimentos, como sucede no presente estudo. A observação tem vindo a ser cada vez mais utilizada em trabalhos de natureza sociológica ou em antropologia, quer como ferramenta exploratória, quer como a técnica principal de recolha de dados na investigação de estilo etnográfico, a qual tem sido também aplicada em escolas e nas salas de aulas. De acordo com Patton (1990), os dados recolhidos através da observação ajudam o investigador a compreender os fenómenos em estudo, sendo o seu propósito “ (…) descrever o contexto (setting), que está a ser observado, as actividades que tiveram lugar na situação, as pessoas que participam

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nessas actividades, e os significados do que foi observado na perspectiva dos observados. As descrições devem ser factuais, rigorosas e sem serem atravancadas por minúcias irrelevantes e triviais.” (p. 202) Na tipologia clássica de Gold (1958, citado por Adler e Adler, 1994) são referidas quatro formas de efectuar a observação: a) participante pleno (complete participant); b) participante como observador (participant-as-observer); c) observador como participante (observer-as-participant); e d) observador pleno (complete observer), num contínuo desde a participação completa ao distanciamento (Cohen et al., 2001). No que concerne à observação participante, Stenhouse (1993) considera-a como o principal instrumento de recolha de dados em etnografia e, dado que a investigação aqui retratada é de carácter etnográfico, a observação constitui efectivamente o principal instrumento de recolha de dados. Como afirma Stenhouse (1993) “O observador participante toma parte na vida da comunidade que estuda, aprendendo a linguagem e os costumes durante esse processo mas, ao mesmo tempo, retendo a sua própria perspectiva, a partir da qual estuda a vida daquela comunidade em vez de simplesmente adoptar a cultura e “tornar-se nativo”.” (pp. 67 – 68, aspas no original) Neste sentido, a observação participante caracteriza-se, de acordo com Bogdan e Taylor (1975), por um período de interacções sociais intensas entre o investigador e os sujeitos, no ambiente destes, sendo os dados recolhidos sistematicamente, provenientes de fontes diversas durante esse período de tempo, em que o observador apreende, vivendo com as pessoas e partilhando as suas experiências. Adler e Adler (1987) afirmam existir três tipos de observação participante, consoante o grau de implicação do investigador na vida do grupo, objecto do estudo, que se denominam por: (a) observação participante periférica (peripheral membership) - utilizada nos casos em que os observadores consideram necessário um certo grau de implicação na actividade do grupo que estudam, de modo a compreenderem essa actividade, mas sem serem, no entanto, admitidos no centro desta. Segundo Lapassade (1992), o carácter periférico da implicação tem a sua origem numa

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escolha de natureza epistemológica, baseada no receio de que demasiada implicação redunde em bloqueio da capacidade de análise. (b) observação participante activa (active membership) - adoptada pelos investigadores que se esforçam por adquirir um determinado estatuto no seio do grupo ou instituição em estudo. Este estatuto é o que lhes permite participar em todas as actividades como membro, mas mantendo uma certa distância. (c) observação participante completa (complete membership) - divide-se em duas subcategorias: por oportunidade, caso o investigador seja já membro da situação que irá estudar e, por conversão, segundo a qual o investigador deve tornar-se o fenómeno que estuda. Por a observação ser uma óptima forma de recolha de dados de uma pessoa em actividade, no estudo que me proponho realizar o intuito será observar uma das minhas turmas do 7º ano de escolaridade em actividade em sala de aula no seu dia-a-dia, de modo a analisar e perceber o modo de actuar dos meus alunos, em particular a colaboração e as interacções sociais resultantes nesse contexto, bem como os artefactos que usam. Como investigadora tenho o privilégio de a observação poder decorrer durante as minhas aulas, uma vez que me encontro no desempenho da minha função como docente de Matemática da respectiva turma, isto sempre numa tentativa de não alterar o ambiente natural da turma, assumindo assim o papel de participante observadora, segundo a tipologia de Gold (1958, citado por Adler e Adler, 1994). A posição que assumo no estudo permite incluir-me nos acontecimentos, e em condições de os observar, mais de perto, o que me possibilitou igualmente uma maior aproximação da perspectiva dos participantes (alunos) envolvidos. Neste caso, posso identificar-me como uma investigadora numa situação de observação participante completa por oportunidade, uma vez que me encontro como membro da situação a estudar, tornando o grau de participação muito elevado. Este tipo de observação participante acarreta vantagens e desvantagens, dependendo do grau de implicação do investigador e da sua capacidade interpretativa, pelo que se deverá ter cuidados acrescidos relativamente aos outros tipos de observação, de forma a não comprometer a investigação em questão. Por um lado, permite o acesso a um maior entendimento dos contextos físicos, sociais, culturais e económicos, nos quais os participantes se encontram integrados, bem como as relações estabelecidas entre contextos, ideias, pessoas e as actividades e os comportamentos destas últimas.

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Neste sentido, a observação participante tem um carácter mais flexível na medida que permite planear e adaptar a investigação, de acordo com novos dados recolhidos. Por outro lado, a situação de observador participante é muito complexa por conter dois papéis em constante dialéctica – o de observador e o de participante, exigindo por parte do investigador uma auto-vigilância de forma a manter o equilíbrio e não perder a objectividade científica. Assim, nesta dupla condição - observadora e participante – e porque no interior de uma sala de aula, o processo de ensino-aprendizagem se desenvolve num quadro multicultural, terei o cuidado como observadora para me distanciar do objecto de observação e capacitar-me de forma a interpretar um dado comportamento à luz da diversidade cultural, através de um constante questionamento e deixando de parte as minhas próprias concepções, despindo-me assim, de quaisquer ideias que possa formar de cada participante.

III. 4. 2. Recolha Fotográfica e Áudio/Vídeo O registo em fotografia e/ou em vídeo, preferencialmente este último, nas observações das aulas é fulcral para se conseguir uma compreensão mais fidedigna da actividade dos alunos, da participação, da colaboração e interacções sociais emergentes naquele contexto. O acesso a este tipo de registo, com um olhar fixo, “objectivo” e descontextualizado, permite discutir e confrontar diferentes interpretações e consequentemente, em conjunto com anotações de campo, aperfeiçoar ainda mais o trabalho, refinando a análise, até atingir uma aproximação mais precisa do objecto em estudo. No que concerne à recolha fotográfica, esta é muitas vezes utilizada como um complemento a outros instrumentos de recolha de dados, nomeadamente, a observação participante, que se encontra incluída na recolha de dados, dado que as fotografias são, de acordo com Bogdan e Biklen (1994), um instrumento simplificador na recolha de factos. De facto, segundo os autores, a fotografia “ (...) é a maior parte das vezes utilizada como um meio de lembrar e estudar detalhes que poderiam ser descurados se uma imagem fotográfica não estivesse disponível para os reflectir. (...) fornecem-nos imagens para uma inspecção intensa posterior que procura pistas sobre relações e actividades” (Bogdan e Biklen, 1994, p. 189).

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Considerando que a recolha de registos através de filmagem vídeo também constitui, à semelhança dos registos fotográficos, um elemento de análise e reflexão mais detalhadas, optei por utilizar estes dois instrumentos complementares na recolha de dados. Assim, foram registadas, através de vídeo e fotografia, algumas aulas de Matemática, dando-se primazia ao registo vídeo por acreditar que esta forma de registo, embora um pouco mais perturbadora para os observados, fornecia garantias de uma recolha de factos mais rica sobre o que passa entre os alunos na respectiva sala de aula. De salientar que, para tal ser possível, uma vez que se tratava de registos nos quais aparecem os alunos participantes no estudo, foi solicitada autorização, por escrito, ao Conselho Pedagógico da escola, bem como aos respectivos Encarregados de Educação. Em ambos os casos, a autorização foi concedida.

III. 4. 3. Diário do Investigador Para uma maior objectividade científica e no intuito de se ultrapassar algumas limitações originadas pela observação participante, a forma como os dados são registados assume um papel fundamental. Assim, feita a observação, torna-se imprescindível o seu rápido registo sob pena de se perder elementos valiosos. Segundo Bogdan e Biklen (1994), as notas de campo são essenciais para que um estudo qualitativo seja bem sucedido. Para isso, é fundamental que o investigador observe e registe sistematicamente, numa tentativa de o fazer o mais objectivamente possível. Este instrumento de recolha de dados “obriga o investigador a um registo sistemático de observações que de outro modo ficariam apenas na memória daquele, perdendo com o decorrer do tempo objectividade” (Varandas 2000, pp. 73 - 74). Neste sentido, de preferência e se assim for viável, o investigador deverá ter o cuidado de não deixar passar muito tempo entre as observações e o seu registo. Para tal, para além de se poder usar um guião de observação, que inclua um conjunto de indicadores necessários para retratar o objecto de estudo, existem outros instrumentos de registo aos quais recorrerei, tais como: bloco-notas e/ou diário de pesquisa. O bloco de notas será sempre uma companhia, no qual serão incluídas anotações sobre as primeiras impressões, sob a forma de tópicos, diagramas e breves memorandos, funcionando como um auxílio de memória para um futuro registo mais detalhado. Não sendo este o suficiente, há que o completar com um relato mais detalhado onde se

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registem os factos observados, interpretações, hipóteses consequentes da observação, bem como outras informações importantes (por exemplo, nome de pessoas contactadas, bibliografias, entre outras). Com estas funções, vários autores recomendam a elaboração do chamado diário de pesquisa, semelhante a um autêntico diário de bordo, onde os procedimentos da investigação, os resultados das observações efectuadas, os acontecimentos relevantes, entre outros, preferencialmente registados por ordem cronológica, de forma a que uma posterior leitura permita ao investigador em questão tomar consciência da sua caminhada.

III. 4. 4. Recolha Documental A recolha documental, em sentido lato, corresponde às chamadas evidências mudas, que incluem textos escritos e artefactos, sendo que nos textos escritos se pode incluir documentos e registos (Hodder, 1998, citado por Courela, 2007, p. 385). Neste sentido, defendendo a recolha documental como instrumento de recolha de dados, Guba e Lincoln (1981), consideram-na como uma fonte estável e rica. Segundo Hodder (1998, citado por Courela, 2007, p. 385), os documentos são produções dos agentes envolvidos nos cenários de investigação, podendo incluir, diários, cartas, notas de campo, memorandos, entre outros, devendo o investigador ter cuidado na análise deste tipo de dados, uma vez que são “(…) extremamente subjectivos, representando os enviesamentos dos seus promotores (…) ” (Bogdan e Biklen, 1994, p.180). No que concerne a registos, segundo Hodder (1998, citado por Courela, 2007), estes dizem respeito a produções com proveniência exterior aos participantes na investigação. Assim, no âmbito desta investigação foram recolhidos documentos fora da sala de aula, junto da secretaria da escola e do respectivo Conselho Executivo, cujas informações incidem sobre o Projecto Curricular de Agrupamento, o Projecto Educativo e diversos elementos do processo individual de cada aluno: registo biográfico, formulários de matrícula, pautas, entre outros considerados necessários para um melhor conhecimento sobre as características individuais dos alunos participantes. No caso concreto deste estudo “ (…) em que a tónica principal é a observação participante (…) ” (Bogdan e Riklen, 1994, p. 176), uma das formas de obter dados é analisar materiais escritos pelos participantes, pelo que foram recolhidos documentos de trabalho para os alunos (vulgarmente designadas por fichas de trabalho), testes escritos

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e relatórios elaborados pelos alunos, entre outros. Para além destes documentos, ao longo do ano, foram ainda consultados e analisados os portfolios dos alunos, os quais foram construídos no âmbito do PAM – Plano de Acção para a Matemática. A recolha documental aparece, assim, como um forte complemento de outros instrumentos utilizados na investigação aqui presente

III. 5. Procedimentos

Vivemos momentos de mudança, marcados pela multiplicidade de realidades étnicas e culturais que co-existem na nossa sociedade, que se reflecte na actual população escolar, onde se denota uma grande heterogeneidade. Neste sentido, um dos grandes desafios com que as escolas e os seus agentes educativos se deparam é no estabelecer de estratégias conducentes a uma melhor integração destes alunos no meio escolar, envolver os intervenientes da comunidade educativa, criar condições para uma gestão democrática, reforçar os processos de comunicação e participação, aumentar a eficácia pedagógica e fomentar a partilha de saberes e experiências, por forma a promover o sucesso académico, em particular à disciplina de matemática e consequentemente, o desenvolvimento pleno de todos os seus alunos. Segundo Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999, p.17), “Aprender Matemática é um direito básico de todas as pessoas – em particular de todas as crianças e jovens – e uma resposta a necessidades individuais e sociais”, pelo que emerge a necessidade e urgência em criar modos de actuação, na sala de aula, que proporcionem aos alunos um clima de trabalho que possibilite atingir estes objectivos, permitindo assim, que a aprendizagem da disciplina de Matemática seja significativa. Neste sentido, procurei aprofundar a compreensão sobre o modo como um professor pode dinamizar as actividades e as interacções sociais na comunidade da sala de aula, utilizando o trabalho colaborativo como principal metodologia de trabalho a desenvolver na construção do saber matemático, uma vez que, segundo César (2003), este se trata de uma forma inovadora e de grandes potencialidades na promoção do sucesso dos alunos na disciplina de Matemática.

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Assim, na presente investigação que sustenta esta dissertação, assumiu-se como objectivo descrever e analisar o modo de actuar dos alunos em sala de aula, em particular, a colaboração e as interacções sociais emergentes neste contexto, o que implicou o recurso a uma abordagem interpretativa, assente em técnicas de índole qualitativa na análise e recolha de dados não estruturados, ou seja, numa abordagem com características etnográficas. Dada a natureza da investigação, optei por utilizar como instrumento de recolha de dados a observação participante, envolvendo a realização de um diário do investigador onde registei alguns dados relevantes da observação, bem como registos fotográficos e áudio/vídeo para uma compreensão mais fidedigna da actividade dos alunos, sendo os registos em vídeo realizados apenas a partir do 2º período. De seguida, após um estudo inicial e atento dos dados recolhidos e tendo em conta os objectivos e as questões que conduziram todo este trabalho, realizei uma análise do trabalho colaborativo desenvolvido na sala de aula e o seu contributo enquanto metodologia de trabalho privilegiada nas aulas de Matemática. De modo análogo, analisei a relação entre a colaboração emergente num ambiente em que se privilegia o trabalho colaborativo e a aprendizagem colaborativa que aí poderá ocorrer. Importa salientar ainda, que ao longo do ano lectivo em que decorreu esta investigação procurei desenvolver práticas de sala de aula promotoras de um ensino centrado nos alunos, de forma a proporcionar-lhes um maior envolvimento no seu processo de aprendizagem, tornando-os os principais agentes do mesmo. Para tal, investiu-se em experiências de aprendizagem diversificadas, incluindo actividades de exploração, de investigação e de resolução de problemas, tendo-se desenvolvido as aulas numa metodologia de trabalho colaborativo, realçando-se a importância das interacções sociais caracterizada por uma partilha contínua de saberes e de responsabilidade. No entanto, uma vez que a minha investigação recai sobre alunos de tenras idades, neste caso particular entre os 12 e os 14 anos, e ainda por naquela escola, como em muitas outras, se privilegiar um ensino individualizado, foi necessária no início uma orientação mais dirigida pela minha parte, adoptando primeiramente um método de trabalho cooperativo, indo ao longo do tempo “soltando as rédeas”, permitindo uma maior liderança por parte dos alunos no seu percurso, bem como uma maior responsabilização na colaboração com a professora e com os outros alunos no desenvolvimento do trabalho, na interajuda e na sua participação em todo o processo de ensino/aprendizagem. De realçar para o facto de que, com a implementação desta nova metodologia de trabalho ao longo do ano, se começou a notar uma mudança de atitude e 87


consequentemente, um maior investimento no trabalho colaborativo, onde a partilha contínua a que se assistia, permitiu concretizar a dimensão social das aprendizagens e o sentido solidário da construção dos saberes matemáticos dos alunos.

III. 6 Fases da Investigação

O estudo decorreu entre Setembro de 2007 a Novembro de 2008. No quadro 3 apresento as várias fases em que a investigação foi estruturada e as actividades realizadas em cada uma delas. Quadro 3 – Fases da investigação 2007 Setembro

Elaboração do Projecto de Tese

Outubro

Revisão de Literatura Elaboração dos instrumentos de recolha de dados:

Novembro Dezembro

- Selecção da turma a estudar - Preparação do estudo (contactos por escrito para autorização de observação com o Conselho Pedagógico) Revisão de Literatura

2008 Revisão de Literatura Elaboração dos instrumentos de recolha de dados: Janeiro Fevereiro

-Preparação do estudo (contactos por escrito para autorização

de

observação

com

os

alunos

e

Encarregados de Educação) Recolha de dados (observação de aulas)

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Março Abril

Revisão de Literatura Recolha e análise de dados (observação de aulas, diário de bordo) Revisão de Literatura

Maio

Escrita da dissertação

Junho

Recolha e análise de dados (observação de aulas; diário de bordo)

Julho

Escrita da dissertação

Agosto Setembro

Análise de Dados

Outubro

Conclusões Conclusões

Novembro Revisão Final

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Capítulo IV RESULTADOS

Numa investigação assente em técnicas de índole qualitativa na recolha e análise de dados não-estruturados, como é o caso desta, a fase de apresentação e discussão dos resultados constitui um dos períodos de maior reflexão e análise sobre o trabalho desenvolvido ao longo da investigação. Para tal, segundo Bogdan e Biklen (1994), “A análise de dados é o processo de busca e de organização sistemático (…), de notas de campo e de outros materiais que foram sendo acumulados, com o objectivo de aumentar a sua própria compreensão desses mesmos materiais e de lhe permitir apresentar aos outros aquilo que encontrou” (p. 205) Além disso, numa investigação desta natureza, em que o investigador é também ele próprio um dos participantes, é importante que se analise o trabalho numa perspectiva reflexiva e de um modo crítico, preferencialmente com algum distanciamento do que foi realizado, tendo em consideração diversas perspectivas interpretativas. Importa salientar que, apesar da situação de observador participante ser muito complexa por conter dois papéis em constante dialéctica – o de observador e o de participante, exigindo por parte do investigador uma auto-vigilância de forma a manter o equilíbrio e não perder a objectividade científica, permite igualmente ser um elemento privilegiado na investigação, uma vez que lhe possibilita ter acesso ao conhecimento único de quem conviveu com as situações, que aqui irão ser brevemente descritas e analisadas. Assim, nesta investigação, após uma análise inicial e atenta dos dados recolhidos e tendo em conta os objectivos e as questões que conduziram todo este trabalho, irei realizar neste capítulo uma análise do trabalho colaborativo desenvolvido na sala de aula e o seu contributo enquanto metodologia de trabalho privilegiada nas aulas de Matemática.

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De modo análogo, analisarei a relação entre a colaboração emergente num ambiente em que se privilegia o trabalho colaborativo e a aprendizagem colaborativa que aí poderá ocorrer.

IV. 1. Uma primeira abordagem…

Neste ponto, antes de iniciar a análise dos dados recolhidos, de acordo com o problema em estudo e as questões formuladas, considero importante desenvolver uma breve narrativa sobre o percurso pessoal e profissional da professora/investigadora, pois como afirma Stake (1995, citado por Courela, 2007), é importante que o investigador se dê a conhecer um pouco para que melhor se entenda o seu trabalho. De igual modo, é importante conhecer as realidades vivenciadas pelos alunos da turma envolvida no estudo, dado que existem influências exteriores às quais um investigador não pode e não deve ser indiferente, pelo que se procederá a uma caracterização da turma, para a qual foram recolhidos alguns dados da ficha biográfica do aluno, bem como do Projecto Curricular de Turma.

IV. 1. 1. O Percurso da Professora/Investigadora A escolha da profissão docente surgiu na sequência da descoberta pelo gosto de ensinar os outros. Desde que me conheço como ‘gente’, o hábito de andar sempre de caderno e lápis na mão, tornou-se num caracterizado por querer aprender mais e querer ensinar os outros. O prazer de aprender e de ensinar depressa me colocou numa trajectória para a educação, descobrindo aos meus onze anos de idade que gostaria de ser professora da disciplina de Matemática, muito influenciada por um professor de matemática, que considero até aos dias de hoje, o melhor e por quem nutro um carinho especial e uma profunda admiração. A partir daí, todo o meu percurso escolar foi pensado e planeado em prol de um objectivo, o de ser professora de matemática, culminando assim, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde adquiri a Licenciatura em Ensino de Matemática.

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A entrada na profissão docente deu-se em 1999/2000, aquando da realização do Estágio Pedagógico, que se encontra integrado na Licenciatura, onde pude experienciar sentimentos e vivências diferenciadas, incitando ainda mais o gosto pela profissão docente. No entanto, no ano lectivo seguinte, em 2000/2001, várias foram as ilusões criadas e as desilusões sentidas em torno da minha actividade docente, em particular a ausência de colaboração entre os professores e a falta de iniciativa e inovação por parte destes, vislumbrando-se individualismo, rotina e estagnação profissional, tendo assim, optado por me retirar do ensino público, em prol de novas experiências. Nos anos lectivos 2001/2002 e 2002/2003, experiencio um novo tipo de ensino, o ensino profissional nas áreas do Comércio, Marketing e Promoção de Vendas, onde além de ter sido docente da disciplina de Matemática e orientadora de estágios na área do comércio e marketing tive ainda, o privilégio de desenvolver projectos diversos, entre muitos um intitulado “Matemática ao Serviço do Comércio”, onde se privilegiava a integração da matemática escolar em projectos direccionados para o comércio e serviços, do qual fui colaboradora e coordenadora em parceria com o Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, com o Dr. João Pedro da Ponte. Dada a experiência adquirida nestes primeiros quatro anos de ensino e porque sempre tive preferência pelo ensino público, decidi regressar onde, durante dois anos consecutivos, me encontrei em substituição em diversas escolas, deparando-me com uma mudança de mentalidades e de metodologias nalgumas delas, mas ainda muito por se conquistar. Foi numa dessas substituições que tive o meu primeiro contacto com uma nova metodologia de trabalho, a do trabalho colaborativo, a qual existia tanto entre professores como entre alunos, muito instigada pelos primeiros. Desde essa altura, adquiri um desejo crescente na adopção desta nova metodologia de trabalho, pelo que decidi aplicar os conhecimentos obtidos nas minhas práticas de sala de aula numa escola de Alfragide, no Concelho da Amadora. Aí notei uma excelente receptividade e interesse na minha forma de trabalhar, pelo que me deparei com uma grande aderência por parte de outros professores dos Conselhos de Turma a que pertencia, bem como um manifesto contentamento por parte de Encarregados de Educação e alunos, uma vez que os resultados escolares melhoraram, demonstrando estes últimos uma motivação pela disciplina e pelo seu estudo. Desta forma, ao longo do meu percurso, tendo em conta as minhas vivências e experiências, assistiu-se a um embrenhar progressivo no trabalho colaborativo como a 93


principal metodologia de trabalho a desenvolver com as minhas turmas, pelo que senti necessidade, bem como desejo em aprofundar os meus conhecimentos na área da educação, decidindo assim frequentar o mestrado em Educação, na especialidade Didáctica da Matemática, do qual resulta a presente dissertação cuja ênfase se centra sobre o tema que me motivou a frequentá-lo: o trabalho colaborativo na construção do saber matemático dos alunos, onde se privilegia o aluno como um participante activo no seu processo de aprendizagem.

IV. 1. 2. A Turma A turma F do 7º ano, envolvida no presente estudo é uma das seis turmas do 7º ano de escolaridade, do 3º Ciclo do Ensino Básico, de uma escola (pública) situada na freguesia da Venteira, do concelho da Amadora, no distrito de Lisboa. A turma era constituída inicialmente por 24 alunos, 12 raparigas e 12 rapazes, apresentando idades no início do ano lectivo compreendidas entre os 12 e os 14 anos, conforme se pode verificar no quadro 4. No início de Novembro um novo aluno, do sexo masculino, foi integrado na turma, proveniente de França, com 12 anos, perfazendo assim um total de 25 alunos, dos quais 6 são repetentes. Idades

N.º de Alunos

12

15

13

8

14

2

Quadro 4 – Idades dos alunos da turma em estudo Na turma encontram-se integrados dois alunos de nacionalidade brasileira e francesa. O aluno de nacionalidade francesa, por não ter qualquer conhecimento da língua portuguesa, necessitou de frequentar as aulas de Língua Portuguesa não Materna (LPNM), que decorriam durante as aulas de Estudo Acompanhado, encontrando-se estas últimas atribuídas aos professores da disciplina de Matemática, no âmbito do Plano de Acção para a Matemática (PAM).

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Reportando-me ao capítulo anterior, ao descrever a escola fiz referência ao facto de grande parte da sua população ser proveniente, na sua maioria da freguesia da Venteira, existindo alguns alunos oriundos da freguesia de Queluz/ Belas e das zonas degradadas que se localizam próximo da Escola, como Casal de Santa Filomena e Carenque, pelo que os alunos desta turma não são uma excepção. Neste sentido, alguns destes inserem-se num nível socioeconómico muito carenciado, encontrando-se os mesmos abrangidos pelos Serviços de Acção Social Escolar. A situação anteriormente descrita, aliada a uma falta de acompanhamento por parte dos Encarregados de Educação do percurso escolar dos seus educandos, manifesta-se por vezes numa falta de motivação para a sua aprendizagem, carência no domínio da Língua Portuguesa e Matemática, ausência de hábitos de trabalho, de organização e de estudo, despojados de valores de cidadania e sem regras de respeito por hierarquias. Neste sentido, a principal preocupação da escola, bem como de todos os agentes educativos, é o de assumir um papel mais interventivo na formação dos alunos no intuito de uma maior consciencialização do aluno para o seu papel de cidadão, numa sociedade que se deseja justa e igualitária. Para tal, o objectivo a que se propôs tem sido no estabelecer de estratégias conducentes a uma melhor integração destes alunos no meio escolar, bem como a uma maior envolvência e responsabilização dos respectivos Encarregados de Educação que neste caso, em particular, são maioritariamente do sexo feminino (mãe/avó/ama). No que concerne aos pais dos alunos envolvidos, pode-se constatar pelos gráficos da figura 5, que a maioria frequentou o 3º ciclo, assistindo-se a um reduzido número no ensino secundário e a uma ausência, por completo, no ensino superior.

Habilitações Literárias da mãe

Habilitações Literárias do pai 12

9 8

10

7 6

8

5

6

4 3

4

2

2

1 0

0 1º ciclo

2º ciclo

3º ciclo

Sec.

Lic.

Não resp.

1º ciclo

2º ciclo

3º ciclo

Sec.

Lic.

Não resp.

Figura 5 – Habilitações Literárias dos pais e mães dos alunos da turma do estudo

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Ao fazer a caracterização da turma interessei-me por saber quais as suas disciplinas preferidas, bem como as disciplinas onde sentiam mais dificuldades. Ao observar o primeiro gráfico da figura 6, pode-se constatar que as disciplinas preferidas dos alunos são a Língua Portuguesa e a Educação Física, com a mesma percentagem de alunos, seguindo-se curiosamente a disciplina de Matemática. Digo curiosamente, porque ao analisar o gráfico correspondente às disciplinas onde os alunos apresentam maiores dificuldades, a Matemática é uma das que merece um lugar de destaque, a seguir às línguas estrangeiras, nomeadamente ao Inglês, dificuldade esta que já se encontrava diagnosticada nos restantes alunos pertencentes à população escolar.

Disciplinas onde os alunos sentem maior dificuldade

Disciplinas

al .F Ed

ic ís

a

a

isu

ís ic

.V Ed

isu al

Q CF

Ed .F

CN

CF Q

at

Ed .V

M

CN

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at

t is H

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g In

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LP

t

0

G

5

Hi s

10

30 25 20 15 10 5 0 Fr

15

In g

20

LP

25

Percentagem de Alunos

Percentagem de Alunos

Disciplinas Preferidas

Disciplinas

Figura 6 – Disciplinas preferidas pelos alunos e disciplinas onde sentem mais dificuldade (de acordo com o Projecto Curricular de Turma)

De salientar apenas de que o trabalho a desenvolver ao longo do ano com esta turma adivinhava-se muito proveitoso, uma vez que os alunos, apesar de parecerem desmotivados para a aprendizagem, em particular a de Matemática, pareciam manifestar um interesse e um entusiasmo incomum em participar em acções inovadoras, incluindo práticas de sala de aula que lhes permitissem assumir um papel activo no processo de ensino/aprendizagem. Neste sentido, pôde-se constatar uma excelente receptividade à metodologia de trabalho colaborativo implementado nas aulas de Matemática, no âmbito desta investigação.

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IV. 2. O Trabalho Colaborativo

Nos dias de hoje, vivemos numa sociedade em constante mudança derivada de uma contínua e acelerada difusão de informação e apropriação de conhecimento, consequente da existência de grandes avanços nos sectores científico e tecnológico, bem como de vastas e crescentes influências advindas da multiplicidade de realidades étnicas e culturais que nela co-existem, as quais se manifestam numa crescente multiculturalidade que se reflecte na actual população escolar, não sendo a escola envolvida, no presente estudo, uma excepção, já que se encontra sediada na Venteira, no concelho da Amadora, zona de grande heterogeneidade em relação a etnias, culturas e formações. Deste modo, esta escola, como muitas outras, bem como os seus agentes educativos deparam-se com novas necessidades e desafios, em particular no que concerne à prática pedagógica, nomeadamente no estabelecer de estratégias conducentes a uma melhor integração dos alunos no meio escolar, envolver os intervenientes da comunidade educativa, criar condições para uma gestão democrática, reforçar os processos de comunicação e participação e fomentar a partilha de saberes e experiências, sendo este desafio merecedor de um lugar de destaque no Projecto Educativo da escola envolvida neste estudo. Aliado a estas problemáticas tem-se ainda, o problema do constante insucesso académico na disciplina de Matemática que, apesar de se verificarem algumas melhorias, muitas devidas à implementação do Plano de Acção para a Matemática na escola que envolveu (e envolve) um esforço contínuo e coordenado dos professores, insiste em continuar a registar-se todos os anos lectivos. Exemplo disso, é a taxa de insucesso na disciplina de Matemática registada no ano lectivo 2006/2007, a qual varia entre os 39% e os 55% (dados retirados do relatório do PAM). Este é um problema que preocupa todos os educadores, docentes da disciplina, para o qual todos os anos se procura, nas práticas diárias de sala de aula, estratégias de actuação que consigam motivar os alunos para a aprendizagem da Matemática. Perante esta perspectiva, urge a necessidade de mudar as formas de ensino tradicional, características das nossas escolas, de forma a adoptar novas práticas de sala de aula que, a par com as acções do professor, possam promover o sucesso académico a Matemática e consequentemente, o pleno desenvolvimento de todos os alunos. Neste sentido, como educadora, docente de Matemática, no intuito de ir ao encontro deste

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objectivo, a metodologia de trabalho que adopto nas minhas aulas de Matemática e que constitui o domínio do meu interesse neste estudo é o trabalho colaborativo, por partilhar da opinião de César (2003) quando afirma que é a que tem revelado maisvalias para a Educação, nomeadamente para a Educação Matemática, constituindo uma poderosa ferramenta na promoção de desempenhos matemáticos e consequentemente, na ocorrência de uma aprendizagem colaborativa. No entanto, ao adoptar esta metodologia de trabalho, emergiu-se-me uma questão importante à qual procurei dar resposta: “Como promover a aprendizagem colaborativa?”, dado que o se encontra na sua origem não é propriamente a criação de um ambiente onde se organiza os alunos em grupo e se espera que comuniquem entre si, sabendo que um ou dois deles realizam a tarefa proposta e os outros se incluem no respectivo produto final. O objectivo aqui é que os alunos se organizem em grupos (heterogéneos), trabalhem em equipa, partilhem saberes e responsabilidades, se entreajudem, de forma a ultrapassar em conjunto possíveis obstáculos, que assumam decisões conjuntas, negoceiem e que se respeitem mutuamente. Neste sentido, para uma implementação bem sucedida de práticas de sala de aula como o trabalho colaborativo, o papel do professor, como facilitador e mediador das aprendizagens, é fulcral passando primeiramente por preparar os alunos para esta nova metodologia de trabalho, de forma a consciencializá-los de que o alcance dos seus objectivos depende do alcance dos objectivos dos restantes membros do grupo, isto é, que o sucesso do grupo passa pelo sucesso de cada um, verificando-se assim uma interdependência positiva – um dos aspectos mais importantes da aprendizagem colaborativa – e consequentemente, uma co-responsabilidade pela aprendizagem de todos os alunos.

IV. 2. 1. A Começar…

Ao longo do ano lectivo 2007/2008, no decorrer desta investigação, a metodologia de trabalho utilizada nas aulas de Matemática da turma do 7ºF foi a do trabalho colaborativo, nomeadamente, o trabalho em grupo. Uma vez que os alunos não se encontravam familiarizados com esta nova metodologia, houve a necessidade de explicitar algumas regras que passavam pela relação didáctica: professor, aluno e saber matemático. De salientar que, neste tipo de metodologia, algumas dessas regras se 98


encontram modificadas de forma a romper com a tradicional concepção de que o professor ensina e os alunos aprendem, prática que habitualmente faz parte da vivência escolar dos nossos alunos, tal como fez na nossa. Naturalmente que algumas regras, ditas rotineiras, se iriam manter tais como:

Ao som do toque de entrada, a professora e os alunos dirigem-se para a sala de aula, sendo a porta aberta pela professora e a entrada dos alunos supervisionada pela mesma, indo estes para os respectivos lugares;

A professora dita o sumário, relembrando o número da aula e a data, após os alunos sossegarem nos seus lugares e retirarem o material necessário para começar a trabalhar;

A professora apresenta o tema a se discutir em sala de aula, orientando o trabalho a desenvolver ao longo da aula; e

Ao toque de saída, os alunos arrumam o material, levantam-se e retiram-se da sala de aula, indo para intervalo, sendo a professora a última a sair e a fechar a porta.

No entanto, existem outras regras implícitas a esta nova metodologia de trabalho, as quais os alunos não têm conhecimento, pelo que emergiu a urgência em as desocultar perante os mesmos, salientando-lhes que iriam assumir um papel mais activo, participativo e responsável na sua aprendizagem, bem como na dos outros. Para tal, no primeiro dia de aulas, aquando da minha apresentação como professora da turma e da apresentação dos respectivos alunos, foi-lhes explicada resumidamente a metodologia de trabalho que se iria utilizar nas aulas de Matemática. Uma vez que este seria provavelmente um primeiro contacto dos alunos com o trabalho colaborativo, fiz uma breve descrição de como se trabalha colaborativamente em grupo, explicando as respectivas normas e expondo as características gerais do trabalho a desenvolver ao longo do ano lectivo. Esta primeira aula suscitou-lhes alguma curiosidade no início, questionando imenso de como iria ser, uma vez que o que lhes estava a propor constituía uma novidade para eles, pelo que se assistiu a uma reacção espontânea de querer experimentar, de saber quais eram os grupos, com quem iriam trabalhar e quando iniciariam o respectivo trabalho colaborativo. Pode-se mesmo dizer que se verificou uma receptividade excelente por parte dos alunos a esta nova metodologia, a qual

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contagiou os Encarregados de Educação, tendo os mesmos manifestado a sua curiosidade e satisfação na reunião de pais do primeiro período. Assim, por me encontrar consciente de que havia de ter algum cuidado na transição do método tradicional para o colaborativo, uma vez que implica modificar formas de estar, de pensar, de sentir, de agir e de reagir, o que consequentemente a torna num processo moroso, foi negociado com eles de que a partir da terceira aula, com base nos dados recolhidos durante as duas primeiras aulas, através dos instrumentos concebidos para o efeito, os alunos iriam ser agrupados inicialmente em díades, sendo posteriormente distribuídos por grupos de quatro elementos (no máximo). De seguida, focou-se que os grupos seriam constituídos por ambos os géneros, preferencialmente com diferentes percursos escolares ao nível da disciplina de Matemática e com características socioculturais distintas, cuja constituição iria depender de um conhecimento mais aprofundado da turma, o qual só seria possível com o passar do tempo e com a existência de mais dados, nomeadamente de trabalhos que iriam sendo desenvolvidos ao longo das aulas. Foi ainda, referido a existência de um portavoz do grupo que iria alternando todas as semanas, por ordem alfabética e o qual iria ter como funções: regular o trabalho do grupo e controlar o tempo que o grupo ocupa na realização das tarefas que são propostas na sala de aula; gerir as relações existentes entre os diferentes elementos; e estimular as interacções dentro do grupo, em particular a argumentação no caso da existência de opiniões divergentes. Referiu-se ainda, que no final de cada semana, esse mesmo porta-voz iria, na última aula e num tempo a estipular, fazer um balanço conjunto com os seus colegas sobre o trabalho desenvolvido e, posteriormente, com a professora/investigadora.

IV. 2. 2. O Trabalho Colaborativo

Na primeira aula, foi-lhes solicitado o preenchimento da ficha biográfica do aluno e, na sua apresentação, a avaliação à disciplina de Matemática em anos anteriores. Na segunda aula, foi realizada uma ficha diagnóstica elaborada em Departamento (ver Anexo 3), a qual foi aplicada a todos os alunos do 7º ano de escolaridade e da qual se realizou uma avaliação qualitativa, sendo a mesma discutida na terceira aula. Estes

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dados, aliados às informações transmitidas em Conselho de Turma, permitiram formar as díades que iriam trabalhar neste início de ano lectivo.

IV.2.2.1. Em díades… Os alunos começaram a trabalhar em díades na terceira aula e assim permaneceram até meados de Novembro, altura em que iriam realizar o primeiro teste de avaliação sumativa do período, cuja classificação seria mais um dos dados a considerar aquando da decisão sobre a constituição dos grupos de trabalho, heterogéneos, com no máximo quatro elementos. Para promover um espaço de partilha e de interacção entre as díades, recorri à resolução de problemas matemáticos, por considerar propícios para fomentar a discussão, a partilha e a implementação de estratégias de resolução, bem como a explicação dos argumentos diferenciados entre os participantes. Assim, ao abordar a unidade “Conhecer melhor os números”, nomeadamente os múltiplos e os divisores de um número, a decomposição em factores primos e por acréscimo, a noção de mínimo múltiplo comum, seleccionei um problema que abrangesse todas estas temáticas, tendo o cuidado, no entanto, de o introduzir já quase no final da unidade, de forma a não influenciar a estratégia de resolução a implementar, dado que os alunos têm tendência a tentar relacionar a mesma com uma das “matérias” que deram:

[Aula de resolução de problemas sobre mínimo múltiplo comum] Nesta aula, foi proposto a resolução do seguinte problema retirado do manual adoptado para o 7º ano de escolaridade: A Inês é muito estudiosa e organizada. No início de cada ano lectivo nunca se esquece de fazer o seu horário de estudo e cumpre-o integralmente. No horário deste ano está definido que deve estudar Matemática de 2 em 2 dias. Português de 3 em 3 dias e Inglês de 6 em 6 dias. Sabendo que no dia 6 de Outubro estudou as três disciplinas, em que dia voltará a acontecer?

101


Este problema é introduzido por mim, procedendo à sua leitura e registando no quadro os dados que seriam importantes para a sua resolução. Ao finalizar a apresentação do problema, o Filipe coloca o seu dedo no ar: 1

Filipe (F) – Stora, isso é que matéria?

2

Professora (P) – Não sei… [num tom de gozo]

3

F – Oh…lá tá a stora…diga lá…

4

P – Lá…

Os alunos, incluindo o Filipe, juntamente com a professora começam a rir. 5

F – Prontos… [cruzando os braços e encolhendo os ombros]

A professora dirigindo-se à turma, pergunta: 6

P – Acham que precisamos de saber qual é a matéria para conseguirmos resolver o problema? Hum…?

7

Inês (I) – Sempre dava uma ajudinha…não?

8

Raquel (R) – Yah…mas a stora gosta de complicar n’é? … [risos]

9

P – Yah … curto bué… [rindo-se e adoptando a linguagem dos alunos] Vamos ler novamente? [pergunta à turma]

Procedeu-se a uma nova leitura do problema, desta vez feita pela Joana, que se disponibilizou, fazendo sucessivas paragens enquanto os seus colegas a acompanhavam e olhavam para o quadro, onde se encontrava a professora a apontar para os dados. De seguida, a professora sugeriu que se pusessem no lugar da Inês (a menina do problema) e pensassem se fossem eles a definir aquele horário de estudo, em que dias estudariam em simultâneo as três disciplinas. 10

F – Hum…

11

I – Oh…então se o primeiro dia é dia 6…então a disciplina de matemática vai ser… [faz uma pausa e olha para o calendário] … dia 8.

12

P – Porquê?

13

F – São dois dias depois [olhando para a professora e para a Inês].

14

P – E depois?

15

F – Depois no dia 10.

16

P – E depois? Continuem! É mesmo isso! …e agora as outras disciplinas? Pensem nisso…

A professora afasta-se, dando espaço para que os alunos possam discutir entre si a estratégia de resolução do problema.

102


Neste episódio, podemos verificar que os alunos continuam a sentir necessidade de associar os problemas matemáticos a uma dada matéria (Falas 1 a 7), tentando contextualizar as temáticas abordadas na aula naquela situação específica, não tendo em consideração que muitas vezes o conseguiriam resolver se simplesmente o situassem no seu dia-a-dia. Nota-se igualmente uma tendência para visualizar o professor como o conhecedor e transmissor “absoluto” do conhecimento, procurando decifrar através deste a estratégia de resolução a implementar, como se pode constatar neste diálogo, onde se manifesta ainda uma grande dependência por parte dos alunos do professor, um “vício” difícil de largar consequente de anos de influências do ensino tradicional. Neste caso em específico, considerei importante não fornecer grandes directivas, de forma a lhes proporcionar um espaço para interacção em díade, promovendo assim a partilha e discussão do problema, na implementação da estratégia de resolução do mesmo, bem como uma certa autonomia, como se pôde verificar em momentos posteriores ao diálogo anterior, sendo disso exemplo a interacção entre a díade Joana e Bruno: 1

Joana (J) – A Inês estudou a Matemática de 2 em 2 dias certo?

2

Bruno (B) – Yah…começou no dia 6, depois dia 8, 10, 12 [olhando para o calendário, ia fazendo círculos a verde em torno dos números, simbolizando os dias em que a Inês estudou a Matemática]

3

J – Pera [olhando para o enunciado novamente]. 2 em 2 n’é?

4

B – Yah … e depois de 3 em 3…dia 6, 9, 12, …

5

J – Oh pá …calma… 2 em 2 [olha para o seu caderno]. Então podemos fazer 2, 4, 6, 8, 12, 14, 16, 18, … n’é? É a tabuada…lembras-te?

6

B – Sim…e?

7

J – De 3 em 3 [pausa] é 3, 6, 9, 12 [enquanto vai dizendo os números, vai escrevendo no seu caderno]

8

B – 15, … 18 …

9

J – Certo [com um ar pensativo] E o 6?

10

B – 6, 12, 18, 24, 30 (…) [sendo interrompido pela colega]

11

J – Pera [olha para o caderno]. Isto é tabuada meu…

12

B – Múltiplos Joana…múltiplos…

13

J – Yah, whatever…logo…

14

B – O 6 é igual…

103


15

J – (…) e o 12 também e o 18 … [fazendo círculos em torno dos números, no seu caderno]

16

B – É de 6 em 6 n’é? [olhando para os números que a Joana escreveu, Bruno coloca as mãos na cabeça] Ah yah…é de 6 em 6. Dia 6 n’é?

17

J – Yah … é aquela cena…oh [encolhendo os ombros, verificando que o colega não lhe estava a prestar atenção]

18

B – Então … depois é no dia 12 [ia falando à medida que fazia os cálculos no seu caderno], 18, 24, 30, 36…

19

J – Uohh [risos] Dia 36? [risos] Em que planeta meu?

Os dois colegas riem-se, gozando um com o outro. 20 B - Ah … yah …[risos]. Acaba no 30. Stora já está. A professora que andava a circular pela sala, a ver o desenvolvimento do trabalho das diferentes díades, dirigiu-se para a díade da Joana e do Bruno, e perguntou “Já está o quê?” ao que os alunos responderam que já sabiam quando a Inês iria voltar a estudar as três disciplinas em simultâneo. De seguida, solicitou que lhe explicassem o seu raciocínio, tendo o Bruno tomado a iniciativa. 21

B – Calculámos a tabuada do 2, do 3 e do 6…ai os múltiplos [risos]

22

J – Yah … os múltiplos… depois vimos que … [olhando para o caderno, fazendo uma pausa] É aquela cena stora…

23

P – Qual cena Joana?

24

B – Há números iguais, o 6, o 12, o 18 está a ver?

25

J – Sim. Porque vai de 6 em 6.

26

P – Então contaram de 6 em 6 …

27

B – (…) que é o mais pequeno [rindo-se para a professora] … dos múltiplos…claro…

28

J – Ah … é isso! O mais pequeno dos múltiplos.

29

P – Sim Joana?

30

J – (…) Bastava calcular o mínimo múltiplo comum n’é?

31

P – Muito bem! [passando a mão na cabeça da Joana]

32

J – É aquela cena da…hum…da… [procurando no seu caderno alguma referência ao que ela queria afirmar]

33

B – Da decomposição n’é? Aquilo dos primos? [interrompendo a colega]

34

P – Exactamente. Boa! Agora … todo o problema…

35

J e B – …tem resposta [em simultâneo] [risos]

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Neste episódio, pode-se observar que tanto a Joana como o Bruno se encontram envolvidos na concretização da tarefa proposta pela professora, trabalhando em conjunto, partilhando e discutindo entre si a estratégia de resolução do problema numa comunicação bidireccional contínua, sendo esta uma das características mais marcantes do trabalho colaborativo A comunicação surge aqui favorecida como suporte à apropriação de conhecimentos matemáticos (Falas 21 a 29), à medida que os alunos vão actuando sobre a situação descrita permitindo-lhes, ao longo do seu discurso, partilhar ideias e clarificar a sua compreensão matemática. Por se tratar de uma forma de trabalho diferente da do ensino tradicional constata-se, nesta interacção, uma maior motivação e interesse dos alunos em trabalhar na tarefa proposta, uma vez que os mesmos podem assumir um papel activo e participativo na construção do seu conhecimento, sendo este feito conjuntamente e de forma negociada com o(a) colega da díade. O empenho e a colaboração manifestados pelos alunos Bruno e Joana na resolução do problema, como se evidencia na interacção descrita, verificaram-se de forma análoga nas restantes díades. Assim, dada a ocorrência de trabalho colaborativo nas díades, podia-se deduzir que o mesmo poderia ocorrer entre quatro elementos de um grupo, o que reforçou a minha convicção de que os alunos se encontravam cada vez mais preparados para trabalhar colaborativamente em grupo. Importa salientar que, nesta primeira fase, como professora de Estudo Acompanhado da turma, ia solicitando a realização de algumas tarefas em grupo, numa tentativa de os ir adaptando ao trabalho em grupo, sendo neste caso específico uma metodologia de trabalho cooperativo, ou seja, de um trabalho conjunto, encontrando-se este seccionado a realizar pelos membros do grupo, de forma a aumentar a produtividade do mesmo, num curto espaço de tempo (Wiersema, 2005). Apesar de esta prática não passar pelo envolvimento conjunto e coordenado dos elementos do grupo na resolução de um dado problema ou na realização de uma determinada tarefa – uma das características marcantes do trabalho colaborativo e objectivo do presente estudo – adoptei-a no início desta investigação por a considerar importante na transição de um ensino tradicional para um que privilegiasse o trabalho colaborativo, de forma a garantir a adesão dos alunos e consequentemente, o sucesso da implementação de práticas de sala de aula como o trabalho colaborativo. Tal como realcei na secção 4.1 do capítulo II, quando se pretende criar um ambiente de aprendizagem colaborativa numa sala de aula, em particular de Matemática, é uma boa opção começar por se proporcionar o desenvolvimento de um trabalho cooperativo entre os alunos, onde o professor possa 105


assumir um maior controlo sobre as variáveis envolvidas. À medida que os alunos se vão familiarizando a um trabalho conjunto, coordenado e partilhado, dependendo uns dos outros como ‘fontes’ de conhecimento, cultura não muito frequente nas nossas salas de aula de Matemática, os mesmos vão prosperando no domínio da aprendizagem colaborativa. E assim foi…

IV.2.2.2. Em grupos… Em meados de Novembro, os alunos foram organizados em grupo, tendo sido esta primeira constituição da minha exclusiva responsabilidade, pelo que a mesma mereceu a minha atenção por existirem alguns cuidados a ter em conta, de acordo com os dados recolhidos pelos instrumentos que me permitiram tomar conhecimento de algumas competências dos alunos. Ao formar os grupos tive o cuidado de o fazer de modo a que o papel de par mais competente pudesse ser desempenhado alternadamente pelos vários elementos do grupo, para que não se assistissem a situações de dependência entre os participantes, contrárias ao desenvolvimento de autonomia pretendido. Importa salientar que a proposta da constituição dos grupos, bem como a das regras implícitas na metodologia de trabalho colaborativo não foram apresentadas como definitivas, sendo flexível e passível a negociação entre os participantes desta comunidade. Assim, os alunos tinham conhecimento que, ao longo do ano, se poderia solicitar algumas alterações quando considerassem que o grupo não “estava a funcionar”, isto é, quando o grupo deixasse de ser produtivo. Estas alterações sucederam-se apenas no segundo período quando, entre si, decidiram trocar elementos. O José, porta-voz de um dos grupos, dirigiu-se a mim no final de uma das aulas, solicitando a saída da Inês do grupo, uma vez que ela já não estaria a dar grande contributo para o trabalho do mesmo e também já não estaria a aprender “tão bem”, como ele próprio o disse. A aluna em questão, que se encontrava junto a nós, concordou com o José reforçando a necessidade da mudança. Perante esta situação, pedi uma alternativa, pelo que prontamente a Raquel sugeriu que ela fosse para o seu grupo, uma vez que as duas quando tinham de estudar, o faziam em conjunto e por isso trabalhavam bem. Na altura, coincidiu a aluna Teresa também preferir trabalhar com o grupo do José, admitindo que se distraía muito com um dos seus colegas do grupo em que se 106


encontrava, e assim após se ter chamado os dois grupos em conjunto para a discussão e reflexão sobre a proposta, decidiu-se que se iria proceder à troca. É de destacar a maturidade dos alunos envolvidos nesta situação, bem como o respeito manifestado pelos interesses, motivações de cada um e pela aprendizagem de todos. No que concerne às regras, naturalmente que existiram momentos em que se teve de as relembrar, não por falta de adesão ou inadaptação por parte dos alunos, mas por esquecimento, uma vez que a cultura do ensino tradicional se encontra ainda muito enraizada no seu quotidiano escolar, principalmente se considerar o facto de o trabalho colaborativo ser uma metodologia adoptada apenas e exclusivamente na disciplina que lecciono. Se a transição entre um método tradicional e um colaborativo é um processo moroso quando se sucede de um ano para o outro, mais moroso se torna quando se sucede de um tempo lectivo para o outro, ou seja, de uma aula de Matemática para a de outra disciplina. Continua-se ainda, a assistir a práticas pedagógicas e metodologias de trabalho mais centradas no professor do que no aluno, contrariamente ao que se espera de uma metodologia de trabalho colaborativo, a qual foi adoptada apenas nas minhas aulas de Matemática, nomeadamente o trabalho em grupo. Ao longo do ano, nas minhas aulas de matemática mantive a constante preocupação de, através do trabalho colaborativo, promover uma aprendizagem colaborativa em sala de aula, “facilitando” a criação de um ambiente de interajuda e proporcionando uma maior responsabilização e envolvimento dos alunos na sua aprendizagem, bem como na dos outros. Para tal, além de ter algum cuidado na selecção das tarefas, sendo as aqui apresentadas apenas alguns exemplos do que foi desenvolvido ao longo do ano, mantive sempre uma atitude coerente no que diz respeito ao apoio a prestar aos grupos de alunos, os quais tinham conhecimento de que só o deveriam solicitar no caso de não conseguirem, em conjunto, ultrapassar os obstáculos. Foi assim, necessário que todos os membros se consciencializassem de que só poderiam atingir os seus próprios objectivos se os restantes membros atingirem os deles, verificando-se uma co-responsabilidade pela aprendizagem de todos e, neste sentido, foi imprescindível que o ambiente criado abrangesse características como: a) uma interdependência positiva; b) uma interacção estimulante frente a frente; c) uma responsabilidade individual pelo trabalho de grupo; d) um desenvolvimento das competências colaborativas (interpessoais e de grupo); e) uma avaliação do funcionamento do grupo (Jonhson et al., 1990), sendo esta última característica considerada por Dillenbourg (1999) como uma das medidas de avaliação com maior validade, já que um dos objectivos é promover a 107


melhoria do desempenho dos alunos numa situação colaborativa, onde se privilegiam as interacções entre os participantes e onde cada um se pode sentir responsável e consequentemente envolvido na sua aprendizagem, bem como na dos outros, através da sua participação na comunidade. No decorrer das aulas de matemática, foram sendo visíveis e intensificadas as características supramencionadas, como se poderá constatar nos exemplos que irão ser apresentados a seguir, constituindo estes apenas alguns do que foi desenvolvido ao longo do ano lectivo. As aulas, cujos alguns excertos se encontram nesta secção do presente capítulo, referem-se a tarefas distintas, desde resolução de problemas, actividades de investigação, entre outras, com as quais se pretendia proporcionar a oportunidade de existência de interacções sociais, de forma a que a participação nas aulas se tornasse legítima e a comunicação surgisse favorecida. Para tal, as duas situações descritas contemplam-se a realização de uma actividade de investigação sobre “Potências e Regularidades” (ver Anexo 5) e a de uma ficha de trabalho sobre “Potenciação. Regras de Potenciação” (ver Anexo 6).

[Aula de realização de actividade de investigação sobre potências e regularidades] 1

Bruno (B) – 2 elevado a 3 é o 2 três vezes…é 2 vezes 2 vezes 2

2

Mariana (M) – 3 vezes?

3

B – Sim … [olha para a Mariana e aguarda por uma reacção desta]

4

Ana (A) – Percebes? [olha para a colega e verificando que a sua colega não está a perceber, decide ajudá-la]. O expoente dá a ordem, a base repete três vezes [apontando para a ficha e fazendo os respectivos registos]

5

M – A base é o de baixo?

6

B – Sim.

7

A – Olha, continuando… Isto é a base, agora [pausa] o expoente dá a ordem [entretanto apagou o tinha escrito na ficha da Mariana e volta a escrever e a apontar enquanto explica]. Percebeste?

A Mariana acena a cabeça num sentido afirmativo, pelo que o Bruno continua com o seu discurso no intuito de continuar a ajudar a colega. (…) 8

A – Ela agora já percebeu

9

M – Agora deixa-me tentar sozinha.

108


10 A – Então vá…eu agora faço com o Carlos [dirigindo-se ao Carlos que entretanto manifestou estar com algumas dificuldades] Chega-te para cá…Isto é assim … [começa a escrever no caderno enquanto explica o processo] Tens a base que é…? 11 Carlos (C) – 2. E queres 64, que é 2 elevado a 6 12 A – Yah meu…isso mesmo. Então 2 sobre 7 é igual…? 13 C – [interrompe a colega] … sobre? [ri] …Ai se a stora te ouve… Os dois alunos começam a rir e a Ana, entretanto olha em seu redor a ver se a professora anda por perto, dizendo em tom baixo para o Carlos “ (…) elevado. É 2 elevado a 7 (…)”, rindo os dois da reacção da Ana. De seguida, prosseguiram com o trabalho que encontravam a fazer. 14 C – 2 elevado a 7 é 128 15 A – E agora 2 elevado a 8 [imperceptível] 16 C – Hã? … 200… 17 A – Sim…ai não…mentira [começa a olhar para a sua ficha em silêncio, observando de seguida o que Carlos está a fazer] Neste momento, perante “ (…) a minha crise”, como a Ana assim designou a sua dúvida, os restantes membros do grupo debruçaram-se sobre o problema, de forma a ajudarem a colega a obter uma solução para a sua “crise”. Não conseguindo, acabaram por concordar que o melhor seria solicitar a ajuda da professora, tendo sido o Bruno (como porta-voz) a fazê-lo. 18 A – (…) Se 2 elevado a 7 é 128, 2 elevado a 8 é 256…não há 200. 19 Professora (P) – Não? E então? 20 A – Não! [olhando para a ficha] 21 P – O que quer isso dizer? Consegues escrever o número como potência de base 2? [relembrando o que se pede nesta parte da actividade e apontando para a ficha] 22 B – Não, não podemos escrever o 200 como potência de base 2. 23 M – Ahhh…e isso pode ser assim? 24 C – Aqui diz [apontando para a ficha e lendo]: “Procura escrever (…)” 25 A – Ok [imperceptível] Vá embora…toca a trabalhar (…) 26 A – 2 elevado a 9 é 512, logo 2 elevado a 10 deveria ser 1000, mas não é… 27 B – Outra vez? 28 A – Yah, é… [tentando fazer os cálculos] 29 B – 1024 30 A – [pegando na calculadora] Yah, pensava que era 1014.

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31 B – Não acreditas em mim? [cruzando os braços]. (…) Sua porca. [ri-se] 32 A – Não [rindo-se] … pensava que era 1014… parvo. Os restantes elementos do grupo começam a rir, notando-se uma certa brincadeira entre eles, terminando com o comentário da Mariana “Pronto…é só”, sendo recordada pelo Carlos de que “Isto ainda não acabou. E o 3?”. Seguiu-se o trabalho entre os membros do grupo, continuando a interagir os quatro em conjunto no seu desenvolvimento.

Na situação aqui descrita nota-se uma interdependência positiva, característica de um ambiente colaborativo, observando-se que os alunos Bruno e Ana (pares mais competentes) apresentam uma maior predisposição para aprender e que se sentem coresponsáveis pela aprendizagem dos outros dois membros do grupo, a Mariana e o Carlos, como se pode verificar nas falas de 4 a 8 e na fala 10, respectivamente. A Mariana, vinda há relativamente pouco tempo do Brasil, percebe muito pouco a língua portuguesa, principalmente “as palavras difíceis” como a mesma afirma, ao referir-se aos conceitos científicos abordados na aula de Matemática. Esta sua dificuldade leva-a a apresentar imensas dificuldades de compreensão dos temas que se trata em sala de aula. Os colegas conscientes disso, sendo esta interacção um exemplo disso, assumiram um papel activo na aprendizagem da colega, proporcionando-lhe um apoio constante, levando-a a confiar neles e a reconhecê-los como as suas “fontes de conhecimento”. Importa aqui salientar que, no final de uma das aulas, os alunos preocuparam-se em me transmitir que o principal responsável pela Mariana seria o Bruno, dado que é o melhor aluno, realçando o facto de poder a Ana assumir esse papel “ (…) no caso do Bruno não dar conta do recado”, tal como a mesma afirmou. Informaram-me ainda, que isso provavelmente abrandaria o ritmo de trabalho do grupo mas que não faria mal, pois teriam muito tempo de o recuperar, “ (…) o importante é que a Mariana aprenda” – disseram. Na decisão do grupo anteriormente contemplada, pode-se constatar que os momentos de avaliação e reflexão conjunta sobre o funcionamento do grupo, que sucediam na última aula de Matemática no final de cada semana, capacitaram os seus membros para identificar a melhor acção a assumir, em particular no caso da Mariana, para a tomada de decisões sobre a melhor estratégia a adoptar na promoção do seu sucesso e consequentemente, do sucesso do grupo. De salientar ainda que a Ana, para se fazer entender à Mariana, utiliza uma linguagem muito característica (Falas 4 e 7), a

110


qual assume um papel fundamental na estruturação do pensamento e consequentemente no desenvolvimento cognitivo da sua colega, tal como Vygotsky defende, tornando-se esta crucial na comunicação do conhecimento e no entendimento do pensamento do outro elemento envolvido (Mariana) na discussão, bem como na detecção de uma eventual necessidade de reformulação do que se encontra a explicar. A atitude do grupo com o Carlos era semelhante. O Carlos é um aluno extremamente desmotivado em relação à escola, no entanto com a constituição dos grupos pôde-se observar nele uma vontade de se tornar participante no grupo em que se encontrava inserido, o que o levou a esforçar-se por dar o seu contributo no desenvolvimento do trabalho, sendo motivado pelos seus colegas, bem como reconhecido o seu esforço (Fala 12). Consciente das suas dificuldades, demonstra confiar nos seus colegas para o apoiarem, solicitando-lhes constantemente a sua ajuda, resultando numa vontade de aprender, consequente de ser ter gerado um sentimento de pertença ao grupo, indo assim ao encontro do que Lave e Wenger (1991) defendem ao afirmarem que aprender “ (…) não é meramente uma condição de pertença, é ela mesmo uma forma evolutiva de pertença” (p.53)). À medida que o Carlos se sentia como um membro, um participante (full) deste grupo, as suas acções moviam-se em prol de alcançar um objectivo de aprendizagem, que se manifestava na sua vontade em aprender, a qual se tornou cada vez mais notória com o passar do tempo e com o alongar da experiência. Os diversos factores anteriormente referidos permitiram a criação de um ambiente de trabalho vivido no interior de cada grupo agradável, colaborativo, responsável

e

solidário.

Os

alunos

manifestaram

interesse

em

trabalhar

colaborativamente, trabalhando bastante de um modo extremamente entusiasta e empático. Mesmo a atitude da Ana, quando o Bruno lhe indica o resultado (Fala 29), que preferiu confirmá-lo na calculadora, por pensar que o resultado poderia ser outro, demonstra que não tem qualquer implicação na colaboração que se assiste ao longo das suas interacções, o que se percebe na forma de reagir do Bruno que encara essa sua atitude de forma natural, falando-lhe num tom de brincadeira (Fala 31). Com as reacções destes dois alunos, percebe-se que o trabalho colaborativo permitiu que, ao longo do tempo, fossem reforçando os seus laços de amizade, facilitando a socialização entre os elementos do grupo. De seguida, apresento ainda outro excerto referente a uma outra situação, na qual se pode igualmente identificar as características intrínsecas a um ambiente de 111


trabalho colaborativo (Jonhson et al., 1990). Nesta situação, o papel da professora foi o de apresentar a proposta de trabalho, explicando que já haviam estudado as potências de expoente natural e base racional positiva ou zero, bem como as respectivas regras operatórias no início do ano lectivo, sendo que esta ficha contemplava o estudo das potências de expoente natural, mas com base racional negativa, bem como novamente as regras operatórias das potências. O objectivo da ficha seria fazer a comparação entre umas e outras e descrever as respectivas conjecturas. Nesta aula, por os alunos já estarem um pouco mais adaptados à metodologia de trabalho colaborativo, uma vez que a realização desta ficha decorreu no segundo período, pouco solicitaram o meu apoio a não ser quando chegaram à terceira questão da ficha, onde se lhes pedia para preencher o esquema da figura 7

Figura 7 – Esquema sobre o sinal do resultado de uma potência de base racional (ver Anexo 6)

[Aula de realização da ficha de trabalho sobre potenciação e regras de potenciação] (…) 1

João (J) – Isto é muita fácil Sofia

2

Sofia (S) – Yah…podes crer [imperceptível] … [aproxima-se do Luís que lhe tocou no braço, pedindo a sua ajuda]

3

Paula (P) – Acabei o a) [referindo-se à alínea a) do exercício 1] Despachem-se…ahhh [olha para a ficha do Gustave] … eu ainda tenho de ajudar o Gustave [ao aperceber-se que o seu colega não estava a conseguir fazer e reparando nos erros de cálculo que havia feito na sua ficha] … olha [tentando ter a sua atenção e, movendo a sua mão com a borracha, apaga o que o colega tinha escrita e acena com a cabeça num modo de negação] Faz assim … 1 elevado a 4 [falando e fazendo gestos numa tentativa de se fazer perceber]

112


Dado o colega não entender a língua portuguesa, a Paula continua a explicarlhe em voz baixa e à medida que vai falando vai realizando gestos e escrevendo no caderno do seu colega, de forma a se fazer entender e a esclarecer-lhe as dúvidas. (…) 4

S – Olha…assim perdes bueda tempo…

5

P – Eu perco bueda tempo mas depois, se precisar, copio por ele [apontando para o João]. Isso é bueda fácil

6

J – Precisas de ajuda? [referindo-se ao apoio que se encontra a prestar ao colega Gustave]

7

P – Não … [imperceptível]

Os colegas continuam a trabalhar em conjunto, deixando a responsabilidade de apoiar o Gustave, à Paula. (…) 8

S – É menos 4.

9

P – Hã? [interrompendo a explicação a Gustave, olha para a Sofia]

10 S – Dizes 4, mas é menos 4 11 P – Onde é que estás a ver menos 4? [olhando para a ficha apercebe-se que a Sofia tem razão, reformulando o seu raciocínio] Ahhh…prontos…eu não vi [retornando a sua atenção para Gustave]

Neste pequeno excerto, pode-se observar que os elementos do grupo se sentem co-responsáveis pela aprendizagem dos restantes elementos do grupo, semelhante ao que sucedia com o outro grupo no excerto anterior, em particular a Paula, a qual procura que o seu colega Gustave aprenda (Fala 3). Os restantes elementos do grupo, apesar de parecerem indiferentes no decorrer deste episódio, vão apoiando a Paula na árdua tarefa de se fazer entender ao Gustave, como se pode ver pela atitude do João (Fala 6) e da Sofia, atenta ao que a Paula está a dizer ao Gustave, intervindo quando sente necessária uma reformulação do raciocínio (Falas 8 e 10). Nota-se ainda, uma preocupação por parte da Sofia relativamente à Paula, por considerar que esta ao “perder tempo” com o Gustave se pode estar a prejudicar (Fala 4) e é por partilhar igualmente esta preocupação que o João interfere e lhe pergunta se ela precisa de apoio (Fala 6). Importa ainda, salientar a questão da linguagem. Enquanto no outro episódio a Ana adoptou uma linguagem oral muito própria com a Mariana, neste episódio em específico a Paula não é tão ‘privilegiada’, ou seja, a Paula teve de adoptar uma

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linguagem gestual, que neste contexto se tornava muito complexa, bem como uma escrita, através de esquemas, de modo a comunicar o conhecimento matemático ao seu colega Gustave e tentar percepcionar o pensamento do mesmo, de forma a poder ajudálo e apoiá-lo a ultrapassar as dificuldades sentidas, muitas resultantes do obstáculo que a língua portuguesa representa, dado que o mesmo se encontra em Portugal há apenas quatro meses. De referir ainda, que no que concerne à aluna Paula, ela é uma rapariga muito prestativa, sempre pronta a ajudar os outros, pelo que lhe dá algum prazer ser solidária com os que mais precisam, neste caso em particular com o Gustave, adaptando-se com relativa facilidade às características de cada um.

12 P – Já acabei este … o b), não o a)…os dois. 13 S – Deixa ver [olhando para a folha da colega e comparando com a sua] Está bem… [sorrindo] 14 P – [olhando para o Gustave] Gustave está a conseguir [sorrindo e batendo palmas] No entanto, após mais uns cálculos feitos pelo colega, percebe algumas dificuldades por parte do mesmo, fazendo-lhe umas caretas, intervindo de imediato. 15 P – Não…não Gustave, não é assim [acenando com a cabeça] …menos 4 elevado a 2…Não [pausa] …aqui é menos 4 [aponta para a ficha e continua] elevado a 2…não … menos 4 … elevado … a 2…Oh… [mostralhe a folha da sua ficha] Vês? 16 J – Quanto é que te deu? [olhando para o Luís] 17 L – [imperceptível]. É assim… [mostrando-lhe a ficha e apontando] 18 J – Pera … [olhando para a sua ficha] 19 P – [Interferindo] Faz lá…olha menos com menos, mais, mais com menos dá menos, menos com menos dá mais, mais com menos dá menos e mais com menos [pausa] ai…pera…menos com menos dá mais 20 L – Boa! 21 P – [rindo] Sou excelente hã? (…) Neste momento, chegam à terceira questão da ficha e demonstram ter dúvidas sobre o que é pedido, solicitando a sua ajuda. (…) 22 Professora (Pro) – Não, não se pede isso [respondendo à questão que o João lhe havia feito]. O que é que se está aqui a pedir? Aqui [apontando

114


para o esquema (figura 7)] é a base…positiva e negativa. Isto refere-se às duas tabelas. Aqui é a base positiva [apontando para a primeira tabela da ficha] e aqui é a base negativa [apontando para a segunda tabela da ficha]. 23 S – [Imperceptível] … 24 P – [olhando para Sofia, surpresa] …O que é positivo e negativo? Ehhh … Ó Sofia…meu [olhando para a ficha] 25 Pro – [rindo-se] Sem comentários… 26 P – Dah…está aí a dizer positivo…mais… [no gozo] Os alunos riem-se, bem como a professora. Seguiu-se a explicação e o preenchimento do respectivo esquema. (…) 27 J – Percebeste? [olhando para a Paula, que parecia ainda estar com dúvidas] 28 P – Sim. Aqui temos que ver o número, a base e o expoente… [recebe um beijo na face do colega João]

Neste excerto, pode-se verificar que os alunos se encontram engajados na realização da tarefa, observando-se igualmente um esforço dos mesmos em promover a aprendizagem de cada elemento do grupo, proporcionando-lhes ajuda e apoio, partilhando saberes, sentindo-se co-responsáveis pela aprendizagem de cada um dos elementos. De igual modo ao que sucedeu no grupo do Bruno, Mariana, Carlos e Ana, também se pode observar um ambiente de trabalho vivido no interior de cada grupo agradável, colaborativo, responsável e solidário. Os alunos aqui também manifestam interesse em trabalhar colaborativamente, assistindo-se a uma interdependência positiva na recompensa/celebração, uma vez que cada membro se sente recompensado, apreciado e respeitado, celebrando com os outros o que alcançaram, como é exemplo as palmas da Paula ao Gustave (Fala 14), bem como o beijo dado pelo João à Paula (Fala 27). Esta atitude dos elementos do grupo incentiva uma progressiva autoconfiança e confiança no grupo para aprender em conjunto e, consequentemente, a emergência de um sentimento partilhado de pertença, fomentando uma participação legítima no grupo. Em suma, nos dois episódios anteriormente descritos pode-se observar, por parte dos membros do grupo (os pares mais competentes), uma dupla responsabilidade: aprender o que o professor ensina e procurar que todos os seus colegas aprendam o mesmo, desenvolvendo a convicção de que o seu sucesso está interligado com o do grupo. Deste modo, os alunos preocupam-se com a promoção da aprendizagem de cada 115


elemento do grupo, proporcionando-lhes ajuda e apoio, partilhando saberes e estimulando a aprendizagem dos colegas, adoptando para isso uma linguagem facilitadora na estruturação do pensamento e do desenvolvimento cognitivo, imprescindível na comunicação do conhecimento matemático e no entendimento do pensamento do outro elemento. Assim, assumem o sucesso do colega como o seu e consequentemente, o do grupo, sentindo-se cada membro recompensado, apreciado e respeitado, celebrando com os outros e com satisfação o que alcançaram, estimulando assim, uma progressiva autoconfiança e confiança no grupo para aprender em conjunto e, consequentemente, a emergência de um sentimento partilhado de pertença. Nos episódios aqui descritos, sendo estes alguns dos muitos vivenciados na sala de aula de Matemática, pode-se observar que os alunos manifestaram interesse em trabalhar colaborativamente, trabalhando bastante de um modo extremamente entusiasta e empático. Este trabalho em grupo permitiu ainda, a socialização com os outros, contribuindo para o aprofundamento e o renascer de laços de amizade entre os mesmos, bem como para o desenvolvimento e o uso correcto de um conjunto de competências sociais e de grupo. De salientar ainda que, as interacções sociais emergentes no trabalho colaborativo permitiram aos alunos experienciar sentimentos de pertença, compromisso individual, responsabilidade pessoal e de solidariedade para com os restantes membros do grupo e consequentemente, um maior envolvimento na sua aprendizagem, bem como na dos outros, através da sua participação legítima na comunidade. Em modo de conclusão, devo realçar o facto de o trabalho desenvolvido com a turma do 7ºF, ao longo de todo o ano lectivo, se deveu e muito à colaboração de todos os seus alunos, os quais se predispuseram a trabalhar colaborativamente em grupo, manifestando interesse e motivação neste método de trabalho, apesar de este lhes ser desconhecido dado as práticas do ensino tradicional ainda se encontrarem muito presentes nas suas vivências e experiências escolares. A realçar este facto, tem-se a avaliação que fizeram das aulas, bem como as sugestões dadas na sua auto-avaliação de final de ano, os quais manifestaram o seu agrado em trabalhar em grupo, associando-o a aulas ‘divertidas’ como se pode observar nas respectivas figuras 8 e 9.

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Figura 8 – Avaliação das aulas de Matemática realizada por alguns dos alunos

117


Figura 9 – Sugestões para futuras das aulas de Matemática dadas por alguns alunos

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IV. 3. A Colaboração e a Aprendizagem

A aprendizagem é vista fundamentalmente como uma actividade social, como já havia sido abordado na secção 4, do capítulo II, mencionando-se o facto de as interacções sociais assumirem um papel fundamental na construção activa do conhecimento, em particular do de Matemática e na promoção do pleno desenvolvimento do aluno. Salientou-se ainda que Vygotsky corroborava com esta afirmação, defendendo que a aprendizagem ocorre inicialmente de forma interpsíquica (nível social), seguindo-se uma construção intrapsíquica (nível individual). De igual modo, se mencionou o facto de Lave e Wenger (1991) defenderem que aprender é um processo com lugar num framework participativo e não numa mente individual, ou seja, que a aprendizagem é mediada pelas diferentes perspectivas dos co-participantes. Neste sentido, pode-se afirmar que todo o conhecimento é construído, não individualmente, mas conjuntamente e de forma negociada, verificando-se um fluxo de comunicação bidireccional contínuo, resultante de uma colaboração entre os participantes, característica das interacções sociais emergentes, pelo que se torna essencial para o desenvolvimento de estratégias e capacidades gerais na resolução de problemas e/ou na realização de tarefas. A colaboração encontra-se assim, em todo o lado (Wiersema, 2005), e nas minhas aulas de Matemática isso não foi excepção. Os alunos da turma 7ºF, como seres sociais que são, apreciam interagir uns com os outros, comunicando entre si, podendo isso ser evidenciado no recreio escolar, os quais se encontravam praticamente sempre juntos, a conversar sobre as suas vivências e experiências de vida, quer seja social quer seja académica. E foi esta sua ‘disponibilidade’ para a interacção que pretendi ‘encaixar’ na minha aula de Matemática, aqui abordando-se os conceitos científicos que lhe são inerentes, numa tentativa de contrariar a visão que ainda se tem da aprendizagem matemática como uma actividade individual e até competitiva. Neste sentido, ao longo do ano lectivo, procurei proporcionar condições que permitissem aos meus alunos familiarizarem-se com um trabalho conjunto, coordenado e partilhado, negociando e respeitando-se mutuamente na sala de aula de Matemática, num ambiente de trabalho colaborativo, onde através da entreajuda pudessem ultrapassar em conjunto os obstáculos inerentes à disciplina, dependendo uns dos outros como ‘fontes’ de conhecimento, cultura não muito frequente nas nossas salas de aula e

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consequentemente, prosperando no domínio da aprendizagem colaborativa. Procurei ainda, ter o cuidado de contribuir para o melhoramento do inter-relacionamento existente entre os alunos, a disciplina de Matemática e as respectivas temáticas abordadas, procurando motivá-los para a realização das tarefas propostas, de forma a que a sua participação em sala de aula se tornasse legítima e a comunicação surgisse favorecida nas interacções sociais aí emergentes. Deste modo, a implementação de uma metodologia de trabalho colaborativo, com recurso ao trabalho de grupo, revelou-se fulcral por permitir que os alunos trabalhassem e colaborassem em conjunto e de forma negociada, bem como se envolvessem na discussão sobre os mais diversos temas relacionados com os conteúdos matemáticos abordados num 7º ano de escolaridade, assistindo-se assim, a um fluxo de comunicação bidireccional contínua e consequentemente, a uma aprendizagem significativa dos mesmos. Exemplos disso são os excertos de situações de sala de aula, correspondentes à realização de tarefas que contemplam conteúdos como métodos de resolução de problemas usando proporções (ver Anexo 4); a soma dos ângulos internos de um triângulo, com recurso a materiais manipuláveis (ver Anexo 7), bem como ao software de Geometria Dinâmica, Geometer’s Sketchpad (ver Anexo 8).

[Aula de resolução de problemas usando proporções] No início da aula, após ter ditado o sumário, a professora distribuiu a ficha de trabalho, através da qual pretendia abordar os métodos de resolução de problemas usando proporções, nomeadamente o método da unidade, o da proporção e o da regra de três simples, métodos estes já abordados no 6ºano de escolaridade por alguns dos alunos. A professora fez uma breve leitura da ficha e indicou o objectivo da mesma, dando-lhes algum tempo para a concretizarem devendo os alunos seleccionar o melhor processo na sua resolução. 1

Carlos (C) – Olha é uma receita …

2

Mariana (M) – É de bolo de chocolate…

3

Bruno (B) – A sério? (aproximou a folha do rosto) …onde é que isso diz? Só vejo o título “Le petit gateau”

4

Ana (A) – Se leres o enunciado em cima…diz lá

(…) 5

C – Lá em casa somos 5. Stora qual a receita para 5, aqui só dá para 4?

120


6

Professora (P) – Ora aí está a questão… Se sabemos que para 4 pessoas os ingredientes necessários são esses, então se o número de pessoas forem diferentes quais as quantidades necessárias? Comecem com algo mais simples…para 8 pessoas que quantidades precisam para cada ingrediente? E para 2? Comecem por aí e depois tentem para 10 como pede na alínea b). No teu caso Carlos, depois já me podes dizer para 5 como será?

7

C – [distraído com a receita] Hã?...Diga? [olhando para a professora] – se eu souber 10 sei 5? Como?

8

A – Ai não… [colocando a mão na cabeça]

9

C – Ahhh…pois é … 5 é metade de 10, 10 é o dobro de 5… é só saber as quantidades para 10, que fico a saber para 5 e logo já tenho sobremesa…então quanto é para 10?

10 A – Tu és incrível…só pensas em comida…vamos começar pelo início ok? Pode ser? Tipo…alínea a)? Carlos? … tabelas…pode ser? Alínea a) … já fazemos as 10…boa? 11 C – Boa …hum… dobro…é o que se pede na primeira tabela… 12 B – Porque não 4 mais 4? Dá 8… [fazendo uns rabiscos] 13 C – (…) tas aí a fazer uns rabiscos quando era muito mais fácil fazer…tipo… [arregalando os olhos e aproximando o seu rosto do colega, num tom de gozo] …tipo…tas a ver…4 vezes 2… 14 A – Yah…8 é o dobro de 4…assim tens mais trabalho… 15 B – Ah yah…ehhh…pois é… [colocando as mão na cabeça e rindo] … dah… 16 M – [complementando o que a Ana havia dito] …e demoras mais tempo…é só fazer o dobro de tudo…tas a ver, vezes dois… Continuaram a preencher a primeira tabela, seguindo para o preenchimento da segunda, onde se pedia a metade das quantidades. (…) 17 C – Ahhh…neste [apontando para a segunda tabela] é metade, ou seja, 4 a dividir por 2 (…) 18 B – Finalmente…passemos para as 10…aqui diz… 19 M – [interrompendo o Bruno] “Determina a quantidade de … 20 C – Já sei, não precisas de dizer nada…são 10 pessoas n’é? 21 B – 10 é igual a 8 mais 2 [não prestando atenção ao que se passava ao seu redor e continuando o seu raciocínio] …as tabelas… [aponta para as tabelas] São para 2 pessoas e para 8.

121


22 A – Aqui … ora são precisos 8 ovos para 8 pessoas e aqui … [apontando para a ficha de trabalho] são precisos 2 ovos para 2 pessoas…logo são precisos 8 vezes 2 ovos 23 M – Hã? [fazendo uma careta] Porquê? 24 A – Porque são 8 mais 2 pessoas. 25 C – Yah … logo é 20…vê...apontando para a ficha…para 2 pessoas são 2 ovos logo tens … [aproxima o caderno da Mariana para lhe explicar, escrevendo à medida que dizia os cálculos em voz alta, estando os restantes colegas com atenção ao que dizia] … 2 mais 2 igual a 4 26 M – 2 mais 2 igual a 4…ovos? 27 C – Ok [interrompendo a colega] … então [pausa] 2 mais 2 igual a 4, mais 2 igual a 6, mais 2 igual a 8, mais 2 igual a 10 e depois 10 vezes 2 igual a 20 28 A – Hã? [olhando para o caderno do colega, de um modo interrogativo]

Neste excerto aqui apresentado, os alunos envolvem-se no desenvolvimento de um trabalho conjunto, coordenado e partilhado, podendo-se assistir a momentos de auxílio entre os membros, sendo disso exemplo, a tentativa de explicação por parte do Carlos à sua colega Mariana (Fala 25). De recordar que o Carlos, como foi anteriormente referido na secção 2 do presente capítulo, no início do ano lectivo, apresentava uma desmotivação notória em relação à escola e consequentemente às aulas, a qual se foi desvanecendo à medida que se sentia mais pertencente ao grupo em que se encontrava inserido, o que lhe permitiu ultrapassar muitas das suas dificuldades. Este facto manifesta-se neste episódio, entre muitos, onde é notório o interesse acrescido que o Carlos demonstra ao participar e ao dar o seu contributo no desenvolvimento do trabalho, apoiando e colaborando com os colegas. De modo análogo, se assiste a um envolvimento contínuo por parte da aluna Mariana, a aluna brasileira, na sua aprendizagem e na dos outros, assumindo um papel mais activo ao que era habitual na resolução do problema e na discussão do respectivo processo, saindo privilegiada a comunicação, necessária na transmissão das ideias de cada elemento do grupo e na clarificação da sua compreensão matemática no contexto do problema. As atitudes assumidas pelos alunos e que se podem assistir ao longo do excerto anterior e do que se segue, deve-se ao facto de os mesmos se identificarem com a tarefa proposta, o que facilita a sua compreensão e concretização, uma vez que a mesma

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permite relacionar os conteúdos matemáticos com o seu quotidiano. Por me encontrar consciente deste facto, optei por seleccionar esta tarefa (ver Anexo 4) como a primeira a apresentar no início da formação dos grupos, com o intuito de ‘facilitar’ a sua adesão ao trabalho colaborativo e consequentemente, promover um engajamento mútuo dos participantes (alunos) num esforço coordenado na resolução do respectivo problema, na partilha de saberes, no auxílio ao outro, na tomada de decisões conjuntas e discussão no processo de acção em que se encontram envolvidos, privilegiando assim, uma sincronia na comunicação e consequentemente, uma maior motivação para o desenvolvimento do trabalho no grupo. (…) 29 B – Quantos? Nã…não tá bem… 30 A – Pois não…são 16 ovos…porquê 20?... [olha em torno da sala, procurando pela professora] Stora [colocando o dedo no ar] 31 B – Não … espera … [tentando perceber a dúvida entre os colegas] 32 A – Já chamei … [imperceptível] [encolhendo os ombros] 33 C – Não é isso … tou a contar mal…então se para duas pessoas tem que se ter 2 ovos…espera…há aqui qualquer coisa mal…são 10 (em voz alta) 34 Professora (P) – O que se passa? [permanecendo em silêncio, ouvindo a discussão que existia entre os alunos] 35 A – Não são nada… 36 B – Oiçam…8 mais 2 ok? 8 mais 2 igual a 16? Não … é 10… 37 M – Não 8 vezes 2 n’é? [olhando para a Ana] 38 P – Então? [interferindo, percebendo que os alunos se encontravam confusos] … 8 mais 2 ou 8 vezes 2? 39 A – 8 vezes …? 40 B – Não… 8 mais 2 41 C – Deixa a rapariga falar… 42 M – Yah… Ana explica lá à stora 43 A – Stora são 8 vezes 2 ovos…que dá 16 [olhando para o Bruno e de seguida para o Carlos] 44 B – 10 … 45 C – Yah…também acho 46 P – Ok…então como é? Quem me diz? 47 B – 10 48 C – São 10…mas vamos deixar a Ana explicar

123


49 A – São 8 vezes 2 ovos … certo? ... [olhando para a professora] 50 P – Porquê? 51 A - Porque são 8 mais 2 pessoas …ovos? [olhando para a ficha novamente e observando as tabelas] … Yah pessoas…ai…vejam [mostrando os cálculos que havia feito a todos, incluindo professora) 8 pessoas… 52 C – 8 ovos 53 A – Yah … e 2 pessoas 54 C – 2 ovos… 2 pessoas…2 ovos…fica … [pára e coloca um ar pensativo, olhando para a Ana] … 1 ovo por pessoa… hum … não é pouco? A receita é verdadeira? [olhando para a professora] 55 B – [interrompendo-o] … 8 ovos para 8 pessoas…yah … 1 ovo por pessoa. Logo 10 pessoas…dahhh…10 ovos… [rindo para a colega] 56 A – Não … é vezes … ai não … ups…esqueça stora 57 P – E então? Já me baralharam [rindo-se] … Como fica? 58 A – Tava a fazer 8 vezes 2 ovos mas 8 pessoas tem 8 ovos, 2 pessoas tem 2 ovos, logo 8 mais 2 igual a 10 pessoas e ovos…ok têm razão [olhando para o Bruno e para o Carlos] 59 B – Barra [levanta-se e inclina o seu corpo em direcção à Ana]… barra … eheheh …[rindo] 60 A – Oh pá … estúpido… [rindo-se] 61 B – Barra… O Gonçalo (colega de um outro grupo) apercebendo-se da atitude do Bruno, virou-se para trás e perguntou o que se passava. O Bruno explicou-lhe o que havia sucedido, nomeadamente a confusão da colega, pelo que o Gonçalo começou a rir e afirmou: 62 Gonçalo (G)– Ovos? Mas isso nem é o que é pedido. 63 B – Hã…? Como? 64 G – Amigo…acorda…tipo… [apontando para a folha e lendo o enunciado] É açúcar e chocolate. O grupo levando as mãos à cabeça exclamaram quase que em simultâneo “ (…) eheheheh (…)”, rindo-se. 65 B – Eh…que cena meu…távamos a fazer ovos e nem pede… 66 G – Nop…é mesmo BARRA! Começaram todos a rir, incluindo a professora

De modo análogo ao sucedido no excerto anterior, neste nota-se um engajamento mútuo dos participantes (alunos) na resolução de um problema, 124


partilhando saberes, auxiliando-se mutuamente e discutindo o processo de resolução em que se encontram envolvidos, onde se verifica um fluxo de comunicação bidireccional contínua entre os elementos do grupo, tal como se tem vindo a observar nos restantes excertos aqui descritos. Nesta comunicação, percebe-se que os alunos não impõem o seu ponto de vista apenas com base na sua autoridade, tentando sim argumentar em função deste, justificando e negociando o seu significado, através de uma co-construção resultante da interacção entre os participantes, sendo esta determinante na emergência de mecanismos de aprendizagem que permitiram uma compreensão matemática partilhada. De igual modo se observa que os elementos não têm receio em errar, explicitando os seus erros e aprendendo com eles, como se pode constatar na interacção da Ana (Falas 39 à 58), onde a mesma tenta explicar o seu raciocínio realizado para o resultado divulgado, mesmo com a incerteza de que o mesmo estivesse correcto, sendo esta sua atitude alvo de respeito por parte dos colegas, que lhe deram espaço para que o pudesse concretizar, apoiando, elucidando e argumentando com algumas das suas intervenções. Neste sentido, a comunicação assume aqui, um elemento fundamental, tornando-se numa forma de partilhar ideias e de clarificar a compreensão matemática. Segundo o NCTM (2000), através da comunicação, as ideias tornam-se objectos de reflexão, aperfeiçoamento, discussão e correcção, proporcionando segundo Teles (2005), o desenvolvimento do poder argumentativo dos alunos. A natureza da tarefa proposta (ver Anexo 4) assumiu igualmente, um papel importante, uma vez que permitiu serem exploradas diversas estratégias de resolução (como redução à unidade, proporções, regra de três simples, entre outras) sendo das “ (…) mais susceptíveis de promover conflitos socio-cognitivo (…)”, os quais se encontram relacionados às interacções sociais, em particular com os planos intra e inter individuais, no sentido em que um indivíduo se confronta com ideias ou posições diferentes das suas no que concerne à tarefa em questão, resultante da discrepância existente entre o conhecimento e os pontos de vista de cada um dos participantes. Exemplo disso é igualmente o último excerto de interacção (Fala 34 à fala 58), onde a Ana discute activamente com os restantes elementos do grupo por discordar da solução apresentada por estes, discussão esta que resulta na ocorrência de um conflito sociocognitivo, o qual acaba por ser resolvido com a colaboração dos seus colegas ao promover um ‘debate’, em grupo, sobre os cálculos realizados dos quais resultou a solução apresentada. Neste sentido, tal como César (2000 a, p.9) afirma, as interacções,

125


aqui emergentes, mostraram-se “ (…) frutuosas para o desenvolvimento dos alunos e para os seus progressos em tarefas matemáticas”. De salientar ainda, que as tarefas “não habituais” são ainda, as que mais promovem situações de discussão entre alunos, permitindo-lhes com esta fundamentar as suas opiniões e posições no desenvolvimento do trabalho. Como exemplo, apresento o seguinte excerto de uma situação que sucedeu logo a seguir à proposta da tarefa anteriormente referida, onde foi solicitado a resolução de alguns exercícios que se encontravam no manual adoptado, os quais contemplavam a resolução de problemas sobre percentagens usando a regra de três simples.

[Aula de resolução de problemas sobre percentagens usando a regra de três simples] No início da aula, após ter ditado o sumário, a professora indicou os exercícios a resolver que se encontravam no manual adoptado, reforçando o que se pedia, ou seja, utilizar a regra de três simples. Os alunos iniciaram a aula com a resolução do seguinte exercício:

Calcula a percentagem de desconto na situação descrita:

1

Paula (P) – Isto é fácil…

2

João (J) – É só fazer a regra de três simples

3

Luís (L) – O 12,99 euros era o preço dela antes do desconto certo?

4

Sofia (S) – Yah…e por isso … está para … é isso mesmo Gustave [o Gustave ri vendo que estava a fazer bem]

5

P – O quê? [olhando para o caderno de Gustave, seguindo-se uma palmadinha nas costas] Está para 100%...Boa! [sorrindo para o colega]

6

J – Logo, os 9,99 euros está para x.

7

L – Ah…eu fiz 3 euros está para x

8

J – Onde foste buscar os 3?

9

L – Fiz 12,99 menos 9,99. Dá 3…

126


10 P – É a mesma coisa… 11 J – Não é não … [interrompendo a colega] 12 S – Não deve ser … faz-se só de uma forma não? 13 L – Na ficha da outra aula, fez-se de três formas diferentes… [rindo] 14 P – Yah…deixa o puto fazer como ele quer e depois logo se vê. Tem de dar o mesmo resultado não? Em conjunto, iniciaram a resolução do problema, o Luís contando com a ajuda da Paula e o João com a Sofia e o Gustave. No final, compararam os resultados e verificaram ser iguais, indagando-se o porquê. 15 L – Tu estás a fazer com o 9,99 e depois tens de tirar aos 12,99 o x certo? 16 J – Certo! Mas tu fizeste com o 3 e deu-te o mesmo resultado… [ficando em dúvida] 17 L – Yah…porque eu tirei antes e o 3 é o dinheiro do desconto que fizeram na compra da bola e o teu 9,99 é o preço da bola depois de descontarem o desconto…percebes? 18 J – Ahh…yah…deves ter razão… 19 P – Tem lógica… 20 L – Se quiseres confirmamos…stora…

Na aula onde se proporcionou a resolução de problemas sobre percentagens usando a regra de três simples, assistiu-se a uma diversidade de interacções entre os elementos dos diferentes grupos, sendo este exemplo, um entre muitos outros, onde emergiu a formação de explanações interactivas (Ploetzner, Dillenbourg, Preier e Traumn,

1999),

observando-se

vários

alunos

a

explicarem

mutuamente

e

interactivamente uns aos outros, envolvendo “ (…) formas de aprendizagem colaborativa” (p. 103), o que oferece ainda mais oportunidades para aprender do que explicar a si próprio (auto-explanação). Tal deve-se ao facto de cada aluno sentir a necessidade de compreender e reorganizar a informação a transmitir na sua própria mente, para que a possa torná-la compreensível ao seu colega, resultando num engajamento mútuo entre os elementos do grupo. Este processo permite ainda, desenvolver em cada um, novas perspectivas, reconhecer e colmatar lacunas que existam na sua própria compreensão, rectificar equívocos, bem como reforçar elos existentes entre as novas informações apreendidas e as aprendizagens realizadas em experiências anteriores.

127


Importa ainda salientar que, no episódio anteriormente descrito, os alunos trabalharam colaborativamente ao longo do desenvolvimento da tarefa proposta, tendo solicitado a presença da professora apenas para confirmação de resultados e de processos de resolução, facto este que culminou num reconhecimento sentido e numa confiança mútua entre os colegas, vendo-os como possíveis “fontes de conhecimento”, não atribuindo esse papel apenas e exclusivamente à professora. Assim, ao longo do ano na aula de matemática, privilegiaram-se as interacções horizontais (aluno/aluno), em detrimento das verticais (aluno/professor), tão bem conhecidas e favorecidas em contexto escolar, de forma a criar um sentimento de comunidade entre os alunos envolvidos, despontando nos mesmos um sentimento evolutivo de pertença a esta e consequentemente, um seu envolvimento (global) na prática, através da partilha de saberes e da negociação de significados, o que permitiu melhorar o pensamento e aprofundar o conhecimento, bem como percepcionar este último como algo que é criado e não transferido, encontrando-se localizado na comunidade e não no indivíduo. Para tal, tanto eu (professora) como os alunos tornámonos participantes activos no processo de ensino/aprendizagem, permitindo aos meus alunos verem-me como mais um elemento predisposto a aprender, tentando com isso exemplificar-lhes, tal como Lave e Wenger (1991) defendem, como participar legitimamente numa comunidade. Como exemplo, irei apresentar um excerto de uma situação vivida num ambiente computacional, onde os alunos tiveram a oportunidade de trabalhar com software de Geometria Dinâmica, Geometer’s Sketchpad, resultado de uma tarefa elaborada em conjunto com outras duas colegas de Matemática, docentes de uma escola de Loures, no âmbito de uma Acção de Formação que me encontrava a frequentar intitulada “Novos Programas de Matemática para o 3º Ciclo - Geometria”, tendo sido realizada como um complemento à tarefa proposta na qual se recorria ao uso de materiais manipuláveis. Tal como foi referido num relatório que tivemos de fazer no final da respectiva acção, ao elaborarmos a experiência de sala de aula, várias foram as expectativas que surgiam à medida que reflectíamos sobre as tarefas a realizar com os nossos alunos. No que concerne à tarefa exploratória com material manipulável (ver Anexo 7), tínhamos esperança que esta fosse bem sucedida e que se verificaria uma facilidade na sua realização e uma atitude positiva dos alunos, uma vez que os mesmos já teriam tido contacto com este tipo de trabalho em outras disciplinas, o que realmente se evidenciou

128


no seu desenvolvimento, onde os mesmos demonstraram bastante interesse e se envolveram na concretização da tarefa.

[Aula de realização da tarefa sobre a soma dos ângulos internos de um triângulo, com recurso a materiais manipuláveis] A aula teve início com o ditado do sumário, tal como havia sido previsto na sua planificação, sendo posteriormente distribuída a ficha, juntamente com o material manipulável necessário à sua realização. De seguida, foi pedido aos alunos que iniciassem a leitura da ficha de modo a se poder iniciar o trabalho.

1

Paula (P) – Agora … [após ler a tarefa] Faz três triângulos… assim… dez, dez, dez [apontando para a ficha]. Isto é mais … [referindo-se ao comprimento da palhinha que o Luís lhe tinha dado] Sofia dá aí a minha régua só para ver uma coisa, se faz favor.

A Sofia que estava distraída a usar a régua da Paula, rapidamente a devolve e continua alheada ao trabalho que o grupo está a fazer. Todos se encontram envolvidos à excepção de Sofia, a qual não aprecia o trabalho com material manipulável. 2

P – Ora bem…isto [pausa]

Coloca a palhinha lado a lado com a régua de forma a conseguir medi-la para começar a construir o triângulo com 10 centímetros de lado 3

P – Tem [olha para a palhinha e para a régua] … isto tem … 15 virgula 2, tens de reduzir a 10 [falando com o Luís entregando-lhe a palhinha] …

O Luís pegando na palhinha começa a construir o triângulo, tal como indicava na figura, não respeitando no entanto as medidas que se encontravam na ficha. Perante isso, a Paula reagiu de uma forma um pouco agressiva. 4

P – Olha… isso tem 15 centímetros…yah?

5

Luís (L) – Eu sei … estou só a fazer uma experiência [começando a construir o triângulo com as palhinhas de aproximadamente 15cm]

6

Sofia (S) – Empresta aí a régua…

A Sofia começa a medir as restantes palhinhas e o João pegando numa palhinha e num clip começa a tentar seguir os passos indicados na figura. O Luís e o Gustave começam a olhar para o João que, entretanto começou a cantar à medida que ia trabalhando. 7

L – O que é que estás a fazer João?

129


8

João (J) [rindo-se para o Luís e para o Gustave] – Experiências…eheheh…

9

L – Isso não é assim

10 J – Ai o caneco … [referindo-se ao facto de estar com alguns problemas com os clips, dado não os conseguir abrir como indicava a figura] Entretanto a professora que se encontrava a circular pelos grupos a observar o desenvolvimento do trabalho, aproxima-se do grupo e pergunta como está a correr, ao que a Paula que se encontrava aborrecida por os colegas não estarem a seguir as orientações, responde: 11 P – Stora…o João está a brincar…não está a fazer o que diz a ficha. 12 Professora (Pro) – E o que diz a ficha? 13 J – O que diz? Ora dá cá colega … [referindo-se ao José, em tom de brincadeira] … aqui diz …[começa a ler o enunciado] 14 P – Stora não tem de ser primeiro o de dez centímetros? 15 Pro – Sim, é o que pede, têm de medir as palhinhas 16 J – Ai é? … então dá cá a régua [pedindo-a à Sofia] A Sofia enquanto os colegas fazem os triângulos, encontra-se entretida a fazer o relatório da actividade da aula anterior, a pedido dos colegas, uma vez que tinham conhecimento de que a colega não apreciava trabalhos manuais e por isso esta tarefa seria custosa para ela e desmotivante. 17 P – São dez centímetros certo? João dá cá a minha régua… [num tom agressivo] 18 J – Uh uh…gugu dádá … [dando-lhe a régua, sorrindo para a colega, tirando de seguida a régua ao Luís] Iniciam-se as medições das palhinhas, bem como a sua montagem de forma a construir os respectivos triângulos. Durante este processo, cada um fez um triângulo, como indicavam as figuras, permanecendo em silêncio, à excepção do João que por vezes começava “(…) com a pancada da cantoria” como afirmava o seu colega Luís. No caso da Sofia, ela continuava a fazer o relatório.

Ao longo deste excerto, pode-se observar que a tarefa proposta pouco contribuiu para a interacção entre o grupo, pelo menos não tanto como nas situações anteriormente descritas, tendo-se verificado um distribuir das tarefas e consequentemente, uma atitude mais cooperativa do que propriamente colaborativa. No entanto, assistiu-se a momentos de apoio e ajuda na medição do comprimento das palhinhas, no seu corte, bem como na construção dos respectivos triângulos com os clips e ainda, a partilha do material necessário para a concretização da tarefa. Pode-se ainda, constatar pelo excerto aqui

130


descrito, a existência de um respeito mútuo entre os elementos do grupo pelo interesse e motivação do outro, como foi o caso com a colega Sofia que, por não gostar de trabalhos manuais e portanto ter ‘rejeitado’ a tarefa, foi solicitada pelos colegas para a realização do relatório referente a uma outra tarefa realizada na aula anterior, o qual não haviam terminado por falta de tempo. De referir ainda que, ao longo da realização da tarefa proposta, os elementos dos diferentes grupos apenas solicitavam a professora para mostrar os seus triângulos, bem como para o momento do corte, uma vez que este lhes gerou um sentimento de receio, por poderem estragar “(…) toda uma obra prima” como afirmava a Joana. Apesar de o excerto aqui descrito não realçar isso, pôde-se observar no decorrer desta aula que esta tarefa foi uma das preferidas pela maioria dos alunos, uma vez que nunca tinham realizado uma com este tipo de material, pelo que era uma novidade, tendo-lhes despertado assim, curiosidade e gosto. Apesar de se pensar que nesta tarefa as dificuldades iriam ser maiores por se tratar de um material de difícil manuseamento, não foi isso o que se verificou na concretização da mesma, tendo os alunos manifestado uma relativa facilidade na sua execução, como se pode contemplar nas fotografias da figura 10

Figura 10 – Fotografias tiradas no desenvolvimento da tarefa referente à soma dos ângulos internos de um triângulo, com material manipulável

131


No final da aula, deu-se um momento de divulgação de resultados e debate em torno dos mesmos, tendo-se verificado que existia alguma dificuldade em se visualizar a noção de medida dos ângulos agrupados (Figura 11), bem como nalgumas interacções observadas ao longo do mesmo.

Figura 11 – Fotografias tiradas no desenvolvimento da tarefa referente à soma dos ângulos internos de um triângulo, com material manipulável

19 Professora (P) – O que é que isto dá? [juntando os vértices cortados de um triângulo] 20 João (J) – Agudo? 21 Paula (Pa) – Obtuso? 22 P – Será? Isto parece-vos agudo? 23 Teresa (T) – Não. 24 P – Então? Os alunos não estavam a conseguir visualizar os ângulos juntos, identificando apenas os ângulos isolados. 25 Tiago (T) – É 180 graus. 26 P – E como se chama esse ângulo? 27 T – É o raso. 28 P – Raso ... muito bem Tiago. 29 Vítor (V) – É isso...isso mesmo...dah... 30 P – Mas agora pergunto [pausa] … será que isto sucede com os outros triângulos? 31 José (Jo)– É um raso também.

132


32 Pa – Porque faz assim [fazendo o movimento com a mão de um ângulo raso] 33 L – [que estava distraído] Hã...Ah... é raso? Ah pois é... desculpe stora, estava distraído 34 Bruno (B) – Não … é raseiro com um pontapé no traseiro [gozando com o Luís] (...) 35 P –Então que concluímos.. 36 Raquel (R) – Coiso... [brincando com a professora] 37 P – Chumbada eheheh... [gozando com a aluna e rindo] 38 R – Acha? [rindo] Dá 180 graus...eu sei...[rindo] agora quero um três...eheheh... 39 Rita (R) – Trabalha malandra... [rindo] Após este momento de descontracção, a professora insiste. 40 P – Então? O que podemos concluir? 41 Adriano (A)– A soma dos ângulos... [olhando para a ficha, onde tinha escrito as conclusões] 42 P - Que ângulos? 43 Joana (J) – Externos 44 P – Hum...ah… 45 Bruno – Internos 46 P – Então? Internos ou externos? 47 Pa – A soma dos ângulos… 48 A – internos são 180 graus. (…) Neste debate, pôde-se assistir a uma participação intensa e motivada por parte dos alunos em grupo turma, apesar das dificuldades manifestadas ao longo do mesmo. Neste excerto, pode-se constatar o ambiente agradável que existe em sala de aula, onde se tem direito a momentos de descontracção, apenas possíveis devido ao respeito mútuo e empatia entre os alunos e a professora, bem como devido ao reforço dos laços de amizade entre os participantes, o qual se proporcionou num ambiente de trabalho colaborativo com que ‘conviviam’ nas aulas de Matemática.

133


Na aula posterior à anteriormente retratada, foi realizada uma outra tarefa (ver Anexo 8), a qual se elaborou no âmbito da acção de formação sobre o Novo Programa de Matemática, a qual envolvia o uso do software de Geometria Dinâmica, Geometer´s Sketchpad. A sua elaboração deveu-se ao facto de termos consciência de que a realização de tarefas exploratórias com materiais manipuláveis não apresentavam rigor científico suficiente para efectuar demonstrações matemáticas, relativas a propriedades e relações que encontram ao realizar este tipo de tarefas. A elaboração desta tarefa exploratória teve em conta que os alunos envolvidos nunca haviam tido contacto com o referido programa o que poderia constituir um obstáculo à concretização da mesma. Neste sentido, a tarefa foi construída de forma um pouco mais dirigida, dando instruções concretas quanto à exploração de algumas potencialidades do programa necessárias à realização da experiência. O idioma do programa ser em inglês também poderia ser um obstáculo. No entanto, existia uma esperança de que o gosto que os alunos manifestam pela tecnologia fosse uma mais-valia e por se tratar de uma aula com uma prática diferente, os obstáculos mencionados anteriormente seriam facilmente superados.

[Aula de realização da tarefa sobre a soma dos ângulos internos de um triângulo, com recurso ao Geometer’s Sketchpad] A aula teve início com o ditado do sumário, tal como havia sido previsto na sua planificação, sendo posteriormente preparados os computadores necessários à concretização da tarefa proposta, seguindo-se a distribuição de uma ficha por grupo. De seguida, foi pedido aos alunos que clicassem no ícone referente ao programa, de forma a abrir um sketch novo. Iniciou-se a construção do triângulo, tal como se pedia. 1

Carlos (C) – Como se faz o triângulo stora? [olhando para o quadro]

2

Professora (P) – Leiam as instruções…vejam [apontando para a ficha] Está tudo muito bem explicadinho …

3

C – Deixa ver [pega na folha e começa a ler em voz alta para os colegas]

(…) 4

C – Agora, constrói, de igual modo, os outros dois lados…hum… Stora, a gente agora não está aqui a perceber…

134


5

Mariana (M) – [assumindo uma iniciativa perante o Carlos e olhando para o computador] Qual é? Mostra…o…com licença [puxando a folha referente à tarefa para o seu lado].

Os elementos do grupo olham para o ecrã do computador, enquanto a Mariana vai tentando fazer e o Bruno a vai ajudando. 6

Bruno (B) – Yah … boa! Stora chegue aqui.

7

P – Como é que construíram esse lado? [aponta para o ecrã do computador]

8

C – Metemos estes dois aqui [apontando para o ecrã do computador, para os pontos assinalados] e… o segmento construído…

9

P – Muito bem! E agora?

10 Ana (A) – Agora selecciona-se estes dois pontos e constrói [apontando para o ecrã e observando o que o colega ia fazendo no sketch] O Carlos continua a manusear o rato, seguindo as instruções da ficha, enquanto a professora se mantém em silêncio, a observar os alunos a interagir entre si e a ajudarem o Carlos na construção do triângulo. (…) 11 P – É isso mesmo! [afastando-se de seguida] 12 C – Uoh … [no momento em que vê o triângulo construído] Eheheh… [risos]

No momento em que decorreu esta aula, no terceiro período, os alunos já se encontravam bastante familiarizados com a nova metodologia de trabalho adoptada nas aulas de Matemática, surgindo a colaboração, a partilha, a solidariedade, a confiança, o respeito mútuo e o apoio ao colega de um modo natural. Esta forma de trabalhar permitiu, em cada aluno, o desenvolvimento de uma imagem pessoal mais positiva, bem como uma relação mais afectiva com a Matemática, verificando-se um impacto positivo na sua auto-estima e consequentemente, na sua auto-confiança. Neste breve excerto, isso é visível, podendo-se observar claramente que o Carlos assume o desenvolvimento do trabalho do grupo, com confiança, o que demonstra uma vontade de participar, de dar o seu contributo, não porque deseje corresponder às expectativas da professora, como se verifica num ambiente individualista e competitivo, mas por ter vontade em aprender. No caso da Mariana, pode-se igualmente observar através da sua iniciativa (Fala 5) uma vontade em participar no trabalho, em colaborar com os colegas, derivado de uma maior confiança em si, bem como nos restantes elementos, os quais se encontram sempre dispostos em a

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ajudar, atitude que mantiveram ao longo do ano. Todos estes factores se devem ao ambiente agradável e empático que se gerou dentro do grupo, contribuindo também, nesta aula em específico, a motivação originada pelo uso desta ferramenta computacional. Pode-se observar ainda, que a professora pouco interfere, estando praticamente apenas como observadora, intervindo apenas no início da actividade para os elucidar um pouco mais sobre o software, uma vez que os mesmos nunca haviam tido contacto com o mesmo e se sentiam um pouco intimidados, receando tomar a iniciativa. Passada esta fase, os grupos trabalharam de forma autónoma, sendo as intervenções (mínimas) da professora no sentido de fornecer algumas orientações sobre algumas instruções da ficha ou de dar um reforço positivo aos alunos pelo trabalho desenvolvido. O excerto que se segue é exemplo disso. 13 M – Posso agora fazer … faz favor? [aguarda pelo consentimento do Carlos] Já posso? Entretanto o Carlos aproxima o computador da Mariana, entregando-lhe igualmente a folha da tarefa para que ela pudesse seguir as instruções. Atrapalhada, passa a folha ao Bruno que estava ao seu lado para que ele lhe pudesse ir dizendo os passos a seguir. 14 M – Posso Bruno? Carlos vês assim? Ana? Sim? Os colegas acenam com a cabeça em modo afirmativo, prosseguindo-se com a medição dos ângulos. A Mariana inicia a leitura da tarefa 15 M – Selecciona os pontos A, B e C [olha para a ficha, em silêncio] … o ponto B [pausa] … hum… 16 A – Não, este é o de [imperceptível] 17 M – Aqui diz…o ponto B é o vértice do ângulo, tem que ser o ponto do meio. Portanto o B é isto [apontando para o computador] Pois…pêra aí [olha para a folha] …meio…hum… (…) 18 B – Primeiro A, certo? [diz o Bruno enquanto a Mariana selecciona o respectivo ponto] Isso… o B…depois o 19 M – O C. E agora…mea…’measure’…an…’angle’ … ah [surpresa] 20 A – Ok e agora? [pega na folha] Diz aqui “Procede analogamente com os outros ângulos De seguida, a Mariana disse ao colega Bruno para assumir ele “ (…) o comando do computador”, dado que entretanto entrou a funcionária com um

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recado sobre os exames nacionais e a mudança de horário na escola, o qual tinha de ser escrito nas cadernetas dos alunos. A Mariana ofereceu-se para escrever o recado na sua caderneta, para que depois os seus colegas o pudessem escrever. 21 B – Ahh…ficou o C [ao experimentar medir os ângulos e referindo-se à amplitude do respectivo ângulo] O C ficou no meio…eheheh 22 A – Eh…ó Bruno [rindo] 23 B – [olhando para a Ana] Ah ah ah… A [careta] …B [careta] …C [careta e risos] E agora? A Ana lê o ponto 3, indicando ao Bruno que teria de activar a opção SELECÇÃO (

) do programa

24 A – Vens aqui à selecção [apontando para o ecrã] Já tá…agora seleccionas [olhando para a folha] …hum…’calculate’…e agora… 25 C – “Selecciona a amplitude (…)” [continua a leitura iniciada pela Ana] 26 A – Agora posso ser eu Bruno? 27 B – Toma … vá…vai ali [apontando para o ecrã] 28 C – Agora o sinal de mais 29 B – Isso [enquanto a Ana ia manuseando o rato] …agora selecciona a amplitude do ângulo BCA…BCA [pausadamente] Agora mais 30 C – O sinal + e a amplitude do ângulo BAC 31 M – E agora? … [que entretanto está de volta a observar os colegas] 32 B – 180 graus ehhh… Butterfly… 33 C – Fixe pá…fixe pá…Agora temos de agarrar um dos vértices…hã 34 M – É o botãozinho… [apontando para o canto do ecrã, referindo-se ao botão da selecção] 35 C – Oh…ah…eheheh… A soma é sempre a mesma…nunca muda 36 B – Dah … É sempre 180 graus…quem escreve? 37 C – Eu escrevo…eu escrevo…eu…eu [tentando colocar o computador do seu lado] 38 M – Ok [rindo-se] Escreve lá Carlitos … (…) 39 C – Isto é bué rápido a escrever…ui…bué fixe…eheheh…dá para ter cores? 40 A – Vai aqui [apontando para o ecrã] Deve dar não? 41 C – Ehh… 42 B – Fixe…ó stora 43 M – Stora … venha cá rápido …

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44 P – Que se passa? [olhando para o ecrã] 45 A – Já viu…tem cores 46 B – Parece um arco-íris…eheheh… A gente explica-lha quer? 47 P – Quero pois … expliquem lá 48 A – Oh…a stora sabe 49 P – Será? Hum … [rindo]. Vá expliquem…digam lá como fizeram Os alunos vendo o interesse da professora na sua explicação, em conjunto, procederam à explicação. A professora manteve-se atenta à sua explicação.

Na presente tarefa aqui descrita, os alunos puderam ter um contacto directo com um programa matemático que lhes possibilitou visualizar e demonstrar determinadas relações e propriedades, as quais haviam sido exploradas na tarefa anterior, tendo assim a oportunidade de realizar uma abordagem dinâmica no estudo do respectivo tema, através da qual puderam desenvolver a intuição geométrica, a capacidade de visualização, bem como a comunicação e o raciocínio matemático em contextos geométricos e consequentemente, desenvolver uma relação mais afectiva com a Matemática. Assim, nesta situação, pode-se observar os alunos engajados na realização da tarefa proposta (Figura 12), partilhando saberes, construindo o conhecimento conjuntamente e de forma coordenada e negociada, proporcionando-se um fluxo de comunicação contínuo com foco no processo e nas conexões entre os conhecimentos.

Figura 12 – Fotografias de alunos a realizarem a tarefa proposta com o Geometer´s Sketchpad

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A comunicação a que se assiste neste episódio, derivada da colaboração que se observou entre os alunos participantes, tornou-se essencial na partilha de ideias e de compreensão matemática, permitindo-lhes obter com facilidade os resultados e as respectivas conclusões, as quais foram apresentadas e discutidas com bastante entusiasmo perante a turma, fazendo questão de partilhar e mostrar os seus trabalhos aos colegas e à professora. Neste sentido, tal como Wiersema (2005) afirmou, a colaboração alude ao processo global de aprendizagem, onde os alunos se ensinam mutuamente e têm a oportunidade de ensinar ao professor, podendo-se exemplificar com a intervenção do Bruno (Fala 46) quando começa a explicar à professora como alterar a cor da letra do texto, observando-se aqui que a mesma propicia aos seus alunos a oportunidade de a verem como alguém empenhado em aprender e que se mostra em situação para tal (Falas 47 e 49), exemplificando-lhes assim, como participar legitimamente nas práticas da comunidade e consequentemente, tornar-se um membro da respectiva comunidade. Importa salientar ainda, que o ambiente computacional, com o qual os alunos tiveram um primeiro contacto, proporciona mudanças qualitativas na zona de desenvolvimento proximal, mediando a construção de novos conhecimentos e

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permitindo que os alunos aprendam e apreendam saberes, de uma forma conjunta e partilhada, recorrendo a perspectivas e conhecimentos diferenciados. Neste, é importante que o aluno sinta que tem um papel activo, interveniente e responsável na sua aprendizagem, bem como na dos outros, levando-o a uma maior motivação e gosto pelas tarefas exploradas e consequentemente pela Matemática. Neste sentido, pode-se constatar que o ambiente vivido nesta situação é propício à colaboração entre os participantes, uma vez que proporciona oportunidades de interacção em grupo, capazes de promover um nível de aprendizagem e participação, de tal modo significativos que de outra forma não seria possível, uma vez que torna o trabalho em grupo mais eficiente, diminui o tempo dispendido nas actividades em grupo (contrário ao que se verificou com a tarefa com recurso a materiais manipuláveis) e facilita a existência de certos tipos de tarefas em grupo que seriam impossíveis sem o suporte computacional.

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Capítulo V CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, irei apresentar uma síntese dos resultados e conclusões que considero mais relevantes do estudo realizado. Por fim, apresentarei ainda, uma breve reflexão sobre as implicações que poderão advir deste estudo, de forma a assinalar algumas das limitações com que me deparei ao longo desta investigação, terminando com algumas recomendações que considero importantes para um futuro próximo em termos de continuidade deste trabalho.

V. 1. Objectivo do Estudo e Questões de Investigação

Vivemos em tempos de mudança, aos quais a Escola e os seus educadores não poderão manter-se à margem, emergindo assim a necessidade de acompanharem a evolução da sociedade, de forma a ir ao encontro das suas necessidades e exigências, assumindo para tal um papel mais interventivo e mais claro na formação dos alunos, promovendo o desenvolvimento pleno de todos. Emerge assim, a necessidade e urgência em criar modos de actuação na sala de aula, no sentido de tornar os nossos alunos capazes de assumir um papel mais activo, crítico, reflexivo e participativo perante os constantes desafios que a actual sociedade lhes coloca. O trabalho colaborativo e a aprendizagem colaborativa que se espera que ocorra assumem assim, actualmente e de forma crescente, um papel importante na formação integral dos indivíduos. O trabalho colaborativo tem-se revelado como uma forma inovadora e de grandes potencialidades na promoção do sucesso dos alunos na disciplina de Matemática (César et al., 1999), o que suscitou um interesse pessoal como professora/investigadora em adoptar/estudar esta nova metodologia de trabalho na construção do saber matemático, assumindo um compromisso de coerência na sua implementação, de forma a garantir o seu sucesso.

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Assim, ao longo dos últimos cinco anos de experiência como docente, despontou em mim uma necessidade crescente em aprofundar um pouco mais o meu conhecimento sobre esta temática, de forma a poder dar um contributo significativo na aprendizagem matemática dos meus alunos. Neste sentido, ao longo do ano lectivo em que decorreu a minha investigação, que sustenta esta dissertação, o foco de interesse incidiu sobre a organização do ensino e a caracterização da aprendizagem na sala de aula de Matemática, pelo que o seu principal objectivo foi:

Aprofundar a compreensão sobre o modo como um professor pode dinamizar as actividades e promover as interacções sociais na comunidade da sala de aula, utilizando o trabalho colaborativo como principal metodologia de trabalho a desenvolver na construção do saber matemático, por forma a favorecer uma aprendizagem colaborativa, “facilitando” a criação de um ambiente de interajuda e proporcionando uma maior responsabilização e envolvimento dos alunos na sua aprendizagem, bem como na dos outros. No intuito de descrever e analisar o modo de actuar dos alunos em sala de aula, em particular, a colaboração e as interacções sociais emergentes nesse contexto, o presente objectivo levou à formulação das seguintes questões de investigação: 1 – Como se caracteriza a colaboração em Matemática? 2 – Como se relaciona colaboração com a aprendizagem? 3 – Que papel tem a organização da actividade na sala de aula na promoção de interacções sociais que propiciam a colaboração na construção do saber matemático? 4 – Que estratégias se devem desenvolver para fomentar a colaboração em Matemática na sala de aula?

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V. 2. Resultados e Conclusões

Ao longo do ano lectivo, tive o privilégio de conviver com a realidade da escola (pública) envolvida na investigação, enquanto professora/investigadora, deparando-me em primeira pessoa com as necessidades e os desafios, em particular no que concerne à prática pedagógica, que a escola enfrenta no seu dia-a-dia. Sediada na Venteira, no concelho da Amadora, zona de grande heterogeneidade em relação a etnias, culturas e formações, a sua população escolar é caracterizada por uma multiculturalidade crescente, sendo esta um dos principais desafios da escola, merecendo um lugar de destaque no seu Projecto Educativo. Neste, assume-se um compromisso em estabelecer estratégias conducentes a uma melhor integração dos alunos no meio escolar, envolver os intervenientes da comunidade educativa, criar condições para uma gestão democrática, reforçar os processos de comunicação e participação e fomentar a partilha de saberes e experiências. Aliado a esta problemática, encontra-se ainda o constante insucesso académico na disciplina de Matemática que, apesar de se verificarem algumas melhorias consequentes da implementação do Plano de Acção para a Matemática, insiste em continuar a registar-se todos os anos lectivos. No entanto, tal como Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999) afirmam, “Aprender Matemática é um direito básico de todas as pessoas – em particular de todas as crianças e jovens – e uma resposta a necessidades individuais e sociais” (p. 17), pelo que emerge a necessidade de criar modos de actuação nas práticas diárias de sala de aula, de forma a promover o sucesso académico na disciplina de Matemática e consequentemente, criar condições para a existência de um clima de trabalho que permita que a sua aprendizagem seja significativamente vivida num ambiente em que ela se evidencie como uma parte integrante da cultura humana. Assim, no encalço do objectivo supramencionado e por partilhar da ideia de Lave e Wenger (1991) ao defenderem que aprender é um processo com lugar num framework participativo e não numa mente individual, adoptei como metodologia de trabalho nas minhas aulas de Matemática, a do trabalho colaborativo. O motivo da preferência manifestada prendeu-se com o facto de este ser um dos que tem revelado mais-valias para a Educação, nomeadamente para a Educação Matemática (César, 2003), uma vez que constitui uma poderosa ferramenta na promoção de desempenhos

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matemáticos motivados pela colaboração entre os participantes, característica das interacções emergentes num ambiente de trabalho colaborativo. Neste sentido, ao adoptar esta metodologia de trabalho, emergiu uma questão importante: “Como promover uma aprendizagem colaborativa na minha sala de aula?”, subdividindo-se esta nas quatro questões de investigação anteriormente mencionadas, às quais procurei dar resposta ao longo do presente estudo, através da análise do trabalho colaborativo desenvolvido em sala de aula, bem como da colaboração e da aprendizagem aí emergentes.

V. 2. 1. O Trabalho Colaborativo

Ao objectivar uma implementação bem sucedida de práticas de sala de aula como o trabalho colaborativo, o meu papel de professora, como facilitadora e mediadora das aprendizagens dos meus alunos, passou por prepará-los para esta nova metodologia de trabalho, à qual não se encontravam familiarizados, fazendo uma breve descrição de como se trabalha colaborativamente em grupo, bem como explicitando algumas regras inerentes a este método de trabalho, as quais passavam pela relação didáctica: professor, aluno e saber matemático, algumas distintas das do ensino tradicional. Foi assim negociado com os alunos de que inicialmente iriam ser agrupados em díades, sendo posteriormente distribuídos por grupos de quatro elementos (no máximo), de ambos os géneros, com diferentes percursos escolares ao nível da disciplina de Matemática e com características socioculturais distintas. Consciente dos cuidados a ter na transição do método tradicional para o colaborativo, uma vez que isso implicava modificar formas de estar, de pensar, de sentir, de agir e de reagir, optei por começar a promover o desenvolvimento de um trabalho cooperativo entre os alunos, que me permitiu assumir um maior controlo sobre as variáveis envolvidas, o qual se demonstrou necessário enquanto os alunos não se familiarizassem com a nova metodologia de trabalho. Para além disso, ao seleccionar as tarefas, privilegiei a resolução de problemas, uma vez que estes são propícios à fomentação da discussão, da partilha e da implementação de estratégias de resolução, bem como à explicação de argumentos diferenciados entre os elementos do grupo, permitindo assim um envolvimento conjunto, coordenado e partilhado por parte destes, 144


desempenhando alternadamente o papel de par mais competente, dependendo uns dos outros como “fontes” de conhecimento matemático, uma das características marcantes do trabalho colaborativo. Apesar de se tratar de uma forma de trabalho diferente da do ensino tradicional e os alunos não se encontrarem familiarizados a esta nova metodologia, em momento algum se verificou reacções de rejeição ou resistência por parte dos mesmos. Pelo contrário, observou-se uma motivação e um interesse crescentes dos alunos em trabalhar em grupo, como se pode constatar nas diversas situações descritas no presente trabalho, bem como nas suas auto-avaliações de final de período onde, como se pode constatar pelos exemplos apresentados na secção 2 do capítulo IV, manifestam gostar “ muito daquela cena dos grupos” por se tratar de “aulas diferentes”, gerando um gosto particular de trabalhar nestas por serem “divertidas”, como eles assim as designavam. Este seu manifesto deve-se ao facto de se lhes ter proporcionado a oportunidade de, na aula de Matemática, assumirem um papel mais activo e participativo na construção do seu saber matemático, sendo este feito conjuntamente e de forma negociada com os restantes colegas de grupo, o que lhes permitiu experienciar um sentimento partilhado e evolutivo de pertença, como se evidenciou, por exemplo, nas interacções de alunos como o Carlos e a Mariana e consequentemente, ‘facilitar’ a sua aprendizagem, permitindo-lhes assim “com a ajuda de todos (…) aprender melhor a matéria” (ver figura 8, da secção 2 do Capítulo IV). Assim, pôde-se observar por parte de cada aluno, um manifesto interesse em aprender, bem como em assumir um compromisso individual e uma responsabilidade pessoal na promoção da aprendizagem de cada elemento do grupo, proporcionando-lhes ajuda e apoio, partilhando saberes, consciencializando-se de que o seu sucesso se encontra interligado ao do grupo e consequentemente, sentindo-se co-responsáveis pela aprendizagem de cada um dos elementos. Esta forma de estar, de sentir e de ser permitiu que cada membro se sentisse recompensado, apreciado e respeitado, celebrando com os outros e com satisfação o que alcançaram, estimulando-os a uma progressiva autoconfiança e confiança no grupo para aprender em conjunto, sem existir receio em reconhecer os seus erros, explicitando-os e aprendendo com eles. Exemplo disso, é o caso da Ana quando se encontrava a resolver problemas usando proporções. A aluna, apesar de não ter confiança de que o seu resultado e o processo utilizado estivessem correctos, tentou explicar o seu raciocínio, contrapondo-o com perspectivas diferenciadas dos restantes elementos do grupo conseguindo que, através de uma 145


comunicação contínua, solucionar o conflito socio-cognitivo que entretanto tinha ocorrido na colega. Nesta situação colaborativa, é de salientar o papel fundamental que a comunicação assume como forma de partilhar ideias e de clarificar a compreensão matemática, permitindo o desenvolvimento do poder argumentativo dos alunos. De assinalar ainda, a existência de respeito mútuo baseado na confiança, colaboração e solidariedade, bem como numa empatia entre os participantes – uma das diversas vantagens da aprendizagem colaborativa (Panitz, 1999). Para finalizar há a realçar o facto de, no decorrer do ano lectivo, se ter proporcionado a criação de um ambiente de trabalho vivido no interior de cada grupo agradável, colaborativo, responsável e solidário, o que contribuiu para um reforço e um renascer de laços de amizade, facilitando a socialização entre os elementos do grupo e consequentemente, promovendo um maior rendimento e aproveitamento atingidos dentro dos grupos.

V. 2. 2. A Colaboração e a Aprendizagem

A aprendizagem é vista fundamentalmente como uma actividade social, como já havia sido abordado na secção 4, do capítulo II, sendo assim mediada por diferentes perspectivas dos co-participantes. No entanto, a aprendizagem da matemática, em particular da matemática escolar, continua ainda a ser vista como uma actividade isolada, ocorrendo de uma forma individualista, contrariando a sua natureza social. Ora se nos reportarmos à história da evolução da própria Matemática, pode-se constatar que o conhecimento gerado nesta área do saber foi fruto da construção humana na sua interacção constante com o contexto natural, social e cultural, caracterizando-se assim, como uma forma de compreender a actuar no mundo. É neste sentido que importa reforçar a ideia de que a aprendizagem matemática é um direito de todos os alunos e “(…) uma resposta a necessidades individuais e sociais” (p. 17), como afirmam Abrantes, Serrazina e Oliveira (1999), corroborados pela NCTM (2000) e que esta deve ser um processo participativo e colaborativo, contribuindo assim para a formação integral do aluno.

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Perante esta perspectiva e consciente de que os alunos com que nos deparamos nas nossas salas de aula já não são tão submissos e passivos como os de outrora, interpelando-nos constantemente e manifestando curiosidade por tudo o que os rodeia, optei como alternativa didáctica às aulas expositivas e à aprendizagem individual, por promover a criação de um ambiente onde se privilegia a colaboração entre os alunos, neste caso em particular, da turma do 7ºF, em detrimento do isolamento individual a que muitas vezes se assiste numa sala de aula, em particular de matemática. Assim, tendo em conta os resultados apresentados no capítulo IV, pode-se constatar que a colaboração entre os alunos participantes se evidenciou através de um engajamento mútuo dos mesmos, num esforço coordenado na resolução de problemas, partilha de ideias, tomadas de decisões conjuntas, discussão matemática e negociação de significados, emergentes em interacções sociais características de um ambiente de trabalho colaborativo, como o que era vivido na sala de aula de Matemática. Nas situações colaborativas descritas no capítulo anterior, observa-se igualmente que a comunicação na sala de aula de matemática assumiu um papel fundamental na partilha de ideias e na negociação do significado, sendo esta última consequência de uma co-construção do saber matemático, através da interacção entre os participantes, pelo que foi determinante na emergência de mecanismos de aprendizagem que permitiram uma compreensão matemática partilhada, neste caso em particular, dos conteúdos abordados num 7º ano de escolaridade. Importa assim salientar que este facto reforça a ideia de Panitz (1999), quando considera a colaboração como uma filosofia de interacção e uma forma de estar na vida, de sentir e de actuar, onde os indivíduos (alunos) são responsáveis pelas suas acções, incluindo aprender e respeitar as capacidades e contribuições de cada um. Assim, tal como Lave e Wenger (1991) afirmam, “ (…) o significado da aprendizagem é configurado através de um processo de se tornar um participante (full) na prática sociocultural” (p.29), um tipo de pessoa (identidade), um membro de uma comunidade, pelo que o facto de aprender “ (…) não é meramente uma condição de pertença, é ela mesmo uma forma evolutiva de pertença” (p.53). Mais uma vez aqui, se salienta o caso particular do Carlos como um exemplo de como a sua aprendizagem matemática resultou na sua vontade de se tornar um participante (full) na prática da comunidade, um membro do grupo, assumindo para tal a necessidade de uma participação legítima no mesmo, a qual se manifestou através dos

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seus contributos para a construção do seu saber matemático e consequentemente dos seus colegas. Outra situação igualmente relevante foi o caso da Mariana. Para concluir, importa salientar a afirmação de Kristin Gerdy, da Brigham Young University, com a qual me identifico e que encaro como um resumo do que foi observado e analisado no presente estudo: “ A aprendizagem é reforçada quando é vista mais como um esforço de equipa do que uma corrida a solo. Uma boa aprendizagem, como um bom trabalho, é colaborativa e social, e não competitiva e isolada…A partilha das nossas ideias e a nossa resposta às dos outros, melhora o pensamento e aprofunda o conhecimento.” (Gerdy, 1998)

V. 3. Implicações do Trabalho Realizado

Nesta fase final do estudo, é tempo de fazer uma breve reflexão sobre as implicações que poderão advir da investigação e do trabalho realizado, pelo que se apresentam duas questões essenciais: 1) Implicações para quem? 2) E que implicações são essas? Começando pela primeira questão, as implicações desta investigação claramente recaem nos alunos e nos docentes, nomeadamente na professora/investigadora. No que concerne aos alunos, reconheço que estas implicações são mais profundas e marcantes, uma vez que foi a eles que se lhes proporcionou a oportunidade de vivenciar esta experiência de aprendizagem na sala de aula de Matemática, com a qual não se encontravam familiarizados e na qual puderam assumir um papel activo e participativo no processo de ensino/aprendizagem. Prova disso são os testemunhos dos alunos, evidenciados através das suas auto-avaliações, como se pode constatar nas figuras 8 e 9 (ver secção 2, do capítulo IV), os quais revelam bem o impacto positivo que a metodologia do trabalho colaborativo teve na forma de percepcionarem a sua aprendizagem matemática, sendo-lhes permitido trabalharem os diversos conteúdos

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matemáticos abordados num 7º ano de escolaridade, de um modo diferente, “divertido”, como os próprios o caracterizaram. Para a professora/investigadora, as implicações manifestaram-se a dois níveis: enquanto professora de matemática e enquanto investigadora. Como professora de matemática, o trabalho realizado com o 7º ano, e que serviu de base a esta investigação, contribuiu para um desenvolvimento profissional e pessoal. A nível profissional, apesar de já ter alguns anos de experiência em trabalhar numa base de trabalho colaborativo, proporcionou-se a oportunidade de aprofundar os meus conhecimentos sobre como gerir e dinamizar actividades e interacções na comunidade de sala de aula, de forma a promover uma aprendizagem colaborativa. Foi muito gratificante ter podido colocar em prática ideias que tinha vindo a desenvolver e a implementar gradualmente há já cinco anos, mas desta vez contando com um conhecimento teórico mais aprofundado, no qual enquadrei esta investigação e que me permitiu enfrentar e gerir alguma insegurança, ansiedade, bem como expectativas diversas. A nível pessoal, é de salientar a experiência vivida com os alunos que se revelou extraordinária, a qual contou com a total colaboração dos mesmos que, com bastante empenho e motivação, participaram neste meu estudo, permitindo ainda despontar em mim um sentimento de pertença na ‘nossa’ comunidade. Neste sentido, não só ensinei como também aprendi com os meus alunos a ser uma participante legítima de uma comunidade, algo que não seria possível numa aula dita tradicional. Como investigadora, esta experiência permitiu-me alargar horizontes, bem como motivar-me a um constante questionamento, fruto de uma reflexão contínua sobre os diferentes momentos vivenciados no desenvolvimento do presente trabalho. Apesar de ter necessitado de uma maior exigência a nível pessoal, bem como profissional, esta experiência de docência permitiu aguçar ainda mais a minha curiosidade em relação a esta temática e a vontade em aprofundar os meus conhecimentos na mesma.

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V. 4. Limitações e Recomendações

Ao desenvolver este estudo, encontrava-me consciente de que, por muito bem que planeasse a investigação que sustenta esta dissertação, existiriam sempre momentos em que, com uma reflexão mais profunda, iria ressaltar um ou outro pormenor a alterar, que seria feito de uma outra forma. E assim aconteceu neste trabalho. No início do ano lectivo em que decorreu a presente investigação, cuidei que os alunos tomassem conhecimento da nova metodologia de trabalho a implementar na sala de aula de matemática, explicitando-lhes algumas das regras que passavam pela relação didáctica: professor, aluno e saber matemático, necessárias ao desenvolvimento do trabalho colaborativo. No entanto, apesar de se mostrarem motivados e interessados em colaborar neste projecto, por vezes sentiam dificuldade em se distanciar das regras com que sempre vivenciaram o seu percurso escolar, as quais se encontravam muito entrosadas na sua forma de ser e de estar na escola, uma vez que a própria instituição também assim o incentivava, contrapondo as estratégias propostas no seu Projecto Educativo. A colaboração e a adesão por parte dos restantes membros do Conselho de Turma do 7ºF teriam sido contributos importantes numa implementação, mais conseguida, desta metodologia de trabalho. No entanto, primou pela sua ausência o que limitou a possibilidade de uma maior abrangência desta metodologia de trabalho colaborativo, como forma promotora da formação integral dos alunos em questão. Por último, a selecção das tarefas a realizar num ambiente de trabalho colaborativo é um dos momentos mais importantes, bem como sensíveis, dado que as mesmas

podem

ser

cruciais

na

promoção

de

colaboração.

A

dualidade

professora/investigadora tornou-se um pouco penosa neste momento, uma vez que se por um lado, como professora considerava as tarefas propostas como adequadas ao contexto, por outro como investigadora predominava uma tentação em influenciar a professora de forma a propor outro tipo de tarefas que permitissem evidenciar ainda mais os resultados obtidos, o que poderia implicar uma mudança da natureza do estudo. Assim, além da resolução de alguns problemas, da realização de algumas tarefas exploratórias e uma de investigação, muitas das tarefas realizadas em sala de aula foram seleccionadas do manual adoptado, apesar de o mesmo privilegiar, essencialmente, a resolução de exercícios rotineiros e de cálculo mental.

150


No

entanto,

ao

longo

do

ano

lectivo,

tornou-se

perceptível

que,

independentemente destes constrangimentos, a colaboração assumiu um lugar de destaque nas aulas de matemáticas, onde os alunos puderam assumir um papel activo no seu próprio processo de aprendizagem, desenvolvendo competências a todos os níveis. Em termos de futuro, por acreditar que nos encontramos em constante e renovada aprendizagem ao longo da vida, acredito que este foi apenas um dos muitos passos que penso dar numa ‘caminhada’ na área da educação. Este futuro provavelmente irá passar pelo alargamento/continuação desta investigação, podendo utilizar os conhecimentos que entretanto adquiri na área da aprendizagem colaborativa, contemplando o Novo Programa de Matemática, procurando perceber que influência poderá ter a implementação deste, na selecção das tarefas a propor num ambiente de trabalho colaborativo, de forma a promover uma aprendizagem de qualidade. Como exemplos de questões estruturantes poderei apontar as seguintes: Como incentivar os professores a promover junto dos seus alunos uma aprendizagem colaborativa? Quem tem a ganhar com uma abordagem desta natureza? Todos os alunos ou apenas alguns?

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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159



ANEXOS

161



ANEXO 1

Comunicação ao Conselho Pedagógico: Registos das Aulas em Suporte Áudio e Vídeo

163



COMUNICAÇÃO

Destinado ao Conselho Pedagógico da Escola EB23 (…) Assunto: Realização de uma investigação em Educação Matemática A professora de Matemática, Patrícia Susana Pereira Isidoro encontra-se, desde o ano lectivo 2006/2007 a frequentar o mestrado em Ciências de Educação, especialização em Didáctica da Matemática, pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. No âmbito do plano curricular previsto, o presente ano lectivo destina-se à realização de uma dissertação, para a qual se escolheu um tema que estará na base da investigação a realizar, a saber: “O Trabalho Colaborativo na Construção do Saber Matemático”. No âmbito da referida dissertação, além de revisão de literatura, e tendo em conta a natureza do problema de investigação, pretende-se realizar um estudo empírico com alguns dos alunos do sétimo ano de escolaridade com quem a professora trabalha desde o início do presente ano lectivo, pelo que a mesma irá realizar algumas observações da actividade dos alunos na sala de aula de Matemática, onde se privilegia o trabalho colaborativo. Dada a necessidade de registar, o mais detalhadamente possível, todo o trabalho e discussão que surjam ao longo destas sessões de trabalho e por forma a se obter uma compreensão mais fidedigna da actividade dos alunos, da participação, da colaboração e interacções sociais emergentes naquele contexto, será solicitada autorização aos Encarregados de Educação dos alunos envolvidos para se proceder aos respectivos registos das mesmas em suporte áudio e vídeo, comprometendo-se a professora de que os mesmos não serão divulgados sob qualquer forma, sendo utilizados apenas para possíveis análises deste tipo de trabalho. Desde já agradeço a atenção dispensada.

Amadora, 5 de Novembro de 2007 A professora _________________________ (Patrícia Susana Pereira Isidoro)

165



ANEXO 2

Autorização aos Encarregados de Educação: Registos das Aulas em Suporte Áudio e Vídeo

167



AUTORIZAÇÃO Exmo.(a) Senhor(a) Encarregado(a) de Educação:

Nos dias de hoje, numa sociedade onde a informação é cada vez mais abundante, torna-se de maior importância que a Matemática acompanhe a evolução desta, indo ao encontro das suas necessidades e exigências, de forma a proporcionar aos nossos jovens a oportunidade de se tornarem cidadãos mais críticos, reflexivos e participativos. Neste sentido, importa criar modos de actuação na sala de aula de Matemática, que proporcione aos alunos um clima de trabalho, que lhes permita desenvolver capacidades e competências, onde as interacções sociais existentes, em particular em trabalho de grupo, assumem um papel fulcral na promoção destas, bem como na obtenção de melhores desempenhos escolares e, consequentemente, na melhoria da auto-estima. Para tal, como professora de Matemática, surgiu um interesse em aprofundar o meu conhecimento de como um professor pode dinamizar actividades e as interacções na comunidade da sala de aula, através do trabalho de grupo, por forma a criar um ambiente de interajuda, proporcionando uma maior responsabilização e envolvimento dos alunos na sua aprendizagem. Assim, encontro-me a realizar uma investigação sobre o trabalho colaborativo no âmbito da minha tese de mestrado. Nesta investigação pretendo realizar um estudo empírico envolvendo alunos do sétimo ano de escolaridade com quem trabalho desde o início do presente ano lectivo, pelo que se irão fazer algumas observações da actividade dos mesmos em sala de aula, onde se privilegia o trabalho colaborativo. Dada a necessidade de registar, o mais detalhadamente possível, todo o trabalho e discussão que surjam ao longo das diferentes sessões de trabalho, gostaria de pedir autorização para as documentar em vídeo e áudio. Estes não serão divulgados sob qualquer forma, podendo ser utilizados apenas para possíveis análises deste tipo de trabalho na comunidade docente. Amadora, 14 de Janeiro de 2008 Atenciosamente _____________________ (Patrícia Susana Pereira Isidoro)

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Não autorizo o meu educando a participar na investigação.  Autorizo a participação na investigação, mas não autorizo a filmagem do meu educando.  Autorizo a participação na investigação e a filmagem do meu educando, ______________________________________________, n.º ___, da turma F do 7º ano, cujo registo será utilizado apenas para o fim acima referido. Amadora, _____/_____/2008 _________________________________ (Assinatura do Encarregado de Educação)

169



ANEXO 3

Ficha Diagnóstica de Matemática – 7º Ano

171



FICHA DIAGNÓSTICA Matemática – 7º Ano Nome: _________________________________________ N.º: ___ Turma: ___ Professora: Patrícia Isidoro

1)

____ de Setembro 2007

O Luís e o João usam camisa aos quadrados. O António e o João têm um balão. O Rui e o António têm cabelo negro. Como se chama cada um destes meninos?

2)

Qual o(a) menino(a) que mente?

3)

O Nuno leu a história do professor Matema, que construiu uma máquina dos números. Quando o professor Matema colocou na abertura da máquina o número 4, saiu o 14. a)

Se o professor colocar na máquina o 12, que número sairá?

b)

Que número teria de colocar na máquina o professor Matema, para que lhe saísse o 46? (in Prova de Aferição 2007 – 1º Ciclo do Ensino Básico)

4)

O Luís pensou num número, multiplicou-o por cinco. Depois adicionou-lhe 15 e obteve como resultado 50. Em que número pensou?

173


5)

Para fazer uma viagem de comboio, com destino a Espinho, a Susana consultou o horário dos Alfa Pendular/Intercidades da linha Lisboa-Porto. Apresenta-se a seguir parte desse horário referente aos comboios que saem de Lisboa até às 11 horas e 55 minutos.

A Susana apanhou o comboio às 8 horas e 38 minutos. Este comboio cumpriu o horário estabelecido. a)

Em que cidade terá a Susana apanhado o comboio? __________________________

b)

Quanto tempo demorou a viagem da Susana, no mesmo comboio, até chegar a Espinho? Apresenta todos os cálculos que efectuares.

c)

A Susana viajou num sábado do mês de Janeiro de 2006. Pretendia chegar a Espinho antes das 13 horas. Indica o número de outro comboio Alfa Pendular/Intercidades que ela poderia ter escolhido, Justifica a tua resposta.

6)

O Gil comprou amêndoas da Páscoa, umas eram azuis e outras vermelhas. As amêndoas compradas pelo Gil estão representadas na figura. Dois terços das amêndoas que comprou eram azuis. Quantas amêndoas azuis comprou o Gil? Pinta na figura as amêndoas correspondentes a cada cor. (in Prova de Aferição 2007 – 2º Ciclo do Ensino Básico)

7)

Este ano o pai da Helena teve direito a 27 dias de férias, mas ainda só gozou

1 . Quantos dias 3

lhe faltam gozar?

□ 9 dias

□ 18 dias

□ 24 dias

□ Nenhuma das anteriores

174


8)

Na escola do Nuno, depois das aulas, os alunos frequentam uma das actividades: Música, Inglês, Informática e Ginástica. A figura mostra como todos os alunos são distribuídos pelas quatro actividades, à 4ª feira: a)

Quantos alunos têm Informática à 4a feira?

______________________________ b)

O gráfico seguinte mostra como os mesmos alunos

são distribuídos por três actividades à 5a feira.

Calcula o número de alunos que têm Inglês à 5a feira e desenha, no gráfico, a barra correspondente a esse número: ____________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ (in Prova de Aferição 2007 – 1º Ciclo do Ensino Básico)

9)

A professora da turma da Clara disse aos alunos que dobrassem uma folha de papel duas vezes, de modo a fazerem dois vincos na folha. A Clara disse aos seus colegas de grupo: — Olhem, os vincos da minha folha são paralelos. Assinala com X a figura que representa a folha da Clara.

(in Prova de Aferição 2007 – 1º Ciclo do Ensino Básico)

10) A planta ao lado é a do quarto da Clara. a)

Qual é a área do quarto da Clara, em metros quadrados?

b)

A cama da Clara tem 1 metro de largura. Assinala com X o comprimento, aproximado, da cama da Clara.

□ 0,75 metros □ 1,75 metros

□ 1,05 metros □ 3,05 metros (in Prova de Aferição 2007 – 1º Ciclo do Ensino Básico)

175


11) Desenha a figura simétrica da figura representada no quadriculado, relativamente ao eixo de simetria, indicado a tracejado.

(in Prova de Aferição 2007 – 1º Ciclo do Ensino Básico)

12) Uma das empregadas da loja de doces colocou várias caixas iguais umas sobre as outras, formando um monte como o que vês na figura. O preço de uma caixa é de 1,78 euros. Quanto paga um cliente por todas as caixas o monte? Explica como chegaste à tua resposta. Podes fazê-lo utilizando palavras, esquemas ou cálculos.

(in Prova de Aferição 2007 – 2º Ciclo do Ensino Básico)

Bom Trabalho!

Apreciação Global: _________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Data: ______________

Ass. Professora:________________

176


ANEXO 4

Ficha de Trabalho sobre Proporcionalidade Directa intitulada: “Resolução de Problemas usando Proporções”

177



Euclides (século II a.C.) era um dos sábios da Escola de Alexandria. Na obra escrita de Euclides encontram-se as primeiras definições de razão e de proporção. Proclus atribui a Pitágoras a descoberta da teoria das proporções. Esta teoria adapta-se claramente à forma dos interesses matemáticos gregos.

7º Ano

Ficha

2

Matemática

RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS USANDO PROPORÇÕES

Nome: ____________________________________________________ N.º: ___ Turma: ____ Professora: Patrícia Isidoro ____ /___/ 2007

“LE PETIT GATEAU” O João convidou a Joana para ir a sua casa, prometendo-lhe que faria para o lanche um bolinho de chocolate, chamado “Le Petit Gateau”, sendo a sua receita a seguinte:

Le Petit Gateau

Ingredientes: (para 4 pessoas) 4 ovos 2 gemas 100 g de açúcar 200 g de chocolate meio amargo 100 g de manteiga 70 g de farinha de trigo peneirada Manteiga para untar e farinha de trigo para polvilhar as forminhas (usamos forminhas para empadas grandes).

Preparação: Bata os ovos na batedeira com as gemas e o açúcar, até obter uma massa firme e clara. Reserve. Derreta o chocolate com a manteiga em banho-maria ou no microondas. Incorpore a farinha de trigo (ao chocolate derretido) e adicione os ovos batidos e mexa bem com uma espátula até obter uma massa homogênea. Coloque em forminhas individuais (bem untadas e levemente polvilhadas com farinha de trigo) e deixe descansar na geladeira por uma hora. Pré-aqueça o forno a 200 graus e asse por cerca de 6 minutos. Tire da fôrma e sirva quente, acompanhado de sorvete. O bolinho fica com a borda firme e guarda um delicioso recheio de chocolate cremoso Acompanhar com sorvete de creme..

a) Quais as quantidades de ingredientes necessárias para confeccionar a receita para 8 pessoas? E para 2 pessoas? Completa os quadros: 

Se o número de pessoas aumenta para o dobro: N.º de Pessoas

4

N.º de pessoas

Ovos

4

Ovos

____

Gemas

2

Gemas

____

Açúcar

100 g

Açúcar

____

Chocolate

meio

amargo

200 g

Chocolate

Manteiga

100 g

Manteiga

Farinha de trigo peneirada

70 g

Farinha

8

meio amargo

____ ____

de

trigo

____

peneirada

179


Se o número de pessoas diminui para metade: N.º de Pessoas

4

N.º de pessoas

Ovos

4

Ovos

____

Gemas

2

Gemas

____

Açúcar

100 g

Açúcar

____

Chocolate

meio

amargo

meio

2

200 g

Chocolate

amargo

Manteiga

100 g

Manteiga

____

Farinha de trigo peneirada

70 g

Farinha de trigo peneirada

____

____

b) Determina a quantidade de açucar e chocolate necessária para confeccionar a mesma receita para 10 pessoas. 1º Método – Redução à unidade

2º Método - Proporção

3º Método – Regra de Três Simples

180


ANEXO 5

Actividade de Investigação: “Potências e Regularidades”

181



MATEMÁTICA – 7º ANO ACTIVIDADE DE INVESTIGAÇÃO Nome: _____________________________________________________________ N.º: ___ Turma: _________ Professora: Patrícia Isidoro ____ /___/ 20__

POTÊNCIAS

E

REGULARIDADES

1. O número 729 poderá ser escrito como uma potência de base 3? Para o verificar basta escrever as sucessivas potências de 3: 32 = 9 33 = 27 34 = 81 35 = 243 36 = 729 Procura escrever os números que se seguem como potência de base 2: 64 = 128 = 200 = 256 = 1000 =

Que conjecturas podes fazer acerca dos números que podem ser escritos como potências de base 2? E como potências de base 3?

183


Conclusões:

2. Observa as seguintes potências de base 5: 51 = 5 52 = 25 53 = 125 54 = 625 

O último algarismo de cada uma destas potências é sempre 5. Será que isso também se verifica para as potências de 5 seguintes?

Conclusões:

184


Conclusões:

Investiga o que se passa com as potências de 4, 6 e 8.

Investiga também as potências de base 9 e as de 7.

185


3. Repara que os cubos dos primeiros naturais obedecem às seguintes relações: 13 = 1 3

(soma de um único número ímpar)

2 =3+5

(soma de dois números ímpares)

33 = 7 + 9 + 11

(soma de três números ímpares)

Será que o cubo de qualquer número pode ser escrito como a soma de números ímpares?

Conclusões:

(adaptado das Investigações Matemáticas na Sala de Aula: Propostas de trabalho)

186


ANEXO 6

Ficha de Trabalho sobre Potenciação. Regras de Potenciação

187



Ficha

11

7º Ano

No fim da Pré-História verificaram-se grandes progressos Para fazer projectos de construção como o das pirâmides e dos templos, o número concreto não era prático e também não ajudava muito na resolução dos problemas criados pelo desenvolvimento da indústria e do comércio. Assim, foi partindo da necessidade imediata que estudiosos do Antigo Egito passaram a representar a quantidade de objetos de uma coleção através de desenhos – os símbolos.

Matemática

Potenciação. Regras de potenciação

Nome: _______________________________________________________________________ N.º: ___ Turma: ____ Professora: Patrícia Isidoro ____ /___/ 20___

1. Vamos estudar potências de expoente natural e base racional positiva ou zero a) Completa a seguinte tabela:

b) Será que

? Porquê? Que concluis?

2. E se a base for um número racional negativo? a) Para te ajudar a tirar conclusões, completa a seguinte tabela:

b) Será que (-4)2 = -42? Que concluis? c) Observando a tabela, diz qual é o sinal da potência se a base é negativa e o expoente é par. E no caso de o

expoente ser ímpar? 3. Preenche o esquema, indicando o sinal do resultado de uma potência de base racional.

189


4. Observa com atenção, completa todos os espaços em branco para aprenderes as regras operatórias das potências.

190


(retirado do manual Matematicamente Falando, Areal Editores)

191



ANEXO 7

Ficha de Trabalho sobre Soma de Ângulos Internos de um Triângulo (com material manipulável)

193



Actividade

16

7º Ano

A geometria é um ramo da matemática que estuda as formas, planas e espaciais, com as suas propriedades. A geometria está apoiada sobre alguns axiomas, postulados, definições, teorema e corolários. Sendo que essas afirmações e definições são usados para demonstrar a validade de cada teorema. A geometria permite-nos o uso dos conceitos elementares para construir outros objectos

Matemática

Soma dos Ângulos Internos de um Triângulo.

Nome: _____________________________________________ N.º: ___ Turma: ____ Professora: Patrícia Isidoro

____ /___/ 20____

Objectivo: Construir modelos de triângulos

Materiais: Tesoura e Régua Palhinhas de plástico e Clips pequenos. Corta as palhinhas em bocados: um com 3cm, um com 4cm, dois com 5cm e cinco com 10cm. De seguida abre os clips da forma que se mostra no diagrama:

Para fazer um triângulo, coloca uma das partes dobradas de cada clip num extremo de cada bocado de palhinha. Se necessário, ajusta o ângulo do clip. Faz três triângulos utilizando as seguintes combinações de comprimentos de palhinha: Três vezes 10cm:

Duas vezes 10cm e uma vez 5cm:

Um com 3cm, 4cm e 5cm:

Corta o triângulo em três pedaços, junto a cada um dos vértices, de forma semelhante à apresentada na figura ao lado. Utilizando os três pedaços, tenta fazer um ângulo constituído por 1,2 e 3. É possível? Se sim, que ângulo obténs? 1

2

3

Actividade realizada na Acção de Formação “Novos Programas de Matemática para o 3º ciclo – Geometria

195



ANEXO 8

Actividade com o Geometer’s Sketchpad Soma dos Ângulos Internos de um Triângulo

197



Actividade Geometer’s Sketchpad

7º Ano

A geometria é um ramo da matemática que estuda as formas, planas e espaciais, com as suas propriedades. A geometria está apoiada sobre alguns axiomas, postulados, definições, teorema e corolários. Sendo que essas afirmações e definições são usados para demonstrar a validade de cada teorema. A geometria permite-nos o uso dos conceitos elementares para construir outros objectos

Matemática

Soma dos Ângulos Internos de um Triângulo. Ângulos Externos de um Triângulo

Nome: _____________________________________________ N.º: ___ Turma: ____ Professora: Patrícia Isidoro

____ /___/ 20____

Para iniciar a exploração desta actividade deverás começar por abrir um Sketch clicando no ícone

.

De seguida, segue os seguintes passos: 1. Construção do triângulo [ABC] 1.1. Cria três pontos • Selecciona a opção Ponto

da caixa de ferramentas

• Clica no sítio do écran onde queres colocar os pontos. 1.2. Constrói um segmento, dados dois pontos • Activa a opção Selecção

e clica em dois dos pontos

• Selecciona a opção Segment da caixa de Construct. 1.3. Constrói, de igual modo, os outros dois lados do triângulo. 1.4. Identifica os vértices do triângulo com as letras A, B e C. • Selecciona a opção Texto

da caixa de ferramentas

• Clica no ponto que queres identificar.

Nota: Para alterar identificações • Selecciona a opção Texto • Faz duplo clique na identificação (“mãozinha preta”) • Escreve nova identificação • Arrasta ligeiramente uma das letras (“mãozinha branca”)

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2. Medição da amplitude dos ângulos internos do triângulo [ABC] 2.1. Mede a amplitude do ângulo ABC • Selecciona os pontos A, B e C, por esta ordem (o ponto B, vértice do ângulo, tem que ser o ponto do meio). • Measure, Angle • Faz um clique na parte branca do écran, para os pontos não ficarem seleccionados. 2.2. Procede, analogamente, com os outros ângulos.

3. Cálculo da soma da amplitude dos ângulos internos do triângulo [ABC] • Activa a opção Selecção • Measure, Calculate • Selecciona a amplitude do ângulo ABC, o sinal +, a amplitude do ângulo BCA, o sinal + e a amplitude do ângulo BAC. • OK

4. Investigação 4.1. Arrasta um dos vértices do triângulo • Activa a opção Selecção • “Agarra” um dos vértices do triângulo e arrasta-o, carregando, ao mesmo tempo, no botão esquerdo.

O que acontece à amplitude dos ângulos internos? E o que sucede com a soma dessas amplitudes? Que concluis? 4.2. Escreve a tua conclusão ao lado da figura. • Selecciona a opção Texto • Faz duplo clique na parte em branco do écran • Escreve a tua conclusão no interior da caixa de texto • Para o contorno da caixa de texto desaparecer faz um clique na parte branca do écran.

Actividade realizada na Acção de Formação “Novos Programas de Matemática para o 3º ciclo – Geometria”

200


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