A Medicina na Voz do Povo

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A MEDICINA NA VOZ DO POVO

EDIÇÃO

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Carlos Barreira da Costa, licenciado pela Faculdade de Medicina do Porto em 1970. Após Internato Geral e Complementar no Hospital de S. João, exerce a especialidade de Otorrinolaringologia. Desde 1983 divide o seu tempo entre o IPO do Porto e um consultório onde recebe os amigos.

30 ANOS A OUVIR

A MEDICINA

NA VOZ DO POVO Histórias, crenças e dizeres contadas a um Otorrino

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Carlos Barreira da Costa

Carlos Barreira da Costa Prefácio pelo Dr. Júlio Machado Vaz

Ilustrações: Fernando Vilhena de Mendonça

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Ficha Técnica Título: A Medicina na Voz do Povo Autor: Carlos Barreira da Costa Prefácio: Dr. Júlio Machado Vaz Edição: Edições Ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro) Depósito Legal: 392238/15 ISBN: 978-989-8714-48-0

Direção Editorial: Maria Teresa Egídio Vilhena de Mendonça Capa e Ilustrações: Fernando Vilhena de Mendonça Design e Paginação: Círculo Médico, Lda. atelier@circulomedico.pt Revisão de Texto: Maria do Céu Lopes 1ª edição, maio de 2007 2ª edição, dezembro de 2007 3ª edição, maio de 2015

Publicado e Comercializado por:

Rua da Assunção nº 42, 5º Piso, Sala 35 1100-044 Lisboa www.sitiodolivro.pt

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30 ANOS A OUVIR

A MEDICINA

NA VOZ DO POVO Hist贸rias, cren莽as e dizeres contadas a um Otorrino

Carlos Barreira da Costa

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A Medicina na Voz do Povo

Prefácio

A Arte da Medicina O Carlos é um bom amigo. E não o digo para acrescentar um politicamente correto “e eu suspeito de falta de isenção”, mas porque me apetece. Recordo uma tarde num health-club por onde, fugaz, passei (a minha lendária preguiça em breve o substituiu pelo Eurosport...). Sem o álibi de camisas largueironas ou cintos cruéis, dei comigo a confirmar a evidência em voz alta: “estou tão gordo!”. O Carlos, já a postos para as suas “n” piscinas, compadeceu-se e veio em meu socorro. Não negando os factos, mas introduzindo uma pitada de relativismo cultural na sua análise, embrulhado na dose necessária de humor solene: “Sabes tu, acho suspeito um cinquentão sem sombra de pneu!”. Perdido de riso, prisioneiro da deformação profissional, pensei que se tratara de magnífica intervenção para desencadear um diálogo terapêutico. Na sua vertigem de super-especialização, a Medicina atual esquece demasiadas vezes que os preciosos avanços tecnológicos não substituem esse encontro entre dois Sujeitos, mas o complementam. Para que seja frutuoso e se crie uma verdadeira aliança terapêutica é indispensável que a comunicação flua entre os participantes, que ambos escutem e sejam escutados. Entender e ser entendido é uma arte que os jovens médicos devem praticar até à exaustão, sob pena de se refugiarem numa atitude paternalista que reduz, em muito, a eficácia das suas intervenções. E se, para quem ensina, rapidamente se torna óbvio que alguns nasceram para o que fazem, outros necessitarão de uma longa e humilde aprendizagem. (Acontece que humildade e Medicina são raras companheiras de viagem...). 5

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Prefácio

O livro do Carlos é, assim, muito mais do que um delicioso registo de expressões populares e leigas sobre o que acontece aos doentes (e não sobre “a” Doença, vista como entidade autónoma que os habitaria). Trata-se de um auxiliar inestimável para o diagnóstico e, sobretudo, para a comunicação que desaguará num projeto terapêutico assumido pelas duas partes. Nada na manga, cartas postas na mesa pelo regente de uma disciplina de Antropologia Médica, resta o fascínio por uma linguagem que desconhece – e recusaria! – a assepsia da nossa. Das dúvidas sobre os efeitos do envelhecimento (“Não sei se será cera ou caruncho”), à influência da modernidade (“Aqui lavam os ouvidos a seco?”… “Tenho sempre uma cabine de eletricidade no ouvido”), passando pelas misérias da natureza humana (“Credo! Somos todos feitos de esterco!”) e pelas agruras do ambiente (“Devo ter os ouvidos poluídos”), é um ecrã cultural que se desenrola perante o nosso olhar incrédulo. Nele se projetam a coprolalia mais ingénua (“Quando me assoo dou um traque pelo ouvido”… “Enquanto não puxar pelo corpo, suar, ou o caralho, o nariz não se destapa”) e a poesia mais indiscutível (“Se carrego nos dentes ouço o vento ao longe”… “Ouvi tudo, mas com ouvido muito triste”… “Fiz aquele exame onde se ouve chuva”). Não vos estragarei o prazer da leitura com a enumeração de todos os meus sublinhados, mas imaginem como o sexólogo dentro de mim se maravilha ao ler: “Tenho esta comichão na perseguida porque o meu marido tem uma infeção na ponta da natureza”… “A pardalona está a mudar de cor”… “Fiz laqueação das trombas”… “Deve ser dessa menopausa que anda por aí”. E range os dentes de frustração perante o seguinte diálogo: “Quantos filhos teve? - Para a sentina foram quatro, à pia batismal levei três”. De regresso à qualidade do diálogo, porque dele falam! Para apontar a falta de respeito (“Também desculpe, aquela médica não tinha modinhos nenhuns”) ou pressentir a insegurança (“O médico estava à minha frente e esfolhava, esfolhava, esfolhava o livro! Até lhe disse: - Ó Sr. Dr., se não sabe o que me há de receitar, mande-me a outra parte”). Mas também para expressar a gratidão por terem sido bem cuidados, mesmo antes do eventual desaparecimento dos sintomas

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(“Sr. Dr., quando passar na minha terra há de ir beber um copo comigo! Que eu sare ou que eu não sare, ao menos ficamos amigos!”). Perante o confronto aliviado e entusiástico que exala uma tal frase, as palavras de Balint assumem todo o seu significado: o médico prescreve-se a si próprio. Por isso, o livro do Carlos, sendo um auxiliar precioso para a arte da Medicina é, também, clandestino por trás da modéstia e discrição do autor, um testemunho inatacável da excelência com que este a pratica.

Júlio Machado Vaz

P.S. Devo confessar que vejo uma segunda edição deste livro com uma satisfação aliviada. Passo a explicar porquê: nos últimos anos, extratos da prosa do Carlos e dos seus doentes tem chegado com regularidade à minha caixa de correio eletrónico e ao meu facebook. E se tal facto me enternece, também preocupa, por se tratarem de frases descontextualizadas, que se limitam – com enorme e benfazeja eficácia! – a libertar-nos o sorriso. Não basta, em época de viver tão cinzento? Eu acho que não. Reduzir o livro a um conjunto de frases sem a moldura cultural que as viu nascer tem um efeito perverso – as afirmações dos doentes aproximam-se perigosamente do registo de boas anedotas, sinais de ignorância pura e dura; sound bites efémeros, se me perdoam a redundância. É pouco. Como já escrevi, a prosa do Carlos, ao inserir os discursos na relação médico-doente, cultiva um absoluto respeito pelo Outro e fornece-nos material inestimável de estudo e formação. No jargão da Antropologia Médica, as frases anónimas que me caem no computador são meros sinais, nas páginas do livro assumem o significado que não é legítimo retirar-lhes. Tenho escrito! (Mas dito não – preciso de telefonar ao Carlos e marcar revisão anual, antes de gentil puxão de orelhas da sua parte...).

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Índice

INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 O OUVIDO .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 O NARIZ .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 A BOCA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 A FARINGE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 A LARINGE - O PESCOÇO .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 O APARELHO RESPIRATÓRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 A CABEÇA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 O APARELHO CIRCULATÓRIO .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 O APARELHO DIGESTIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 O APARELHO GENITOURINÁRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 SISTEMA MUSCULOESQUELÉTICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 TUMORES, INFEÇÕES E HÁBITOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 OS MEDICAMENTOS E ANÁLISES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 O QUE ELES PENSAM DO MÉDICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 9

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INTRODUÇÃO

Quando, muito jovens, iniciámos a vida clínica e fomos confrontados com a realidade do “doente”, impressionou-nos a descoberta de uma linguagem extremamente rica na sua expressividade. Implicados no ensino, verificámos como as expressões populares podiam tornar claros, mecanismos fisiopatológicos que nos descreviam de forma tão enfadonha. Sendo o ato médico um ponto de encontro entre um tecnocrata, tantas vezes de pose magestática e linguagem hermética, e um ser atormentado pela doença, inquieto pelo ambiente hospitalar, desconfiado das virtudes da tecnologia, teremos de aceitar o choque nos conceitos, o antagonismo nas expressões. Enganos e lapsus linguae são correntes, e por vezes bem engraçados, mas são as descrições que o olhar atento sobre as alterações de um corpo doente suscitam, que mais nos fascinaram. Nelas descobrimos o peso da experiência vivida, de crenças e tradições, ou de uma informação mais ou menos bem digerida. Do que ouvimos fomos tomando nota. Pouco a pouco, nos demos conta de que cada situação clínica podia ser relatada de forma original, colorida, bem-humorada, tão diferente do falar sisudo dos médicos.

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Introdução

Assunto de conversa entre colegas, a nossa colheita foi-se enriquecendo com relatos de outras experiências, e assim se foi construindo um trabalho a que demos a sequência de um pequeno compêndio de Otorrinolaringologia, em que em cada capítulo as expressões populares ganharam papel fundamental, limitando-nos nós a explicar a sua razão de ser e o seu significado clínico. Considerámos que a sua divulgação poderia contribuir para a necessária, e muitas vezes esquecida, cumplicidade médico/doente, tão indispensável ao êxito de uma relação clínica. Pensado para uma distribuição exclusiva a médicos, o livro “A Medicina na Voz do Povo” foi publicado em 2006. Acreditávamos que interessaria fundamentalmente a pessoas familiarizadas com as situações sobre as quais colhêramos expressões populares. Mas vivemos num mundo da comunicação: rapidamente surgiram na Internet excertos contendo frases do livro, escolhidas pela sua comicidade mas inteiramente isoladas do contexto em que foram ditas, ou da situação que relatavam. Anedotas, algumas de mau gosto, foram acrescentadas, criando a ideia de que se trataria de um livro de piadas tendo como tema “o doente”.

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Pretendemos com esta edição, agora de distribuição livre, dar uma ideia de como pode ser fascinante o entendimento entre pessoas em situação diferente, com cultura e formação científica diferentes, com o objetivo de minorar o sofrimento “deste maldito corpo que não segue as ideias da alma”. Dedicamos aos nossos doentes este trabalho, deles colhemos todos os estímulos necessários a uma prática profissional que quisemos honesta e bem disposta, agradecemos a todos os que nos ajudaram com sugestões, críticas e a sua experiência. Pretender citá-los obrigaria à injustiça de esquecer tantos. Uma palavra para o notável trabalho do colega e Amigo Fernando Vilhena de Mendonça: tomou a sua colaboração como missão sua, as suas ilustrações são, sem dúvida, a parte mais interessante deste livro.

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O OUVIDO

“Isto deu-me de ter metido a cabeça no frigorífico. Um mês depois fui ao Hospital e disseram-me que tinha bolhas de ar no ouvido.”

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“Isto deu-me de ter metido a cabeça no frigorífico. Um mês depois fui ao Hospital e disseram-me que tinha bolhas de ar no ouvido.”

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O OUVIDO

Inesteticamente colocadas de um lado e de outro da cabeça, as orelhas são a face visível de um processo complicado e de patologias bastante mal compreendidas. O diálogo com um doente com patologia do ouvido é sempre um desafio para um clínico.

O Ouvido Externo Cerúmen O cerúmen é dos motivos de consulta mais frequentes num consultório de Otorrino. Considerado por muitos como um problema de higiene, é sempre com a esperança de que “seja só cera” que somos procurados. É com embaraço que nos dizem: - Eu, lembra-me que seja a modos que cera. - Não sei se será cera ou caruncho. - Tenho o ouvido tamponado. - Deito muitas carpas pelo ouvido. - Aquilo que não me deixava ouvir era um tubarão de cera. - Às vezes a cera auditiva torna-se líquida em vez de ser conteúdo. - A médica disse-me que resina não tinha, era micório (micose). - Viu-me os ouvidos e disse que tinha um batulho de cera muito seco. - O Sr. Dr. disse-me que tinha o ouvido impregnado de cera. - Tenho os ouvidos completamente colmatados.

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O Ouvido

Fiz uma labaige aos ouvidos, na previdência, à mangueira.

Mas a presença de cerúmen no canal provoca uma hipostesia da região que os doentes referem curiosamente como: - Tenho o ouvido muito mal, quando toco nele parece um calhau. - Parece que tenho entre o couro cabeludo e o crânio um colchão de água. - Quando embarro na orelha sinto-a meio trópida. - Este ouvido cola-se muito, e lá ando eu a aparafusar com o dedo. Atos terapêuticos simples podem proporcionar grande alívio. São citados de forma diversa, por vezes exprimindo grande insatisfação quanto aos resultados: - Fui fazer uma lavação. - Fizeram-me uma limpagem. - Fiz uma labaige aos ouvidos, na previdência, à mangueira. - Aqui lavam os ouvidos a seco? - Fui dar uma lavadelinha aos ouvidos e foi a minha desgraça! Lavaram-mos com água fria, constipei os ouvidos, fiquei desesperada. - Arrombaram-me o ouvido a dar uma labaige! - O médico disse-me que só podia lavar os ouvidos duas vezes, que faz mal ao cérebro. - Fizeram-me uma lavagem com água tão fria que fiquei 3 meses constipada. Após extração de cerúmen são frequentes os comentários entusiásticos: - Já ouço! São extraordinários os progressos da medicina atual! - Que diferença! Parece uma sala ampla! - Já está mais desalagado! - Sinto a audição que ouço, muito superior! Ao ver a cera extraída: - Que moscardões! - Ainda saiu um chaçozinho! - Credo! Somos feitos de esterco!

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A Otite Externa A otite externa ou eczema do conduto, suscita comentários deliciosos que referem o prurido, a descamação da pele do canal e as dificuldades de um tratamento nem sempre eficaz: - Tenho assim a modos de um inquizema.

Limpo os ouvidos com aquelas maçarocas que se compram nas farmácias.

- Apareceu-me uma bolha aqui na poupinha da orelha. - Trago uma crosta no ouvido, ando há 3 anos a tratar-me à crosta. - Saem-me umas casquelinhas. - Sinto uma grande safreira nos ouvidos. - Por vezes tenho mordidas nos ouvidos. - Este também me come, mas não como o outro. - Coço os ouvidos e sai uma carespa. - Parece que está alguém por dentro a coçar-me o ouvido com uma pena. - Sinto, como é costume dizer-se, o bichinho do ouvido. - Às vezes vou tentar coçar este bichinho que a gente tem no ouvido. - Sai-me parece um formigueiro de lume pelos ouvidos. - É uma comichão que parece que tenho aí quanto bicho há. - Neste ouvido tenho um prurido que até parece comichão. - Tenho uma comichão do caralho. - É muita letreira, muita comichão nos ouvidos. - Parece que tenho um inquizema e às vezes vou com a minha unha e saem-me umas escarpielas. - Eu já nem tenho tímpanos de tanto coçar! - Parecem formigas a esformigar! - Parecem uns lagartinhos a rabiar devagarinho, devagarinho, por aqui, até ao ouvido. - O último antibiograma que fiz dava Proteus Miserável (Proteus Mirabilis). E que miserável ele era! - Meti um alfinete no ouvido e senti que qualquer coisa se encostava à parede da cabeça.

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O Ouvido

Meti o toneco no ouvido e fiquei com ele tapado.

As preocupações com o canal auditivo externo são constantes, no entanto a designação dada às cotonete não entrou no uso corrente: - Limpo os ouvidos com aquelas maçarocas que se compram nas farmácias. - Eu, em casa, tenho cornetas para os ouvidos. - Logo de manhã vou com as talonetes limpar o ouvido. - Eu, a cera, tiro-a com as totinetes. - Tenho andado a limpar os ouvidos com aquelas batonetas. - Sinto um bocado de cera nos ouvidos, mas ando com as cobetes a ver se a tiro. - Limpei os ouvidos com aquelas coisinhas, pioneses ou lá como se chamam. - Vou lá com um cotofo desses... - Dá-me a comichão e lá tenho de usar a puta da cotonete. - Só se fosse ciscar o ouvido com estas marionetes ou lá que é... - Cada vez que passo um cuntinente no ouvido sai lixo. Mas nem sempre a adesão ao método é entusiástica: - Agora há as chocoletas ou o carago, mas não gosto de andar a escaranfunchar os ouvidos. - Meti o toneco no ouvido e fiquei com ele tapado. - Às vezes meto dessas coisas de algodão para coçar o ouvido, mas não fico nada consolada. - Limpei o ouvido com a cotonete e saíram umas minhocazinhas, como quando a vareja pousa em carne podre… assim uns morcõezinhos! - Tenho lá, da miúda, aquele óleo de amolecer a cera, botei-o! - Tomei uns comprimidos para a cera, mas a cera não saiu com os comprimidos. - Tenho remelas nos ouvidos. - Ele explicou-me que era uma caixa de ressonância, que a cera, neste caso o cerúmen, em vez de ser expelido era absorvido. - Devo ter os ouvidos poluídos.

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A Dor de Ouvidos Uma otalgia é normalmente severa. As expressões que a caracterizam exprimem a sua intensidade, integrando-a num mal-estar que não se limita frequentemente ao ouvido:

Sai-me um calor de dentro para fora dos ouvidos.

- Doem-me os auditivos. - Está-me a dar umas dores mortais no ouvido. - Ando desesperado do ouvido, até me atrofia os dentes! - Estava-me a doer de tal maneira, que me saíam os ossos pelo ouvido! - Sinto fortes dores de cabeça e também cirrose nos ouvidos. - Doem-me os ouvidos e a moleirinha da cabeça. - Dói-me o ouvido, parece que tenho um ovo estrelado deste lado. - Parece que tenho um alicate a apertar-me os ouvidos. - Parece que tenho aqui uma grua a pegar numa rima de pinheiros. - Sinto arrepios nos ouvidos. - Sai-me um calor de dentro para fora dos ouvidos. - É uma espécie de febre, uma quentura no meu ouvido. - Ao falar até parece que deitava aquela febre, aquele calor, pelos ouvidos! - A dor de ouvido dá-me contrato com a garganta. - Agora o que sinto não é picada, é um estrebouro, assim de través! - É esta moição! - Como sentia esta coisa no ouvido pensei que tinha qualquer engemaço a criar.

A Trompa de Eustáquio A comunicação entre as fossas nasais e o ouvido médio não é do conhecimento comum. Se, ocasionalmente, os viajantes se dão conta da adaptação do ouvido a diferenças de pressão, é em situações patológicas que o facto se torna evidente. A manobra de Valsalva é um recurso: - Quando me assoo dou um traque pelo ouvido. - Quando me assoo sinto o ouvido farfulhar. - Quando me constipo e me vou a assoar sinto o ouvido bisnagar. - Se fizer assim (Valsalva) falta-me agregação de ar ao cérebro.

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O Ouvido

Disseram-me que ouvia mal porque tinha o “béu” do tímpano colado.

- Fui ao Hospital, deram-me uma inalação e disseram-me: ­– Faça por dar um traque que o ouvido desentope. - Não se sabe assoar e fazia-lhe bem, descarregava a cabeça e o ouvido. - O que sinto no ouvido parece quando os intestinos têm ar e dão aquela reviravolta. - Queria que me visse este ouvido. Com este frio atrofia-se! Abro a boca, abre o ouvido, fecho a boca, fecha o ouvido. E o lixo que de lá sai! - Descola o avião, descola o tímpano! - Eu quando ando de avião, ao subir, passa-me este som do ouvido! Mas não posso estar sempre a andar de avião! - Sinto colar a bábula do ouvido. - Disseram-me que ouvia mal porque tinha o “béu” do tímpano colado. - Estorva-me o ouvido, tenho que esgaçá-lo senão entope-me. - Faço assim (puxa as orelhas para a frente), corresponde-me ao cérebro e fico à rasca. - Cando manejo a boca achobia-me chempre. As disfunções da Trompa de Eustáquio acompanham-se de autofonia. Este “entoar da própria voz no ouvido” é descrito de diferentes formas, mas sempre evocadoras: - Eu vou a assoar o nariz e parece que fico com um terrão a tapar o ouvido, e fico a falar como se estivesse dentro de um poço. - Quando falo sinto a voz de um ouvido para outro. - Quando falo, a minha voz ricocheteia no ouvido. - A minha voz sai de dentro de mim. - Eu, dos ouvidos, parece que falo por “intubação”. - Parece que estou a falar dentro de uma abóbora. - Quero falar e faz-me duas vozes. - Estava a falar e parece que não tinha som de retorno. - Sai-me a voz toda pelo ouvido, eu até nem gosto de falar, acho que as pessoas estão a ouvir. - Sinto a impressão que ando com a cabeça dentro de uma lata. - Parece-me que trago o ouvido cheio de ar. - Ao respirar, parece que não respiro em condições, o ar vai todo para os ouvidos. - Os ouvidos andam assim a tocar ao choco. - Quando lavo os dentes e gorgolejo, o ouvido parece que bate ao choco. - Se carrego nos dentes ouço o vento ao longe.

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A Otite Supurada Quando supura do ouvido, o nortenho diz: “ Boto p’los oubidos”, mas também “purgo”, “pulgo” ou “matreio”. Às vezes o ouvido “laqueia” ou “reme”.

Tem marezes que parece um funtanário, sempre a botar.

A otorreia pode ser serosa, purulenta, sanguinolenta e nas otites crónicas, frequentemente, de cheiro fétido: - Este ouvido começou a debitar pus. - Era um líquido delgadinho, não era pus. - Sai-me uma água morta, sem força. - Os meus ouvidos são um açude porfeito! - Tem marezes que parece um funtanário, sempre a botar. - A minha mãe disse-me que os meus ouvidos, em pequena, eram como fontes. - Ali babulhava a água. - Este ouvido deita muita aguarela. - Deito um pus que parece água de castanhas cozidas. - Tenho ocasiões de colher muitas vezes amiúdo. - Os ouvidos purgam, deitam umas bustelazitas. - Saiu um líquido amarelo com certa especificidade. - Parece que está malinada por dentro, os ouvidos deitam assim uma lagartixa. - O que bota porcaria, com o pudor do Sr. Dr., é o direito. - O ouvido por vezes cheira mal, parece fezes, Sr. Dr. - Nem uma casa de banho cheira como o meu ouvido! - Senti os ouvidos a zoar, meti os dedos no nariz e saiu entulho. A supuração inicia-se geralmente por um episódio agudo com escorrência hemática que acalma a dor da otite aguda: - Na maré que o ouvido arrebentou até senti o sangue a esvaziar desta parte da cabeça para baixo. - Eu esterrincava sangue do ouvido direito. O médico disse-me que rebentou a tese no ouvido. Mas, frequentemente, a supuração é parte de um quadro de otite crónica mais complicado, com os episódios de otorreia, a surdez, vertigens... - Tive muitas otites supurosas. - Sinto esponjas internas a bater. - Não ouço nada e boto muito pus. 23

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O Ouvido

Disseram-me que tinha o tímpano embaciado.

- Este ouvido faz uma chungalhice! - Este ouvido está chuncalhado. - Há 3 anos os ouvidos secaram, não boto pus nem ouço. - Deram-me uns comprimidos para enxugar a água do ouvido. - O meu ouvido nunca mais expetorou, foi uma secagem completa. - Estas gotas deito-as quando o ouvido pulga, não pulgando não deito. - Estas gotas não aderiram ao meu sistema. - Os meus ouvidos não gostam de líquidos. - Quando sinto que o purgamento é interior, é que me dão aqueles bómitos.

A Otoscopia É grande a perplexidade dos doentes perante explicações referentes a um exame feito a estruturas complicadas. A otoscopia tem a sua terminologia. O tímpano diz-se ruborizado na otite aguda, baço quando edemaciado; são apreciáveis bolhas em otites serosas, mas também perfura, retrai, esclerosa: - No hospital, o médico que me estava a ver disse que tinha um tímpano um bocado ao rubro. - Disseram-me que tinha o tímpano embaciado. - Andei no Autorrino e disse-me que tinha o título furado. - O médico disse-me que tinha a curva do ouvido rebentada. - O médico disse-me que rebentou a tese do ouvido. - Disseram-me que tenho o ouvido roto, a redinha arrebentada. - Disseram-me que foi o hime que descaíu abaixo do ouvido. - O Sr. Dr. disse-me que tinha os tímpanos gastos. - Disseram-me que tinha o tímpano ressequido, precisava de uma operação para o amolecer. - O especialista disse-me que era uma otite crónica no nariz. - O médico trocou de ponteiro (espéculo) e disse que, de facto, estava perfurado. - Isto deu-me de ter metido a cabeça no frigorífico. Um mês depois fui ao Hospital e disseram-me que tinha bolhas de ar no ouvido. Mas o doente confia no Especialista: - Como o Sr. Dr. é dos ouvidos, vinha saber se conhecia mais alguma coisa, que o da Caixa é giral. E é ocasião para pôr algumas dúvidas: - Será que fiquei com os martelos todos partidos? - Não será isto de fazer reflexos no cabelo? 24

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A Surdez

Provérbio: Pobres e moucos cozê-los e ainda é pouco. A perda da acuidade auditiva é uma queixa normalmente desvalorizada pelo doente, que a apresenta geralmente de forma relutante.

Ouço bem, é preciso é falarem-me alto.

Quando o confessa é de forma tímida: - Estou a ficar curto de ouvido. - Sinto o ouvido um pouco parado. - Sinto os sons mais fugidios. - Parece que me abafa, o ouvido. - Começo a sentir os ouvidos meio isolados. - Era assim um nevoeiro auditivo. - Tenho os ouvidos enevoados. - Ando a ouvir mal, deve ser o ouvido encravado. - Estou com um problema de audiência. - Isto aqui no ouvido parece uma presa tapada. - Já tive em tempos dificuldades de audição muito baixa neste ouvido. - Estou mesmo surda, o ouvido parece uma porta fechada. - Da dureza de ouvidos é que não vou melhor. - Ouço mal, vejo mal, tenho a mente descaída... - Deve ser aquele bichinho, que a gente tem dentro do ouvido, que morreu. - Fiquei com o tímpano roto, o bichinho morreu! - Eu vejo pelas torneiras, se vou lavar a cara e não ouço a água, não estou bem. - O ouvido dele ficou sem efeito! - O som vai a entrar e esbarra, parece que faz ricochete. - Dá-me a impressão que a orelha está a mingar, uma vizinha diz-me que são os ossos da cabeça a descer para o ouvido. Mas a maior parte das vezes a dificuldade é admitida com grande relutância: - Eu ouço bem, mas é de boca a boca. - Ouço bem, é preciso é falarem-me alto. - Ouvi tudo, mas com ouvido muito triste. Algumas expressões evocam claramente a perda de inteligibilidade. O nosso doente ouve, mas não compreende: - Não sou surdo, sou mouco. - Ando mouca e surda. - Eu, que vivo com ele, acho que o que tem é desfocação auditiva. 25

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O Ouvido

O Sr. Dr. até me pôs a calçadeira atrás do ouvido.

- Para falar ao telefone ou me confessar, uso o ouvido esquerdo. - Ou é ouvir mal ou sou descompreendido. - Tenho falta de percebas, será que os ouvidos estão a ficar apertados? - Se estiverem pessoas a falar, oiço o rosnido da fala, mas não entendo. - Quando estou a falar com as pessoas não consigo capturar o que me dizem. - Os meus ouvidos são terríveis, ouço mais o barulho que as vozes. - O meu ouvido direito recebe os sons de forma muito atribulada. - Também não me interessa saber o que estão a dizer, interessa-me ouvir. - Se não ouço rio-me e as pessoas julgam que ouvi. - O meu marido diz-me: - És mouca! Eu prefiro passar por surda do que fazer que entendo e ter que discutir. - Se a pessoa não se declarar bem, não arribo a compreender. - Se me falar ao longe eu ouço mas não defino. - Eu tenho cabras, ouço os chocalhos, mas não sei onde estão. - Eu dei conta porque me caíram as chaves ao chão e nem ouvi o plim! - Escuto tudo e todos. Só não ouço o que mais quero. - Posso estar em cima da televisão que não apanho nada do que dizem. Será que estou mais simples do que dizem? Por vezes o surdo não controla a altura da sua voz: - Estou a ficar desafinado! Em sítios de pessoas bem educadas, onde se tem que falar baixo, fico mal! - A minha mulher tem a cabeça cheia de eletrodomésticos.

Os Exames Subsidiários em Otologia Na avaliação da perda auditiva são utilizados exames, nem sempre claramente compreendidos. Por vezes o médico usa o diapasão: - O Sr. Dr. até me pôs a calçadeira atrás do ouvido. - Pôs-me um aparelho para ver o tempo que demorava a ouvir os sons. Outras vezes, são utilizados testes audiométricos: - Não é preciso fazer testes para ver de onde vem esta mouquice? - Fui ao exame da auditoria. - Fui à prova real dos ouvidos. - Fiz aquele exame onde se ouve chuva.

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- O consulado pediu que avaliasse a gravidez da minha surdez. - Fizeram-me um exame psicotécnico e verificou-se que os meus ouvidos não ofereciam resistência para condutor de transportes públicos. - Onde a médica me mandou fazer um exame ao ouvido, que deu deficiência interna. - Tenho surdez, já fiz um exame e não dá nada, disseram-me que eram os ouvidos velhos. - Levaram-me à máquina dos surdos, o médico até disse para os outros: “Ela é mouca de todo”.

Nem aparelho posso usar porque a minha cabeça é alérgica e rejeitou o aparelho.

- Fiz um exame que deu nervo auditivo cerebral desgastado. - Fiz um aurigrama e deu vertigem aguda. - Fiz uma radiografia que deu arteriosclerose auditiva. - Tirei radiografias ao ouvido que acusou pneumatização das células mastóideias e um TAC que acusou vertigem crónica. - Até tinha um papel a dizer que tinha sistema vertiginoso. - Eu não sabia que me iam assoprar pelo ouvido fora como se fosse um bombo! (Prova calórica).

A Prótese Auditiva As referências às próteses auditivas são habitualmente de grande desconfiança e insatisfação: - Tenho aparelho, mas não me dou com esse diabo. - Nem aparelho posso usar porque a minha cabeça é alérgica e rejeitou o aparelho. - O médico já me disse: – O Sr. deve usar umas gambiarras. - Por causa do ruído, em França tive de usar cascos. - Não queria um desses aparelhos tipo camarão (retroauricular). Mas quando tudo falha... - Agarra-te ao Stº Ovídeo senão ficas surdo.

O Zumbido Nenhum sintoma do foro ORL é descrito de uma forma tão extraordinária como um zumbido. O seu caráter subjetivo, o seu aparecimento no silêncio da noite, a sua inquietante persistência, as suas diferentes tonalidades e características suscitam descrições em que o doente não só descreve, mas projeta as suas inquietações, refletindo mesmo o seu meio social e ocupação.

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O Ouvido

Este ouvido mata-me a cabeça, ainda quando o ruído sai para fora que os meus filhos o ouvem, vá lá! Agora quando vai para dentro!

A forma como o designa fornece pistas de inestimável valor semiológico que começam logo na palavra com que designa o Tinnitus auris. Encontramos mais de duas dezenas de termos para referir o zumbido. A cada palavra são associadas nuances fonéticas que de uma forma mais ou menos explícita ajudam a caracterizar o zumbido. Por exemplo: A afirmação: “Zumbido? Não, neste ouvido tenho zuada, zumbido é no outro!”. Por zumbido o doente entende um ruído de tonalidade aguda, habitualmente ligado a lesões do ouvido interno, zuada designa Tinnitus de tonalidade grave, próprias do aparelho de transmissão. Citamos expressões que nos foram referidas. Curiosamente, a cada termo foram acrescentados sufixos que parecem melhor definir a frequência do ruído: - Chiadeira, chiaria, chieiras. - Zumbido, zumbideira, zumbidouro, zumbril, zumbonice. - Zueira, zuedo, zuadeira, zuadouro, zuadura. - Ziadouro, zieira, zioura, zungadoura. - Tropos, tropideira, tropida. - Rugido, rugidouro. - Sílvio, sílvia. - Batedouros. - Suíços. - Siflamento.

Ouvem-se no Silêncio - Quando estou no silêncio começo a ouvir os meus ouvidos. - Quando estou no silêncio parece que estou encostado a um poste de eletricidade. Se em regra os doentes referem o seu zumbido de forma categórica, por vezes receiam afirmá-lo e invocam mesmo testemunhas: - Tem zumbidos? - Dizem que tenho. A circunstância de um sintoma que outros não podem objetivamente apreciar, nem sempre é aceite: - Este ouvido mata-me a cabeça, ainda quando o ruído sai para fora que os meus filhos o ouvem, vá lá! Agora quando vai para dentro!

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- No ano passado, a minha mulher que o diga, deu-me uma zuada nos ouvidos. Foi ou não foi? (pergunta dirigindo-se à mulher). - Sinto um barulho, uma pancada... não sei donde vem, de mim, não vem! - Tenho um zumbido que embora pareça que não se ouve cá fora, me incomoda muito.

Já estou aclimatado a este ruído.

A intensidade, por vezes é descrita em termos definitivos: - Tenho uma zuada que me assobe ao caco da cabeça. - Era tanto o ruído que me mandaram pôr uns timpanozinhos no ouvido. - O zumbido agora é pertinente (permanente). - Este ruído toma-me conta da ideia. - Eu esfregava a cara para a chieira “abagar” um bocado. - Fiquei zumbida! - Vou à noite para a almofada e a minha cabeça salta com aquele barulho. - Ao fim da tarde sinto uma comichão nos calcanhares que me assobe por aí acima até ao ouvido e então é um barulho que não suporto! - Não posso comer à noite. A comida àquela hora faz-me começar com estes grilos na cabeça. - Tenho um zumbido que foi de uma veia arterial que se entupiu. - O Sr. Dr. estava a ver-me o ouvido e disse-me que era a veia cheia de asquerosa que me fazia o zumbido (arteriosclerose). Os tratamentos habitualmente utilizados não merecem citações entusiásticas: - Os ouvidos fazem-me um ziouro do raio. Estou a tomar um tiote (antibiótico) e não faz nada. - Este remédio é para os martelos do ouvido, mas ele continua a martelar na mesma. - Ando a tomar umas ampolas e uns comprimidos que dão para os zumbidos, ruídos e essa coisa toda. É aceite que espontaneamente os zumbidos possam diminuir ou passar. Os doentes afirmam mais que se habituaram: - Já estou aclimatado a este ruído. - Zumbidos? Tenho, mas não me entrego a eles.

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