A experiência do cinema - Ismael Xavier

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terior mais uma vez toma conta da nossa mente e abala o equilíbrio mental. Coloca-se a questão: de que forma o cinema garante '0 deslocamente necessário da atenção? Mais uma vez, só se pode esperar atenção involuntária. Se, nas suas explorações, a atenção se guiasse por idéias preconcebidas em vez de curvar-se às exigências do filme, estaria em desacordo com sua tarefa. Poderíamos assistir ao filme inteiro com a intenção voluntária de olhar as imagens com interesse científico, buscando detectar características mecânicas da câmera, ou com interesse prático, procurando novidades da moda, ou com interesse profissional, tentando descobrir em que recanto da Nova Inglaterra poderiam ter sido fotografadas essas paisagens da Palestina. Mas tudo isto nada tem a ver com o filme. Se acompanhamos a peça dentro de uma postura genuína de interesse pelo teatro, deixamos a atenção seguir as deixas preparadas pelo dramaturgo e pelos produtores. Na rápida sucessão das imagens na tela, certamente não faltarão meios de influenciar e dirigir a nossa mente. Falta, é claro, a palavra falada. FreqUentemente, como sabemos, as palavras que aparecem na tela servem de substituto para a fala dos atores. Elas podem vir ou entre os quadros, como letreiros, ou no interior de um quadro ou compondo o próprio quadro, no caso da ampliação de uma carta, telegrama ou recorte de jornal que ocupa toda a tela. Mas, em última instância, o recurso de "escrever na parede" é estranho ao princípio original do cinema. A análise do efeito psicológico do cinema deve ater-se à investigação do próprio cinema e não dos recursos empregados pelo roteirista ~m função da interpretação das imagens. É certo que o terceiro caso - das cartas e artigos de jornal - < ocupa uma posição intermediária, uma vez que as palavras fazem parte da imagem, mas sua influência no espectador é muito semelhante à dos letreiros. Nosso interesse se prende exclusivamente ao que nos é oferecido em termos de conteúdo pictórico. A música de acompanhamento e a sonoplastia que integram a moderna técnica cinematográfica também serão descartadas; apesar de contribuírem muito para direcionar a atenção, são acessórias, pois, a força primordial reside no conteúdo das próprias imagens. Mas é evidente que, à exceção das palavras, nenhum meio de atrair a atenção válido para o palco se perde no cinema. A influência exercida pelos movimentos dos atores torna-se ainda mais rele-

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vante na tela, uma vez que, na falta da palavra, toda a atenção passa a convergir para a expressão do rosto e das mãos. Cada gesto e cada estímulo mímico adquirem muito mais impacto do que se fossem meros acompanhamentos da fala. Além disso, as próprias condições técnicas do cinema também contribuem para a importância do movimento. Em primeiro lugar, o ritmo da ação é mais.acelerado no cinema do que no teatro. Na ausência da fala, tudo se condensa, o ritmo se acelera, o tempo se torna mais premente _ os relevos se acentuam e há maior ênfase em benefício da atenção. Em segundo lugar, a própria forma do palco realça a impressão causada por quem quer que se aproxime do proscênio. Enquanto o palco dramático é mais largo perto da ribalta estreitando-se para o fundo, o palco cinematográfico é mais estreito na frente e se alarga em direção ao fundo. Isto decorre do fato de sua largura ser controlada pelo ângulo de tomada de cena da câmera: a câmera é o vértice de um ângulo cuja amplitude na distância fotográfica mais próxima é de apenas alguns pés, mas que pode chegar a milhas de extensão na paisagem distante. Assim, se o aproximar-se da câmera implica destacar-se substancialmente em relação ao resto, o afastar-se dela significa umá redução muito maior do que um mero recuo num palco dramático. Ademais, o cinema dá aos objetos inanimados possibilidades de movimentação inconcebíveis num palco, e esses movimentos também podem favorecer a colocação correta da atenção. Todavia, o teatro já ensinou que o movimento não é o único fator que leva o interesse a se concentrar num determinado elemento. Um rosto invulgar, uma roupa esquisita, um traje deslumbrante ou uma surpreendente falta de traje, uma curiosa peça de decoração podem chamar a atenção e até mesmo exercer um certo fascínio durante algum tempo. No cinema, existem recursos ilimitados que permitem utilizar esses meios com eficiência redobrada, particularmente em se tratando do cenário ou fundo. A paisagem pintada no palco dificilmente poderia rivalizar com as maravilhas da natureza e da cultura em cenas filmadas nos recantos mais sublimes do mundo. São amplas vistas, de florestas, rios, vales e oceano, que se abrem diante de nós com todo o impacto da realidade; além disso, a sua rápida passagem não dá margem ao desgaste da atenção. Finalmente, a disposição formal das imagens sucessivas pode controlar a atenção; mais uma vez, as possibilidades são superiores

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