A experiência do cinema - Ismael Xavier

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_ dados muito específicos, pois do contrário não se vai além de generalidades. O cinema é uma indústria financeira, mas não há por quê insistir demais nisso. É preciso, sim, ser um verdadeiro economista, alguém como Mercillon, por exemplo, na França.

Sim, claro. Certos aspectos, como a circulação do dinheiro pela indústria do cinema ou o problema da motivação do espectador - motivação de se dispor a pagar para entrar no cinema ...

R -

Isso introduz a metapsicologia do espectador, no que ela se refere a um ponto em que já tocamos antes - a questão das relações entre diferença sexual e assistência. Se as teorias freudianas e psicanalíticas descrevem a trajetória do sujeito· pela linguagem e pela cultura e se este sujeito é masculino, que formas de assistência caberiam às mulheres? Mais uma pergunta, como a noção de diferença sexual se inscreve nas teorias correntes do espectador cinematográfico como sujeito assistente? O ascenso à ordem Simbólica baseia-se no reconhecimento de uma posição em relação à castração? 4 P -

P _ No entanto, Comolli tenta trabalhar com dados desse tipo em seu estudo sobre a história da perspectiva monocular 2. R -

Partindo mais da tecnologia do que da economia.

P _ Você acha possível relacionar o tipo de estudo que pessoas como Douglas Gomery e Russell MeriU empreendem sobre a história econâmica do desenvolvimento da indústria com a metapsicologia do espectador? 3 R _ Possível eu acho. Agora, é muito difícil! A existência da relação entre a base e a superestrutura é inegável, mas muito difícil de ser corretamente estudada. Se se parte de uma instância específica, como se poderá demonstrar com precisão que certas relações entre as forças de produção, de investimento, ou que o desenvolvimento econâmico de um país qualquer influi deste ou daquele modo sobre esta ou aquela convenção de montagem, ou então sobre o flashback? É assim que seria um estudo sobre a relação de tais elementos. E por aí se vê a dificuldade.

p _ Um modo de relacioná-los seria em termos de estruturas sociais, como a família, e não em termos de economia. 2 Jean-Louis Comolli, "Technique et Idéologie", Cahiers du Cinéma, n.o 229 (maio-junho de 1971), 230 (julho de 71),231 (agosto-setembro de 1971), 233 (novembro de 71), 234-235 (dezembro de 71-janeiro de 72), 241 (setem· bro-outubro de 72). 3 Incluído na antologia The American Film lndustry, editada por Tino Batio, Madison, University of Wisconsin Press, 1976. Cf. também Quarterly Review of Film Studies, voI. 3, n.o 1, inverno de 1978.

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R - Diria que sim. Sim, na medida em que a diferença sexual é, até certo ponto, um problema fisiológico - apenas até certo ponto.

Mas diferença sexual não significa desigualdade sexual, nem ela se reduz necessariamente à forma de diferença sexual que vivenciamos na sociedade. Acho que esta forma, porém, remeteria necessariamente a uma certa diferença sexual - difference - , essa seria a idéia geral da minha resposta. Não vejo como escapar ao fato em si da diferença sexual. Vejo, sim, meios de se escapar à forma de diferença sexual - e não apenas à diferença, mas também à desigualdáde - característica da nossa sociedade, e aí já não se trata de um problema fisiológico, mas de um problema estritamente sociológico. Acho que o sujeito, em Freud bem como na psicanálise em geral, é uma mistura bastante estranha de características efetivamente humanas e de características masculinas. Esse é um ponto controvertido. De acordo com o contexto histórico e social em que se deu a descoberta de Freud, ele não teria sido capaz de distinguir entre certas características comuns aos seres humanos em geral e outras propriamente masculinas. Assim, eu sinto que uma das questões mais difíceis com que nos deparamos, especialmente o movimento feminista, é justamente a de fazer essa distinção, que 4 J. Laplanche e J. B. Pontalis, Vocabulário da Psicanálise, pág. 304 e 624, Lisboa, Moraes Editores, 1970.

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