Revista Competência 2009/2

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Revista da Educação Superior do Senac-RS

V.2 - N.2 - Dezembro 2009 - ISSN 1984-2880

ã o si m ã m r, v e en e n t r i fi c ar q ue e

fiz q c m no apa con era ue en va ze di m se ca as paz ho tes s, nã s deçõe . Ho jam no es m qu o fa s d m c or e e es, vas de ens e es sim inv , nã faz qu tej ple ento o ser e s am sm is r im e a ã ç o a c é foer s, ple jamem ent s du sm ma c o e ue elas se pr men ente nd q rop te do ão õe. s q rep tu as, n A p ue et r v a rin it no s e õ cip diç n a co egunda meta em . A s e sejam inve s quucação é formnt n e ção m a ededucaoisa é cri s no c a er

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Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial Porto Alegre Rio Grande do Sul


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Competência: Revista da Educação Superior do Senac-RS/ Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Rio Grande do Sul. - Vol. 1, n. 1 (dez. 2008) - Porto Alegre: Pallotti, 2008- . v. ; 21 x 28 cm. Semestral (julho e dezembro) ISSN 1984-2880 Nota: A edição de julho de 2009 é v.2, n.1 1.Tecnologia da Informação 2. Gestão 3. Negócio 4. Moda 5. Turismo 6. Meio Ambiente 7. Ensino Superior 8. Educação I. Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Rio Grande do Sul II. Título CDU 001 Bibliotecária responsável: Marisa Fernanda Miguellis CRB 10/1241


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Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Rio Grande do Sul Presidente do Sistema Fecomércio e Presidente do Conselho Regional do Senac: Flávio Roberto Sabbadini Diretor Regional: José Paulo da Rosa Gerente da Educação Superior: Fabiane Franciscone Diretores das Faculdades Senac-RS: - Eduardo Cezar Pereira Cassal - Nara Beatriz Lopes Pires da Luz - Roberto Sarquis Berte Conselho Editorial: - Acacia Zeneida Kuenzer – UFPR - Avelino Francisco Zorzo – PUCRS - Beatriz Tricerri Felippe – UNIRITTER - Claisy Maria Marinho-Araújo – UNB - Dieter Rugard Siedenberg – UNISC - Edegar Tomazzoni – UCS - Fábio Gandour – IBM - Fernando Vargas – Cinterfor (Colômbia) - Francisco Aparecido Cordão – CNE, Conselho Nacional de Educação - Jacques Alkalai Wainberg – PUCRS - Jorge Antonio Menna Duarte – UniCEUB - Jose Clovis de Azevedo – Centro Universitário Metodista, do IPA - Leda Lísia Franciosi Portal – PUCRS - Léa Viveiros de Castro – Departamento Nacional Senac - Marta Luz Sisson de Castro – PUCRS - Margarida Maria Krohling Kunsch – USP - Milton Lafourcade Asmus – FURG - Regina Leitão Ungaretti – Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha - Susana Gastal – UCS Comissão Editorial: - Fabiane Franciscone - Presidente - Augusto Niche Teixeira

- Carlos Strey - Daniel Gomes Mesquita - Eduardo Cezar Pereira Cassal - Franz Figueroa - Guilherme Tomachewski Netto - Jaciane Cristina Costa - Márcia Paul Waquil - Marislei da Silveira Ribeiro - Maristela Shein Kellermann - Nara Beatriz Lopes Pires da Luz - Roberto Sarquis Berte - Tissiane Schmidt Dolci - Wagner Ladeira Editora Científica: - Anaí Zubik Camargo de Souza Pareceristas convidados para a edição: - Prof. Dr. Avelino Zorzo (PUCRS) - Profª Esp. Cecília G. Herynkopf (SENAC-RS) - Profª Me. Cecília de L. Martins Papaléo (UFRGS) - Prof. Me. Daniel Figueira Tonetto (Centro Universitário Metodista, do IPA) - Prof. Dr. Edgar Timm (Centro Universitário Metodista, do IPA) - Prof. Dr. Fabiano Passuelo Hessel (PUCRS) - Prof.ª Doutoranda Gisele Palma (Unisinos) - Prof. Dr. Jorge Oneide Sausen (UNIJUÍ) - Prof. Me. Luiz Alonso Blanco (SENAC-RS) - Profª. Drª. Márcia Paul Waquil (UFRGS) - Prof. Dr. Roberto José Ramos (PUCRS) - Prof. Me. Robson Luis Marques Thomazi (UPF) - Prof. Wagner Augusto Hundertmarck Pompéo (Faculdade Metodista de Santa Maria) Bibliotecária Responsável: - Marisa Miguellis CRB 10/1241

Projeto Gráfico e Diagramação: - Jaire Passos e Paula Jardim Revisão em português: - Patrícia Pires de Aragão Revisão em inglês: - Julio Carlos Morandi Tiragem: 1.000 exemplares Impressão: Gráfica Editora Pallotti Periodicidade: Semestral (julho e dezembro) Os artigos para publicação devem ser encaminhados para: Competência – Revista da Educação Superior do Senac-RS - Rua Alberto Bins, 665/7º andar – Centro – Porto Alegre – 90030-142 Fone: 51-3284-1925 E-mail: competencia@senacrs.com.br Os conteúdos dos artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores.


Sumário Editorial .............................................................................................................................................9 Educação Tecnicista versus Formação Humana: Os ciclos de formação e o desafio da aprendizagem para todos ..............................................................................................................11 Jose Clovis de Azevedo Educação e Pesquisa em Ciência de Serviços no Brasil: Necessidade e oportunidade ....37 Claudio S. Pinhanez A Construção da Estratégia numa Organização Educacional – Como obter os melhores resultados .........................................................................................................................................55 José Paulo da Rosa, Ariel Fernando Berti A Percepção dos Docentes sobre Processos Avaliativos na Educação Superior ................73 Cleber Luis Bombardelli, Daniela Tônus, Denise Teresinha M. Munzi, Fabiana Carvalho, Fernanda Krug, Fernanda Silva S. Rodrigues, Maurícia Cristina Lima, Tânia Regina W. Marchionatti, Marlis Morosini Polidori Do Mal-Estar ao Bem-Estar Docente: Perspectivas para uma gestão escolar ....................91 Ana Paula Araújo, Cristiane Severo, Marinice S. Simon, Rosângela Callegari O Impacto da Emoção no Processo de Aprendizagem de Proprietários de Micro e Pequenas Empresas .................................................................................................................................105 Rogério de Moraes Bohn, Deise Rambo Moda Estatística: Uma medida de tendência central ...........................................................129 Ancilla Dall’Onder Zatt Responsabilidade Civil dos Hotéis...........................................................................................141 Tissiane Schmidt Dolci, Marcelo Oliveira da Silva Hotelaria Hospitalar: Um modelo para implantação...........................................................157 Carlos Honorato Schuch Santos, Gilberto Dias da Rosa Junior Comunicação Internacional na Sociedade em Rede ............................................................169 Karine dos Santos Ruy Normas para Publicação .............................................................................................................180


Editorial

C

oncluímos 2009 com a publicação da terceira edição da Competência – Revista da Educação Superior do Senac-RS. Em todas as edições contamos com os profissionais Jaire Passos e Paula Jardim para nos auxiliarem na construção das capas, do layout e na diagramação da revista. Além do cuidado com a qualidade de nossos artigos, preocupamonos também em traduzir em nossas capas a identidade e o conceito que constituem nossa revista. Nesse sentido, aproveitamos este espaço para fazer um histórico do processo de criação das capas da Competência. Na ocasião do seu lançamento, a Revista trouxe uma capa branca a fim de destacar a nova marca: Competência. A cor dourada teve o intuito de transmitir o conceito de primazia e a combinação de branco com dourado representa elegância e sofisticação. A imagem de apoio apresenta o ser humano que constrói o conhecimento a partir da interação com os elementos de sua vivência. Esses elementos são tanto naturais quanto tecnológicos, representando o cotidiano, o trabalho, a pesquisa e tudo o que pode compor a bagagem cultural. No topo do desenho, uma árvore ressalta a importância da consciência ecológica. A Revista nº 2 trouxe o tema tecnologia. A cor prata escolhida para o cabeçalho faz referência ao tema, enquanto que o preto e o branco mantêm os conceitos de clareza e elegância. Em relação à ilustração, foram pesquisadas a origem e a evolução da palavra tecnologia. Buscaram-se, para tanto, imagens de objetos antigos e contemporâneos para representarem a transformação tecnológica. A imagem sugere, ainda, que essa transformação deve considerar as necessidades humanas de relacionamento e lazer, bem como o respeito à natureza e o desenvolvimento sustentável. Nesta terceira edição da Competência, construiu-se a imagem artística de uma impressão digital formada por palavras. A ideia foi retratar o momento atual, no qual trabalho, relacionamentos, lazer, estudo e muitos aspectos da vida podem ser mediados por interfaces digitais. Nesse sentido, o tecnológico e o humano se encontram em nossas mãos. A abstração do desenho permite ao espectador atribuir sentidos próprios. Por fim, Competência – Revista da Educação Superior do Senac-RS pretende trazer a excelência em produção científica. Dessa forma, seu projeto gráfico é construído para transmitir inteligência, elegância e sofisticação aliadas à simplicidade. “A simplicidade é o último grau da sofisticação.” (Leonardo da Vinci)

1ª Edição

2ª Edição

3ª Edição

Fabiane Franciscone Presidente da Comissão Editorial _9


EDUCAÇÃO TECNICISTA VERSUS FORMAÇÃO HUMANA: OS CICLOS DE FORMAÇÃO E O DESAFIO DA APREDIZAGEM PARA TODOS TECHNICIST EDUCATION VERSUS HUMAN FORMATION: THE FORMATION CYCLES AND THE CHALLENGE OF LEARNING FOR ALL Jose Clovis de Azevedo*

Resumo

* - Professor Doutor e Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação do Centro Universitário Metodista IPA. Docente da disciplina de Educação e Reabilitação no Programa de Mestrado em Reabilitação e Inclusão e da disciplina de Currículo e Cultura no curso de pedagogia.

Este trabalho analisa características da educação tecnicista sustentada por princípios mecanicistas e positivistas e suas contradições com a educação, que tem seus objetivos direcionados à formação humana. Examina algumas concepções e matrizes do pensamento que justificam ou contradizem uma educação humanizadora, fazendo o contraponto entre educação formadora e treinamento, entre o educador e o repassador de informações. Analisa, ainda, as origens da discussão do currículo e sua subordinação ao modelo da administração científica taylorista-fordista como modelo da organização escolar seriada. São situadas algumas fontes diretrizes do conhecimento e apontados caminhos metodológicos para a articulação da escola com o contexto social, indicando a estrutura dos ciclos de formação como possibilidade de organização do ensino para dar conta das concepções e práticas que possibilitem a inclusão pela aprendizagem.

P a l a v r a s - C h a v e : Tecnicismo, Formação Humana, Ensino por Ciclos de Formação, Avaliação, Aprendizagem, Inclusão.

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Abstract This paper analyzes the characteristics of the technicist education supported by mechanistic and positivist principles and their contradictions in the education process having its objectives aimed at human formation. It also examines some conceptions and sources of thought that justify or contradict with a humanizing education, making thus the counterpoint between education for formation and training, between the educator and the one who just transfers information. It also analyzes the origins of the discussion about the curriculum and its subordination to the taylorist-fordist scientific administration model as the one of the grade system school organization. Following this, some knowledge guidelines are set and some methodological ways for an articulation between school and social contexts are pointed out, indicating thus the structure of the cycles of formation as a possibility for the teaching process organization in order to comprise the conceptions and practices which make the inclusion through the learning process possible.

Keywords:

Technicism, Human Formation, Teaching Process

Though Cycles of Formation, Assessment, Learning Process, Inclusion.

1. Fundamentos para uma educação comprometida com a formação humana 1.1 O educador e a formação humana Organizar o ensino a partir do conceito de formação humana é uma tarefa complexa e desafiadora, embora compatível àqueles que assumem a educação como opção profissional consciente, dotados de ânimo valorativo inerente às tarefas de um verdadeiro educador. Ter uma postura professoral de quem repassa o que sabe para os que nada sabem constitui-se numa ação relativamente fácil e simples, mas ensinar com o compromisso de educador, cujo objeto de trabalho é garantir o acesso ao

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conhecimento pelo sujeito aprendiz, demanda uma grande mobilização de energias e vontades, de competência teórica e operativa. Quantas vezes já ouvimos de nossos pares, no fragor das nossas lutas pela valorização profissional, a costumeira afirmativa: somos importantes, vitais à sociedade, pois por ‘nossas mãos passam’ médicos, engenheiros, advogados, cientistas... Passar por nossas mãos pode ter múltiplos significados. Certamente passaram por nós os bons e os maus médicos, os bons e os maus engenheiros e os bons e os maus advogados. Seria exagero concentrar no papel do educador a responsabilidade exclusiva pelos ‘bons’ e pelos ‘maus’ profissionais. Mas, sem dúvida, a ação ou a omissão de um educador pode fazer a diferença na postura ética, na responsabilidade e na competência desses profissionais. Para um professor que tenha se constituindo como educador ‘passar pelas mãos’ significa mergulhar no mundo dos educandos, perceber que cada um deles é um universo de criatividade, de sensibilidade, de potencialidade, de afetividade e que cada um deles tem uma história, uma identidade e, portanto, um jeito singular de relacionar-se com o mundo, com o novo, com o conhecimento, o que lhe confere necessidades e capacidades cognitivas específicas, as quais o educador buscará responder. Para um professor do tipo “tradicional”, essas características individuais não são importantes, pois em princípio todos os educandos são iguais, definidos a partir de um modelo abstrato de estudante, receptores passivos, homogeneizados artificialmente, unilateralmente. Muitos ‘passam pelas mãos’ do professor incólume, não sendo atingidos na sua formação como seres humanos, como seres históricos, embora possam ser instrumentalizados por determinados conteúdos e até mesmo chegarem ao exercício da medicina ou de outras profissões muito consideradas socialmente, enquanto os que não se enquadram no modelo homogeneizador são jogados na vala da exclusão. Estas primeiras reflexões nos forçam a separar o ato interativo de educar do ato arbitrário, em que educar é reduzido à transmissão de conteúdos descontextualizados, sem raízes, sem sentido na vida real do sujeito educando. A educação é um processo civilizatório, um espaço de recriação e ressignificação da cultura herdada das gerações anteriores (PARO, 2000). Quando ela é simplesmente transmitida como repetição, perde seu significado e inibe a criatividade e seu potencial

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humanizador como ação cultural, transformando-se em educação bancária (FREIRE, 1994). É necessário que se faça a distinção entre formação e treinamento. O educando é um sujeito histórico que necessita ser integrado no contexto cultural, habilitado a criar e transformar a sua existência. Cada indivíduo faz história participando da produção cultural, interagindo em uma relação dialética com a sua realidade social. Ao mesmo tempo em que o indivíduo é único, singular, sua constituição e formação só se realizam na relação interativa com o outro e nesse processo atua também como produtor da realidade social (VYGOTSKY, 1984). A educação é um dos principais espaços de mediação na formação do sujeito histórico. É nessa perspectiva que faz sentido o conceito de formação integral. A formação que articula as potencialidades de todas as dimensões do ser humano. O ser humano na sua singularidade é essencialmente plural, nas suas relações com o mundo, enfrenta cada desafio com respostas múltiplas. A um mesmo estímulo dá respostas variadas. Suas respostas são diversificadas e não padronizadas, alterando-se no próprio ato de responder. A ação humana é, portanto, um movimento interativo que se caracteriza pela pluralidade na singularidade. Formação humana é, portanto, a antítese da repetição. A repetição e a padronização são elementos estranhos à essencialidade do ser humano. Desempenhos padronizados, repetição, treinamento, quando precedem a formação humana geral, embotam a criatividade humana, suprimem a liberdade e reduzem o ser humano à passividade. Treinar para um comportamento e um objetivo específicos pode ser uma necessidade em determinadas circunstâncias, mas isso não dispensa e não se confunde com a necessidade de formação integral. Seria um equívoco lamentável, por exemplo, reduzir a Educação Básica à aquisição de habilidades específicas como o treinamento profissional ou o vestibular. À Educação Básica cabe desenvolver uma sólida formação humana que possibilite aos sujeitos educandos responder aos desafios da vida. Em geral quem está mais apto a responder a aquisição de habilidades específicas são aqueles que tiveram uma formação geral sólida na Educação Básica. Ou seja, quem tem acesso ao capital cultural Bourdieu (1978) são os setores médios e as elites sociais, beneficiados com uma formação diversificada e consistente na Educação Básica, o que os

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habilita às melhores ocupações e ao ingresso nas melhores universidades, inclusive podendo ser treinados para os exames vestibulares.

1.2 O tecnicismo como contraponto à formação humana O tecnicismo como concepção educacional é um produto histórico, decorrente da expansão das atividades industriais e da necessidade de subordinação dos objetivos educacionais aos objetivos da produção. A submissão da educação aos parâmetros e às necessidades da Revolução Industrial implicou principalmente nos Estados Unidos, no início de século XX, pensar a escola à luz da organização fabril. Assim, segundo Silva (1999), as primeiras elaborações teóricas sobre currículo foram no sentido de estabelecer nexos práticos entre a educação escolar e a produção fabril. Conforme assinala o autor, Bobbitt publicou em 1918, nos Estados Unidos, The Curriculum, cujas ideias foram consolidadas por Tyler (1974), obra que exerceu grande influência, inclusive no Brasil. O trabalho de Bobbitt tornar-se-ia um marco no surgimento dos estudos e das teorias de currículo. Na visão de Bobbitt a escola deveria organizar seus objetivos e estabelecer métodos para medir os resultados, como nas empresas. A eficiência do ensino está vinculada ao aprendizado das habilidades necessárias ao trabalho no sistema fabril. Portanto as crianças deveriam ser treinadas para adquirir essas habilidades exigidas ao exercício das ocupações profissionais na vida adulta. Segundo Boom (1997), Bobbitt considerava a educação não como preparação para vinte anos de infância ou da adolescência, mas a instrumentalização para cinquenta anos de vida adulta. A procedência do conceito de currículo, ainda dominante em nossas escolas, é pouco conhecida. A sua associação com a organização fabril clássica é encoberta, pouco explicitada, tornando obscura a sua origem. É preciso ficar expresso que o parâmetro organizacional da escola é a organização científica do trabalho, o “menagement”, os processos de “training”, de origem anglo-saxônica, desenvolvida desde o início do século passado nas fábricas, no exército, com o propósito de superaproveitamento da energia humana na produção da eficácia, da rentabilidade, do controle social, da padronização e do controle dos grupos humanos.

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Nessa perspectiva, institui-se a escola seriada cuja estrutura reproduz a organização do trabalho fabril baseado nos princípios da teoria adminis1

- Em Princípios da administração científica, Taylor (1957) desenvolveu a teoria de organização do trabalho que Henry Ford operacionalizou, transformando em prática nas suas indústrias de automóveis no início do século XX. O taylorismo-fordismo passaria então a orientar a produção em série no sistema industrial. Nos últimos tempos a organização do trabalho tem se modificado em função do processo de inovação tecnológica. O trabalho rígido onde o trabalhador aprende um ofício para toda a vida é modificado pelo trabalho flexível onde o trabalhador é desafiado a novos aprendizados profissionais a cada onda de inovação tecnológica. Ver Kuenzer, 2007.

trativa taylorista-fordista1. A organização da escola, tal como conhecemos e convivemos, imita e reproduz de forma acrítica os padrões de organização da produção e do trabalho do modelo taylorista-fordista. Organizada a partir desse paradigma, a instituição escolar reproduz no seu cotidiano um trabalho fragmentado, disciplinar, com tempos preestabelecidos em que cada um desempenha suas tarefas isoladamente. As “comunicações” são verticalizadas, reproduzindo-se em procedimentos e comportamentos ritualizados e automatizados. As práticas repetitivas e sem significados atrofiam a criatividade e colocam educadores e educandos em uma camisa de força face ao dilema adaptação ou exclusão. Dessa forma, educadores e educandos são submetidos a uma maratona em que tudo tem que acontecer em determinados dias letivos, como na esteira fabril, produzindo em série, trabalhando com conteúdos isolados, “conhecimentos” fragmentados, formando uma visão parcial, unilateral do mundo, impedindo o conhecimento e a percepção das relações, dos princípios que permitem a visão universal e globalizadora da realidade como totalidade. A partir dessa matriz conceitual desenvolveu-se o modelo de escola que caracteriza os sistemas educacionais no Brasil. No entanto, no Brasil o tecnicismo fusionou-se com elementos humanistas, constituindo, contraditoriamente um núcleo humanista que deu sentido à escola pública tradicional brasileira. Um humanismo contraditório, não consensual. De um lado, um humanismo ingênuo, filosoficamente idealista, crente na educação como possibilidade de formação do ser humano ideal para uma sociedade ideal, mas que baliza suas práticas pedagógicas nos conceitos tecnicistas. De outro lado, o humanismo transformador, crítico, dialético, vinculado a propostas progressistas, às visões emancipatórias. Esse quadro é impactado e desestabilizado pela modernização imposta pela hegemonia de mercado. Como resultado, gestam-se dois movimentos novos na educação (AZEVEDO, 2007). A escola tradicional, lato sensu humanista, metamorfoseia-se em duas direções, passando por um processo de reconversão cultural. Os dois sentidos desenvolvem-se em posições opostas e contraditórias. No primeiro, a escola adapta-se aos princípios e valores da economia

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de mercado, formando cidadãos clientes, produtores e consumidores, identificados com a ideologia de mercado. É a transformação da escola em uma instituição educadora da cultura de mercado: a mercoescola. Nessa perspectiva todas as dimensões da vida podem ser reduzidas a mercadorias. No segundo, sem negar o mercado, mas não subordinando a vida à sua lógica, desenvolve-se um movimento que tem a pretensão de resgatar os princípios humanistas, ressignificá-los face ao contexto da globalização, construindo um núcleo formado por conceitos e valores identificados com a humanização do ser humano, com uma ordem moral, ética e política comprometida com os ideais emancipatórios: a escola democrática e inclusiva, comprometida com a formação humana. A escola seriada tradicional, na visão da educação mercadoria, tende a ser mantida na sua estrutura, embora já defasada em relação à produção no contexto contemporâneo das novas tecnologias e das novas formas de organização do trabalho e da produção. A sua manutenção justifica-se pela sua lógica de organização, baseada na rigidez organizativa e hierárquica, o que facilita o controle programático e a homogeneização conceitual dos currículos e conteúdos. Ao examinar o ensino por ciclos como alternativa à seriação, Freitas (2003) considera que há o confronto de lógicas: seriação versus ciclos de formação. A lógica da reprodução (seriação) e a lógica emancipadora (ciclos de formação).

2. O contexto sociocultural e os ciclos de formação 2.1 Os ciclos de formação e as fontes do conhecimento e do currículo A educação compreendida como formação humana, vinculada a uma concepção do conhecimento entendido como um processo contínuo de desvelamento do real, portanto em permanente mudança, remete necessariamente para o desafio de repensar a estrutura da escola, seus tempos e espaços, e de rever a organização do ensino e do trabalho pedagógico para a garantia da realização das aprendizagens. Reconhecer que a inteligência não é inata, mas desenvolvida a partir das experiências sociais vividas pelo indivíduo, que

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o conhecimento não está pronto e acabado, mas é sempre o novo construído e reconstruído, pressupõe determinadas posturas frente ao mundo, à sociedade e ao sentido do ensinar e do aprender. Isso coloca a necessidade do educador de lidar com as teorias do conhecimento, ter clareza de qual caminho está percorrendo, de qual é o seu ponto de partida e aonde pretende chegar, ou seja, que tipo de ser humano quer formar e que tipo de sociedade quer construir. Portanto, faz-se necessária uma formação que possibilite aos educadores a apropriação consciente, crítica, de uma teoria do conhecimento, de um caminho epistemológico que oriente o fazer pedagógico na direção da emancipação humana, proporcionando o acesso à aprendizagem como um direito a ser garantido a todos os educandos. A partir destas caracterizações decorre uma nova possibilidade de organização da escola: o ensino organizado em Ciclos de Formação. É importante reafirmar que a organização em Ciclos de Formação não é apenas uma nova estrutura, uma nova forma de organização do ensino, mas, além disso, exige uma nova atitude frente ao conhecimento, à sociedade e ao sujeito aprendiz. Uma prática coerente de formação humana implica uma relação democrática da escola com sua comunidade. Se educar tem relação com os saberes e fazeres do contexto cultural do educando a escola tem que ter mecanismos de participação que possibilitem as trocas e as alianças entre as funções do ensino sistematizado da escola e os saberes do contexto social. Um ensino “da realidade” exige o conhecimento da realidade e para que a realidade comunitária possa ser conhecida são necessários espaços de expressão e participação dentro da escola. Não basta, portanto, falar em ensino voltado para a realidade apenas nos relatórios e planos de cursos. Necessita-se de mecanismos de participação que rompam os “muros culturais” que separam escola e comunidade. Ou seja, é necessário que a instituição escola se pergunte e procure as respostas sobre a realidade na qual ela trabalha. Nessa compreensão, ciclos de formação não prescindem do trabalho coletivo e da democracia como método. E democratizar a escola não é apenas democratizar a gestão elegendo os diretores e os conselhos, embora isso seja muito importante (AZEVEDO, 2005). Por outro lado a democratização da escola não se realiza sem a democratização do acesso ao conhecimento e sem a realização da aprendizagem de todos os sujeitos aprendizes. Portanto,

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a democracia na escola tem um sentido pedagógico, pois é um mecanismo de viabilização do acesso ao conhecimento, mas também é aprendizado da cidadania, da democracia, da convivência social e coletiva, tendo como fim último a garantia da aprendizagem para todos. O método democrático não trabalha com conteúdos sem significados, definidos a priori, com uma lista de conteúdos aleatória, sem nexos com a realidade social. Trata-se de identificar os conhecimentos preexistentes no contexto social e individual do educando Conhecimentos produzidos no cotidiano da experiência comunitária. O que Gramsci (2001) caracteriza como senso comum, cujo núcleo racional, o bom-senso pode servir de base para a construção do conhecimento científico. Santos (2001) afirma a importância do senso comum como conhecimento prático da vida, orientador do nosso cotidiano. Considera que esse conhecimento pode ser conservador e gerar prepotências, mas interpretado e considerado pelo conhecimento científico pode dar origem a novos conhecimentos. Freire (1996) segue linha semelhante ao afirmar o ensino como processo de superação do pensamento não rigoroso para a rigorosidade exigida pela produção do conhecimento científico. Por isso uma educação formativa e democrática preocupa-se em buscar referências para organizar o currículo a partir das fontes que identificam o conteúdo formativo com o sujeito educando: filosófica; socioantropológica; epistemológica; sociopsicopedagógica. Fontes que podem contribuir para a organização de um currículo para a formação humana, a partir do contexto real vivido pelos educandos. A fonte filosófica diz respeito às nossas reflexões, como educadores, sobre que ser humano, que sociedade desejamos construir. Que valores importam resgatar e afirmar frente às profundas transformações econômicas e culturais do nosso tempo? Responder a essa pergunta é fundamental. Também diz respeito ao compromisso com a aprendizagem de todos sem exclusão, com o repensar e a reorganização por inteiro da escola, revendo seus tempos e espaços para que estes sirvam aos estudantes e não se sirvam deles. A fonte socioantropológica nos leva a buscar conhecer mais profundamente o universo do nosso educando, para além da realidade física, reconhecendo seu imaginário, seu modo de viver a vida, as condições sociais objetivas em que vive. A compreensão socioantropológica possibili-

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ta a percepção de que nas comunidades empobrecidas o aprendiz não é o aluno idealizado – de famílias de classe média e alta, urbana, escolarizada – pelos teóricos de décadas passadas e perpetuado pelos livros didáticos. Trata-se, portanto, de dar significância ao ensino, articulando a construção do conhecimento às experiências de vida do educando: o trabalho precoce, a vida na rua, a luta pela sobrevivência junto à família ou longe dela, as questões de gênero e etnia. Tudo isso deve ser levado em consideração na construção do currículo da escola que se pretende comprometida com a formação humana. Afirma a necessidade de que o conhecimento escolar seja organizado levando em conta a cultura local, a linguagem, a forma de expressão, os mitos e ritos presentes na comunidade, o que dará sentido ao conhecimento formal sistematizado que a escola trabalhará. A fonte epistemológica articula conhecimentos produzidos pela humanidade em todos os campos. Propõe o trabalho com o conhecimento escolar aproximando as diferentes áreas em torno de situações problemas presentes nos objetos de estudo que integram fenômenos reais da comunidade. É a fonte que desafia os educadores ao trabalho interdisciplinar. Não se trata, portanto, de retomar a velha lista de conteúdos, disciplina por disciplina, série a série, a cada bimestre ou trimestre. O conhecimento pretendido é aquele que contribui para que educares e educandos possam desvelar os segredos do mundo, do nosso mundo, da realidade que nos cerca e na qual intervimos (BACHELARD, 1996). Consequentemente, muda o movimento no sentido de buscar o conhecimento que a fonte socioantropológica demanda, e isso, certamente, leva-nos a construir, na prática, a interdisciplinaridade necessária para uma visão mais ampla. Interdisciplinaridade que não se confunde com aquela que busca a realidade para ilustrar algum conteúdo mínimo presente numa lista, mas que, ao contrário, busca os conhecimentos necessários de forma articulada para que os educandos possam estabelecer as relações necessárias à compreensão dos fenômenos dessa mesma realidade que importa desvendar (BARCELOS, 2004). Conteúdos, portanto, são instrumentos e não um fim em si mesmo. Melhor ainda, se falarmos de conceitos, já que não é mais possível acreditar que a escola detenha o poder de reproduzir todo o conhecimento e a informação que a sociedade produz dia a dia neste início de milênio.

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A fonte sociopsicopedagógica nos alerta para os processos de construção da inteligência da criança, do adolescente e dos adultos. Trata-se de investigar quem é esse sujeito, criança, pré-adolescente, adolescente ou adulto, que a escola tem que ensinar. Quais são seus contextos de desenvolvimento biológico e social, que ensino deve ser organizado para esse sujeito concreto e como superar as leituras homogeneizadoras que ignoram as especificidades do desenvolvimento humano. Uma concepção de conhecimento voltada à formação humana entende que cada um de nós constrói sua compreensão do mundo a partir das relações que estabelece com o objeto do conhecimento e com os outros com os quais convive. Numa concepção sociointeracionista fica claro que aprender não é uma sobreposição de conteúdos programáticos bimestre a bimestre, como pequenos blocos que se somam; trata-se, isso sim, de uma interação contraditória do todo com as partes e destas com o todo, em movimento contínuo de modificação do sujeito que aprende e do objeto de estudo. 2.2 A investigação socioantropológica e o complexo temático Para beber nessas fontes, a prática educacional necessita de instrumentos de participação democrática. A democracia como método, como caminho de acesso para chegar às fontes do currículo, para estruturá-lo e organizar o ensino. Tal concepção introduz os processos participativos e a práxis concreta do trabalho coletivo na atividade essencial da escola, ou seja, na organização do ensino e na construção do conhecimento. Dois mecanismos são essenciais para capturar as questões concretas das comunidades com vistas a integrá-las no currículo: a investigação socioantropológica e o complexo temático2. A investigação socioantropológica organiza as atividades escolares a partir de dados obtidos por um levantamento socioantropológico realizado nas comunidades escolares por professores e, em alguns casos, com a participação de funcionários, alunos e até pais e mães. Partindo da verificação do senso comum, como indica Brandão: [...] são todas as dimensões de uma determinada comunidade inclusive seus sonhos, aspirações e projetos que constituem o discurso a ser revelado e decodificado. O que nos interessa, sobretudo, é

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- Trata-se de experiência concreta realizada por escolas da Rede Pública Municipal de Porto Alegre. A investigação socioantropológica é uma entrevista que os professores fazem na comunidade do entorno da escola. Nessa visita os professores organizam um roteiro de conversas com as famílias procurando registrar as falas que expressam questões concretas que envolvem a comunidade. A sua história, suas lutas, seus ritos, seus mitos, o circuito de lazer, o tipo de convivência, seu imaginário, enfim seus problemas mais significativos. Em seguida o material apontado é discutido e sistematizado no chamado complexo temático. O complexo temático é constituído por um núcleo formado pelo fenômeno mais frequente nas falas da comunidade. Em torno do fenômeno principal são colocadas as falas mais significativas e em torno das falas os conceitos a elas relacionados. Construído o complexo as diferentes áreas do conhecimento organizam o programa de ensino a partir do fenômeno e das falas, trabalhando os respectivos conteúdos relacionados com os conceitos e com o fenômeno do complexo. Essa prática estimula o trabalho coletivo, a interdisciplinaridade e possibilita que as questões concretas da comunidade apareçam na linguagem e no conteúdo escolar conferindo significados aos processos de aprendizagem.

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fazer emergir as contradições e incoerências entre o falar e o agir, entre as percepções da realidade e de si e as pautas de comportamento cotidiano, entre o sonho e a realidade, entre o real e o possível (BRANDÃO, 2002, p. 11).

Trabalhar a partir das experiências vividas pelas comunidades é um desafio metodológico de difícil enfrentamento pela escola e seus atores. Sem dúvida, é preciso uma abertura da instituição que vai muito além da abertura física, como a que viabiliza o espaço da escola para prática de esportes, festas e outras atividades comuns a essas relações. É necessária a demolição dos “muros culturais” que separam a escola e a comunidade. A proposta pedagógica, ela própria, tem que se tornar senso comum, pelo menos no seu enunciado e princípios gerais. A investigação trabalha com as falas das pessoas da comunidade, busca elementos da sua história – do circuito religioso e cultural, hábitos de lazer, suas lutas, vitórias e frustrações – além das características do seu senso comum. A sistematização desse levantamento é discutida com a comunidade e o ensino é organizado nas diversas áreas do conhecimento, tendo como foco as falas e os fenômenos mais significativos para os atores sociais envolvidos. A investigação socioantropológica é, portanto, uma ação metodológica que integra a lógica interna da visão epistêmica, a qual não prescinde do senso comum para a construção do conhecimento, pressupondo uma concepção de realidade referenciada na filosofia da práxis. Partindo desse entendimento, Rocha faz a seguinte consideração: A partir da concepção dialética podemos afirmar que a prática social, com todas as suas facetas, é a fonte de conhecimentos. Esta prática social não é uma realidade homogênea, nem estática, mas perpassada por contradições (inclusive as de classe) onde se articulam as ações do presente com a herança do passado (ROCHA, 1996, p. 57).

Nessa compreensão, a investigação socioantropológica não é a organização do ensino no seu absoluto e tampouco é o resultado acabado que mecanicamente se transforma em ação pedagógica. Os seus resultados transformam-se na reflexão-ação dos sujeitos, são submetidos à crítica na dinâmica das ações produzidas. Essa atitude crítica é que aponta as 22_


ações pedagógicas pertinentes, que não podem ter outro objetivo que não seja o de construir conhecimentos, nas diferentes áreas, com pertinência ao contexto e com significados para os sujeitos. É a coerência com a ideia de que o conhecimento da realidade em que vivem os alunos é o fator que produz os elementos concretos de articulação e execução de todo o trabalho pedagógico na escola. O complexo temático é a ferramenta para organizar o ensino a partir dos elementos levantados na investigação socioantropológica. A síntese da participação e a construção do conhecimento nos Ciclos de Formação, podendo se realizar por meio dos seus desdobramentos no cotidiano dos espaços escolares. O complexo temático propõe uma captação da totalidade e das dimensões significativas de determinados fenômenos extraídos da realidade e da prática social. Trata-se de levar o processo de participação à atividade essencial da escola, ou seja, a organização do ensino para construção do conhecimento. É práxis concreta de uma epistemologia que pressupõe o trabalho coletivo, a organização do ensino que não cria artificialmente uma realidade, mas molha-se em suas águas para encharcar-se da sua cultura, para conhecer vivendo e viver conhecendo. Um ensino cujo conteúdo, sem romper com seus vínculos universais, sem deixar de ser rigoroso, científico, não se coloca a priori como conhecimento dado, mas como uma mediação para o desvelamento do real pelos sujeitos atores do processo. Como bem sintetizam Gorodicht e Souza: [...] o Complexo Temático caracteriza-se por fazer-se produção coletiva, respeitadas as especificidades locais e regionais, por ser significativo para toda uma comunidade, por apontar situações-problema para seus atores, por propor-se gerador de ação, por ajudar o aluno a compreender a realidade atual, por respeitar os sujeitos que na escola e na sociedade interagem e por ser representativo de uma dada leitura do real (GORODITCH; SOUZA, 1999, p. 81).

Na sua concepção prática e teórica de organização do ensino, Pistrak (1981) considera que o objetivo da escola é a compreensão crítica e dialética da realidade, na qual os temas e fenômenos estudados estão articulados entre si e com a realidade macrossocial e universal. Tal ensino permitiria aos edu-

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candos não só a apreensão do real, mas também a intervenção consciente no mundo social e cultural do contexto da sociedade a que pertencem. Ou seja, o ensino por complexo permite fizer a ligação efetiva entre a atividade intelectual na escola, a prática social e a auto-organização fora da escola. A ênfase se dará naquelas partes das disciplinas que forem significativas para a finalidade da escola, unindo as disciplinas para conhecer os objetos e fenômenos em suas relações recíprocas, tanto quanto a sua natureza e diferenças como em relação às suas diferentes compreensões e seus processos de transformação. As quatro fontes diretrizes do currículo, presentes na investigação socioantropológica realizada na comunidade, referenciam a escolha de questões-problema a serem trabalhadas, na eleição do foco do complexo, nos conceitos que comporão o campo conceitual e na organização de atividades para cada ciclo. Do conjunto dos elementos levantados pela pesquisa socioantropológica, são relacionadas as falas mais significativas. Formulam-se questões, hipóteses, escolhe-se um fenômeno cujas dimensões socioculturais melhor expressam as totalidades e os significados das questões captadas na realidade social da comunidade. Segundo Rocha, [...] o complexo temático provoca a percepção e a compreensão da realidade, explícita a visão de mundo em que se encontram todos os envolvidos em torno de um objeto de estudo e evidencia as relações existentes entre o saber e o pensar, o agir e o refletir, a teoria e a prática (ROCHA, 1996, p. 2).

Ao mesmo tempo, são identificados os conceitos que estão contidos nos fenômenos e nas falas. As relações entre conceitos e fenômenos possibilitam a construção de uma visão geral do contexto. O complexo temático pressupõe, também, uma visão de totalidade da abrangência dessa totalidade, através do foco particular de cada área do conhecimento, o que possibilita romper com o conhecimento fragmentado. Definido o complexo temático, cada área do conhecimento interrelaciona os conteúdos que possibilitam a compreensão dos conceitos que serão trabalhados a partir do fenômeno foco do complexo. A lógica de desenvolvimento do complexo, suas correlações internas, o processo de trabalho coletivo, o envolvimento das áreas de conhecimento em ações comuns, o encontro dos diferentes olhares das disciplinas, que pelo mesmo campo 24_


conceitual oportunizam aprendizagens significativas, tensionam no sentido do trabalho e da construção do conhecimento interdisciplinar. A interdisciplinaridade entendida não como justaposição de conteúdos e disciplinas ou como uma integração formal e estática, mas como uma ideia dinâmica de trocas disciplinares, articuladas no interior de um núcleo de ação concreta com uma totalidade a ser desvendada por diferentes campos do conhecimento. As ações concretas, propositivas de trabalho coletivo, preparam a integração necessária para encaminhar o trabalho interdisciplinar na organização de ensino por ciclos de formação. A forma tradicional do trabalho escolar cindiu o saber, fragmentou a visão da realidade, segmentou a percepção da natureza, contribuindo para fortalecer a não compreensão da totalidade, favorecendo os processos de desumanização, de manipulação da ciência como produtora de uma sofisticação tecnológica, que cada vez mais oculta a apropriação da inteligência humana em forma de trabalho alienado. O trabalho interdisciplinar resgata a visão de totalidade e é uma possibilidade de produção de uma cultura escolar renovada.

3. Aprender nos ciclos da vida 3.1 Os espaços e os tempos no ciclo de formação A partir da caracterização do que é o conhecimento numa concepção de formação humana, de onde vêm suas fontes, como deve ser organizado o ensino, como deve ser organizado o trabalho dos educadores, percebem-se a incapacidade e a insuficiência da organização seriada para dar conta de uma educação humanizadora e de qualidade. Não basta, portanto, uma mudança metodológica, ainda que alicerçada em bases sólidas; não basta fazer a crítica aos conteúdos muitas vezes vazios que enchem os livros didáticos; não bastam, ainda, a vontade política, a opção pela educação humanizadora. A escola para formação humana é, de fato, outra escola, reinventada. No seu objetivo, busca ser livre das grades curriculares engessadas, livre da ditadura do livro didático, da avaliação classificatória e livre da exclusão pela não aprendizagem.

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A Escola por Ciclos de Formação é a tentativa de traduzir na orga3

- As principais referências teóricas que podem ser utilizadas para compreender a relação entre as teorias de desenvolvimento humano com as práticas pedagógicas e a lógica dos ciclos da vida são as teorias da aprendizagem desenvolvidas por J. Piaget, H. Wallon e L. S. Vygotsky. Ver: REGO (1998), GALVÃO (1998), LA TAILLE et al. (1992).

nização escolar os ciclos da vida3. Diferente da seriação, na qual o educando tem que adaptar-se a uma estrutura preexistente, a estrutura em ciclos de formação procura adaptar-se aos ciclos da vida, a fases do desenvolvimento humano. É a escola redesenhada, com espaços e tempos que buscam responder ao desenvolvimento dos educandos. As crianças e os adolescentes são seres em permanente desenvolvimento que não podem ser regrados pelo calendário escolar ou pelo ano letivo. O tempo de aprendizagem do educando não pode ser submetido à camisa de força do tempo do ano letivo ou do ano civil. A escola por ciclos de formação vê a aprendizagem como um processo, no qual não há, necessariamente, períodos ou etapas preparatórias para aprendizagens posteriores, mas um permanente desenvolvimento. Daí o critério da enturmação por idade. Entretanto seria simplista e ilusório acreditar que crianças e adolescentes aprendem pelo simples fato da distribuição em turmas por idade. Mas o fundamental é que a escola e os educadores sejam capazes de produzir intervenções pedagógicas a partir do diagnóstico do desenvolvimento de cada aluno, estimulando os elementos sensíveis das características etárias com atividades que proporcionem experiências de aprendizagens concretas. Portanto, a existência em um mesmo grupo de educandos, com níveis de conhecimentos diferenciados, pode contribuir para dinamizar a aprendizagem, desde que haja a potencialização pedagógica. Sobre essas possibilidades, afirma Vygotsky: A aprendizagem se apoia em processos imaturos, porém em via de maturação e, como toda a esfera deste processo está incluída na zona de desenvolvimento proximal, os prazos ótimos de aprendizagem, tanto para o conjunto das crianças como para cada um deles, determinam-se em cada idade pela zona de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1996, p. 271).

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- Ver entrevista do professor Bernd Fichtner concedida a Maria da Graça Schimit e publicada na Revista da SMED Paixão de Aprender (FICHTNER, 1997). Ver, ainda, VYGOTSKY (1984).

O professor Bernd Fichtner4 analisa no pensamento de Vygotsky a caracterização do que são funções psíquicas elementares e superiores. As elementares são os reflexos, associações simples, reações automáticas, processos imediatos e instantâneos de percepção. As funções superiores são aquelas que identificam o funcionamento psicológico essencialmente humano. As funções superiores são de natureza cultural, mas a construção

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dessas funções no plano individual não é uma mera transposição do que ocorre no plano social, na medida em que se opera uma transformação qualitativa destas durante o processo de interiorização. Essas funções são mediadas por instrumentos e signos que são de caráter cultural e histórico, que marcam as relações interpessoais dos seres humanos. Portanto, todas as estruturas das funções superiores são mediadas por signos que funcionam como instrumentos psicológicos. Segundo Fichtner, o conceito de mediação é central na abordagem de Vygotsky: [...] a mediação por instrumentos e signos não é apenas uma idéia psicológica, mas uma idéia que quebra todos os muros cartesianos, que estão separando o que é a consciência individual da cultura e da sociedade [...] Vygotsky quebra com a perspectiva tradicional, que os homens são controlados de fora, quer dizer, pela sociedade, ou que os homens são controlados de dentro, quer dizer, pela sua herança biológica (FICHTNER, 1997, p. 48).

Dessa forma, a escola por ciclos de formação, ao enturmar os educandos por idade e não por nível de conhecimento – como faz a escola tradicional –, oportuniza interações e trocas a partir de elementos de identidade contidos nas idades próximas e com diferentes níveis de desenvolvimento proximal, incidindo no processo de aprendizagem de todos. Ou seja, a zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky (1996), que se configura como um potencial de aprendizagem que pode ser desenvolvido interativamente, realiza-se com mais intensidade em grupos com identidade etária. Ainda sobre a idade, afirma Snyders: “A cada idade corresponde uma forma de vida que tem valor, equilíbrio, coerência, que merece ser respeitada e levada a sério; a cada idade correspondem problemas e conflitos reais” (1993, p. 29). Outra contribuição teórica importante à organização dos ciclos de formação é a de Henry Wallon5, para quem é essencial para a escola reconhecer as mudanças objetivas no comportamento da criança nas suas diferentes idades e em situações diferenciadas e as consequentes necessidades

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- Sobre relação idade e aprendizagem, a necessidade de uma escola flexível que responda às diferentes fases do desenvolvimento biológico e psicossocial da criança, ver GALVÃO (1998).

daí decorrentes. Esse reconhecimento se concretiza quando a escola respeita e diagnostica o comportamento dominante em cada etapa do desenvolvimento, estimulando o processo de integração de comportamentos, o que é uma necessidade inerente ao processo de construção da personali-

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dade em cada fase. Cabe à escola, como instituição educadora, cumprir a função de prover os meios e realizar as mediações e atividades necessárias para realização da formação das crianças e dos adolescentes. Quando isso não é observado pela ação pedagógica da escola, quando as tarefas escolares contradizem as circunstâncias psicossociais, que vivem objetivamente as crianças, característica de seu universo transitório, o ato educativo acaba empobrecido e desconstituído de sentido. A escola deve identificar e estimular as relações entre a formação intelectual e a interatividade social, contribuindo para a criança aprender a convivência nas contradições do contexto sociocultural e, ao mesmo tempo, para que tenha acesso aos conhecimentos pertinentes a sua formação. Dentro desses referenciais, ao invés de punir o aluno, pela retenção, pelo que não aprendeu, a escola que pratica a formação humana valoriza as aprendizagens já adquiridas, assumindo a responsabilidade na mobilização das energias, da teoria e da prática acumuladas por todos os sujeitos que compõem a comunidade escolar, para promover a aprendizagem contínua. Nessa perspectiva, velhas e repetidas verdades perdem o status de senso comum. A reconversão da escola tradicional em uma escola de ciclos de formação significa nova estrutura, novas concepções, uma práxis que produz uma nova cultura escolar, um senso comum diferenciado sobre o papel da escola. Para responder a essas questões, o ensino pode ser organizado em três ciclos de três anos cada, dos seis aos quatorze anos. Os três ciclos correspondem à infância, à pré-adolescência e à adolescência. Esse agrupamento, de crianças e adolescentes na escola, fundamenta-se na relação 6

- Sobre os processos cognitivos da criança, a relação com o meio social e o desenvolvimento das funções mentais, ver REGO (1998).

desenvolvimento e aprendizagem, numa perspectiva em que o desenvolvimento cognitivo das crianças e adolescentes dá-se, tanto por processos biológico-cognitivos quanto por interações sociais. Dessa forma, torna-se importante aprofundar sobre como o ambiente sociocognitivo ao qual as

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- A passagem do educando pela turma de progressão deve perdurar apenas o tempo necessário para a realização das aprendizagens necessárias à sua integração no ano ciclo correspondente à sua idade. Os professores das turmas de progressão têm uma formação específica para as exigências de intervenção pedagógica que garantam o acesso ao conhecimento desses educandos. Ver: DIDONET; ROCHA (Orgs.) (1999) e DIDONET; MARTINS et al. (Orgs.) (1999).

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crianças são regularmente expostas pode influenciar o desenvolvimento, pois desenvolvimento e aprendizagem são dois processos que interagem, afetando-se mutuamente6. Essa visão de construção do conhecimento, de desenvolvimento do sujeito e das suas funções mentais informa a estrutura curricular e a organização do ensino nos ciclos de formação. Dessa forma, as atividades pedagógicas e a enturmação dos estudantes estão acompanha-


das de uma concepção de currículo que, obviamente, indica a relação ambiente, cultura, conhecimento. Toda organização curricular baseia-se num modelo pedagógico, numa concepção de aprendizagem, numa teoria do conhecimento e em visões de mundo e de sociedade. Nessa proposta educativa, educadores necessariamente planejam e executam o trabalho coletivamente. Cada ciclo deve ter o seu coletivo de educadores que, dentro dos espaços institucionais previstos, realizam o trabalho com os educandos, estabelecendo um processo permanente de relações com os pais e a comunidade em geral. Novos espaços devem ser criados para garantir o tempo de aprendizagem para todos. Serão aqui tomados como referência, como exemplos de possibilidades, alguns espaços importantes experimentados na Rede Municipal de Porto Alegre como as turmas de progressão para educandos que, no momento da implementação da estrutura escolar por ciclos de formação, apresentam defasagem idade/aprendizagem. Esses alunos, respeitados no seu desenvolvimento, nas suas

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- O Laboratório de Aprendizagem é o espaço de investigação sobre o processo de construção do conhecimento do aluno investigado. São encaminhados ao laboratório os alunos que não aprendem com as estratégias pedagógicas e didáticas utilizadas pelo coletivo de professores do ciclo. Após investigar os processos e comportamentos de aprendizagem do aluno, os professores do laboratório sugerem aos professores do coletivo do ciclo estratégias novas apontadas pela pesquisa. Ao mesmo tempo em que é investigado, o aluno aprende mais sobre o seu próprio potencial. O laboratório, portanto, não é um espaço de recuperação, e os professores recebem formação específica para atuar nesse espaço. Ver o texto de Maristela Costa e Marlene Ávila Machado, Laboratório de aprendizagem: investigar, compreender e desenvolver a aprendizagem in Cadernos Pedagógicos n.12, SMED, 1998.

experiências de vida e, a partir do seu contexto biológico e cultural, são estimulados e desafiados com estratégias pedagógicas que ampliam as suas aprendizagens. Os educandos que formam as turmas, nas quais há a correspondência idade/ aprendizagem7, quando apresentam dificuldades não superadas pelo coletivo de professores do ciclo, são encaminhados ao Laboratório de Aprendizagem8. Caso sejam diagnosticadas situações nas quais haja a necessidade de avaliação e atendimento especial, individualizado, o educando é encaminhado à Sala de Integração e Recursos9, na qual o acompanhamento é proposto por educadores especiais e, ainda se necessário, por outros atendimentos especializados. Outra contribuição para a extensão dos espaços educativos e dos tempos de intervenção pedagógica por aluno foi a construção da figura do professor itinerante10: um recurso humano a mais a cada três ou quatro turmas para fortalecer o coletivo e ampliar as possibilidades de planejamento e de intervenções em grupo dos professores. Esse coletivo foi ainda reforçado por estagiários remunerados, estudantes de cursos de formação de professores, um para cada dez turmas. Os novos espaços e tempos pressupõem a organização coletiva do trabalho. Ao professor não cabe mais o trabalho isolado. É fundamental a instituição de espaços de planejamento coletivo, organizando ações pedagó-

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- A sala de integração e recursos é composta pelo educador especial, pelo psicopedagogo, com assessoria da equipe de psicólogos da Secretaria. Esses profissionais especializados atuam integrados com os órgãos municipais de saúde e serviços sociais. As salas de integração e recursos não existem em todas as escolas. Cada grupo de escolas é atendido por uma sala de integração e recursos situada numa escola da região.

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- O professor itinerante é previsto no quadro de pessoal das escolas, regrado pelos regimentos escolares, que estabelecem para cada três turmas um professor a mais para facilitar o funcionamento do coletivo, possibilitando a existência de reuniões pedagógicas sem interrupção ao atendimento dos alunos. Ou a organização de atividades em que os alunos de várias turmas ou de uma turma são redistribuídos, conforme o planejamento coletivo do trabalho. É importante reafirmar que no ensino por ciclos de formação as turmas são apenas uma referência, pois deve haver um intenso trabalho que implica dissolução das turmas do mesmo ano ciclo em grupos organizados para determinadas atividades pedagógicas. O professor itinerante é também chamado nas escolas de professor volante. Sobre professor itinerante, ver o texto de Dalila Frota, O professor volante no ciclo: lugar em construção (DIDONET, 1999).

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gicas em grupos para intervir no processo de construção do conhecimento. Mais de um educador pode trabalhar em uma turma ao mesmo tempo, na mesma sala de aula. Os agrupamentos de educandos podem ser flexíveis de acordo com as atividades planejadas pelos coletivos de educadores e com as necessidades de aprendizagem dos educandos. A flexibilidade dos tempos e espaços pode corresponder ainda a um movimento constante de reagrupamento, rompendo com a rigidez das classes tradicionais. Em uma perspectiva dialética do conhecimento, a ação educativa considera a prática social como fonte do conhecimento. Por isso a escola de ciclos de formação não é uma escola para a vida, mas é uma escola na vida. Não é uma escola para o futuro, mas uma escola para hoje e por isso conectada ao devir, ao processo de humanização, havendo a preocupação concreta com o respeito às condições específicas das crianças e adolescentes, assegurando-lhes o direito ao conhecimento como crianças e adolescentes que construam, sobretudo, a aprendizagem da autonomia e da cidadania dentro de princípios solidários e de cooperação no cotidiano da convivência social.

3.2 A avaliação como práxis emancipatória Na concepção de formação humana, a avaliação é um processo dinâmico, um permanente aprendizado do educador sobre o aluno aprendiz. É a investigação de como o aluno está construindo o seu pensamento, quais os processos e imagens que constrói, que estratégias são necessárias para que as mediações dos educadores compatibilizem desenvolvimento humano e aprendizagem. Segundo Hoffmann (2003, p. 15), a avaliação é essencial à educação inerente e indissociável do trabalho pedagógico, enquanto concebida como problematização, questionamento, reflexão sobre a ação. É parte inseparável de cada passo, de cada ação didático-pedagógica. Ao visar o avanço contínuo do educando, pela superação das dificuldades e acesso ao conhecimento, adquire uma dimensão emancipatória. A avaliação é um processo contínuo, participativo, com função diagnóstica, prognóstica e investigativa cujas informações propiciam o redimensionamento da ação pedagógica e educativa, reor-

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ganizando as próximas ações do educador, do coletivo do Ciclo e mesmo da escola, no sentido de avançar no entendimento e desenvolvimento do processo de aprendizagem (ROCHA, 1996, p. 52).

Tomando como base ainda a experiência de Porto Alegre, a avaliação nos ciclos de formação pode ser processada em três níveis distintos: a avaliação formativa, sumativa e especializada. Cada aluno tem um dossiê individual no qual são feitos os registros da sua produção e o seu relatório de desempenho11.

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A Avaliação Formativa informa a situação do educando em relação aos objetivos propostos para sua aprendizagem em cada período estabelecido. É um processo permanente de diagnóstico que orienta educador, educando e família sobre o desenvolvimento da aprendizagem. A avaliação su-

- O sistema de avaliação nos ciclos não utiliza as tradicionais notas e conceitos. Cada aluno tem um dossiê individual no qual é agregada a sua produção mais significativa: os pareceres da autoavaliação; da avaliação coletiva dos professores. Toda a sua trajetória no coletivo do ciclo fica registrada e o acompanha nos ciclos seguintes.

mativa contempla o sumário de todas as atividades, avanços e dificuldades apresentadas pelo aluno ao final do ano letivo, em cada ano ciclo ou término de ciclo. Constitui um diagnóstico construído a partir da avaliação formativa e permite um juízo globalizador da aprendizagem do educando, apontando o tipo de progressão desse aluno. A avaliação especializada é demandada pelo coletivo de professores das turmas. Caso o coletivo do ano/ciclo não esteja conseguindo mediar a aprendizagem do aluno, ele poderá ser encaminhado ao Laboratório de Aprendizagem para uma investigação mais profunda sobre as dificuldades de ensino e aprendizagem, que envolvam esse educando. Essa investigação deve resultar em novas intervenções do coletivo de educadores, visando produzir a aprendizagem. A uma escola de ciclos de formação não é coerente trabalhar com o conceito de reprovação/aprovação, que tem sido um forte fator de exclusão, mas com o conceito de aprendizagem para todos, como finalidade e obrigação da escola e direito do educando. Segundo Krug, A reprovação e aprovação não existem para que todos e todas sejam considerados em suas características diferenciadas, atendidos nas possibilidades de exercício dessas diferenças e tenham experiências que lhes proporcionem aprendizagens durante os nove anos do Ensino Fundamental (KRUG, 2001, p. 53).

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Por isso discute-se a não retenção de ano para ano ou de um ciclo para outro. A avaliação não desconhece o acúmulo de conhecimento do estudante; a escola considera o educando um ser em desenvolvimento, cabendo-lhe a tarefa de estimular e potencializar as aprendizagens, respeitando a individualidade do educando, sem submetê-lo a uma ação pedagógica homogênea, por cima das singularidades próprias de cada ser humano. A progressão nos ciclos de formação, conforme a experiência citada, ocorre de três formas: Progressão Simples, quando o educando desenvolve suas experiências de aprendizagem sem dificuldades, em todas as áreas; Progressão com Plano Didático de Apoio, quando o educando progride para o ano seguinte, com dificuldades em alguma área, acompanhado do Plano Didático de 12

- O plano didático de Apoio é anexado ao dossiê do aluno que tem deficiência de aprendizagem em alguma área do conhecimento e que em um sistema tradicional seria retido pela reprovação. No ensino por ciclos, não há retenção. O Plano Didático de Apoio informa ao coletivo de professores do ano seguinte a situação do aluno, bem como sugere intervenções pedagógicas para que o aluno possa superar suas dificuldades.

Apoio12, que orienta os educadores do ano seguinte para a retomada das dificuldades desse aluno; e Progressão Sujeita à Avaliação Especializada, quando o educando precisa de uma avaliação mais profunda, necessitando de um plano de apoio individualizado que lhe proporcione condições de superação das dificuldades e um suporte profissional específico à sua aprendizagem.

Conclusão O debate sobre a qualidade do ensino vem sendo cada vez mais intenso, extrapolando os meios educacionais, ocupando os canais midiáticos e construindo um senso comum que nem sempre contribui para elucidar os problemas que afetam o quadro real da educação. A realidade da educação é quase sempre apresentada através de seus sintomas aparentes sem que as questões essenciais sejam tocadas. As referências sobre uma boa ou má educação, sobre a qualidade do ensino são tomadas a partir de velhos conceitos, pertinentes a realidades históricas ultrapassadas. Assim, qualidade é confundida com quantidade, com capacidade de repetição, com domínios externos e mecânicos de informação. Para tal lança-se mão de instrumentos de avaliações quantitativos, que mensuram produtos, ignorando-se os processos, estabelecendo raking e comparações entre realidades distintas. Assim, são comparados países avançados que diminuíram drasticamente as desigualdades sociais e que realizam historicamente grandes investimentos em educação

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com a situação vivida por países como o Brasil que acumulam um grande atraso histórico na questão social e educacional. A realidade da educação brasileira coloca hoje questões desafiadoras. Estamos atingindo a universalização do Ensino Fundamental e um avanço significativo no acesso à Educação Básica. A massificação da educação traz para dentro da escola os contingentes sociais empobrecidos e historicamente excluídos. Isso significa que mudou o perfil da população escolar. Contraditoriamente a escola continua atuando com os pressupostos pedagógicos da escola pensada para os segmentos médios e para as elites. Com esse funcionamento a instituição escolar tem se constituído em espaço de trânsito das desigualdades e da exclusão pela não aprendizagem. As concepções mecanicistas e positivistas do conhecimento, cujos desdobramentos pedagógicos são o repasse de conteúdos, aparecem hoje nas visões produtivistas da educação, com os métodos de avaliação de produtos que ignoram a formação integral e a diversidade cultural do sujeito aprendiz. Essas práticas e concepções não respondem as necessidades de aprendizagem das classes populares e reforçam os mecanismos de exclusão via escola. Algumas questões necessitam ser reforçadas para a discussão da qualidade do ensino. Entre elas destacamos as que seguem: por que há dificuldades de repensar a escola para além da organização do trabalho segundo o modelo taylorista-fordista? Por que as políticas públicas e as concepções sobre a Educação Básica continuam a utilizar parâmetros que não dialogam com a mudança de perfil social da população escolar? Por que a ideia de escola continua atrelada à visão de repasse de conhecimento pronto e acabado? Por que apesar de todo avanço teórico da ciência da educação, da revolução nas comunicações, das transformações na organização do trabalho e na produção o conhecimento escolar continua aprisionado pela repetição, pela fragmentação, pelos tempos predeterminados, pelo trabalho individual e pelas avaliações pontuais e quantitativas? Por que a educação escolar não consegue transpor a sua organização e suas práticas na direção de um ensino que trabalhe o conhecimento como processo de construção permanente em diálogo com a diversidade cultural e social do sujeito aprendiz? E, finalmente, por que a resistência em repensar a estrutura da escola, compatibilizando seus tempos e seus espaços com a revolução tecnológica, com a concepção de conhecimento em construção e superação permanente e com a entrada das classes populares com todos os seus componentes culturais e sociais?

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Pensar uma educação integral voltada à formação humana significa certamente repensar os ritos formais que tornam a escola um local de repetição, inibidor da criatividade, calcada numa meritocracia que coage os excluídos a se identificar com o próprio fracasso. O desafio desse tempo é uma escola pertinente com o ser humano interferidor, onde a experiência cognitiva se constitua na ação de verificação e reconstrução da condição de existência do sujeito aprendiz.

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EDUCAÇÃO E PESQUISA EM CIÊNCIA DE SERVIÇOS NO BRASIL: NECESSIDADE E OPORTUNIDADE EDUCATION AND RESEARCH ON SERVICE SCIENCE IN BRAZIL: NEED AND OPPORTUNITY

Claudio S. Pinhanez*

*

- PhD, MIT 1999. Pesquisador, IBM Brasil.

Resumo: A transformação das economias mundiais e brasileira em economias de serviços está forçando a transformação dos processos tradicionais de inovação no setor, particularmente, com a necessidade de inovação sistemática baseada em ciência e tecnologia. Neste artigo, faz-se uma revisão básica da situação mundial e brasileira em Ciência de Serviços, a disciplina que estuda serviços e sistemas de serviços, que aponta ensino e pesquisa em serviços como uma atividade fragmentada e relativamente incipiente. Nesse contexto, propõe-se a necessidade estratégica de políticas de ensino profissional e científico-tecnológicas de fomento e desenvolvimento de Ciências de Serviço no Brasil. Discute-se também a oportunidade de liderança do Brasil nessa área, proporcionada por vários fatores demográficos, econômicos, e culturais.

P a l a v r a s - c h a v e : Inovação em Serviços, Política de Inovação, Ciência de Serviços, Política Científica, Política de Ensino.

Abstract: The transformation of the world and the Brazilian economies into service economies is changing the traditional processes of service innovation. In particular, there is a growing need of systematic innovation in services based on science and technology. In this paper, we do a basic _ 37


review of the current status of Service Science in the world and in Brazil. Service Science is the discipline that studies services and service systems, which shows that education and research in services is still a very fragmented and incipient activity. In this context, we point out the strategic need of education policies for professionals and scientific-technological policies for the funding and the development of Service Science in Brazil. We also discuss opportunities for Brazil’s leadership in the area, fostered by many demographic, economic, and cultural factors.

K e y w o r d s : Service Innovation, Innovation Policy, Service Science, Scientific Policy, Education Policy.

1. Introdução Os sinais de erosão da primazia da manufatura como chave do desenvolvimento econômico, que foi a base fundamental do pensamento econômico e desenvolvimentista dos séculos XIX e XX, estão por toda parte. A maioria dos trabalhadores no mundo está no setor de serviços e o PIB das maiores economias do planeta, bem como dos países emergentes, é dominado pelo setor de serviços. Embora seja o setor que mais emprega no mundo e responsável por parte considerável do PIB mundial, tem baixa produtividade e baixos índices de inovação. Nesse contexto, desenvolver, melhorar a produtividade, diversificar e melhorar a qualidade no setor de serviços, em suma, inovar em serviços, são ações fundamentais para o crescimento econômico no século XXI. No Brasil, as indústrias de serviços produzem mais de 60% do PIB e empregam aproximadamente 55% da população ativa. Não obstante, o setor de serviços não só sofre ao mesmo tempo de baixa produtividade e de baixos índices de inovação como também apresenta um processo de seleção mercadológica de empresas no qual muitas vezes as mais inovadoras não sobrevivem (KUBOTA, 2006). Contudo, inovação em serviços ainda é vista, em muitos círculos, como uma questão de menor importância. Como observa Gallouj:

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[…]modern economies are both service economies and economies of innovation. Paradoxically, they are not regarded as economies of innovation in services, […]. It is as if service and innovation were two parallel universes that coexist in blissful ignorance of each other (GALLOUJ, 2002).

Em particular, inovação em serviços vive hoje, em sua grande parte, no mundo da tentativa e erro, em que a ocorrência de inovação baseada em ciência e tecnologia é insignificante se comparada com os setores agrícolaextrativo e de manufatura. A causa desse baixo índice de inovação de serviços baseado em ciência e tecnologia deve ser creditada, ao menos em parte, ao relativo descaso em relação à pesquisa e à educação específica para o setor de serviços no mundo acadêmico. O número de egressos de instituições superiores de ensino com formação em serviços, no mundo todo, é desprezível (2008), bem como o número de universidades que oferecem cursos de pós-graduação com ênfase em serviços. Por exemplo, no Brasil, em 2009, não existe nenhum curso de mestrado (stricto sensu) ou doutorado na área de serviços, nem mesmo em faculdades de administração e negócios. Essa realidade em que o maior setor da economia é o mais carente em educação e pesquisa científica e tecnológica necessita, a nosso ver, uma ação mais clara e organizada por parte dos diversos agentes da cadeia de ensino e pesquisa. Essa situação é parte da herança intelectual do modelo industrialista do século XX, que privilegiou a manufatura como fator de desenvolvimento econômico. Apesar da transformação das economias industriais em economias de serviços, característica das últimas décadas do século XX, principalmente nos países industrializados, não houve um acompanhamento proporcional em incentivos governamentais em inovação, pesquisa e ciência em serviços. Com o intuito de corrigir essa deficiência, observa-se em vários países do mundo, ao longo da primeira década do século XXI, uma preocupação crescente com a organização de incentivos a ciência, pesquisa e inovação no setor de serviços. Por exemplo, na Alemanha foi estabelecida em 1995 a iniciativa “Services for the 21st Century”, pelo Ministério Federal de Educação e Pesquisa, que busca incentivar, tanto no âmbito

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acadêmico como no setor produtivo, a inovação em serviços na economica alemã, com fundos de aproximadamente US$ 100 milhões em 5 anos. Nos Estados Unidos da América, o U.S. National Innovation Investment Act, aprovado pelo Congresso em agosto de 2007, estabelece incentivos para a inovação em serviços, assim como para a pesquisa e ensino em “service science” (art. 1.106). Mesmo a China, um país com limitada participação do setor de serviços na economia, estabeleceu em 2005 um plano quinquenal de modernização de serviços. Este artigo argumenta que incentivar o ensino e a pesquisa em serviços, em particular na área do conhecimento denominada Ciência de Serviços, é de importância fundamental e estratégica para o Brasil. Inovação em serviços baseada em ciência e tecnologia deverá ser o motor principal da necessária transformação do setor de serviços no século XXI, e o desenvolvimento e posse dessa tecnologia, bem como a formação de quadros humanos, profissionais e acadêmicos, são de fundamental importância.... – e portanto do desenvolvimento econômico do país ao longo do século XXI.

2. Ciência de Serviços Embora o corpo de conhecimento específico do setor de serviços seja pequeno em comparação com aquele disponível para os demais setores da economia, existe um enorme cabedal de conhecimento científico e tecnológico em serviços, produzido na sua maioria nas últimas décadas do século XX. Esse conhecimento encontra-se principalmente em Administração e Negócios (muitas vezes sob o nome de Marketing de Serviços), Engenharia (principalmente na Engenharia de Produção), Economia e, em menor grau, Design e Ciências Sociais (principalmente em Psicologia do Consumidor). O conhecimento sobre serviços disperso nessas áreas do conhecimento constitui-se no corpo principal do que se costuma chamar de Ciência de Serviços. A maneira mais simples de definir essa área é considerar – seguindo a proposta de Spohrer e outros (SPOHRER et al., 2007) de focar em sistemas de serviços como o objeto fundamental de estudo de serviços – que Ciência de Serviços é o estudo sistemático de serviços e sistemas de serviços.

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O ponto contencioso dessa definição, que abordaremos sumariamente neste artigo por falta de espaço para uma discussão mais detalhada, é a determinação do que são sistemas de serviços. Como ínício, rejeitamos aqui a visão inclusivista de Vargo e Lusch (2004) expressa no seu conceito de “Service-Dominant Logic”, no qual todos os sistemas produtivos são sistemas de serviços, sendo bens (“goods”) simplesmente um caso especial de serviços. Essa visão não é utilizada aqui por uma questão essencialmente prática: diferenciar serviços de manufatura é parte essencial do processo de definir uma identidade para Ciência de Serviços. Um sistema de serviços pode ser entendido também de acordo com a visão de Spohrer et al. (2007): um sistema de serviços é “... a dynamic configuration of resources (people, technology, organizations and shared information) that creates and delivers value between the provider and the customers through service”. Tal definição foca Ciências de Serviços em questões de redes de entidades diversas e em cocriação de valor. Uma visão alternativa é proposta por Pinhanez, que foca a distinção entre sistemas de produto e serviço na presença de pessoas dentro do sistema de serviços no momento de criação de valor (uso) (PINHANEZ, 2009). De acordo com essa definição, Ciência de Serviços torna-se uma ciência de sistemas produtivos que incluem simultaneamente o usuário e outros indivíduos. A discussão dos aspectos positivos e problemáticos das diferentes visões está além do escopo deste artigo. Na prática, há pouca discordância de que a maioria do conhecimento científico sobre serviços produzido até hoje deve ser considerado parte de Ciência de Serviços, e sobre a importância de educação e pesquisa em serviços.

3. Educação em Ciência de Serviços É relativamente evidente que a esmagadora maioria dos cursos de graduação de profissionais do setor produtivo, isto é, em Administração, Engenharia, Design, Tecnologia da Informação (TI) e similares, é hoje focada no ensino de técnicas e conhecimentos não só oriundos do – como em sua maioria basicamente aplicáveis no – setor de manufatura.

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Essa formação centrada em criação e desenvolvimento de novos produtos é, no entanto, contraditória com as oportunidades de trabalho após a formatura, que tendem a estar fortemente concentradas em empresas de serviços. O resultado é, por um lado, uma necessidade de retreinamento e novo aprendizado dentro da firma no momento subsequente ao da admissão; ou, mais comumente, na aplicação inadequada e incorreta de conceitos de manufatura em sistemas e processos de serviço. Em algumas das áreas mencionadas, tal ênfase se justifica na quase inexistência de conhecimento específico para o setor de serviços na especialidade. Não é o caso, contudo, dos cursos de Administração e Negócios para os quais há um volume significante de conhecimento já produzido e disponível em inúmeros livros-texto, por exemplo, em português (FITZSIMMONS e FITZSIMMONS, 2005; LOVELOCK e WIRTZ, 2007) e “business cases”. A presença de pelo menos uma disciplina de Administração ou Marketing de Serviços – embora muitas vezes optativa – é comum em currículos de Administração e Negócios, mas a cobertura mais aprofundada de questões de serviços é rara e particularmente problemática dado o alto número de egressos que irão não só trabalhar em firmas de serviços, mas em funções ligadas diretamente à entrega de serviços. A situação é semelhante para cursos de Economia, em que no Brasil se destaca o livro de Kon (2004). Um rápido exame dos currículos de disciplinas nos cursos de Engenharia no Brasil, e mesmo no mundo, é suficiente para comprovar que a esmagadora maioria dos engenheiros formados jamais aprendeu conceitos de Engenharia de Serviços. A exceção, em alguns casos, são os cursos de Engenharia de Produção, que por vezes incluem material mais específico para o setor de serviços, geralmente como parte de exemplos de disciplinas em Teoria das Filas. Parte do problema do ensino de serviços em Engenharia está ligado a quase inexistência de livros-texto publicados na área. Um bom exemplo de um curso de Engenharia de Serviços é o curso ministrado por A. Mandelbaum na Universidade Technion (MANDELBAUM, 2008), cujo livro-texto sequer foi publicado. Situação bastante semelhante é a dos cursos de Design, que também tendem a se focar quase exclusivamente no ensino de técnicas e conceitos de

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desenvolvimento de produtos. Design de serviços é uma área relativamente nova, que tem atraído o interesse de alguns dos principais escritórios de design do mundo (por exemplo, IDEO), além de estarem no centro de alguns dos mais inovadores novos escritórios (por exemplo Live | Work). Esses escritórios estão desbravando um enorme novo mercado, que inclui companhias de seguros, governos e hospitais, anteriormente na periferia do mercado de Design (ver MIETTINEN e KOIVISTO, 2009). A Universidade de Colônia é hoje provavelmente a líder na área de Design de Serviços, liderada por Birgit Mager, coautora do primeiro livro-texto sobre o assunto (MAGER e GAIS, 2009), infelizmente disponível somente em alemão. Uma das áreas que vive mais intensamente a contradição de formar profissionais voltados a desenvolvimento de produto que vão em sua maioria trabalhar em serviços é a da Tecnologia de Informação (TI), incluindose aqui cursos de Ciência da Computação, Engenharia de Computação e Gestão de Sistemas de TI. A indústria de TI passou por uma revolução nos anos 90 em que os serviços de TI, antes providos por aquários envidraçados nas próprias empresas, passaram a ser terceirizados por prestadoras de serviços de TI, como a IBM, a HP/EDS, Infosys, e outras. Além disso, a facilitação no desenvolvimento de software proporcionada por tecnologias como “Java” e “web-services” e, mais recentemente, “Software-as-a-Service” (SaaS), transformou a indústria de software na direção de alta customização. O resultado é que hoje, a maioria dos empregos de TI deslocou-se da produção de software-produto (também conhecido como “shrink-wrap software”) para empregos em que o profissional de TI está numa função de serviço, seja como desenvolvedor de aplicativos específicos de um cliente, ou, mais comumente, na administração e gestão de servidores, aplicativos, ou outros elementos da infraestrutura de TI. Essa transformação da profissão não se refletiu na formação de profissionais de TI, que continua focada na produção de hardware e softwareproduto como se a indústria de TI ainda vivesse nas décadas de 70 e 80. Poucos profissionais saem dos cursos de TI com o conhecimento necessário para atuar como administradores e gestores de servidores, bancos de dados, aplicativos, redes, etc., o que dificulta sua inserção no mercado profissional em cargos de mais alto nível. Além disso, o perfil tradicional do profissional

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de computação tende a ser bastante distante do adequado a situações de prestação de serviços: é muito comum a falta do que alguns autores chamam de atitude de serviço (ZEITHAML et al., 2006), a habilidade de comunicar-se com o cliente do serviço, de entender e se sensibilizar com o seu problema, e, mais importante, de focar o trabalho na melhor maneira de atender ao cliente. É possível que, no caso dos profissionais de TI, a adequação à realidade de serviços exija não só uma reformulação dos currículos, mas também uma alteração no perfil de habilidades e inteligências esperados dos ingressantes. O típico “geek” de computação pode estar com seus dias contados na maioria do mercado de trabalho de TI. Para completar esse exame rápido da situação de ensino de serviços, é importante notar que há deficiências mesmo em profissões em que a prestação de serviços sempre foi parte integrante da atuação profissional. O exemplo mais óbvio é o de profissões de saúde, como Medicina e Enfermagem. O que se observa nos currículos é um foco total nos aspectos técnicos da atuação profissional e raramente algum tipo de ensino ou treinamento na questão do processo de saúde que é fundamentalmente um processo de prestação de serviço. Poderia-se argumentar que o médico deve fundamentalmente se preocupar com a cura da doença e com os aspectos técnicos dessa questão. Na prática, porém, é impossível desvencilhar a cura do tratamento, da presença do paciente e de sua participação no processo, especialmente em doenças crônicas. Também vale ressaltar que o ensino teórico de serviços e sistemas de serviços é comumente ausente mesmo para profissionais absolutamente identificados com a prestação de serviços, como em hotelaria, gastronomia e turismo. Embora nesses casos a questão de formação e aperfeiçoamento da atitude de serviços esteja absolutamente presente, nota-se que a maioria dos currículos não inclui conceitos fundamentais de sistemas e gestão de serviços que poderiam ser facilmente providos por disciplinas hoje presentes em cursos de gestão em serviços em Administração. Concluindo, é importante observar que em muitos dos casos citados a estrutura didática para a realização de cursos sobre serviços é, na melhor das hipotéses, limitada. Particularmente em Engenharia, Design e Medicina, a inclusão de temas e disciplinas de serviços nos

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currículos enfrenta o desafio da inexistência de livros-texto e de propostas e modelos de cursos em serviços. Semelhante problema é observado mesmo para cursos mais avançados em Administração e Economia. Tais deficiências justificam-se, em parte, nas limitações do próprio cabedal de conhecimento científico disponível em Ciência de Serviços, que será abordado na próxima seção. Mas, na maioria dos casos, já é possível, com o que se sabe hoje na academia e na prática, abordar adequadamente questões fundamentais de sistemas de serviços em nível básico e médio. É importante, portanto, tentar superar essas limitações criativamente e começar a diminuir o descompasso entre o ensino profissional e a realidade mundial de transição do motor econômico para o setor de serviços.

4. Pesquisa em Ciência de Serviços Em julho de 2007, um grupo de notáveis pesquisadores de serviços de diferentes áreas do conhecimento reuniu-se na Universidade de Cambridge em um simpósio para discutir a situação atual de inovação em serviços e, em particular, de ensino e pesquisa de Ciência de Serviços. O resultado desse simpósio foi um relatório que descreve as raízes do problema e provê recomendações para operacionalizar a educação e a pesquisa em serviços (2008). Em particular, o documento propõe que o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em educação e pesquisa em serviços seja dobrado a curto prazo, tanto por governos como por empresas. A consciência sobre a importância de pesquisa em serviços varia bastante de país para país, e mesmo regionalmente. A Alemanha, maior potência manufateira do planeta, é uma das pioneiras em programas para melhoria sistemática de serviços baseada em ciência e tecnologia. Desde 1995 a iniciativa “Services for the 21st Century”, do Ministério Federal de Educação e Pesquisa, fomenta, tanto na universidade como nas empresas, a inovação em serviços na economica alemã, com recursos da ordem de US$ 100 milhões nos últimos 5 anos. Do ponto de vista acadêmico, observam-se já alguns resultados, com publicações de antologias de trabalhos focadas em pesquisas

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recentes em serviços por exemplo (STAUSS et al., 2008), realização de congressos e encontros científicos e trabalhos, analisando situação concreta de inovação em serviços na Alemanha. Outros países têm propostas em situações semelhantes, como a China, onde a questão de modernização de serviços faz parte hoje dos notórios planos de desenvolvimento quinquenais; como o Japão, que estabeleceu um investimento de US 30 milhões nos primeiros anos do século XXI para P&D em serviços; e como a Suécia, em que Ciência de Serviços (ainda que com outro nome) tem recebido constante investimento desde a década de 80. Nos Estados Unidos da América há notórios centros de saber em serviços, em particular nas “business schools” da Universidade of Maryland, da Arizona State University, e outras. Muitos dos pesquisadores criadores das ideias mais influentes em Ciência de Serviços, especialmente em termos de gestão de serviços, são de universidades americanas, como A. Parasuraman, Roland Rust, James Heskett, Christopher Lovelock, Mary Jo Bitner, Valarie Zeithaml, e James and Mona Fitzsimmons. É interessante notar que muito dessa pesquisa pioneira em serviços esteve e está ainda hoje debaixo do rótulo de Marketing de Serviços, menos por se referir a questões de marketing, mas mais por razões históricas: as primeiras pesquisas na área procuravam entender as diferenças entre marketing de produtos e serviços. É interessante notar que muitos desses pesquisadores, e muito da pesquisa em serviços mais relevante, não pertençem às escolas de negócios consideradas de 1ª linha, como Harvard, MIT ou Chicago, ainda dominadas pela visão tradicional de predomínio de manufatura e finanças, de produto material ou monetário. Vários pesquisadores de serviços nos EUA, principalmente nas escolas de administração e negócios, sentem-se marginalizados em relação aos seus pares, como se sistemas de serviços fossem um objeto de estudo menos válido de investigação científica do que indústrias manufatureiras ou instrumentos bancários. Como no caso de ensino, a pesquisa em serviços, em termos mundiais, é melhor estabelecida nas escolas de Administração e Negócios, onde já é feita em muitas instituições de maneira consistente e contínua desde a década de 70. Não obstante, é consenso que o entendimento fundamental dos componentes e estrutura de sistemas de serviços ainda não

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foi atingido e de que muito do que se sabe hoje ainda necessita não só de validação mais onstensiva como falha na criação de uma estrutura coerente que permita o avanço sistemático da área, conforme discutido no relatório do simpósio de Cambridge: The vision of Service Science [...] is to discover the underlying principles of complex service systems [....]. It should provide the structure and rigour for building a widely accepted and coherent body of knowledge to support ongoing innovation in service systems.[…] It is crucial to [….]get on with the task of discovering their fundamentals (2008, p. 7).

O mesmo relatório lista também as questões fundamentais para a pesquisa em Ciência de Serviços. Entre as diversas perguntas-chave a serem respondidas, destacam-se o entendimento das arquiteturas dos sistemas de serviços; a identificação e entendimento dos componentes básicos de sistemas de serviços; o entendimento da criação, ciclo de vida e sustentabilidade de sistemas de serviços; como as interações dentro e fora dos sistemas de serviços conduzem a diferentes resultados e comportamentos; e como otimizar essas interações, especialmente para permitir a cocriação de valor entre provedor e cliente. O relatório de Cambridge lista ainda 5 recomendações para fomento de pesquisa em serviços: 1. Desenvolver uma abordagem interdisciplinar e intercultural para a pesquisa em serviços, envolvendo conhecimentos de Administração, Engenharia, Design, Economia, Ciências Humanas, etc. 2. Fomentar a interconexão das diferentes disciplinas através de propostas e programas de grandes desafios para pesquisa que claramente necessitam de abordagem multidisciplinar. 3. Estabelecer os conceitos de sistema de serviços e de proposição de valor como fundamentais para a área. 4. Colaborar com profissionais de serviços para a captura e estruturação de bases de dados que permitam o entendimento da natureza e do comportamento de sistemas de serviços. 5. Criar ferramentas para modelagem e simulação de sistemas de serviços.

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Assim como em ensino, conforme foi visto na seção anterior, as diferentes disciplinas relevantes para Ciência de Serviços estão em estágios desiguais de desenvolvimento e de aceitação por seus pares. Enquanto que em Administração e Negócios, e em Economia, a pesquisa em serviços já possui algumas décadas de tradição, em outras áreas como o Design a pesquisa está claramente em seus primeiros passos. Na Engenharia vê-se uma presença crescente de estudos que focam sistemas de serviços, notadamente na subárea de Engenharia de Produção, mas ainda incipiente como uma área específica do conhecimento. Um elemento de otimismo refere-se à transformação recente de vários encontros acadêmicos que abordam serviços, que de uma visão unidisciplinar passaram a atrair pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento. Por exemplo, a conferência “Frontiers of Service”, tradicionalmente a mais importante para acadêmicos de serviços da área de Administração e Negócios, passou a partir de 2006 a incentivar a submissão de artigos por estudiosos e pesquisadores de Design, Engenharia e Ciências Humanas. Nesse processo, a conferência cresceu em tamanho e participação, candidatando-se a ser o principal fórum para a pesquisa em Ciência de Serviços.

5. Necessidade e Oportunidade em Ciência de Serviços A situação de pesquisa e ensino de Ciência de Serviços no Brasil é bastante semelhante à da maioria dos países desenvolvidos: em alguns cursos disciplinas de serviços são ministradas, existem pesquisadores e mesmo alguns grupos de pesquisa na área, mas de um modo geral são insignificantes a organização e o suporte a ensino e pesquisa em Ciência de Serviços. Apesar de vários cursos de especialização em serviços – principalmente Gestão e Marketing de Serviços – não há no Brasil, até 2009, nenhum curso de pós-graduação (stricto sensu) reconhecido no país. As disciplinas de serviço oferecidas a nível de graduação em geral são optativas, com raras exceções. Dentro desse quadro, o ponto mais positivo é a relativa abundância de livro-textos em português, incluindo traduções de clássicos da área por exemplo Fitzsimmons e Fitzsimmons (2005) e Lovelock e Wirtz (2007), mas também alguns trabalhos de alta qualidade de autores nacionais como Corrêa e Caon (2006).

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Com relação à pesquisa, a principal característica é uma desarticulação dos pesquisadores interessados na área. Existem alguns bons trabalhos em andamento na área, mas o nível de colaboração entre pesquisadores de diferentes instituições e mesmo da mesma instituição é mínimo. Não existe, ao menos até 2009, nenhum simpósio ou workshop na área, nenhum fórum para que os pesquisadores em serviços se encontrem e discutam suas ideias, nem mesmo em áreas com maior densidade como Gestão e Marketing de Serviços. Nas seções anteriores discutido o papel do setor de serviços na economia dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. O Brasil tem 64% do seu PIB (2008) no setor de serviços, e mais de 50% da população ativa trabalhando em indústrias de serviços. Ao contrário da China e da Índia, em que o setor agrário ainda concentra a maioria da mão de obra, o perfil tanto do PIB como da população economicamente ativa do Brasil é bastante semelhante ao dos países desenvolvidos, exatamente aqueles que estão mais atentos para a necessidade de fortalecer o ensino e a pesquisa para o setor de serviços. Configura-se então uma situação em que se pode argumentar que existe uma necessidade estratégica do Brasil em fomentar a transformação do processo de inovação do setor de serviços, tanto ensino como pesquisa, e igualmente na academia e na indústria. Nesse sentido, a inovação baseada em ciência e tecnologia, cristalizada e representada pela ideia de Ciência de Serviços, transforma-se em necessidade para a sustentação de uma política de desenvolvimento para o século XXI em que, conforme argumentado, um setor de serviços dinâmico, eficiente e inovador torna-se um imperativo. A implantação dessa necessidade passa certamente por políticas e novas estruturas públicas, adequando a gestão do desenvolvimento, do ensino profissional e do incentivo à pesquisa para a nova realidade pós-manufatureira deste século. Os primeiros passos, em nível de política de desenvolvimento, estão sendo dados, ainda que timidamente, por exemplo com a criação da Secretaria Nacional de Serviços no Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e com o Plano Nacional de Serviços. Ao mesmo tempo, observa-se uma situação em que o principal instrumento de fomento à inovação na empresa, a Lei nº 11.196/05, a cha-

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mada Lei do Bem, não inclui explicitamente a inovação em serviços na sua definição de inovação tecnológica: “Considera-se inovação tecnológica a concepção de novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado” (art. 17, § 1º). Essa omissão, que dificulta sobremaneira a utilização dos benefícios da lei por empresas de serviços, reflete claramente o foco em manufatura típico das políticas de desenvolvimento do século XX. Adequar a legislação de fomento à inovação em serviços é uma das necessidades básicas para a modernização da economia de serviços no Brasil. De forma semelhante, até este momento (dezembro de 2009), não se observa nenhum avanço no tratamento de Ciência de Serviços dentro das esferas públicas de ensino e pesquisa. Em contatos que o autor deste artigo teve com gestores de recursos públicos de pesquisa, ficou relativamente evidente que essa omissão em relação a serviços é menos uma política deliberada de fortalecer a manufatura à custa da indústria de serviços, mas mais fruto de um relativo desconhecimento da possibilidade de pesquisa e ensino específico para o setor de serviços. Mais que uma necessidade, Ciência de Serviços é uma oportunidade para o Brasil assumir a liderança no setor-chave da economia neste século. Existem algumas condições naturais do contexto brasileiro que podem impulsionar decisivamente o florescimento de ciência e tecnologia em serviços de relevância mundial. Entre elas podemos destacar: o tamanho e a diversidade do mercado brasileiro; a excelência da qualidade de serviços em alguns setores, como por exemplo na área de saúde privada; a grande capacidade do brasileiro de incorporar uma atitude positiva de serviços, e da expectativa, principalmente nas classes média e alta, de excelência e competência no lidar com clientes; o surgimento de uma classe C nos últimos dez anos, ávida por serviços, que força os sistemas de serviços de empresas no Brasil a pensar em questões de escala em prestação de serviços; e uma certa facilidade do pesquisador brasileiro de trabalhar em equipes multi-disciplinares. A oportunidade também se estende para questões de ensino, especialmente pelo fato de termos no Brasil um grande contingente de estudantes de

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graduação que já faz parte do mercado de trabalho, muito comumente do próprio setor de serviços. Nesse sentido, as necessidades do dia a dia desses trabalhadores-estudantes entram muitas vezes em choque com a pseudorrealidade da sala de aula, especialmente na tradicional visão de predomínio do conhecimento ligado à manufatura. Necessidade com oportunidade de liderança é um quadro que demanda ação por parte dos diversos atores do sistema de ensino profissional e de pesquisa no Brasil. Ainda que se vejam alguns passos iniciais no estabelecimento de ensino e pesquisa em Ciência de Serviços no Brasil, atender às necessidades e concretizar essa oportunidade de liderança demanda um número maior e mais coordenado de ações de fomento, envolvendo mudanças na legislação, alocação de recursos e o repensar das políticas públicas de desenvolvimento econômico.

6. Considerações Finais O argumento básico deste artigo é bastante simples: dada a proeminência do setor de serviços na economia, é fundamental fomentar ensino e pesquisa específicos para o setor, em outras palavras, Ciência de Serviços. Na experiência do autor, pouquíssimos interlocutores discordam dessa lógica, e muitos ficam até surpresos com sua obviedade. A principal dificuldade, na maioria dos casos, é convencer que Ciência de Serviços é uma alternativa realista à situação que vivenciamos hoje. A relativa falta de dados confiáveis sobre a situação do ensino e pesquisa, evidente pela dificuldade neste artigo de fundamentar certas afirmações com estudos concretos, é na verdade uma característica do problema. Existem poucos estudos no Brasil sobre a atual condição do binômio ensinopesquisa em relação ao setor de serviços. O trabalho de Carazato, comparando cursos brasileiros de gestão de serviços de TI com cursos inovadores fora do país – que incorporam conceitos de Ciências de Serviços – é uma das exceções (CARAZATO, 2008). Uma ação concreta em andamento no meio acadêmico de Ciência de Serviços é o estabelecimento de um website e de uma lista de distribui-

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ção eletrônica para a comunidade brasileira por Pinhanez em 2009 (http:// www.cienciadeservicos.com.br). Com base nessa lista, estão sendo dados os primeiros passos para a realização de um simpósio científico para a área em meados de 2010 e para a organização efetiva da comunidade. Mas para atender a necessidade de inovação sistemática de serviços da economia brasileira, conforme discutida na seção anterior, será preciso haver iniciativas de muito maior porte e ousadia, tanto dos governos e seus agentes como do setor privado. E para tornar concreta a oportunidade de liderança que se vislumbra, serão necessários às nossas lideranças políticas, científicas e empresariais um maior entendimento das transformações que estamos passando e que se refletirão ao longo do século XXI, uma transformação proporcional de atitude e de visão e uma dose considerável de liderança intelectual.

Referências CARAZATO, F. Estudo de Currículos Baseados em Ciência de Serviços: Cursos de Especialização em Gestão de TI. São Paulo, Brasil, Centro Estadual de Estudos Tecnológicos Paula Souza, 2008, 126 p. CORRÊA, H. L. and CAON, M. Gestão de Serviços: Lucratividade por Meio de Operações e de Satisfação dos Clientes. São Paulo: Editora Atlas, 2006. FITZSIMMONS, J. A. and FITZSIMMONS, M. J. Administração de Serviços: Operações, Estratégia e Tecnologia da Informação. Porto Alegre: Bookman, 2005. GALLOUJ, F. Innovation in the Service Economy: The New Wealth of Nations. Edward Elgar Publishing, 2002. KON, A. Economia de Serviços: Teoria e Evolução no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2004. KUBOTA, L. C. A Inovação Tecnológica das Firmas de Serviços no Brasil. In: Estrutura e Dinâmica do Setor de Serviços no Brasil. Edited by J. A. Negri and L. C. Kubota. Brasília: IPEA, 2006. LOVELOCK, C. H. and WIRTZ, J. Marketing de Serviços: Pessoas, Tecnologia e Resultados. São Paulo: Pearson - Prentice Hall, 2007. MAGER, B. and GAIS, M. Service Design. Paderborn Fink, 2009. MANDELBAUM, A. Service Engineering (Science, Management) - Graduate Mini-Course, Columbia, 2008. MIETTINEN, S. and KOIVISTO, M. Eds. Designing Services with Innovative Methods. Helsinki, University of Art and Design in Helsinki, 2009. PINHANEZ, C. “Humans Inside” as the Key Characteristic of Service Systems, In: QUIS 11 Moving Forward with Service Quality, Wolfsburg, Germany, p. 515-524, 2009.

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A CONSTRUÇÃO DA ESTRATÉGIA NUMA ORGANIZAÇÃO EDUCACIONAL – COMO OBTER OS MELHORES RESULTADOS THE CONSTRUCTION OF STRATEGY IN AN EDUCATIONAL ORGANIZATION - HOW TO OBTAIN THE BEST RESULTS *

José Paulo da Rosa*

- Doutorando e Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS.

Ariel Fernando Berti** **

- Mestre em Administração pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos.

Resumo Este artigo apresenta a metodologia de planejamento estratégico desenvolvida por uma organização educacional e os referenciais teóricos que embasam o método utilizado. Destaca os conceitos que inter-relacionam a gestão das organizações com a educação e os fundamentos de estratégia, capacidades dinâmicas e aprendizagem organizacional, com destaque para a utilização contemporânea do Balanced Scorecard. A partir desses conceitos, descreve a metodologia de planejamento estratégico do SenacRS e seu caráter democrático, aberto e participativo. Por fim, conclui que as melhores práticas, destacadas pelos teóricos da área de administração de empresas, podem ser aplicadas às organizações educacionais, em consonância com seus objetivos pedagógicos.

P a l a v r a s - c h a v e : Educação, Estratégia, Balanced Scorecard.

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Abstract This article presents the strategic planning methodology developed by an educational organization and the theoretical referentials that serve as the basis for the method used. It highlights the concepts that interconnect the organizations management to education and the fundaments of the strategy, dynamic capabilities and organizational learning emphasizing the use of the contemporary balanced scorecard. Building up from these concepts it describes SENAC-RS’s methodology of strategic planning and its democratic, open and participative features. It concludes that the best practices, described by the business administration thinkers can be applied to educational organizations, according to its pedagogical goals.

K e y w o r d s : Education, Strategy, Balanced Scorecard.

Introdução Capra (2002) escreve que o elemento central de qualquer análise sistêmica é a noção de organização, ou ‘padrão de organização’. Os sistemas vivos são redes autogeradoras, o que significa que o seu padrão de organização é um padrão em rede, no qual cada componente contribui para a formação dos outros componentes. Edgar Morin (2000) diz que considera impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer as partes. Essa ideia de sistema permite avaliar que o ato pedagógico não pode ser visto de forma isolada, eis que ele faz parte de um contexto educacional, em que vários processos interagem para o sucesso da aprendizagem do aluno. Cabe discutir, no contexto das organizações, se melhores resultados educacionais poderão ser alcançados quando acontecer com uma melhor gestão da educação. A origem da palavra gestão provém do verbo latino gero, gessi, gestum, gerere. Ele significa: levar sobre si, chamar a si, executar, exercer, gerar. Um dos substantivos dele derivado é gestatio, gestação ou ato de trazer em si algo novo,

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diferente. Também o substantivo gestus (em português: gesto) que é um feito, uma execução, quando no plural latino gesta significa feitos ilustres, notáveis, nobres e corajosos. O termo gestão tem sua raiz etimológica em ger que significa fazer brotar, germinar, fazer nascer. Da mesma raiz provém o termo genitor. Por sua origem etimológica, essa raiz já contém em si uma dimensão bem diferente daquela que nos é dada, talvez caricatamente, do gerente como expressão de um comando burocrático, de uma ordem autoritária ou de uma iniciativa tecnocrática. A gestão é a geração de um novo administrar e que, então, traduz a comunicação, o diálogo e a democracia. Na administração da educação cada vez mais aparece o termo gestão. A lei que aprova o Plano Nacional da Educação diz o seguinte, quanto às suas diretrizes: Finalmente, no exercício de sua autonomia, cada sistema de ensino há de implantar gestão democrática. Em nível de gestão de sistema na forma de Conselhos de Educação que reúnam competência técnica e representatividade dos diversos setores educacionais; em nível das unidades escolares, por meio da formação de conselhos escolares de que participe a comunidade educacional e formas de escolha da direção escolar que associem a garantia da competência ao compromisso com a proposta pedagógica emanada dos conselhos escolares e a representatividade e a liderança dos gestores escolares (2000, p.67).

Especificamente quanto ao termo gestão da referida Lei, cabe destacar dois aspectos: 11.3.2 Gestão - 23 Editar pelos sistemas de ensino, normas e diretrizes gerais desburocratizantes e flexíveis, que estimulem a iniciativa e a ação inovadora das instituições escolares (2000, p. 69). 11.3.2 Gestão - 24 Desenvolver padrão de gestão que tenha como elementos a destinação de recursos para as atividades-fim, a descentralização, a autonomia da escola, a equidade, o foco na aprendizagem dos alunos e a participação da comunidade (2000, p. 69).

Essas definições sobre gestão na educação, encontradas na Lei que aprova o Plano Nacional da Educação, vêm ao encontro da própria origem do termo, apresentado anteriormente, que dá à gestão as características de inovação e de democracia.

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Terezinha Rios (2003) também trabalha como um dos aspectos para uma docência de melhor qualidade, a relação entre cidadania e democracia: A relação entre cidadania e democracia explicita-se também no fato de que ambas são processos. O empenho coletivo deve se dar na direção de uma democratização, assim como de uma construção constante da cidadania (p. 75).

Por outro lado, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (1992) coloca que: O postulado de base é que cada escola possui um espírito ou uma cultura própria que determina, para o melhor ou para o pior, os resultados dos seus alunos. As boas escolas são aquelas cujo clima é favorável ao desenvolvimento do conhecimento. A condição prévia é a aceitação em todo o estabelecimento de normas e finalidades comuns que são claramente expressas (As Escolas e a Qualidade, p. 132).

Pimenta (In TEREZINHA RIOS, 2003) questiona: O que é ensinar de modo que os alunos aprendam? Que lógicas de organização curricular e de gestão favorecem a aprendizagem? Como garantir que todos os alunos se apropriem dos instrumentos necessários para se situarem no mundo? (p. 57).

Pérez Gomez (1998) diz que: Como a intensa competitividade internacional está exigindo das empresas extremar a eficiência de seus procedimentos, de suas tarefas, estruturas organizativas e interações pessoais, para alcançar e oferecer no mercado o produto mais competitivo, ou seja, o máximo de aceitação ao mínimo custo, também das escolas deve-se exigir similar esforço e competência na elaboração eficaz de seus procedimentos, de suas estruturas organizativas e interações pessoais para produzir rendimentos acadêmicos ao menor custo (p. 151).

Mesmo percebendo as implicações da cultura de cada escola, conforme abordam Terezinha Rios e Perez Gomes, há a necessidade de se fazer a correta gestão da educação. A escola é um sistema aberto, conforme preconiza Capra, e as interações internas e suas relações com o mundo externo serão tanto melhores quanto for sua administração. 58_


Frequentemente discute-se a qualidade na educação, mas dificilmente chega-se a uma conclusão acerca do que vem a ser uma educação de qualidade, bem como não há fundamentos que nos digam até que ponto as diferentes formas de gestão podem estar relacionadas aos bons resultados obtidos em certas instituições de ensino. No entanto, percebe-se que as organizações educacionais, como qualquer empresa, precisam adotar ferramentas de gestão que permitam atingir melhores resultados. Este artigo apresenta algumas estratégias utilizadas no Senac-RS, as quais vêm ao encontro de uma gestão democrática, aberta e participativa, conforme o pensamento de alguns educadores citados.

Os conceitos de estratégia, capacidades dinâmicas e aprendizagem organizacional O termo estratégia possui sua origem no idioma grego antigo (stratègós, de stratos – exército e algo – liderança ou comando) e designava, inicialmente, o comandante militar. As derivações do termo original incluem: strategicós (aquilo que é próprio do general), stratégema (o ardil da guerra), stratiá (a expedição militar), stráutema (o exército em campanha) e stratégion (a tenda do general). Durante séculos o termo foi utilizado com ampla vinculação à arte da guerra e aos planos elaborados pelos comandantes militares para vencerem suas batalhas. Sun Tzu, estrategista chinês que viveu no século IV a.C., escreveu o clássico A Arte da Guerra1, o tratado mais antigo escrito sobre o tema, abordando a estratégia como uma ciência militar com princípios claramente universais, que são revisitados por diversos autores, ainda nos dias de hoje.

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- A primeira edição desta obra foi publicada na Europa em 1772, sendo organizada pelo jesuíta francês Padre Jean Joseph Marie Amiot.

Os autores da área de administração de empresas referem-se à origem militar do termo estratégia, mas destacam que, com o passar dos tempos, este adquiriu outras conotações, tais como a habilidade estratégica para a política e os negócios. Ao longo do século XX, o conceito de estratégia notabilizouse dentro das organizações, adquirindo contornos de importância máxima na agenda dos executivos. Isso se deve muito ao trabalho desenvolvido por grandes pensadores acadêmicos que surgiram, a partir da década de 50, e que atingiu o ápice de sua disseminação nas décadas de 70 e 80, com o pensamento de

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Michael Porter, um dos autores seminais sobre o tema da estratégia. É a partir da década de 60, que se popularizam as ferramentas de análise de ambiente de negócios e de posicionamento estratégico, tais como: matriz SWOT (Strenghts, Weaknesses, Opportunities and Threats), matriz BCG (Boston Consulting Group), modelo das cinco forças de Porter, matriz dos fatores críticos de sucesso, matriz de produto/missão de Ansof, matriz de atratividade da indústria, entre outras (GHEMAWAT, 2007). A partir dessa explosão inicial do uso do conceito de estratégia no âmbito empresarial, o termo popularizou-se e assumiu múltiplas dimensões. Alguns autores enfatizam o uso de metas e objetivos de forma integrada, enquanto outros fazem clara separação entre eles. Para Chandler (1962), o termo é utilizado na perspectiva da determinação de ações de longo prazo da organização. Ansoff (1979) apropria-se do conceito de estratégia para destacá-la como uma ligação entre o passado e o presente da empresa. A estratégia segundo um padrão, que integra de forma coesa os objetivos, políticas e ações da firma é descrita por Quinn (1991). Essa visão da estratégia, enquanto um conjunto de planos estruturados e intencionais, é oriunda de Andrews (1980), que complementa o termo com a perspectiva da produção de políticas e planos organizacionais, condicionando a empresa a uma proposta de valor para as partes interessadas. Porter (1986) vincula o termo ao posicionamento da empresa dentro do seu setor econômico de atuação e a busca de uma vantagem competitiva sustentável. Mintzberg (1988) destaca a visão sistêmica da estratégia ao compreendê-la como um plano que harmoniza políticas e metas organizacionais e as respectivas ações que lhe dão sustentação. Essa afirmação encontra base na proposição de Andrews (1980), na qual a estratégia é definida como um padrão de decisões, cujo objetivo é o de elaborar as principais políticas e planos do negócio, identificando as características da organização no presente (segmento, tipologia e proposta de valor aos acionistas, empregados, clientes e à comunidade), além de sua proposta de futuro. O conceito de estratégia, enquanto um padrão elaborado conscientemente para traçar os rumos da organização, encontra em Mintzberg et al. (2000) uma definição síntese, na qual os autores descrevem a estratégia por meio de cinco abordagens: plano, padrão, posição, pers-

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pectiva e truque. Segundo os autores, a estratégia como um plano é vista como uma diretriz firmemente traçada para guiar a organização de forma deliberada, destacando o papel dos líderes na definição da direção da organização. Enquanto padrão, a estratégia refere-se a um conjunto de ações realizadas pela empresa, que podem ser verificadas por meio da uniformidade e consistência do comportamento organizacional ao longo do tempo. A estratégia segundo a posição relaciona-se com a localização da empresa e dos produtos no seu segmento, influenciada pelo ambiente em que atua e sua luta para posicionar-se e se proteger das hostilidades e incertezas do ambiente. Como perspectiva, a estratégia é vista como a forma com a qual a empresa articula seus recursos internos, de maneira integrada e coletiva, lhe conferindo uma visão única e internamente compartilhada do mundo. Por fim, enquanto truque, a estratégia é utilizada pela empresa como forma de obter uma vantagem competitiva, neutralizando ou superando a vantagem de um oponente com o objetivo de vencer ameaças, de uma maneira dinâmica e adequada a cada contexto. Em síntese, a proposta de Mintzberg et al. (2000) busca categorizar a estratégia como um construto de múltiplas faces, passível de diferentes significados conforme a ótica adotada pelo observador. No entanto, essas diferentes abordagens tendem a ser complementares e não excludentes, no sentido de acontecerem simultaneamente segundo a dinâmica das organizações e do mercado. O surgimento e a execução da estratégia não são processos lineares e iguais em todas as organizações, sendo o resultado de uma série de fatores internos e externos que se agregam e configuram uma situação particular (NICOLAU, 2001). Mintzberg afirma que nem todas as estratégias formuladas são colocadas em prática, enquanto que outras estratégias que não são deliberadamente pensadas são postas em ação. Assim, a estratégia passa a depender da dinâmica do ambiente e das oportunidades que surgem para a empresa. Estar preparada para compreender os fatores ambientais e a necessidade de mudança de rumos passa a ser um fator de competitividade para a organização. Sob esse enfoque, as estratégias podem ser vistas como ações deliberadas, emergentes ou uma combinação entre essas duas formas (MINTZBERG et al. 2000).

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Sob esse prisma, a organização precisa estar atenta para adaptar-se ao contexto complexo em que atua e não apenas atender a um plano de ação deliberado. Agregar esses dois pontos de vista (deliberado e emergente) é uma perspectiva de análise cujo objetivo é compreender as organizações sob uma ótica dinâmica. Quanto ao seu caráter deliberado, Chandler (1998, p. 163) afirma que “a estratégia é a definição dos principais objetivos a longo prazo da empresa, bem como a adoção de linhas de ação e adoção de recursos, tendo em vista estes objetivos”. A estratégia, enquanto uma prática emergente, é preconizada por Osborn (1998) como o ajuste dos planos da organização à complexidade do ambiente, em busca da sustentação de uma vantagem competitiva. A síntese desse paradoxo pode ser encontrada na afirmação de Mintzberg et al. (2000), na qual “(...) estratégia representa uma adaptação entre um ambiente dinâmico e um ambiente estável, isto é, uma concepção de organização, de como esta se ajusta continuamente ao ambiente em que está inserida”. Essa afirmação remete ao conceito da utilização de recursos internos da empresa para adaptação à complexidade do entorno, destacando a dinâmica da ação organizacional e sua adaptação ao ambiente externo. O livro An evolutionary theory of economic change (NELSON e WINTER, 1982) estabelece os princípios do dinamismo dos processos organizacionais. Os conceitos-chave presentes na abordagem das capacidades dinâmicas são a mobilização dos recursos pela empresa e a capacidade de mudança, inovação e adaptação ao ambiente que os recursos possuem. Teece et al. (1997) destaca três aspectos fundamentais para a compreensão das capacidades dinâmicas da organização. O primeiro refere-se aos processos organizacionais que são moldados pela posição dos ativos da empresa e por seu caminho evolutivo. Esse fator destaca a importância da trajetória da organização para definição de suas habilidades e capacidades essenciais e explica como empresas, mesmo dentro do mesmo segmento, podem apresentar características distintivas entre si. O segundo aspecto destaca as habilidades específicas da organização, que estão relacionadas com seus recursos disponíveis, no caso a tecnologia, o capital intelectual, os ativos tangíveis e intangíveis, a carteira de clientes, a relação com fornecedores, etc. O último aspecto aborda as opções estratégicas da empresa, sua trajetória particular e o rumo único que ela terá a partir de suas escolhas.

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No entanto, as capacidades da organização precisam ser transformadas em uma posição estratégica vantajosa para que a empresa obtenha dela uma vantagem competitiva sustentável. Para isso é preciso que a empresa consiga explicitá-las e mantê-las tempo suficiente para extrair novos e valiosos recursos, permitindo a sustentabilidade dos recursos existentes e a geração de novos. Na esteira dessa proposta, Winter (2003) destaca que uma capacidade, para ser considerada estratégica, deve estar além das habilidades rotineiras da organização. Por rotina compreendem-se todas as tarefas e processos executados pela organização para implementação de sua atividade econômica. Uma empresa possui uma ampla variedade de rotinas ordinárias que são implementadas apenas para garantir sua sustentação no curto prazo, tais como o processo de produção, a linha de montagem, a aquisição de materiais e serviços e outras. Uma capacidade dinâmica possui a propriedade de proporcionar a mudança nas capacidades ordinárias, pois ela está direcionada para a essência da organização e sua estratégia de sustentação no longo prazo. As capacidades dinâmicas da organização podem gerar ativos de maior valor para a empresa, com a finalidade de sustentação e geração de vantagem competitiva. A abordagem das capacidades dinâmicas das organizações implica analisar a posição da empresa não apenas do ponto de vista de como ela utiliza ou disponibiliza seus recursos, mas em entender quais são os ativos que ela possui para buscar um posicionamento que lhe proporcione uma vantagem competitiva, além da forma de mobilizá-los e gerar mudanças a favor da organização. Essa percepção das organizações proporciona a reflexão sobre os seus recursos internos valiosos e seu posicionamento de mercado, destacando que a dinâmica desse processo e os recursos disponíveis condicionam as opções estratégicas da empresa. Esse conceito é sintetizado por Teece, Pisano e Shuen (1997, In: FOSS, 1997, p. 270), ao afirmarem que “as capacidades dinâmicas são o subestabelecimento de competências/ capacidades que permitem à firma criar novos produtos e processos e responder às circunstâncias de mudanças do mercado”. A dinâmica do processo de criação de capacidades da organização é ratificada por Helfat e Peteraf (2003, p. 997), ao exporem que, “por definição, capacidades dinâmicas envolvem adaptação e mudança, porque elas

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constroem, integram ou reconstroem outros recursos e capacidades”. Os autores utilizam a base da teoria evolucionária para defender que as capacidades dinâmicas da firma são geradas a partir de diferentes estágios de desenvolvimento (crescimento, maturidade e declínio) e obedecem a um ciclo de vida da capacidade (capability lifecycles), estando em constante evolução e transformação, antes de atingirem seu período de declínio. Mintzberg et al. (2000), ao distribuírem a abordagem das estratégias organizacionais em dez diferentes escolas de pensamento, associam a perspectiva das capacidades dinâmicas à escola da aprendizagem. O autor enfatiza que “muito popular nos dias atuais, em especial entre os praticantes, é a visão de que a estratégia depende de aprendizado e este depende das capacidades” (MINTZBERG et al. 2000, p. 161). O ponto central de análise dos autores, que destaca tão singularmente a importância da aprendizagem para a dinâmica das capacidades da organização, está na necessidade de aprendizado que as organizações empreendem para alavancar uma base limitada de recursos. No entanto, apesar da afirmação de Mintzberg et al. (2000) de que a aprendizagem organizacional está relacionada com os recursos e as capacidades da empresa, persiste a dúvida em relação ao conceito central que explica a aprendizagem nas organizações. Bitencourt (2005) sintetiza esse conceito ao afirmar que: A aprendizagem organizacional, que pode ser considerada uma resposta alternativa às mudanças enfrentadas pelas empresas, é um processo em que se busca desenvolver a capacidade de aprender continuamente a partir de experiências organizacionais e traduzir esses conhecimentos em práticas que contribuam para um melhor desempenho, tornando a empresa mais competitiva (BITENCOURT, 2005, p. 39).

O conceito apresentado pela autora, no qual o enfoque está no aprendizado contínuo e na conversão de conhecimento em práticas, pode ser complementado com a proposição de Dodgson (1993), destacando que a aprendizagem está condicionada à melhoria do uso das habilidades da empresa. Lei et al. (1996, p. 553) afirmam que “a aprendizagem organizacional bem-sucedida depende da aquisição e da assimilação de novas bases de

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conhecimento para as ações subseqüentes”. Os autores avaliam que a aprendizagem está diretamente relacionada ao desenvolvimento de novas bases de conhecimento que capacitam a empresa a criar condições de sobrevivência. A criação de conhecimento na empresa é um tema amplamente discutido na literatura da administração, que converge no sentido de compreender como acontece a geração do conhecimento e como ele é administrado enquanto um ativo estratégico da firma (GRANT, 1996; NONAKA e TAKEUSHI, 1997; POLANYI, 1966; ALAVI, 2001; ZACK, 1999). Por fim, a experimentação de melhoria contínua também está diretamente associada ao processo de aprendizagem organizacional e à geração de novas habilidades e competências da empresa. Hamel (1991) destaca que as experiências acumuladas pela empresa, que se originam da melhoria contínua de processos e produtos, auxiliam as competências já embutidas na organização. Estas melhorias estão relacionadas com a capacidade da empresa em organizar de forma dinâmica suas habilidades e conhecimentos, gerando aprendizagem de alto nível que auxilia no desenvolvimento contínuo da sua estratégia. Em 1990, David Norton, então executivo principal do Instituto Nolan Norton, e Robert Kaplan, professor da Harvard Business School, realizaram um estudo para aferir a eficácia dos métodos de medida de desempenho das organizações. Os resultados desta pesquisa originaram o artigo “The Balanced Scorecard – Measures That Drive Performance”, publicado em 1992 na Harvard Business Review, documentando a viabilidade e os benefícios da criação de um sistema equilibrado de medição estratégica. O modelo propunha a visão da empresa no longo prazo em contrapartida à medição de desempenho de curto prazo, assim como o equilíbrio entre diferentes perspectivas estratégicas da organização. A síntese dos pensamentos fundados pelos autores veio com a publicação do livro “The Balanced Scorecard”, em 1996. Na essência da concepção do Balanced Scorecard (BSC) está o equilíbrio entre as perspectivas internas, externas e financeiras, além da melhoria e comunicação contínua da estratégia. Por conciliar essas múltiplas abordagens, o modelo popularizou-se entre as organizações, a partir do ano 2000.

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O Modelo de Planejamento Estratégico do Senac-RS O Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial no Estado do Rio Grande do Sul (Senac-RS) faz parte do Sistema Fecomércio-RS, que é composto, também, pelo Serviço Social do Comércio (Sesc-RS), o Instituto Fecomércio de Pesquisa (IFEP-RS) e o Centro do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Rio Grande do Sul (CCERGS), representando mais de 500 mil empresas do comércio de bens, serviços e turismo no Estado. O SenacRS está vinculado à administração nacional do Senac (Senac-DN), entidade com jurisdição nacional dirigida pela Confederação Nacional do Comércio (CNC). O Senac-RS inaugurou suas atividades no Rio Grande do Sul no dia 13 de setembro de 1946, sendo uma organização de educação profissional, de direito privado, sem fins lucrativos. Desde 2003, o Senac-RS elabora o Planejamento Estratégico da organização e edita o Plano de Ação para o ano seguinte, destacando as estratégias da organização estruturadas segundo os princípios do BSC. O Plano de Ação de 2004 contemplou o horizonte das estratégias até 2007. Em 2006, entretanto, o Plano de Ação foi revisado, sendo criado o atual mapa estratégico, com extensão até 2020. O Plano de Ação do Senac-RS representa “(...) o conjunto de estratégias definidas pelo Senac-RS para entregar o máximo de valor para seus clientes”, conforme destacado na apresentação do Plano de Ação 2010. O ciclo de planejamento estratégico, que culmina na publicação do Plano de Ação para o ano seguinte, foi aprimorado na organização ao longo dos últimos anos e resultou no encadeamento de etapas que são ilustradas na figura 1 e descritas a seguir:

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Mapeamento do Ambiente Interno e Externo

Formulação/Revisão das Estratégias

Validação da Estratégia

Negociação do Planej. Orçamentário e de Produção

Desdobramento da estratégia

Quem: Todas as Unidades Educacionais Quando: Setembro e outubro Como: Mapa de variáveis internas e externas

Quem: Alta administração e Representantes das Unidades Educacionais Quando: Outubro Como: Revisão das estratégias, princípios e políticas

Quem: Todos os gestores Quando: Outubro Como: Validação das estratégias, princípios e políticas

Quem: Todos os gestores Quando: Novembro Como: Rodadas de negociação

Quem: Todos os gestores Quando: Novembro e dezembro Como: Publicação do Plano de Ação, inserção de dados nos softwares de orçamento e produção e de gestão

Encerra o ciclo de Planejamento. Inicia o ciclo de execução

Figura 1: Etapas do ciclo de planejamento estratégico. Fonte: Elaborada pelos autores. 1. Mapeamento do Ambiente Interno e Externo: conforme preconizado por Mintzberg et al. (2000), a estratégia segundo uma posição refere-se ao local que a organização ocupa dentro do setor em que atua. Nesse contexto, o Senac-RS avalia sua posição estratégica realizando o levantamento do ambiente externo em cada uma de suas 40 Unidades Educacionais distribuídas no Estado do Rio Grande do Sul e consolida em um documento único e corporativo, durante os meses de setembro e outubro. Esta fase, que inaugura o processo de planejamento estratégico, conta com a colaboração de todos os gestores da organização, que refletem sobre diversas variáveis externas, segundo as perspectivas de ameaça e oportunidade para a empresa, sendo elas:

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a) Variáveis externas no ambiente atual: concorrência, setor de atuação, cliente, reputação e legitimidade, conhecimento, tecnologia, sociedade e ambiente e economia; e b) Variáveis externas no cenário futuro: tecnologias emergentes, clientes potenciais, novos concorrentes, inovação e lacunas de conhecimento. Mintzberg et al. (2000) ainda enfatizam que a estratégia segundo uma perspectiva descreve como a organização articula seus recursos internos frente aos movimentos do mercado. O Senac-RS, durante o processo descrito anteriormente de mapeamento do ambiente externo, reflete, também, sobre seus recursos internos, identificando no Cenário Interno Atual, seus recursos e capacidades, competências distintivas e lacunas, e no Cenário Interno Futuro os novos recursos e novas competências que serão necessários para a alavancagem do negócio. Os dados que compõem o mapeamento do ambiente são oriundos de pesquisas e fontes de informações internas e externas à organização, sendo elas: pesquisa de clima organizacional, pesquisa de egressos, pesquisa de concorrência, pesquisa de satisfação dos clientes, indicadores de produção e de processos, oportunidades de melhorias identificadas, indicadores do mercado de trabalho fornecido por fontes externas, análises críticas pela direção, matriz competitiva de produtos e tendências do setor. 2. Formulação da Estratégia: a estratégia segundo um plano configurase como uma diretriz estabelecida para guiar a organização a atingir seus objetivos (MINTZBERG et al., 2000). Ao adotar o modelo do BSC, o Senac-RS estabeleceu, a partir de 2003, que o seu plano estratégico deve atender a diferentes perspectivas: aprendizado e crescimento, processos internos, clientes e mercados e financeira. O evento que formula as estratégias da organização acontece anualmente, desde 2003, com a participação da alta administração da empresa e representantes das direções das Unidades Educacionais. No ciclo de 2009 aconteceu no mês de outubro e revisou as diferentes perspectivas da organização, além de sua missão, visão, princípios e políticas, à luz da análise de ambientes internos e externos previamente realizados e consolidados. A etapa que se segue à formulação da estratégia é a validação da mesma com a participação de todos os gestores da organização, em encontro que aconteceu, em 2009, também no mês de outubro. Nesse evento são validadas as estratégias estabelecidas, além do mapa estratégico, indicadores e metas, para o ano subsequente. A partir do

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estabelecimento das estratégias e metas corporativas o Senac-RS define o planejamento de produção e orçamentário da cada uma de suas Unidades de Negócio. Essa definição é realizada, no mês de novembro, em reuniões que ocorrem individualmente, com a participação do gestor da Unidade e a gerência da organização. 3. Desdobramento da Estratégia: Mintzberg et al. (2000) destacam a estratégia como um padrão estabelecido, um conjunto de ações que são realizadas pela empresa e podem ser verificadas ao longo do tempo. Um dos enfoques mais abrangentes do BSC refere-se à necessidade da organização em desdobrar a estratégia em níveis organizacionais, estabelecendo critérios de desempenho e formas de controle sobre as estratégias estabelecidas (KAPLAN e NORTON, 2008). O Senac-RS utiliza duas ferramentas de gestão para realizar o desdobramento da estratégia. A primeira é baseada em um software de planejamento da operação e do orçamento, no qual são inseridos os dados pré-negociados por cada Unidade de Negócio e pelas áreas que compõem a Administração Regional. A segunda é a elaboração do Plano de Ação para o ano seguinte, que é impresso e distribuído para toda a força de trabalho no mês de dezembro e resume as estratégias de organização, princípios, políticas, indicadores e metas. Posteriormente à distribuição do Plano de Ação, as informações são transferidas para o software de gestão que monitora a execução do plano ao longo do ano. O evento de distribuição do Plano de Ação e a alimentação do software de gestão com os elementos negociados encerram o ciclo anual do planejamento estratégico no Senac-RS, que passa a controlar a execução do mesmo, garantindo a consecução dos objetivos traçados.

Conclusões A metodologia de elaboração do plano estratégico do Senac-RS tem permitido que a organização alcance bons resultados, evidenciados pela performance dos indicadores estratégicos ao longo dos últimos anos e publicados anualmente no Relatório de Gestão da organização. Segundo Falconi (2009): A vitória de uma organização, seja ela uma escola, um hospital, uma prefeitura, uma empresa ou até mesmo o governo federal, é algo desejado por todos e, quando acontece, é uma grande fonte

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de alegria e satisfação. É fato amplamente conhecido que alcançar resultados é uma das maiores fontes de motivação humana (p. 3).

Kaplan (1997) afirma que as empresas que quiserem sobreviver e prosperar na era da informação devem utilizar sistemas de gestão e medição de desempenho derivados de suas estratégias e capacidades. Este artigo apresentou a estratégia utilizada por uma organização educacional, com íntima relação com o mundo do trabalho, para desenvolver seus planos e sua forma de trabalho. Conclui-se que a metodologia adotada pela organização vem ao encontro do que preconizam alguns pensadores da educação, como Capra, Morin, Terezinha Rios e Perez Gómez, por exemplo, os quais entendem a escola como uma organização aberta, que precisa interagir com o meio utilizando as melhores ferramentas disponíveis. Acrescentem-se ainda as propostas do Plano Nacional da Educação e da OCDE, que estão alinhadas com a necessidade de uma melhor gestão da educação. Também a forma de conduzir a estratégia está alinhada com o que postulam grandes acadêmicos da área da administração, como Mintzberg, Kaplan, Norton e Falconi, por exemplo. Desse modo, levando em consideração os bons resultados alcançados pelo Senac-RS, pode-se afirmar que o Balanced Scorecard e as metodologias utilizadas para implementação da estratégia podem ser implementadas em uma organização educacional e que estão diretamente relacionadas ao alcance de resultados positivos.

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A PERCEPÇÃO DOS DOCENTES SOBRE PROCESSOS AVALIATIVOS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR PERCEPTION OF TEACHERS ON EVALUATION PROCESSES IN HIGHER EDUCATION

Cleber Luis Bombardelli Daniela Tônus Denise Teresinha M. Munzi Fabiana Carvalho Fernanda Krug Fernanda Silva S. Rodrigues Maurícia Cristina Lima Tânia Regina W. Marchionatti* Marlis Morosini Polidori**

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- Mestrandos do Programa de Mestrado Profissional em Reabilitação e Inclusão do Centro Universitário Metodista IPA (2008/2010).

**

Resumo

- Docente da disciplina de Avaliação de Produtos e Processos do Programa de Mestrado Profissional em Reabilitação e Inclusão do Centro Universitário Metodista IPA.

Este artigo foi elaborado a partir das discussões realizadas na disciplina de Avaliação de Processos e Produtos do Programa de Mestrado Profissional em Reabilitação e Inclusão do Centro Universitário Metodista-IPA. Dessa forma, buscou-se realizar uma pesquisa qualitativa junto a várias Instituições de Ensino Superior com o intuito de investigar qual a opinião dos docentes em relação aos processos de avaliação institucional. Os resultados salientam a importância de tal processo, assim como algumas falhas de comunicação e compreensão por parte da comunidade acadêmica.

P a l a v r a s - c h a v e : Avaliação, SINAES, Instituições de Ensino Superior.

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Abstract This article was compiled from the discussions in the discipline of Process and Product Evaluation of the Professional Masters Program in Rehabilitation and Inclusion taught at the Methodist University-IPA. Thus, we attempted to conduct a qualitative research with several Higher Education Institutions in order to investigate what is the opinion of teachers in relation to the processes of institutional evaluation. The results highlight the importance of this process as well as some failures in communication and understanding by the academic community.

K e y w o r d s : Evaluation, SINAES, Higher Education Institutions.

Introdução O desenvolvimento de um processo de avaliação institucional vem, nos últimos anos, mais especificamente a partir da década de 2000, tendo uma maior importância nos processos internos e externos das Instituições de Ensino Superior (IES) no Brasil. A partir da implantação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), em 2004, através da Lei 10.861, foi possível visualizar a existência de processos avaliativos em cada IES do país que pertencem ao sistema federal de ensino (federais e privadas). Sabe-se que, anteriormente a esta data, o país possuía ações avaliativas aleatórias, as quais não consistiram, em nenhuma época, numa avaliação que pudesse ser caracterizada como sistêmica. Foi o SINAES que veio a possibilitar tal avanço. Nesse sentido, a partir de exigências legais, mas também de uma maior conscientização da comunidade acadêmica, as IES iniciaram seus processo avaliativos tendo como base uma proposta de avaliação que viria a valorizar e considerar as especificidades de todos os elementos que compõem o sistema de ensino superior, ou seja, universidades, centros universitários e faculdades, tanto da esfera pública federal como da privada. Tendo já passado cinco anos da implantação do SINAES buscou-se, por meio deste ensaio, conhecer opiniões e percepções dos docentes que fazem parte de IES e que, de uma forma ou de outra, estão participando desse processo proposto.

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Nessa esteira, apresentar-se-á, num primeiro momento, uma abordagem sobre a constituição do ensino superior no país, seguido pelo desenvolvimento de conceitos de avaliação e avaliação institucional tanto na esfera do SINAES como numa abrangência maior e, por fim, trabalhar-se-á com as análises dos questionários aplicados buscando desenvolver uma discussão sobre a temática.

Ensino Superior O ensino superior é o mais alto nível dos sistemas educativos. Após a conclusão do ensino médio ou equivalente, o sistema educacional brasileiro oferece as seguintes opções para a continuidade dos estudos superiores: cursos sequenciais, com até dois anos de duração; cursos de graduação (bacharelado e licenciatura), com duração de quatro, cinco ou seis anos; e cursos de formação tecnológica, com dois ou três anos de formação. O processo seletivo mais tradicional para ingresso no ensino superior é o vestibular, o qual compreende provas que devem estar relacionadas aos conteúdos das disciplinas cursadas no ensino médio. Também existe a possibilidade de ingresso através do que se constitui numa avaliação do Ensino Médio, o chamado Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que apresentou uma modificação na sua inserção a partir do ano de 2009 interferindo na entrada das IES públicas em 2010. Depois da graduação, há uma série de opções para a pós-graduação: lato sensu (cursos de especialização e MBA ou equivalentes) e programas stricto sensu, compreendendo o Mestrado (acadêmico e profissional) e o Doutorado. Segundo o Decreto nº 5773/2006, o ensino superior está dividido em universidades, centros universitários e faculdades. As instituições de educação superior brasileiras também estão organizadas em duas categorias administrativas: as públicas, que são instituições criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público, podendo ser federais, estaduais e municipais; e as privadas, que são as instituições mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos. Essas podem ser comunitárias, confessionais ou filantrópicas.

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A educação superior no Brasil está constituída em sistema federal (instituições de educação superior federais e privadas) e sistemas estaduais. O sistema federal está sob a autoridade do Ministério da Educação (MEC), do Conselho Nacional de Educação (CNE) e dos sistemas estaduais, e são administrados pelas Secretarias de Estado e Conselhos Estaduais de Educação (CEEs). Os dois tipos de sistemas obedecem à Constituição Federal e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Os cursos de graduação conferem diploma com o grau de bacharel, licenciado, tecnólogo ou título específico referente à profissão, como por exemplo, médico. A licenciatura habilita a ministrar aulas no ensino fundamental e médio e o grau de bacharel habilita a exercer as profissões em que foram habilitados. O ensino superior pode ser ministrado nas seguintes modalidades: • Presencial - quando exige a presença do aluno em, pelo menos, 75% das aulas e em todas as avaliações. • A distância - quando a relação professor-aluno não é presencial, e o processo de ensino ocorre utilizando os vários meios de comunicação: material impresso, televisão, internet, etc. Nessa modalidade, as avaliações ocorrem de forma presencial. Por intermédio do Censo da Educação Superior é possível obter dados relevantes quanto à situação e à organização do sistema de ensino superior no Brasil. Esse levantamento é realizado, anualmente, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e publicado no ano seguinte. Há uma trajetória histórica desta evolução desde a década de 1970. Os dados obtidos são comparados ao Censo do ano anterior para que os resultados possam ser discutidos e avaliados quanto a progressos, evoluções e mudanças necessárias para reflexões pertinentes e futuras estratégias de gestão. Os eixos analisados são os seguintes: Instituições; Cursos (Graduação presencial e Educação tecnológica); Vagas, ingressantes, concluintes e matrículas (Graduação presencial e Educação tecnológica); Educação a distância; e Funções docentes (INEP, 2007).

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De acordo com o INEP, o número de Instituições de Ensino Superior, no ano de 2007, foi de 2.281. Comparado ao ano de 2006, percebe-se um declínio nos índices de instituições. Destas, 89% são privadas e 11% públicas, divididas entre federais (4,6%), estaduais (3,6%) e municipais (2,7%). Os dados revelam que a maior parte das IES se concentra em faculdades 86,7%, enquanto universidades e centros universitários correspondem respectivamente a 8% e a 5,3%. Dessa forma, pode-se perceber que o panorama nacional das IES demonstra maior investimento na educação por parte das faculdades, que são contempladas por escolas, institutos, faculdades integradas, faculdades, centros federais de educação tecnológica e faculdades de tecnologia. Em relação aos cursos presenciais, o Censo demonstra que existem 23.488 cursos em todo o Brasil, sendo identificado um aumento de 6,3% do ano de 2006 para o ano de 2007. As IES privadas foram responsáveis pelo maior número de vagas ofertadas e, de uma forma geral, os dados comprovam que houve aumento de um ano para o outro. No entanto, o maior número de matrículas é atendido pelas instituições públicas. A educação a distância apresenta um percentual significativo de crescimento e de abertura de novos cursos, sendo possível observar, de acordo com os dados do Censo de 2007, um aumento de 16,9% entre o período de um ano. A opção por cursos a distância nos tempos atuais retrata a realidade dos acadêmicos que, por motivos variados, não podem estar engajados em cursos presenciais devido ao tempo gasto em locomoção, distância, questões financeiras, dentre outros fatores que dificultam o acesso desses estudantes às IES. Contudo, esse aspecto se torna relevante pelo fato de ser uma alternativa e oportunidade que, de outra forma, não poderia se concretizar. O Censo de 2007 mostra também que as faculdades continuam sendo maioria dentre as IES e o número de matrículas apresenta um aumento de percentual de 4,4% em relação a 2006. O ensino superior tem se tornado fundamental na vida da população em geral, diferente dos tempos antigos em que ser graduado era sinônimo de minoria na sociedade. As IES se apresentam como um meio de crescimento pessoal, profissional e pelo qual se acredita obter melhoria na qualidade de vida, além da ampliação de profissionais para o mercado de trabalho.

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As oportunidades de ingresso no ensino superior são maiores compara1

- PROUNI – Programa Universidade para Todos – tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior. Criado pelo Governo Federal em 2004, e institucionalizado pela Lei nº 11.096, em 13 de janeiro de 2005, oferece, em contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas instituições de ensino que aderem ao Programa (www.mec.gov.br/prouni. Acessado em 28 ago 2009).

das há alguns anos. Atualmente, as bolsas de estudo, PROUNI1, dentre outras formas de financiamento, facilitam o acesso de estudantes ao ensino superior e aumentam o percentual de concluintes na graduação. A sociedade exige maior preparo, e o ensino superior se caracteriza como o ponto de partida para que cada vez mais a população esteja em consonância com as exigências do mercado.

Avaliação O que é avaliação? Permitir a produção de um retrato de como está a qualidade da educação em determinado momento para que, a partir da análise dessa imagem, seja possível construir diagnósticos e projetar soluções que possibilitem melhorar a qualidade do ensino. É basicamente essa a essência dos Sistemas de Avaliação desenvolvidos em nosso país. Dessa forma, a avaliação serve como instrumento para medir desempenho e, a partir disso, permitir a formação de um juízo de valor sobre o que foi observado nessa medição. Tendo esses elementos à mão, é possível estabelecer as competências a serem desenvolvidas e aperfeiçoadas com o intuito de corrigir e calibrar ações destinadas à melhoria da qualidade de ensino. A década de 1990 marcou o momento inicial de implantação dos sistemas de avaliação que hoje se consolidaram e são importantes ferramentas na definição das políticas educacionais públicas do Brasil. Além dos sistemas nacionais de avaliação (Saeb, Prova Brasil, Provinha Brasil, Enem, SINAES), as administrações estaduais e municipais também têm realizado seus próprios sistemas, como é o caso, por exemplo, do Saresp no Estado de São Paulo. Com tais instrumentos é possível conhecer melhor em que patamares de aprendizagem situam-se nossas crianças e jovens nos diversos níveis educacionais. A análise dos resultados permite aos gestores da educação definir projetos e programas que buscam enfrentar e superar os eventuais problemas detectados nas avaliações.

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Por que avaliar? A principal finalidade dos sistemas de avaliação é servir como referência do aproveitamento educacional dos estudantes avaliados. A partir dos resultados e das comparações ano a ano, é possível traçar um diagnóstico da situação e da evolução do ensino oferecido, apurando-se, assim, eventuais eficiências ou deficiências e os problemas a serem enfrentados com a adoção de novas soluções, investimentos, capacitações de profissionais e abordagens nos campos pedagógico, administrativo, estrutural e organizacional. A partir desse tipo de abordagem dos resultados de uma avaliação, é possível elaborar soluções que passam pelas políticas públicas nacionais e locais, pelas adequações necessárias regionalmente ou localmente e por intervenções pontuais em problemas que venham a ser identificados em pequenos ambientes, como uma única unidade escolar, uma sala de aula ou, mesmo, um único aluno. A avaliação, portanto, é um instrumento de base que permite a formulação de soluções para a adoção de medidas efetivamente destinadas à melhoria do ensino. Tais desafios não são desprezíveis, afinal, o Brasil contava em 2006 com mais de 42 milhões de crianças e adolescentes apenas nas escolas de Ensino Fundamental e Médio em todo o território nacional, segundo o Censo Escolar produzido pelo INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. É evidente que nem sempre uma solução boa para uma escola é adequada para outra. Mas até para se perceber essa característica é possível contar com os resultados dos sistemas de avaliação aplicados em nosso país, já que se preocupam, também, em conhecer melhor o perfil social, econômico e educacional de alunos, professores e gestores. Assim, a partir da análise aprofundada dos resultados das avaliações, é possível repensar práticas para a reorientação de políticas públicas e ações locais na área educacional, sempre com os olhos voltados ao fortalecimento de trajetórias de aprendizagem bem-sucedidas.

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Avaliação Institucional A avaliação institucional é um processo intencional, que transforma os dados puros de uma determinada realidade em objeto observável, construído para efeito de conhecimento e de produção de juízo de valor. Conforme Dias Sobrinho (2000), a avaliação institucional está de acordo com normas e objetivos, construídos de forma articulada, e deve ser conduzida por agentes sociais reconhecidos em função da qualidade e das transformações qualitativas dessas realidades. O marco histórico do debate sobre a avaliação da educação superior começou na década de 1980, sendo discutida como um processo interno de autoconhecimento institucional ou como um meio de regulação das instituições pelo Estado e/ou pelo mercado (BARREYRO, G. B; ROTHEN J. C., 2006). A avaliação não é apenas valiosa, mas sim essencial para qualquer sistema ou sociedade eficiente, pois, segundo Worthen et al. (2004), a relevância da avaliação apresenta-se em termos pragmáticos, éticos, intelectuais e pessoais. Pode ser por esses motivos que a avaliação está sendo cada vez mais utilizada como instrumento para obter metas em empresas e em órgãos do governo, tanto em nível local como regional, nacional e internacional. Segundo Dias Sobrinho (2000), a avaliação da universidade possui caráter público, podendo ter várias etapas, as quais são analisadas e criticadas. São consideradas como uma organização complexa, que necessita de pessoas com a devida competência técnica, ética e política, que utilizam instrumentos, objetivos, critérios e metodologias reconhecidas institucionalmente. De acordo com esse autor, as principais fases dessa avaliação institucional são: (a) constituição dos agentes ou sujeitos sociais comprometidos com o processo; (b) constituição do objeto e objetivos; (c) estabelecimento de critérios, normas, metodologias e instrumentos; (d) produção dos juízos de valor e dos dispositivos para a transformação das realidades avaliadas. Há concepções antagônicas de avaliação que recebem influências díspares como a do Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB) e a do Exame Nacional de Cursos (ENC).

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A proposta do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), instituída pela Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, estabelece que os resultados de avaliação sejam o “referencial básico dos processos de regulação e supervisão da educação superior”, envolvendo tanto os cursos de graduação como as instituições de ensino superior para: autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento no caso de cursos, e para credenciamento e recredenciamento no caso de IES. Assim, o SINAES tem o mérito de sinalizar uma mudança na concepção da avaliação com foco no mercado para a ênfase na melhoria da qualidade. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) foi instituído principalmente pela necessidade de melhorar a qualidade do ensino superior no Brasil e aumentar as responsabilidades e compromissos sociais das instituições de ensino superior (INEP, 2004). Ele possui três grandes pilares: Avaliação das Instituições de Educação Superior (Avaliação Institucional/Autoavaliação e Avaliação Externa), Avaliação dos Cursos de Graduação (ACG) e Avaliação do Desempenho dos Estudantes (ENADE). O SINAES também possui instrumentos de informações complementares como o Censo e o Cadastro Docente. Os processos avaliativos são coordenados e supervisionados pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES), sendo a operacionalização de responsabilidade do INEP. A função coordenadora do INEP tem a proposta de dar respaldo político e técnico, além de legitimar o SINAES, assegurando o bom funcionamento e a melhoria do sistema por meio da capacitação de pessoal, sistematização e organização de comissões avaliadoras, recebimento e distribuição de relatórios, coordenação de pareceres, encaminhamentos às instâncias competentes e divulgação ao público das análises consolidadas pelo Sistema. O objetivo do SINAES é, portanto, avaliar o ensino superior em todos os seus aspectos, analisando o mérito e o valor das instituições de educação superior, seus cursos de graduação e o desempenho acadêmico de seus estudantes (Lei 10.861, 2004). O Sistema busca assegurar melhoria institucional, emancipação, elevação da capacidade educativa e do cumprimento das funções públicas das instituições de ensino superior, por meio da ampliação dos objetos,

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procedimentos e instrumentos de avaliação para além dos atualmente praticados, procurando permitir integração, participação, globalidade, relevância científica e social. Respeita, assim, os papéis específicos dos participantes, a identidade e a missão de cada instituição, visando melhorar o cumprimento da responsabilidade social e científica, especialmente da Educação Superior. De qualquer forma, é inegável que o trabalho desenvolvido pelas Comissões da Avaliação das Condições de Ensino (ACE), bem como pelas Comissões feitas pelo INEP, Secretaria de Educação Superior (SESu), vem contribuindo para a melhorIa dos cursos de graduação. A avaliação institucional não deve ser realizada com atos isolados e difusos, pois resultará em efeitos imprecisos, podendo gerar usos contraditórios em relação à natureza e aos compromissos básicos da instituição. O interesse não é somente com os efeitos produzidos, mas também com condições e formas sociais de sua produção com intencionalidade e sentido educativos (DIAS SOBRINHO, 2000). Essa avaliação visa cumprir uma retrospectiva crítica, socialmente contextualizada do trabalho realizado pela instituição com a participação de docentes, discentes, dirigentes e funcionários técnico-administrativos. Dessa forma, é possível gerar um diagnóstico técnico que possibilite um projeto integrado com o qual a comunidade envolvida se sinta identificada e comprometida. Embora haja diferenças filosóficas que levam visões variadas da avaliação, elas não são incompatíveis para avaliadores sérios, pois consideram a integração das ações, evitando assim as dicotomias das múltiplas abordagens (LIBÂNEO, J. C., PIMENTA, 1999). A avaliação institucional geralmente é constituída por dois grandes eixos: a avaliação interna (autoavaliação) e a avaliação externa. Dias Sobrinho (2000) explica que na avaliação interna os sujeitos pertencem à realidade que está sendo avaliada e, muitas vezes, com duplo estatuto de avaliador e avaliado. Esse processo se dá como autoavaliação quando os avaliadores não são só sujeitos, mas também parte do objeto. Ou como heteroavaliação, no sentido de que especialistas da instituição são constituídos sujeitos de ação que tenham o objetivo de ampliar os conhecimentos e, sobretudo, a valoração do

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objeto de análise. A avaliação interna fornece as bases para a avaliação externa que, por sua vez, alimenta novos processos internos. Na avaliação externa, há a confirmação da transparência e do caráter público da universidade e da avaliação pela participação efetiva dos membros da comunidade científica, de órgãos públicos ligados à educação, à ciência e à tecnologia, e de representantes da sociedade organizada. Após a realização dessas avaliações, é necessária também a execução de uma reavaliação ou meta-avaliação. A meta-avaliação ou re-avaliação é entendida como a atitude e as práticas de contínua reflexão sobre o processo avaliativo. É coincidente no tempo com as outras etapas, embora lhe seja destinado um período próprio após o cumprimento das avaliações interna e externa. A reavaliação confronta as avaliações praticadas na esfera interna com as avaliações externas. Esse confronto deve produzir uma síntese sobre os conceitos da instituição e sobre os encaminhamentos indicados para a melhoria da qualidade da universidade e do próprio papel da avaliação como um processo contínuo de transformação e aperfeiçoamento. Vale ressaltar que autoavaliação institucional constitui um momento de reflexão e um estudo crítico de cada instituição sobre suas diversas dimensões, resultando em informações que retratem a percepção de si mesma. A avaliação institucional contribui, pois, para uma maior transparência da gestão educacional perante a sociedade, permitindo que as Instituições de Ensino Superior demonstrem o cumprimento de suas funções de ensino, pesquisa e extensão e a coerência dos seus objetivos em relação às necessidades sociais. Mas a complexidade histórica no entendimento, conceito e utilização de instrumentos da avaliação ainda continua na contemporaneidade, a qual mantém a busca contínua de métodos e sistemas eficientes que “mensurem” a prestação dos serviços ao cidadão. Logo, as mudanças que norteiam a busca contínua da qualidade pela melhoria dos serviços de forma ética, séria e responsável, sabendo pontuar os fatores negativos e positivos de uma avaliação fundamentada em princípios legais, poderão favorecer tanto os interesses sociais quanto de seus próprios dirigentes, proporcionando assim benefícios mútuos. Mesmo que ainda tenhamos critérios e métodos de avaliação ainda não definidos na literatura, e muitas vezes utilizados de forma tendenciosa e pouco fidedigna, é impor-

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tante que permaneça motivada a busca contínua pela qualidade, pois sem ela poderíamos retardar nossa evolução (POLIDORI, 2001). A avaliação institucional deve culminar em um tratamento dos resultados, das transformações e do uso da avaliação. A avaliação tem um caráter prospectivo, ou seja, a avaliação não se cumpre apenas como desenvolvimento técnico de ações específicas, mas, sobretudo, como uma cultura educativa, sendo um modo social de formar. Enfim, a avaliação institucional é um processo metodológico e conceitualmente articulado e congruente, que deve ser construído socialmente – o que para a instituição deve significar que o uso do resultado da avaliação deve ser capaz de transformar a realidade avaliada (DIAS SOBRINHO, 2000).

Avaliação das Instituições de Educação Superior Na esteira desta base conceitual, no SINAES, a Avaliação das Instituições de Educação Superior tem por finalidade identificar o perfil e o significado da atuação de cada instituição de ensino superior, respeitando suas especificidades (INEP, 2004). Essa avaliação se desenvolve em duas etapas: a autoavaliação, que é coordenada pela Comissão Própria de Avaliação de cada Instituição de Ensino Superior e deve contar com a participação ampla da comunidade interna a quem cabe definir o objeto, os procedimentos, os objetivos e os usos do processo avaliativo; e a avaliação externa, realizada por comissões designadas pelo INEP, as quais avaliarão a participação, a integração e a articulação de relações de caráter pedagógico e de relevância social, de ensino, pesquisa e extensão, que devem estar em conformidade com o estabelecido no Projeto de Desenvolvimento Institucional (PDI) (INEP, 2004).

Avaliação dos Cursos de Graduação (ACG) Em relação à Avaliação dos Cursos de Graduação (ACG), de acordo com o INEP (2004), esse processo analisa os cursos de graduação por meio de instrumentos e procedimentos que incluem visitas de comissões externas e

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têm como objetivo identificar as condições de ensino oferecidas aos estudantes, com relação ao perfil do corpo docente, instalações físicas e organização didático-pedagógica.

Avaliação do Desempenho dos Estudantes (ENADE) No que diz respeito à avaliação do desempenho dos estudantes, esta é realizada por meio da aplicação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – ENADE (Lei 10.861, 2004). O ENADE é considerado um componente curricular obrigatório dos cursos de graduação e deve ser aplicado periodicamente aos estudantes no final do primeiro e do último ano do curso, utilizando-se, inicialmente, procedimentos amostrais. Porém, a partir de 2009, o Exame foi realizado utilizando processo universal, ou seja, todos os alunos ingressantes2 e os alunos concluintes3 devem fazer o ENADE.

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- Aqueles alunos que tiverem de 7 a 22% da carga horária mínima concluída (no caso de cursos tecnológicos de 7 a 25%).

O exame tem por objetivo verificar o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos previstos nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação, suas habilidades em relação à evolução do conhecimento e suas com-

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- Aqueles alunos que tiverem concluído no mínimo 80% da carga horária mínima exigida em seus cursos (no caso de cursos tecnológicos de 75%).

petências para compreender temas ligados à realidade brasileira e mundial. Ele tem como objetivo geral avaliar o desempenho dos estudantes além do domínio de conhecimentos e de níveis diversificados de habilidades e competências para perfis profissionais específicos, esperando-se que os graduandos das Instituições de Ensino Superior evidenciem a compreensão de temas que possam transcender ao seu ambiente próprio de formação e sejam importantes para a realidade contemporânea. Essa compreensão vincula-se a perspectivas críticas, integradoras e à construção de sínteses contextualizadas.

Análises e Discussões Com o propósito de obter informações sobre a percepção dos professores em relação aos processos avaliativos desenvolvidos na educação superior, foram aplicados 49 (quarenta e nove) questionários aos docentes pertencentes

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a seis Instituições de Ensino Superior (IES): Centro Universitário Metodista IPA (IPA); Faculdade União das Américas (UNIAMERICA); Centro Universitário Franciscano (UNIFRA); Universidade de Caxias do Sul (UCS); Faculdade Fátima e Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI). A maioria está localizada no estado do Rio Grande do Sul, com exceção da UNIAMERICA que está localizada no estado do Paraná. Para tanto, foi entregue aos docentes um questionário com a seguinte pergunta: “Qual a sua percepção sobre o processo de avaliação institucional?”. A identificação do respondente solicitava o nome, a área e o curso ao qual pertencia. A partir das respostas obtidas, foi possível construir categorias, ou seja, sintetizaram-se elementos de abordagens mais reincidentes. Das categorias destacaram-se como as mais referidas nas falas/percepções manifestadas pelos docentes em questão: (a) a consideração dos processos avaliativos serem instrumentos que proporcionam uma melhoria da qualidade do ensino superior; (b) a percepção de ser um processo que permite correções, traçar perspectivas e que auxilia na tomada de decisão e; (c) a possibilidade de permitir o planejamento na IES utilizando-se a avaliação como um instrumento de gestão. Várias outras categorias foram constituídas nas análises realizadas. Uma delas se refere à necessidade que os docentes percebem que deve ocorrer no desenvolvimento de um processo avaliativo que seria a de divulgação dos achados, análises e resultados consequentes do processo avaliativo, perspectivando, inclusive, os objetivos que a Instituição de Ensino Superior pretende alcançar. Outras abordagens surgiram com um mesmo grau de ocorrência: a possibilidade de o processo de avaliação refletir a realidade do que é desenvolvido na IES; que esse processo apresenta como perspectiva mudança no contexto, que a participação no processo também exige um comprometimento por parte da comunidade acadêmica (docentes, discentes e técnico-administrativos) e que o fato de o processo visualizar a totalidade das atividades desenvolvidas pela IES o torna de grande relevância. Num mesmo patamar de importância encontra-se a melhoria que as ações avaliativas proporcionam ao processo de ensino-aprendizagem, a constituição de uma base de dados fidedigna que permite realizar levantamento de investigações de acordo com a proposta da instituição; corroborando com o processo de ensino-aprendizagem, conseguindo levantar

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não somente as informações positivas, mas também as negativas, com o propósito de corrigi-las e, nesse sentido, aumentando a consciência da importância da participação em todo esse processo como um sujeito ativo, configurando-se outra categoria. Com manifestações menos expressivas, verificou-se que o processo de avaliação permite o autoconhecimento e o conhecimento da IES; que é um processo dinâmico e também complexo; que o próprio processo permite a melhoria dos instrumentos utilizados; que o processo é considerado fundamental e organizado; e, principalmente, que esse processo não se caracteriza como punitivo, mas sim como construtivo. Outro elemento que compõe esse mesmo nível de abordagem é a consideração de que são desenvolvidos dois tipos de avaliação, a interna e a externa, além de considerarem o processo como proposta de existirem estratégias de enfrentamento aos problemas apresentados. Há outras manifestações que apareceram no questionário, porém com menor grau de referência. Entre elas encontram-se: (a) a caracterização do processo avaliativo como um canal de comunicação e uma ferramenta de organização; (b) uma forma de unificar as condições e funcionamento da IES; (c) os mecanismos de levar informações da IES à sociedade; (d) a superação de dificuldades; (e) a análise crítica do próprio processo avaliativo e a existência de uma exigência externa à IES para a oferta de ensino de qualidade. Ainda foi possível fazer um levantamento de elementos trazidos na ordem negativa do desenvolvimento do processo. Dentre eles, o mais evidenciado foi a pouca participação da comunidade acadêmica no desenvolvimento do processo. Após, a “reclamação” trazida foi a falta de comprometimento da comunidade envolvida com o processo de avaliação que se correlaciona com o aspecto anterior. No entanto, coloca-o num espaço que o caracteriza além da participação, ou seja, uma participação comprometida. A seguinte informação foi na esfera da resolução de problemas, evidenciando que o processo de avaliação apenas identifica os problemas, mas não os resolve. No mesmo grau de importância, é evidenciada a questão de que as especificidades da IES não aparecem no processo por este se caracterizar subjetivo.

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Numa mesma ordem de manifestações são apresentadas três questões: a não comunicação, pela IES, dos resultados da avaliação; o processo demonstra falhas de desenvolvimento e a visão institucional tirada do processo não é necessariamente aprofundada. Outros pontos que foram evidenciados pelos docentes como negativos são os seguintes: (a) ocorre falha na explicação do processo aos discentes; (b) o processo não atende à construção de políticas educacionais para a IES; (c) o processo é efetivamente quantitativo na busca de coletar dados; (d) existe ainda uma grande resistência dos sujeitos à participação no processo de avaliação e, por fim, (e) é possível detectar desvios de análises dos resultados alcançados. A partir dos resultados encontrados, pode-se fazer uma reflexão acerca da atual realidade das IES no que se refere ao tema pesquisado: avaliação institucional. Esse processo de avaliação encontra-se em diferentes níveis de compreensão em cada IES, sendo que algumas já percebem sua importância e significado para a consolidação de projetos, adaptação, melhoria e concretização de outros aspectos que surgem a partir deste. Porém, para algumas IES, o processo de autoavaliação ainda merece maiores discussões ou análises para que a comunidade acadêmica possa de fato compreender sua relevância junto à Instituição não apenas como um diagnóstico da realidade na qual se encontra, mas também como uma forma de intervenção objetivando sanar fragilidades evidenciadas. Importante aqui evidenciar que os docentes fizeram a leitura do processo de avaliação institucional como aquele que abrange as várias ações avaliativas desenvolvidas na IES, tanto a partir de ações internas como daquelas advindas do exterior, por intermédio da participação do MEC. Nesse sentido, ressalta-se que no SINAES a avaliação institucional é aquela que se caracteriza somente pela autoavaliação e pela avaliação externa, sendo os dois outros tipos de avaliação considerados de acordo com seu título, avaliação de curso e avaliação do estudante. Essa é uma característica interessante de se analisar, tendo em vista que os docentes consideraram processo de avaliação institucional todo aquele que a IES realiza e se submete, e não somente aquele caracterizado pelo sistema de avaliação interna (autoavaliação) e externa. Assim, o que se identifica entre as IES é, de fato, uma preocupação, por parte dos docentes, quanto ao processo de avaliação institucional, evi-

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denciando dúvidas, questionamentos, falhas, assim como aspectos positivos e a constante busca por aperfeiçoamento. Ainda existem muitos aspectos a serem reavaliados pelas IES, e, por meio desta pesquisa, salienta-se que a avaliação institucional merece atenção por parte de toda a comunidade acadêmica para que possa de fato atingir seus reais objetivos.

Referências BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Educação Superior. Brasília – DF, 2009. BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Resumo Técnico Censo da Educação Superior 2007. Brasília – DF, 2009. BRASIL, Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior: da concepção à regulamentação. 2. ed., ampl. – Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2004. BARREYRO, G. B; ROTHEN J. C. “Sinaes” contraditórios: considerações sobre a elaboração e implantação do sistema nacional de avaliação da educação superior. Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 96, Especial, 2006. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Acesso em: 12 ago 2009. BONNIOL Jean-Jacques; VIAL Michel. Modelos de Avaliação: Avaliação como gestão. Capítulo 2. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: Editora Artmed, 2001. DIAS SOBRINHO, José. Avaliação da Educação Superior. Capítulo 5: Funcionamento e modos sociais da avaliação institucional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. LIBÂNEO, J. C., PIMENTA, S. G. Formação de profissionais da educação: Visão crítica e perspectiva de mudança. Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99. POLIDORI, Marlis Morosini. Avaliação do Ensino Superior: uma visão e uma análise comparativa entre os contextos brasileiro e português. Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. PT. 2001. Tese (Doutorado em Educação). Secretaria da Educação do Estado de São Paulo – Sistemas de Avaliação. <http://avaliacoes.educacao.sp.gov.br/>. 19 set 2009. WORTHEN, Blaine, R. et al. Avaliação de programas: concepções e práticas. Cap. 1. São Paulo: editora Gente, 2004.

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DO MAL-ESTAR AO BEM-ESTAR DOCENTE: PERSPECTIVAS PARA UMA GESTÃO ESCOLAR FROM UNEASE TO THE WELL BEING: PERSPECTIVES TO THE SCHOOL MANAGEMENT Ana Paula Araújo Cristiane Severo Marinice S. Simon Rosângela Callegari*

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- Mestrandas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Resumo O presente trabalho analisa a função do professor na perspectiva histórica, constatando o quanto as mudanças ocorridas podem contribuir para a ocorrência do mal-estar-docente, ocasionando o adoecimento dos profissionais. Também propõe possibilidades de reversão do quadro a partir de uma atuação humanizadora pela gestão escolar.

P a l a v r a s - c h a v e : Docência, Burnout, Vínculos, Suporte Social, Políticas de Gestão Escolar.

Abstract This work analyzes the function of the teacher in the historical perspective, finding out how much the changes that happened can contribute for the teaching burnout, which causes sickness to the professionals. It also recommends possibilities of reversion in such a situation from a humanized performance by the school management.

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Keywords:

Teaching, Burnout, Bonds, Social Support, School Management Policies.

Introdução A análise da realidade educacional atual e da evolução das ideias pedagógicas ocorridas num contexto que oferece variados cenários marcados por vertiginosas inovações e aceleradas mudanças nos faz acreditar que se torna imperativo um movimento de ressignificação da postura docente frente às demandas advindas de uma nova visão de sociedade e de mundo. É importante considerar que tais circunstâncias vêm ao encontro de um professor muito fragilizado pelos acontecimentos que o desvalorizam como profissional. São muitas as exigências da sociedade que, ao não dar conta de suas atribuições, transfere-as ao docente, sem nada lhe dar em troca. Vemos um profissional desmotivado, tenso e desiludido, evidenciando um crescente descompasso entre as mudanças necessárias e suas reais possibilidades de encará-las e concretizá-las. Na busca de maiores informações sobre tais sintomas que revelam um mal-estar docente quase generalizado é oportuno que analisemos os fatores que ao longo da história foram contribuindo para a ocorrência de um clima tão desfavorável à atividade educativa. Observando a realidade e o cotidiano docente, permeado de sintomas de mal-estar, procuramos levantar alternativas de reversão de tais quadros, advindas do próprio grupo de trabalho – suporte social e da gestão escolar, como criadora de um clima organizacional favorável ao desenvolvimento de práticas positivas.

1. Resgate histórico Ao analisar aspectos relacionados ao bem-estar docente é importante reportamo-nos ao passado a fim de examinar como o papel do professor, ao longo dos anos, foi assumindo posições diversas, oscilando, com diferentes representações, nas sociedades em que se encontram.

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Certamente a posição ocupada em dado momento é fator relevante na análise dos elementos que definem o modo de vida dos docentes, evidenciando também o grau de aceitabilidade e o nível de pertença à comunidade em que atuam. Ao voltarmos o olhar para a realidade docente remota encontramos primeiramente o professor-sábio: o mestre detentor de verdades absolutas, com autoridade reconhecida mediante o domínio do conteúdo ministrado. Inegavelmente estava aí a figura do professor-expert, ocupando destacado papel na comunidade. O prestígio profissional levava-o a ser considerado e admirado por seus alunos que o tinham como referência para suas escolhas e decisões. Com o objetivo de particularizar nossa análise, localizamos a revisão na educação brasileira, no momento em que a obediência aos superiores era a atitude mais esperada dos professores. O docente submisso, na figura dos religiosos jesuítas, devia observância e respeito às determinações da ordem religiosa, no decorrer de sua longa preparação que incluía estudos de pedagogia e filosofia, permeada por fortes restrições intelectuais ao que fugisse dos preceitos inacianos. As práticas docentes jesuíticas eram regulamentadas por um documento, escrito por Inácio de Loiola, o Ratio atque Instituto Studiorum, chamado abreviadamente de Ratio Studioru, o qual determinava, com rigor, o encaminhamento pedagógico das práticas escolares. Complementamos com a explicação encontrada em Fernandes da Silva (2008, p. 20): O Ratio ditava o comportamento dos membros da hierarquia educacional jesuítica e indicava o que e como os mestres deveriam ensinar. A metodologia era entendida como processos didáticos para a transmissão de conhecimentos com o objetivo de unificar o sistema de ensino daquela ordem religiosa.

Diante de tal rigor, provocamos uma reflexão inicial sobre o estado de tensão em que se encontrava o professor, invadido por considerações superiores que suprimiam qualquer decisão pessoal. Por serem condutas usuais emanadas da cultura dominante, acreditamos que não fosse fator de mal-estar tão acentuado, a não ser por alguns mais atilados e com pensamentos mais avançados. O que parecia raro no momento histórico em que viviam. _ 93


Prosseguindo a análise verificamos, após a expulsão dos jesuítas do Brasil, a presença da Reforma Pombalina, em que aparecem os professores improvisados, leigos e muito mal remunerados, geralmente indicados por bispos, desempenhando a função docente aleatoriamente, sem uma linha pedagógica definida. Toda essa imprecisão metodológica aliada à desinformação colocava o professor novamente em tensão, ocupando um papel que causava desconfiança por parte da comunidade, uma vez que as próprias indicações profissionais se deviam ao favoritismo deste ou daquele, descredenciando-o de atributos mais rigorosos quanto a sua formação ou adequação ao cargo. Assim a educação escolar transita para o período imperial revelando falta de professores e, na tentativa de suprir essa falta, institui-se o Método Lancaster, que propunha o ensino mútuo, no qual determinados alunos eram treinados para ensinar um grupo de dez alunos. Saliente-se que os mesmos eram rigidamente vigiados por um inspetor. Dessa forma supria-se a precariedade do contingente docente, atribuindo-se a alunos o papel de professor. Tais medidas nos levam a perceber a fragilidade da profissão, o que certamente causava algum desconforto àqueles que ainda se dedicavam ao magistério. Quando passamos a examinar o período republicano observamos que várias reformas são realizadas na tentativa de melhorar a qualidade do ensino, dentre as quais destacamos a Reforma Rivadávia Correa, de 1911, objetivando que o curso secundário se tornasse formador do cidadão e não como simples promotor a um nível seguinte e para tanto pregou a liberdade de ensino. Em meio a tudo isso, vemos um professor desconsiderado em seu papel de educador com ideias e ideais próprios, os quais teriam que externar total concordância com os ideais republicanos. Com o surgimento do Ministério da Educação e da Saúde, podemos inferir que há uma melhor organização do contexto educacional brasileiro, o que nos sugere mais apoio ao trabalho docente, regulamentando as práticas e orientando com clareza os profissionais docentes. Dirigimos agora o olhar para o período da Nova República que solicita ao docente a responsabilidade pela estabilidade política e social. Com a laicização do ensino não houve alteração do modelo de reprodução, porém

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notou-se uma grande modificação no preparo dos professores, diminuindo para quatro anos o período de sua formação e dando-lhe a função de agente escolar a serviço do controle institucional, agora apresentado pelo Estado. Mais recentemente verificamos a mudança do modelo de reprodução para o do agente de mobilidade social, no qual a função docente adquiriu um grande prestígio, uma vez que desvinculou o estatuto social do indivíduo de sua classe de origem. No decorrer dos anos, o papel do professor oscilou e foi se modificando, perdendo o lugar de destaque perante uma sociedade que o desvalorizava a olhos vistos, cumulando-o de incumbências e oferecendo somente as mínimas condições para o investimento em sua formação continuada e, até mesmo, para uma vida digna que lhe trouxesse realização profissional e satisfação pessoal. As questões apresentadas relativas ao mal-estar presentes na atuação dos professores foram construídas em determinados instantes históricos que lhe impingiram a responsabilidade pela estabilidade político-administrativa de um regime reprodutor de hierarquias e desigualdades sociais. O panorama atual nos apresenta um docente muito requisitado para suprir as lacunas de uma sociedade que não consegue desempenhar seu papel no processo educacional, lançando suas demandas na escola. O professor, herdeiro de uma formação cartesiana que o preparou para determinada área, não está habilitado para lidar emocional e cognitivamente com os problemas cotidianos que entram em sua sala de aula e para isso não recebe orientação ou estímulo. Essas cobranças diárias e a insatisfação constante com os poucos resultados obtidos contribuem para que o professor se encapsule e, ao deixar de interagir, construa um mundo perpassado pela queixa e pelo sofrimento solitário, sem chance de melhora. Assim, com toda a carga do passado em conflito com as exigências contemporâneas, encontra-se o professor fragilizado em sua autoestima, vulnerável aos apelos do consumismo, sem apoio e cada vez mais desvalorizado.

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2. O adoecimento do professor Como nossa cultura ainda legitima prioritariamente a função da escola como mera transmissora de conhecimentos, não há espaço e legitimidade para a emoção. A Psicodinâmica do Trabalho contribui para o entendimento desse contexto, pois incorpora a investigação da construção da intersubjetividade nas situações de trabalho ao analisar a dinâmica da relação entre a organização do trabalho e o processo de prazer-sofrimento vivenciado pelo trabalhador. Em pesquisa realizada com professores universitários de Santa Maria/ RS por Lemos (2005) sobre a carga psíquica no trabalho e os processos de saúde, o autor analisa os argumentos apresentados por Dejours (1994 apud LEMOS, 2005, p.5) afirmando que [...] o trabalhador, ao buscar no trabalho a fonte de prazer e realização e encontrar nele uma fonte de sofrimento e desgaste, entrará em conflito com a organização, pois no contexto de trabalho, a organização é a vontade do outro que se impõe sobre si. Na medida em que as pessoas internalizam suas expectativas confrontando-as com uma realidade discrepante, surge o conflito que incide negativamente no seu equilíbrio emocional. No trabalho do professor existe uma exigência de responsabilidade que deve ser compensada pelo reconhecimento do trabalho. Se o docente não percebe o reconhecimento de seu trabalho, a responsabilidade exigida passa a ser percebida como uma sobrecarga geralmente experimentada como um conflito, que repercute negativamente na sua saúde.

A pesquisa desenvolvida por Lemos (2005) é de natureza descritiva e exploratória, pois pretende observar, analisar e correlacionar fatos sem manipulá-los, como também se familiarizar com o fenômeno buscando a sua compreensão. Para a coleta de dados foram utilizados três instrumentos: protocolo de observação de campo; inventário das exigências e da atividade do professor da área da saúde (checklist); e Questionário de Avaliação da Carga Psíquica do trabalho (Q-CP). Nessa pesquisa foi utilizado o conceito de Seligmann-Silva (apud LEMOS, 2005, p.131) para carga de trabalho: “representa o conjunto de esforços desenvolvidos para atender às exigências das tarefas. Esse conceito abrange os esforços físicos, os cognitivos e os psicoafetivos (emocionais)”. 96_


Participaram do estudo 86 professores, lotados no Centro de Ciências da Saúde – CCS que aderiram voluntariamente à pesquisa e apresentavam as seguintes características: 64% de participantes do sexo feminino, com idade entre 21 e 64 anos, 64% deles são casados ou vivem em união consensual estável e 70% dos docentes efetivos são mestres e doutores. A partir dos dados coletados, verificou-se que a faixa etária com maior número de ocorrências é entre 41 e 50 anos, seguida pela faixa dos docentes com até 30 anos, em que a maioria é de professores substitutos. Os aspectos relacionados às condições de trabalho e sua precariedade parecem interferir muito mais na dor e no desconforto manifestado pelos professores participantes da pesquisa de Lemos (2005) que o tempo dedicado à docência. Quanto às condições físicas, destacaram-se aspectos como: ruído de fontes diferenciadas, a exigência de posturas (estáticas e dinâmicas) desequilibradas e a exigência do uso da voz, necessárias às demandas da jornada de trabalho. Nas condições organizacionais, as maiores fontes de insatisfação estão na desproporcionalidade entre o salário do professor e suas responsabilidades, repercutindo diretamente na saúde física e mental desses professores. Durante o I SIPASE, Seminário Internacional Pessoa Adulta, Saúde e Educação, em maio de 2005, na Pontifícia Universidade Católica do Rio grande do Sul – PUCRS, o Prof. Dr. Saul Neves de Jesus, da Universidade do Algarves, Portugal, apresentou dois grandes grupos de fatores causadores do mal-estar docente: • Fatores de ordem primária: aqueles que ocorrem na sala de aula e estão relacionados diretamente com a ação docente, provocando limitações nas tarefas a serem desempenhadas e gerando tensões de caráter negativo. São fatores que afetam a motivação do professor. Por exemplo: o trabalho em uma escola onde existe uma atmosfera de conflito entre os professores e o sentimento de não ter o controle adequado dos alunos. • Fatores secundários: são aqueles que afetam indiretamente o exercício da profissão, como: a massificação do ensino, a excessiva exigência política (problemas sociais e multiplicidades de papéis), a indisponibilidade dos pais e a baixa valorização do professor pela sociedade.

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Para o Prof. Dr. Jesus estão entre as principais causas do mal-estar docente: a estrutura de poder da instituição, o nível de exigência da comunidade, o excesso de demandas, a insegurança financeira e os baixos salários. Todas essas questões contribuem para o desenvolvimento do malestar docente. De acordo com Maslach e Reiter (1999 apud MARCHESI, 2008, p.53), esse problema, conceitualmente, envolve três componentes que se inter-relacionam: o esgotamento emocional (sentimento de sobrecarga e tensão emocional), a despersonalização (insensibilidade frente aos outros) e a redução de conquistas profissionais (redução da competência e de sucesso no trabalho). São vários os indicadores que caracterizam o mal-estar docente na atualidade: insatisfação profissional, absenteísmo, baixo empenho profissional, desejo de abandono da profissão docente, “burnout” e, em casos mais graves, “burnout” e depressão. A expressão inglesa “burnout”, em uma tradução literal, significa “estar queimando”, melhor dito, estafa, exaustão. Tal síndrome é desencadeada devido ao excesso de atenção e tensão que a profissão exige e que, circunstancialmente, pode gerar um desgaste profundo, podendo acarretar desistência. Esse profissional, ao tentar reiteradas vezes e não encontrar espaço para criar estratégias em que suas necessidades possam ser atendidas, acaba se vitimizando e posteriormente se desresponsabilizando pelo seu trabalho, por não suportar sozinho a carga inerente a ele. A partir disso se vê sem saída e impossibilita as chances de ajuda. Conforme afirmam Codo & Vasques-Menezes (1999, p.240), essa Síndrome é “uma resposta ao estresse laboral crônico”. Esse processo manifesta-se geralmente por sintomas em diferentes aspectos na vida do indivíduo. De acordo com Petrarca (2003, p.65), são eles: [...] psicossomáticos - fadiga crônica, dor de cabeça constante, alterações do sono, perda de peso, dores musculares, alterações gastrointestinais; comportamentais - excesso de drogas (cafeína, álcool, fumo, psicofármacos), incapacidade de relaxar, superficialidade no contato com as pessoas, condutas violentas; emocionais - distanciamento afetivo, tédio, impaciência, frustração, dificuldade de concentração, sentimentos depressivos.

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Vivenciar a estafa profissional é uma experiência global e profunda, que tem consequências na vida emocional, pessoal e social. Sentir-se com estafa interfere na motivação, nas crenças, na capacidade de realização e eficácia e na autoestima gerando consequências no âmbito do relacionamento interpessoal. As complicadas situações sociais vivenciadas no contexto educacional em que cada vez mais se exige dos professores competências que vão além do ensino caracterizam-se como um dos principais fatores desencadeantes do mal-estar docente. O contexto sociocultural em que a escola e os alunos estão inseridos, a relação com as famílias, o desajuste entre a tarefa a ser realizada e o apoio recebido, o sistema de formação dos professores, o desenvolvimento da carreira profissional, as relações no âmbito intergrupal, tais como liderança exercida pelo diretor, nível de cooperação e apoio entre colegas, têm forte impacto na vivência de ser professor. Esses fatores interagem com as características pessoais dos professores, ou seja, com sua personalidade. Cada ser vivencia de maneira diversa as mesmas situações. É a história pessoal e profissional de cada docente que está na origem dessas diferenças. No que diz respeito à história pessoal, encontramos: valores, reações emocionais, conflitos íntimos, autoestima, confiança em si mesmo. É de grande relevância a crença na própria capacidade de realização advinda das competências adquiridas. Todos esses fatores aqui apresentados influenciam-se mutuamente gerando um contexto de complexidade. Buscar maior compreensão dessa situação é fundamental para que se encontrem soluções concretas a fim de resolver esses problemas.

3. Possibilidades frente ao Burnout O suporte social é apontado por especialistas como um forte aliado na manutenção da saúde mental no trabalho: o auxílio frente às tensões por parte de pessoas que a circundam. A partir disso emergiu um consenso em torno do reconhecimento e da importância das relações sociais no trabalho e hoje são muitas as empresas

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que incorporaram as ideias de que boas relações contribuem para que o trabalhador esteja bem, mais satisfeito e seja mais produtivo. Esse movimento adquiriu proporções tais que outras formas de controle foram introduzidas para garantir a qualidade das relações interpessoais, inclusive aquelas não circunscritas ao ambiente de trabalho, atingindo também o espaço privado. A questão é que todas as nossas atividades estão inseridas num contexto social, quer na vida privada, quer no trabalho, e são marcadas pelas relações que estabelecemos com as outras pessoas. Dependemos dessas relações para nossa sobrevivência e para as nossas realizações no campo material, afetivo, laboral, religioso. Não se pode dizer o que nessa rede pesa mais em termos de importância para o indivíduo, se na vida privada ou na vida profissional. Essa rede de relacionamentos funciona como uma fonte constante de atenção, integração social, reafirmação de valores, provisão de ajuda significativa, informações, mas também, de conflitos. Compõem essa rede: familiares, cônjuges, companheiros de trabalho, vizinhos e outras pessoas significativas que participam de alguma forma da nossa vida. O tamanho da rede e a qualidade dos relacionamentos que dela derivam podem variar de acordo com as características pessoais ou das situações envolvidas. Características de personalidade, história das interações anteriores e condições situacionais são alguns antecedentes mais citados para a existência ou não do suporte social. No entanto, tanto o benefício dessas relações sociais quanto o sentimento efetivo de sua existência, ou não, de suporte social, sofrem influência de variáveis objetivas ou subjetivas do sujeito. Dessa forma, queremos dizer que a presença de uma rede social devidamente capilarizada, a ponto de o indivíduo se sentir amparado socialmente, está condicionada a determinantes intrínsecos ao próprio indivíduo que, combinados a determinantes extrínsecos, favorecem ou não a criação dessa rede e a percepção no sentido da necessidade de torná-la mais ou menos ativada. Por outro lado, a ausência de suporte social, não importa se real ou imaginária, desencadeia uma série de comprometimentos pessoais e profissionais. A nível pessoal pode ocorrer o sentimento de falta de alternativa para extravasar tensões diárias, já que todas as alternativas são restritas a um mesmo ambiente. Para a vida profissional, essa tensão acumulada exacerba e é exacerbada pelos desgastes da própria atividade.

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Boas relações sociais são importantes para qualquer tipo de trabalho em que convivam duas ou mais pessoas no mesmo ambiente ou mesmo fisicamente distantes, mas ligadas diretamente pela atividade. Poder contar com um suporte social adequado está associado a maior satisfação, maiores probabilidades de lidar com conflitos e com situações estressantes, melhores possibilidades de ajustamento e melhoria das condições de saúde física e mental. Em resumo, melhores condições pessoais e mais qualidade no trabalho. Em cada ocupação encontramos graus diferentes em que pessoas são afetadas pela qualidade das relações sociais no trabalho. Se o foco enfatiza o trabalho do educador, constatamos que essa questão assume dimensões potencializadas, já que a escola está no centro de uma rede social altamente capilarizada, onde a qualidade do trabalho determina a qualidade do processo educacional. Desse modo, a intensidade com que a comunidade participa da escola, a forma como acontece essa participação e os modos de gestão afetam o trabalho, a qualidade da educação e o bem-estar do educador. Se falamos de relações sociais no trabalho como instrumentos poderosos de facilitação em qualquer ambiente, no caso dos educadores, nos reportamos ao diferencial entre o trabalho benfeito e o malfeito, à distância entre poder ou não cumprir as obrigações. Os vínculos entre as pessoas, quando bem estabelecidos, podem proteger o professor da síndrome do burnout. São criados entre os próprios companheiros de trabalho que permitem que o trabalhador se proteja. Compartilhar com aqueles que enfrentam os mesmos problemas e dificuldades, obter apoio dos que já passaram por situações semelhantes, ter a sensação de não ser o único, ter outras pessoas que entendem o que estão vivendo em um determinado momento é algo muito especial e tem consequências positivas, não só na profissão, mas em qualquer situação.

4. A gestão escolar frente ao mal-estar docente As questões apresentadas revelam indícios de que os gestores escolares devem considerar que a formação continuada dos professores em serviço deve possibilitar:

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[...] a aquisição de competências profissionais relevantes para aumentar a sua auto-confiança e probabilidade de sucesso, tornando-os mais eficazes no confronto com potenciais factores de stress. Nesse sentido, os professores deveriam ser treinados em competências que permitissem uma melhor gestão do imprevisível ou do espaço de incerteza que é actualmente a sala de aula ( JESUS, 2004, p.17).

Então, é preciso qualificar as políticas de gestão escolar através de investimentos em formação que contribuam para o desenvolvimento de um olhar atento e específico para as necessidades do professor que também deve ser visto como um sujeito integral em que as dimensões profissionais e afetivas estão relacionadas e influenciaram no seu desempenho no trabalho. Isso pode ser feito através da criação de espaços permanentes de autorreflexão que auxiliem os docentes a construírem estratégias próprias que possam ser eficazes na atenuação de tensões excessivas e com a adequação das expectativas ao contexto de trabalho apresentadas num processo de formação permanente. Dessa forma, cabe aos gestores e a sua equipe pedagógica acompanhar sistematicamente o complexo trabalho desenvolvido pelos docentes auxiliando-os a perceberem o reflexo do esforço empreendido na sua atividade profissional com a qualidade possível no contexto histórico-social em que se encontram, através do resgate das histórias bem-sucedidas que exemplificam suas conquistas e que podem gerar bem-estar e, posteriormente, qualificar a convivência no espaço escolar. Por isso, “é fundamental resgatar as práticas positivas do grupo, os avanços parciais, as forças que se tem, valorizar iniciativas inovadoras que já estão acontecendo” (VASCONCELLOS, 2003, p.194). Nesse sentido, um ensino de boa qualidade está relacionado também com o investimento dos gestores escolares em criar um clima fraterno no trabalho no qual exista a preocupação com as relações interpessoais e com a busca do estabelecimento de vínculos saudáveis de parceria. Uma comunicação qualificada pode ser uma estratégia eficiente para conter a imobilização e o adoecimento do corpo docente na medida do possível e, consequentemente, evitar a desqualificação da nobre tarefa de educar as gerações futuras. Por isso os gestores precisam transformar a escola numa comunidade em que o apoio mútuo seja oportunizado para que a esperança nas possibilidades de

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intervenção dos educadores não morra. Entretanto, é necessário considerar que a garantia de um suporte social e afetivo para o professor não garante o não adoecimento desse profissional, mas pode ser uma ação preventiva e humanizadora das relações no trabalho, evitando o desestímulo e a falta de motivação. Dessa forma, é necessário cada vez mais criar políticas de gestão escolar preocupadas com os múltiplos aspectos das condições de trabalho do professor, contribuindo para a emergência da satisfação e do comprometimento no exercício de sua função. Vale ressaltar que a valorização profissional, a escuta atenta às inquietações, o apoio em situações conflituosas, a autonomia de ação e a possibilidade de um trabalho autoral são medidas de gestão que podem contribuir para a instalação de ambientes de trabalho mais saudáveis em que a insegurança perante o inusitado é amenizada pela certeza do olhar parceiro e encorajador.

Referências CODO, Wanderley; VASQUES-MENEZES, Iône. O que é burnout? In: CODO, Wanderley (org). Educação: carinho e trabalho. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. JESUS, Saul Neves de. Gestão do Stresse: formulação e aplicação dum curso de formação. Educação. Centro de Educação, Universidade Federal de Santa Maria , vol. 29, n.1, 2004, p.9-19. LEMOS, Jadir Camargo. Cargas Psíquicas no Trabalho e Processos de Saúde em Professores Universitários . Tese de Doutorado. Florianópolis: 2005. Disponível na Internet em http://www.tede.ufsc. br/teses/PEPS4705.pdf MARCHESI, Álvaro. O Bem-estar dos Professores – Competências, Emoções e Valores. Porto Alegre: Artmed, 2008. PETRARCA, Rita de Cássia Teixeira. Professores em risco: Burnout na carreira docente. In: ANAIS do IV Seminário Interdisciplinar em supervisão escolar: a gestão de processos educativos face às transformações sociais. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2003. SILVA, Edileuza F. A aula no contexto histórico. In VEIGA, Ilma P. A. (org). Aula: gênese, dimensões, princípios e práticas. São Paulo: Papirus, 2008. VASCONCELLOS, Celso dos S. Avaliação da Aprendizagem: práticas de mudança – por uma práxis transformadora. São Paulo: Libertad, 2003.

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O IMPACTO DA EMOÇÃO NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE PROPRIETÁRIOS DE MICRO E PEQUENAS EMPRESAS THE IMPACT OF EMOTION IN THE LEARNING PROCESS OF OWNERS OF MICRO AND SMALL ENTERPRISES

Rogério de Moraes Bohn*

*

- Professor Mestre da Faculdade SENAC/RS de Administração; Porto Alegre, RS

Deise Rambo**

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- Professora Mestre do Unificado.

Resumo Os empresários de organizações de micro e pequeno porte sofrem influência da emoção durante o dia a dia de suas empresas. Este estudo determinou que as emoções e os sentimentos são compartilhados com outras pessoas e acabam influenciando o processo de aprendizagem. A pesquisa foi realizada com quatro empresários de micro e pequeno porte das áreas de produção de eventos, ferragem, perfumaria e revenda de produtos agropecuários e veterinários localizadas na Grande Porto Alegre/RS. Os dados foram coletados através de entrevistas e aplicação de questionários com os empresários de cada organização visitada. Os questionamentos abordaram as consequências da emoção e dos sentimentos nos processos de aprendizagem, segundo a percepção dos entrevistados. Uma das consequências que podemos destacar é que as emoções e sentimentos podem oportunizar ou limitar o processo de aprendizagem.

Palavras-chave:

Micro e Pequenas Empresas, Aprendizagem,

Emoção, Sentimento.

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Abstract The entrepreneurs of small businesses suffer influence of emotion on daily basis in their companies. This study determined that emotions and feelings are shared with other people and they end up influencing the learning process. The subjects of this research were four small business entrepreneurs in production of events, ironwork, perfumery and resale of agricultural and veterinary products located in the Great Porto Alegre/RS. The data were collected through interviews and application of questionnaires with the entrepreneurs of each visited organization. The questionnaires tackled the consequences of emotions and feelings in learning processes, according to the interviewees’ perception. One of the consequences we can highlight is that emotions and feelings can either foster or limit the learning process.

K e y w o r d s : Small Businesses, Learning, Emotion, Feelings.

1. Introdução A globalização tem provocado intensas mudanças nas práticas e preceitos da administração, e as organizações, a fim de sobreviverem no competitivo mercado mundial, acompanham tais mudanças. Desse modo, é que a conquista de novos negócios e os esforços para a diminuição de custos têm elevado a competição tanto dentro como fora das fronteiras nacionais, local onde as empresas buscam obter vantagem junto a seus concorrentes. Pode-se perceber através dessa realidade, que as pequenas empresas cujas operações não se dão no âmbito global acabam tendo que tomar importantes decisões estratégicas, visando a atender seus clientes no mercado globalizado (ROBBINS, 2000; DAFT, 1999). A aprendizagem, nesse contexto, tem um importante papel para as Micro e Pequenas Empresas (MPEs), uma vez que a intensa imprevisibilidade, a qual busca soluções rápidas e precisas, exige dos profissionais diversas capacidades para reduzir tal imprevisibilidade, garantindo, assim, um bom desempenho nas atividades e tarefas profissionais. De acordo com Ruas

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(2005), não podendo mais assegurar a regularidade e a previsibilidade através de ações prescritivas dos funcionários, desenvolveu-se a demanda por novas competências como a capacidade de: adaptação, flexibilidade, improvisação, percepção e criatividade. Vale ressaltar que no caso das MPEs, os empresários são normalmente aqueles que comandam o negócio. Dessa forma, tais capacidades são necessárias ao gestor para que possa dar continuidade ao negócio frente à acirrada competitividade. E como esses empresários podem aprender a superar as dificuldades do dia a dia para enfrentar a realidade do mercado? De que forma a emoção e os sentimentos têm influência nesse processo? Tais indagações motivaram o desenvolvimento desta pesquisa. Gabriel e Griffiths (2002, p. 215) admitem que as “emoções são reconhecidas como um futuro inevitável da vida organizacional”. Mas qual a relação entre aprendizagem e emoção? Na acepção de Antonacopoulou e Gabriel (2001), a emoção e a aprendizagem são elementos essenciais tanto aos indivíduos como as organizações, e, embora haja a possibilidade de estudar esses aspectos como fenômenos separados, os autores afirmam que estão inter-relacionados, interativos e interdependentes, mesmo que em diversos estudos e organizações tal fato seja negligenciado. Assim, essas perspectivas incentivaram a realização deste estudo, cuja questão de pesquisa consiste em verificar: como a emoção influencia no processo de aprendizagem de empresários de Micro e Pequenas Empresas? Com base nessa inquietação, este artigo tem como objetivo: compreender o papel da emoção e dos sentimentos nos processos de aprendizagem de empresários de MPEs. Para alcançar o objetivo proposto, foram entrevistados quatro empresários de empresas de micro e pequeno porte, cujas percepções são apresentadas neste estudo. O artigo está estruturado em cinco seções, incluindo as notas introdutórias. A segunda apresenta algumas contribuições teóricas sobre o processo de aprendizagem e como se dá no âmbito individual. A terceira apresenta uma revisão sobre a relação entre aprendizagem e as emoções, enquanto no quarto aborda-se acerca do contexto das MPEs. Já a quinta seção faz referência à metodologia utilizada para o desenvolvimento deste estudo. A sexta, por sua vez, discorre sobre os resultados obtidos com a realização da pesquisa, e a última apresenta as considerações finais.

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2. A Aprendizagem do indivíduo A partir de várias perspectivas, definições e abordagens é que a aprendizagem tem sido estudada. Kim (1996) atribui dois significados à aprendizagem: o operacional, que se refere à aquisição de know how, envolvendo o desenvolvimento da capacidade física, visando à produção de ações, e o know why, que provoca o desenvolvimento da capacidade de proferir conhecimentos de cunho conceitual e entendimento acerca de uma determinada experiência. Autores brasileiros, como Fleury e Fleury (1997) admitem que a aprendizagem é um processo que envolve mudança, sendo consequência de práticas e experiências antecedentes, que pode ou não trazer uma mudança comportamental perceptível. Em se tratando de aprendizagem individual, há dois focos: aprendizagem de crianças, estudada principalmente por autores de correntes pedagógicas, e aprendizagem de adultos, no qual há o interesse para o presente trabalho. Entre os autores com esta abordagem, destaca-se Mezirow (1991), que explica o processo de aprendizagem de adultos, enfatizando as formas pelas quais os indivíduos estabelecem sentido ou significado acerca de suas experiências. Conforme Mezirow, as pessoas necessitam compreender suas experiências para que ajam de modo coerente com as situações. Dessa forma, a aprendizagem refere-se a uma nova ou revisada interpretação sobre a experiência que permite guiar, consequentemente, as ações humanas. Através da reflexão, os indivíduos podem avaliar e, caso percebam a necessidade, alterar alguns significados que tenham construído no passado. Merriam e Caffarela (1999) analisam as principais abordagens de aprendizagem que têm sido estudadas, apresentando as contribuições que essas têm propiciado para o entendimento do aprendizado em adultos. As autoras buscam organizar as perspectivas em relação aos seus diferentes pressupostos, classificando e examinando cinco orientações: Comportamental, Cognitiva, Humanista, Social e Construtivista. Esta última abordagem abarca várias perspectivas, apesar de ser rotulada como “construtivista” por compartilhar da mesma premissa acerca da aprendizagem, definida como uma dinâmica de construção de significados. Além da premissa básica supracitada, os estudiosos do constru-

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tivismo divergem em relação à natureza do contexto, ao papel da experiência, à importância sobre o que é o conhecimento e se o processo de formular significado é principalmente individual ou social. As autoras percebem que aspectos referentes ao construtivismo e à aprendizagem de adultos podem ser analisados na aprendizagem transformadora, na aprendizagem pela experiência, na prática reflexiva e na aprendizagem situada (HIRSCHLE e MATTOS, 2007). Retomando o conceito de aprendizagem, Gherardi, Nicolini e Odella (1998) abordam o tema da aprendizagem sob a ótica da visão tradicional, que compreende que essa ocorre a partir da aquisição de dados, fatos e conhecimentos práticos acumulados. Tal aquisição é estocada em algumas formas de memória, sendo que a principal delas é o livro. Vale ressaltar que o maior esforço do aprendiz é adquirir e estocar seu próprio comportamento mental para quando necessário utilizá-lo ou se referir ao mesmo. Apesar destes enfoques mais tradicionais, percebe-se que atualmente a aprendizagem tem sido estudada sob um aspecto social e cultural, além do caráter cognitivo, já analisado em outras perspectivas. Diante desse contexto, o conceito de aprendizagem é entendido, no presente estudo, como pressupostos de abordagem construtivista. Hirschle e Mattos (2007) defendem que a aprendizagem, a partir dessa abordagem, é definida como o conhecimento construído de modo compartilhado na prática e no diálogo interpessoal, enquanto o processo de aprendizagem é traduzido como uma construção de significados que ocorrem por meio de ações, experiências e interações. Os autores enfatizam ainda que tais conceitos divergem do pressuposto “instrucionista” da aprendizagem, que trata o conhecimento como algo possível de ser transferido. Contribuem com esse entendimento Grohmann et al. (2006) ao afirmarem que a aprendizagem ocorre primeiramente num contexto social de relações sociais e como resultados de interações complexas, as quais são profundamente influenciadas por ambas as emoções: individuais e coletivas. Além disso, na sociedade atual, a aprendizagem deixa de ser reconhecida apenas como um processo cognitivo e social, sendo também um processo emocional. A aprendizagem caracteriza-se não mais pelos valores tradicionais, obediência e fuga ao fracasso a qualquer custo, mas sim, por meio da experimentação, inovação e do fracasso (GABRIEL; GRIFFITHS, 2002).

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Buscando compreender a relação entre a emoção no processo de aprendizagem, segue a próxima seção.

3. A emoção no processo de aprendizagem De acordo com Ferreira (1999), a emoção pode ter quatro significados: 1) ato de mover-se de forma moral; 2) perturbações ou alterações do espírito advindas de inúmeras situações, que se manifestam por meio de raiva, alegria, tristeza, entre outros; 3) reação breve e intensa do organismo em consequência de um lance inesperado, acompanhado de um estado afetivo de conotação penosa ou agradável; 4) estado de ânimo despertado por sentimento religioso, estético, entre outros. Silva (1998, p. 79) faz a seguinte explanação acerca da palavra emoção, de acordo com a psiquiatria: É uma designação genérica que engloba o sentir (afeto) e a expressão, física e involuntária, desse sentimento. É, pois, um fenômeno que se passa ao mesmo tempo na psique e no soma, ou, se preferirem na mente e no corpo. Embora se trate de um fenômeno simultâneo – corpo/espírito – é na expressão física que reside sua essência.

Percebe-se que há discordância em relação ao significado do que seja de fato as emoções. O termo pode ser confundido com outros, como é o caso do afeto, do humor, do sentimento. Portanto, é necessária uma breve diferenciação da emoção com outros. Gray e Watson (2001) apud Godim e Siqueira (2004) defendem que há uma inter-relação entre os conceitos, mas há diferenças entre esses. O afeto pode ser classificado como a emoção e o humor, que normalmente tem durações mais efêmeras. Além desses podemos diferenciar o temperamento, que é algo mais perene. Já Schachter (1964) apud Godim e Siqueira (2004) concorda que haja, em alguns casos, uma interrelação entre sentimentos e emoções, sendo que essas são respostas à ação do organismo, correndo em detrimento das relações fisiológicas, ao passo que os sentimentos ocorrem em função da interpretação do que está acontecendo internamente através do processo cognitivo.

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Há divergência também no que tange à função que as emoções ocupam na vida humana. Algumas teorias acreditam que é uma função quase que exclusivamente biológica, outras, que seja psicológica, e ainda existem as que defendem que se dá nos meios de representação dos sentimentos e afetos dos povos que pertencem à determinada cultura. Atualmente, prevalece a percepção de que emoção é definida como um processo de vários componentes, como os cognitivos, os motivacionais, os comportamentais e os fisiológicos, sendo assim, essa é compreendida como origem e resultado de interações sociais e influências ambientais (GONDIM; SIQUEIRA, 2004). De um modo geral, as emoções têm sido mais aceitas como fenômenos os quais podem ser conduzidos ao invés de efeitos advindos da vida mental. Conforme expressa Gabriel (2000), “emoção é motivação”, ou seja, cria, perpetua e contém unidos os indivíduos e as organizações (VINCE; SALEEM, 2004). Em relação à classificação, as emoções podem ser caracterizadas num continuum formado por três etapas principais: positiva, sentimentos de prazer; neutra; ou negativa, os sentimentos que causam sofrimento (RAFAELI, SUTTON, 1987 apud GROHMANN et al., 2006). Antonacopoulo e Gabriel (2001) contribuem com esse entendimento, afirmando que as emoções podem ser tanto prazerosas ou excitantes, que são as positivas, como desprazerosas ou perturbadoras, representando emoções negativas. Isso depende da interpretação individual e do teste que cada pessoa faz por meio da relação com os demais. As emoções e os afetos cumprem quatro funções, de acordo com Gondim e Siqueira (2004, p. 207): “a) sobrevivência da espécie; b) construção histórica; c) aprendizagem e ajustamento social; d) expressão da subjetividade e da individualidade”. Destacam-se entre tais papéis, o de aprendizagem e o de ajustamento, os autores afirmam acerca desses que emoções fazem parte do processo de socialização, que com o desenvolvimento do indivíduo, esse passa a adaptar melhor seus estados emocionais às realidades sociais das quais é integrante. Um exemplo que ilustra isso é a aprendizagem do indivíduo acerca de que o choro e a tristeza não devem ser expressos em ambientes de trabalho. É relevante apresentar as duas abordagens as quais buscam compreender o fenômeno da emoção: a abordagem psicológica e a abordagem

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construtivista. Antonacopoulou e Gabriel (2001) defendem que através da psicologia, as emoções são entendidas, juntamente com a racionalidade, como os principais geradores de conflito, sendo considerados reflexos do trabalho psicológico e não em decorrência de fatores externos. Além disso, algumas emoções não afetam tanto o indivíduo, e outras ocasionam impactos profundos que são sentidos por toda a vida. A abordagem construtivista, por sua vez, é explicada por Gabriel e Griffiths (2002), que caracterizam as emoções como fenômenos sociais, em detrimento dos sentimentos que são respostas individuais às interações sociais. Nesse sentido, as emoções são culturalmente compartilhadas, sendo constituídas no ato de transcrição através da linguagem e desempenhado na presença de relações interpessoais. Nos contextos sociais e culturais, são supridos as regras, os scripts, os vocabulários das emoções expostas por diferentes audiências: individual, do chefe, do subordinado, entre outras. De acordo com a abordagem construtivista social, os indivíduos adotam certas respostas emocionais em situações de trabalho, mas tais respostas não representam em si a inteligência emocional. Isso se dá pelo fato de que muitos trabalhos exigem habilidades emocionais, entre elas, destacam-se: empatia, sensibilidade com os sentimentos alheios e gerenciamento das emoções. Tais habilidades fazem parte do que os autores chamam de inteligência emocional, essa por sua vez, pode ser quantificável, e os indivíduos que a possuem em nível mais alto são melhores líderes a partir do desenvolvimento inteligente de suas próprias emoções e das emoções dos outros (GABRIEL; GRIFFITHS, 2002). Segundo Gabriel e Griffiths (2002), ao contrário da inteligência intelectual, que evita a improvisação, a inteligência emocional é adequada unicamente para ser desenvolvida por meio de “pacotes sensitivos”, “jogo de papéis” e outros tipos de treinamento. Vale ressaltar que, caso a inteligência emocional pode ser aprendida, a aprendizagem está condicionada pela inteligência emocional, como exemplo tem-se a capacidade para amparar a motivação, para controlar desapontamentos e a ansiedade e para formar relações emocionais com pessoas capazes de ensinar. Vale destacar que as emoções normalmente não são irracionais, mas bastante práticas. Em muitos casos, ainda segundo Gabriel e Griffiths (2002), representam julgamentos conscientes realizados para gerar determinados resultados desejados.

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Vince e Saleem (2004, p. 133) relatam sobre a importância de estudos relacionados à emoção nas organizações não é principalmente a consciência dos indivíduos, competência ou inteligência na relação com as próprias emoções ou com as emoções alheias. Na sua investigação, os autores buscam uma oportunidade para questionar o significado das emoções no contexto pesquisado: “quais emoções dizem sobre as tentativas de organização; quais vozes, abordagens, estruturas e desenhos são suscetíveis para serem suportados e por quais razões; como as emoções, consciente e inconscientemente, constroem a organização; e as limitações consequentes sob os comportamentos e conhecimentos individuais e coletivos”. Em um dos estudos desenvolvido por Vince (2001), o autor parte das seguintes premissas: 1) os processos de aprendizagem são diretamente regidos por meio das relações de poder; 2) as emoções definem tanto as possibilidades como as restrições da aprendizagem, como da organização; 3) existem organizações dinâmicas as quais representam mais que a soma das aprendizagens individuais e coletivas. Com o objetivo de compreender a aprendizagem organizacional através de uma perspectiva dinâmica que envolve o poder e a emoção, o autor chega à conclusão de que as análises organizacionais devem ir além do que envolve o impacto coletivo da aprendizagem no nível individual, identificando, assim, características da dinâmica organizacional, das emoções, das relações de poder da organização a fim de provocar aprendizagem e mudança. Cabe dizer que a experiência emocional não se restringe ao contexto intraorganizacional, sendo também o elemento central que cria e ampara o sistema que abrange a organização. Dessa forma, as emoções não se separam nem da aprendizagem nem das políticas e os três representam os elementos centrais em qualquer tentativa que busque a organização. A implicação de tal ideia é que os membros de uma organização requerem uma melhor compreensão acerca do impacto que as emoções e as políticas geram às organizações (VINCE; SALEEM, 2004). Corroborando com tal premissa, Gherardi et al. (2007, p. 321) explicam que “a conexão entre trabalho, local de trabalho e o objeto de trabalho é uma relação do conhecimento constituída de amor e ódio, obsessão e prazer, exploração e paixão”. Percebe-se com isso, uma forte relação das emoções com o processo de aprendizagem.

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Abordando acerca da aprendizagem, Fineman (1996) afirma que nem toda a aprendizagem gerada cria oportunidades, pode também restringi-las, criando limitações a respeito do que pode ou deve ser aprendido em determinado contexto organizacional. Essas restrições ajudam a promover a estabilidade e a coerência da organização, além de manterem a coerência, através da missão e visão, estabelecem limites inevitáveis, além de suportes de aprendizagem organizacional. O estudo acerca da emoção e da aprendizagem insere-se numa realidade complexa, dinâmica, havendo aprendizagens inevitáveis que são mobilizadas nos serviços de evitar, servir e desafiar as expectativas organizacionais, bem como as relações de poder e normas. Nesse sentido, as emoções devem ser analisadas não apenas como produto ou influência do processo de aprendizagem, mas também aquilo que é intrínseco para o que é e como é aprendido, e o ambiente organizacional o qual a aprendizagem ocorre. Neste estudo adota-se uma perspectiva construtivista social das emoções no processo de aprendizagem, sendo que os autores utilizam os termos sentimento e emoções como correlacionados, uma vez que há divergência entre tais denominações. Entende-se que dessa forma torna-se viável a compreensão da aprendizagem dos empresários no contexto de empresas de micro e pequeno porte. Para isso realiza-se uma breve discussão sobre os principais aspectos das referidas organizações.

4. Micro e Pequenas Empresas Grande parte da produção de bens e serviços tem como principal responsável as micro e pequenas empresas (MPEs), de modo que as mesmas têm fundamental importância para o mercado nacional. De acordo com Almeida e Asai (2002), as pequenas empresas têm um papel importante na economia capitalista, pois complementam as grandes organizações através do preenchimento de lacunas, sendo mais vantajosa a participação de um expressivo número de pequenas empresas. Outro fator a ser considerado é que quando a MPE está inserida numa cadeia produtiva de uma grande empresa, ela tem papel essencial para o desenvolvimento dessa empresa e até mesmo de seu

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país, pois a partir do momento que obtiver uma melhor qualidade de seus produtos ou serviços e preços mais competitivos ela terá contribuído para que as grandes empresas possam participar do mercado globalizado. Segundo SEBRAE (2008), podem ser consideradas microempresas aquelas do ramo industrial com até 19 funcionários e aquelas do ramo de comércio ou serviços com até nove funcionários. A pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas Geográficas e Estatísticas – IBGE, ocorrida no ano de 2002, sinaliza que 99,2% do total de empresas em atividade no Brasil são de micro e pequeno porte (SEBRAE, 2006). No conjunto, as micro e pequenas empresas empregam cerca de 8,5 milhões de um total de 23,7 milhões de trabalhadores registrados tanto na iniciativa privada como em estatais (RAMIRO; CARVALHO, 2002). Esse expressivo número de MPEs existente no país pode ser atribuído às vantagens proporcionadas por esse tipo de organização. Na visão de Almeida e Asai (2002), tais vantagens estão relacionadas ao tamanho, à habilidade de essas empresas terem rápidas reações às alterações do mercado, à facilidade de comunicação interna e à rapidez na resolução de problemas. Conforme Kruglianska (1996), outra vantagem das MPEs é a maior flexibilidade para atender clientes que necessitam de produtos em menor quantidade, ou seja, poder realizar a produção em baixa escala. Essa flexibilidade permite que se possa responder prontamente às demandas de seu mercado, mediante a adaptação de seus produtos às mudanças empreendidas por seus clientes e ainda, seus equipamentos sendo menos especializados permitem que sejam introduzidas alterações e adaptações com mais facilidade. Além disso, os serviços prestados pelas MPEs são mais práticos e rápidos, tendo maior proximidade com os clientes e a eficiência é maior em função dos baixos custos indiretos. As MPEs podem eliminar mais facilmente os desperdícios e reduzir as atividades que não agregam valor à organização. Assim, de um modo geral, pode-se afirmar que as MPEs têm uma estrutura mais enxuta, a qual facilita aos seus colaboradores estarem em contato direto e permanente com a estrutura administrativa e gerencial da empresa, tornando-se mais fácil a troca de ideias em relação a novos produtos ou serviços que possam ser oferecidos (KRUGLIANSKA, 1996).

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Apesar de as MPEs terem um significativo grau de flexibilidade em suas atividades, visualiza-se que as mesmas apresentam limitações quando se trata de aspectos da área gerencial. Isso está atrelado ao fato de haver um alto índice de improvisação, falta de profissionalismo e de gerenciamento estratégico. Sendo assim, o processo de aprendizagem que envolve as emoções é um precioso recurso, o qual pode vir a suprir as dificuldades encontradas pelas MPEs, a fim de que essas sobrevivam e desenvolvam-se, proporcionando, como consequência, o crescimento do meio onde estão inseridas, na geração de emprego e renda. Há diversas particularidades que retratam a maneira pela qual a maioria dos empresários de MPEs conduz seus negócios. Grande parte das razões para o insucesso empresarial está relacionada com falta de conhecimento e habilidades administrativas, mercadológicas e tecnológicas, segundo Degen (1989), Dolabela (1999). Em relação aos aspectos comportamentais do empresário, há uma tendência ao conservadorismo, individualismo, centralização do poder e uso de improvisação em relação à ação planejada, advinda de uma gestão intuitiva. No que se refere à estrutura interna organizacional, observa-se uma certa informalidade nas relações das MPEs, bem como uma administração não profissional e a não utilização ou a utilização inadequada de procedimentos gerenciais. O difícil acesso à informação externa é outra variável presente no contexto das MPEs (TERENCE; ESCRIVÃO FILHO, 2001). O proprietário de um pequeno negócio é uma pessoa que tem uma dedicação de quase a totalidade de seu tempo para o trabalho no seu empreendimento (BOHN, 2006, p. 15) e que normalmente ainda não teve condições de acumular recursos suficientes para “garantir a sua vida em caso de dificuldades de sua empresa”. A pessoa física do proprietário substitui a pessoa jurídica da empresa, em muitos casos, caracterizando uma identidade total. Se a vida pessoal desse proprietário está em um bom momento, o negócio recebe um impulso, enquanto, de outra forma, pode haver um impacto negativo. A micro e a pequena empresa dependem fortemente do seu proprietário, afirma Bohn (2006).

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5. Metodologia Quanto à classificação do estudo, este se caracteriza por ser um estudo de caso qualitativo, tendo caráter exploratório-descritivo. Godoy (2006, p. 121) define sobre o estudo de caso qualitativo que deve estar centrado em uma situação ou evento particular cuja importância vem do que ele revela sobre o fenômeno objeto da investigação. Essa especificidade torna o estudo de caso adequado quando se quer focar problemas práticos, decorrentes das intricadas das situações individuais e sociais presentes nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas.

Mattar (1996) destaca que a pesquisa exploratória propicia ao pesquisador estabelecer prioridades do estudo, o que possibilita aumentar a sua experiência a respeito do problema proposto. Para Triviños (1987), os estudos descritos exigem do pesquisador uma série de informações sobre o que se deseja pesquisar e objetiva descrever com exatidão, fatos e fenômenos de determinada realidade. Buscou-se, no presente estudo, investigar o papel dos sentimentos e das emoções no processo de aprendizagem dos empresários. Para tanto, a coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas. Na acepção de Quivy e Campenhoudt (1998), a entrevista semiestruturada dispõe ao entrevistador várias perguntas-guias consideravelmente abertas, porém não necessariamente na ordem que foram previamente formuladas. Nesse método, o entrevistador, tanto quanto for possível, deixará o entrevistado livre com o intuito de responder de modo aberto, com suas palavras e na ordem que lhe for conveniente. Neste estudo procurou-se identificar junto aos entrevistados momentos em que eles tenham percebido a ocorrência de aprendizagem influenciada por emoções e o que resultou dessa influência. Também se buscou identificar os principais sentimentos percebidos nessas situações e a forma como tais sentimentos restringiram a aprendizagem. A percepção sobre o tipo de aprendizagem que surge como resultado de influência de uma emoção positiva ou negativa foi também alvo da pesquisa.

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A escolha dos entrevistados ocorreu por conveniência, tendo sido entrevistados quatro empresários de micro e pequenas empresas da cidade de Porto Alegre. A partir da transcrição das entrevistas, as informações foram sistematizadas e interpretadas a fim de revelar a realidade apresentada. Os resultados são apresentados a seguir.

6. Apresentação e Discussão dos Resultados 6.1 Perfil das Empresas e dos Entrevistados Durante o mês de dezembro de 2008 e janeiro de 2009 foram realizadas as entrevistas com os quatro empresários na região de Porto Alegre. Segundo a classificação do SEBRAE, duas das empresas desses podem ser classificadas como micro empresas e duas, como pequena empresa. O primeiro gestor entrevistado foi Janete, proprietária de uma microempresa que atua no campo da organização de eventos empresariais. Ela é graduada em relações públicas, tem 48 anos e iniciou o empreendimento há pouco mais de cinco anos, respondendo a oportunidades de mercado. Possui uma sócia, no desenvolvimento de seu trabalho contrata estagiários ou funcionários e estabelece parcerias com outras empresas de acordo com os projetos que são desenvolvidos. O segundo empresário entrevistado foi Nathália, gestora de uma microempresa industrial que atua na produção de perfumes há mais de 40 anos. Nathália é uma pedagoga de 67 anos que assumiu os negócios em conjunto com o marido, quando do falecimento de seu pai, fundador da empresa, em 1984. Além dos sócios, hoje a empresa conta com mais um funcionário em tempo integral e eventualmente outras pessoas são chamadas em função de aumento de demanda. O terceiro pesquisado, Romualdo, é proprietário de uma ferragem considerada de pequeno porte, pois possui mais de nove funcionários. Romualdo é um administrador de empresas e engenheiro mecânico de 58 anos que iniciou suas atividades há cerca de 15 anos ao encerrar sua carreira como executivo de empresas de grande porte.

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Por fim, entrevistou-se Pedro, de 48 anos, que está cursando Administração de Empresas, proprietário de uma empresa que trabalha com produtos agropecuários e veterinários. A empresa foi fundada há 44 anos por seus pais, primeiramente como um armazém de secos e molhados. De acordo com os interesses da família, há 26 anos assumiu a responsabilidade de sócio. Seguindo esse exemplo, há aproximadamente quatro anos convidou seu filho Daniel, para atender uma grande demanda de clientes, inclusive de municípios vizinhos. O processo de aprendizagem através das emoções foi analisado através das respostas dos pesquisados a cada uma das questões realizadas na entrevistas. No tópico a seguir, apresentam-se os principais resultados, bem como a análise dos mesmos tendo como base o referencial teórico acerca do tema.

6.2 Aprendizagem X Emoção Na questão que buscou indagar sobre a existência das emoções no processo de aprendizagem, os quatro entrevistados afirmam que ela esteve presente em alguma situação no ambiente de trabalho. Romualdo deu como exemplo o caso da concessão de crédito para aquisição de materiais de construção em sua loja, quando ele não realizou nenhuma análise técnica de capacidade de pagamento e garantias, baseado num sentimento de pena, de tentar ajudar uma pessoa. Quando questionado sobre o resultado dessa influência, Romualdo afirma que: “gerou prejuízo, mas gerou a aprendizagem de tentar evitar a influência do sentimento de pena ou de apoio na hora de realizar uma venda para uma pessoa que não comprova condições de pagar”. A resposta de Pedro a esse questionamento é que, no momento em que devido à idade avançada dos seus pais e problemas de saúde por eles apresentados, os mesmos sentiram a necessidade de parar com sua atividade comercial e tinham vontade que os filhos dessem continuidade ao que eles haviam conquistado. Incentivando isso, Pedro assumiu a empresa e passou a conduzir os negócios. Essas percepções estão de acordo com os autores Vince e Saleem (2004), que entendem as emoções como fenômenos conduzidos. Isso demonstra a racionalidade como elemento presente na percepção dos entrevistados. No caso

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de Romualdo, isso se deu a partir de uma interação social que teve empatia para com o seu cliente; e, para Pedro, houve uma influência do sentimento familiar. Falando sobre o resultado dessa influência, Nathália relembra uma situação em que sofreu um furto por parte de funcionários, há mais de 20 anos. Ela fala que “não havia segurança com relação aos produtos e nem o acompanhamento do estoque. Houve o sentimento de quebra de confiança”. Quanto ao resultado gerado, na percepção dela foi “melhorar os controles: acompanhar de perto o andamento da produção, desde o controle de produto pronto até as vendas”. A fala da pesquisada revela a informalidade e a não utilização de ferramentas gerenciais naquele momento, já mencionadas por Terence e Escrivão Filho (2001) como presentes em empresas de micro e pequeno porte. Essa característica de informalidade intrínseca à organização gera relações informais que se refletem no processo de aprendizagem, quando somente após a ocorrência do roubo foram mobilizados sentimentos de insegurança que levaram à preocupação com a existência e eficácia dos controles. Janete responde acerca do questionamento que com qualquer cliente ou trabalho que se desenvolve está presente a influência emocional, seja ela na paixão pelo que se realiza ou na frustração de não se ter obtido resultados positivos. Sobre a consequência que essa influência causa, Janete faz a seguinte explanação: O resultado é sempre benéfico. Se a influência emocional for positiva, eleva a autoestima, proporcionando uma maior segurança naquilo que se está realizando; se a influência for negativa, lança o desafio para buscarmos melhorar e aperfeiçoar com novos projetos e clientes. Todos os dois sentimentos geram a possibilidade de mais ganhos financeiros.

Janete associa os conceitos de sentimento ao de emoção, revelando com isso a interconexão entre eles já abordado no referencial teórico. Além disso, ela identifica a existência de emoções positivas e negativas, corroborando a percepção de Antonacopoulo e Gabriel (2001), que afirmam que as emoções podem ser tanto prazerosas como perturbadoras. O resultado da influência dessas está sempre presente no cotidiano de seu trabalho, portanto influenciando a organização a aprender canalizando seus esforços para resultados financeiros. 120_


Essa preocupação de melhoria de desempenho e de manutenção da capacidade competitiva é apresentada pelo SEBRAE (2008) como uma necessidade das empresas de micro e pequeno porte na sua luta pela continuidade. Pedro acredita que “a tradição familiar somente se desenvolve com sucesso quando norteada por exemplos de aprendizagens vividas e transmitidas de pai para filho, numa relação de humildade e parceria, jamais abrindo mão da ética profissional”. Percebe-se por meio dessa explanação que o sentimento familiar pode contribuir para o processo de aprendizagem, através de experiências e vivências compartilhadas que buscam a manutenção de valores e ao sucesso organizacional. Em relação aos principais sentimentos que influenciam no processo de aprendizagem, Nathália indica a necessidade de superação dos desafios diários, o sentimento de querer vencer e a busca por atingir os objetivos propostos, além da motivação. Para Romualdo, “o gosto de ver um produto novo, de realizar uma grande venda, o conhecimento dos gostos e necessidades das pessoas”. Janete responde que Gostar do que se realizando (estar satisfeito com a empresa e a profissão) faz com que o envolvimento e comprometimento com os resultados sejam mais eficazes; Responsabilidade: cumprir as metas estabelecidas; Envolvimento: sempre que estamos envolvidos emocionalmente com o trabalho que realizamos, temos mais possibilidade de motivar a equipe de trabalho para o mesmo objetivo.

Esses sentimentos apresentados pelos entrevistados representam algumas das principais habilidades necessárias para a condução de organizações empresariais, e em particular as de micro e pequeno porte na sociedade atual. Com isso percebe-se que a correta mobilização dos sentimentos e emoções que influenciam a aprendizagem são também habilidades necessárias e que podem ser aprendidas para uma melhor atuação profissional. Entre os sentimentos que restringem seu processo de aprendizagem, Romualdo indica “a insegurança nos aspectos econômicos ou pessoais. Insegurança sobre atitudes a tomar em determinados momentos em função de falta de informações ou de confiança no futuro”. Janete responde a essa questão falando

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que o único sentimento que restringe ou limita o processo de aprendizagem é não saber estabelecer objetivos ou a falta de vontade de realizar alguma “coisa”. Pode-se constatar a presença do sentimento de insegurança nas duas respostas a este questionamento. Desse modo, podemos comprovar que nem todo o processo de aprendizagem, conforme Fineman (1996), proporciona oportunidade de desenvolvimento, mas pode restringir o seu desenvolvimento, limitando o que pode ser aprendido na organização, dificultando a promoção da estabilidade e a coerência da organização. Em se tratando de micro e pequenas empresas, o estabelecimento de metas, visão e missão pode ser limite inevitável, que fortalece o foco na busca do objetivo. Na percepção de Nathália, “a pressa, a agitação, a irritação são fatores que dificultam a aprendizagem”. De acordo com Pedro, a sensação de falta de criatividade pode ser limitadora ao processo de aprendizagem. Destaca-se nessas respostas a presença de sentimentos e de sensações bastante comuns na sociedade atual, de um lado a necessidade de agilidade e do outro a demanda pela criação e inovação. Conforme pesquisa realizada pelo SEBRAE (2006), 44% dos empresários de MPEs investigados consideram a criatividade como fator decisivo no sucesso das empresas. Portanto, tal resposta demonstra relevância ao contexto das MPEs. Na questão referente à relação entre emoção negativa e consequente aprendizagem negativa, Janete respondeu que não necessariamente uma emoção negativa sempre gere um resultado de aprendizagem negativa. Pois, segunda ela, em sua área de atuação, na realização de eventos, pode-se dizer que o medo, considerado como uma emoção negativa gere um movimento contrário, no sentido de impulsionar um maior esforço para atingir o resultado. Para se ter mais resultados positivos, é importante trabalhar com um pouco de medo, que nos deixa alerta. Esse sentimento acontece na maioria dos eventos realizados.

Num entendimento semelhante em relação à emoção negativa, Pedro afirma: Meu pai teve um grave infarto do miocárdio e por determinação médica foi afastado definitivamente de suas atividades comerciais.

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Mesmo sem experiência no ramo, pois eu era adolescente, tive que substituí-lo ao lado de minha mãe; embora com ansiedade esta experiência também tivesse seu lado positivo, porque hoje já se passarão muitos anos e estamos cada vez mais comprometidos com o sucesso e existência dessa empresa.

Romualdo responde à questão, relatando que uma cliente que havia autorizado os pedreiros a comprar produtos em seu nome para a reforma veio à loja reclamando que o que eles compraram não foi utilizado em sua reforma, e destratando o proprietário e os funcionários. Ele expressa que “na hora pedi pra morrer, mas isso me levou a aprender a ser mais cuidadoso na entrega dos produtos”. Nathália defende que o resultado negativo deve ser filtrado. A entrevistada faz o seguinte relato que corrobora com sua afirmação: Às vezes recebemos telefonemas de clientes descontentes que causam um desconforto ou um momento de desagrado. Isso leva ao aprendizado de que nem sempre se deve aceitar, absorver inteiramente a crítica feita, pois a pessoa do outro lado pode estar com outros problemas e os transferindo para mim.

Nessas respostas pode-se encontrar o que é descrito por Gabriel e Griffiths (2002) quando falam de julgamentos conscientes para gerar determinados objetivos. Ao analisar uma atitude de um cliente e decidir de que forma ela vai afetar a organização, o sentimento é traduzido como uma emoção pontual, momentânea e com o passar do tempo leva à aprendizagem, que se traduz por uma adequada aplicação de inteligência emocional. Outro caso é quando uma doença que gere um afastamento do gestor impulsiona um processo de sucessão, visando à sobrevivência do negócio, apesar daquele momento de dificuldade. No questionamento sobre se uma emoção positiva sempre gera um resultado de aprendizagem positiva, Nathália considera que quando está mais tranquila e calma consegue analisar melhor a situação, aprender melhor com essa e, com isso, toma a decisão mais adequada, tratando até melhor as pessoas. Janete expõe: Sempre que temos uma emoção positiva (alegria, confiança) na realização de um trabalho, é por que estamos seguros quanto à realização da tarefa. Assim, temos condições emocionais de envolver

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um número maior de colaboradores e também o nosso poder de convencimento fica mais qualificado, mais elevado. Assim, uma aprendizagem positiva sempre gera um resultado positivo.

Para complementar a sua resposta, Janete dá como exemplo o seu cotidiano empresarial. “Na realização de um evento, se existem uma boa programação, um bom conteúdo e a certeza de que o evento será um sucesso, com certeza o nosso argumento de venda na captação de patrocínios e participantes será bem mais eficaz”. Pode-se compreender as duas falas anteriores à luz de Gondim e Siqueira (2004), que afirmam que as emoções são sentidas pelo indivíduo, porém, através da socialização, aprendem-se quais podem ser expressas ou inibidas, contagiando outras pessoas quando assim se deseja ou evitando a disseminação de um sentimento ou emoção negativa. Em contradição a essas respostas, Romualdo defende que nem sempre uma emoção acarrete um resultado positivo de aprendizagem, uma vez que “o excesso de autoconfiança pode levar ao insucesso”. Esse enfoque coaduna com a visão de intensas mudanças nas práticas e preceitos das organizações, como prega Robbins (2000) e Daft (1999). O sucesso obtido em experiências passadas pode não ser repetido utilizando-se os mesmos métodos ou procedimentos, em função da instabilidade do contexto de mercado e da influência da concorrência, que sugere cautela ao se tomarem novas decisões baseadas em fatos passados.

7. Considerações finais O ambiente atual, caracterizado por intensa competitividade e concorrência acirrada, exige que as empresas destinem sua atenção às questões relacionadas à estrutura interorganizacional a fim de aprimorar sua performance. Embora haja esse tipo de preocupação, percebe-se, porém, que a realidade das MPEs tem particularidades diferentes. Os gestores dessas organizações, geralmente, solucionam seus problemas cotidianos através de práticas de centralização de poder e decisão e informalidade, baseadas na própria experiência gerada a partir de sua vivência passada. Apesar das dificuldades encontradas por esses empresários, não 124_


se pode negar a importância das MPEs para o mercado, pois são responsáveis por boa parte da produção de bens e serviços e da geração de riquezas e empregos. Tendo em vista tal realidade, torna-se evidente a necessidade de esses gestores desenvolverem a habilidade de aprender com suas emoções uma vez que elas nunca estarão desconectadas da realidade empresarial. Diante disso, desenvolveu-se a pesquisa com quatro empresários de MPEs de diferentes segmentos de atuação. Os resultados das entrevistas com os empresários apontam que: 1) há influência, embora em circunstâncias diferentes, da emoção no processo de aprendizagem; 2) em relação ao resultado da influência das emoções no processo de aprendizagem, pode-se perceber, por meio das respostas dos entrevistados, que essa pode impulsionar ao processo de mudança e consequentemente, fortalecimento do aprendizado. 3) No que tange aos sentimentos que influenciam à aprendizagem, os respondentes admitem que o desafio de realizar com eficácia a atividade empresarial, e, por outro lado, o receio do fracasso, mobilizam a aprendizagem. 4) Entre os elementos restritores do processo de aprendizagem, encontram-se: a insegurança, incerteza quanto aos objetivos, a agitação, a pressa, a irritação e a criatividade limitada. 5) Quanto ao questionamento acerca do resultado positivo da aprendizagem frente às emoções positivas, apenas um dos entrevistados crê que não há essa relação direta, pois acredita que a autoconfiança em excesso pode conduzir ao fracasso. 6) Os empresários entendem que emoções negativas podem conduzir a resultados positivos de aprendizagem pelo desafio e pela reflexão que propiciam. O presente estudo evidenciou que, de um modo geral, a emoção está presente no processo de aprendizagem e interligada com os sentimentos, gerando consequências que, se bem entendidas pelos gestores, podem levar à geração de melhores resultados. A base teórica, por sua vez, aponta que aprendizagem do indivíduo é caracterizada não apenas por valores tradicionais, mas também por experimentação, inovação e também pelo fracasso. Cabe enfatizar ainda que esta pesquisa limitou-se a analisar a função das emoções e dos sentimentos na aprendizagem de quatro empresários de MPEs. Os aspectos que se referem a tal assunto entre empresas de médio e grande porte ou de MPEs de outras localidades e ramos de atuação podem ser explorados em estudos futuros.

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MODA ESTATÍSTICA: UMA MEDIDA DE TENDÊNCIA CENTRAL MODA ESTADÍSTICA: UNA MEDIDA DE TENDENCIA CENTRAL

Ancilla Dall’Onder Zatt*

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- Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos. ancila@italnet.com.br

Resumo Este trabalho visa uma reflexão sobre a base conceitual da moda estatística, suas origens, processos de determinação, suas aplicações e processo de aprendizagem. A moda é uma estatística descritiva que indica o valor que mais se repete num conjunto de valores. Karl Pearson utilizou esse termo pela primeira vez em 1895 influenciado pela expressão “estar na moda” quando alguma coisa era frequente. Pode ser obtida pela simples observação dos dados de um conjunto, pelo ponto médio da classe modal de uma distribuição, ou por processos mais elaborados – gráfico e fórmula – de Czuber e de King e, ainda, pela relação empírica de Pearson. Esta faz uso das medidas de tendência central: média, mediana e moda, aplicadas no cálculo da assimetria e da curtose. Cada uma das medidas de tendência central fornece uma visão parcial dos dados, por isso o pesquisador precisa verificar se o parâmetro moda é adequado ao objetivo de seu estudo investigativo. A moda caracteriza-se por sua aplicabilidade a todos os níveis de medida, especialmente aos dados categóricos. É um processo de aprendizagem muito rico ao envolver conceitos prévios e habilidades que se harmonizam num conjunto de relações constitutivas da moda estatística.

P a l a v r a s - c h a v e : Moda Estatística, Tendência Central, Aprendizagem.

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Resumen Este trabajo tiene como objetivo refelexionar sobre la base conceptual de la moda estadística, sus orígenes, los procedimientos de determinación, sus aplicaciones y el proceso de aprendizaje. La moda es una estadística descriptiva que indica el valor que más se repite en un conjunto de valores. Karl Pearson utilizó este término por la primera vez en 1895 influenciado por la expresión “estar a la moda” cuando alguna cosa era frecuente. Se puede obtener simplemente por la simple observación de los datos de un conjunto, por el punto médio de la clase modal de una distribución o por procedimeintos más elaborados – gráfico y fórmula – de Czuber y King y también por la relación empírica de Pearson. Esta hace uso de medidas de la tendencia central: media, mediana y moda, utilizadas para calcular la asimetría y la curtosis. Cada una de las medidas de tendencia central proporciona una visión parcial de los datos, por lo que el investigador debe verificar si el parámetro moda es adecuado para los fines de su estúdio de investigación. La moda se caracteriza por su aplicabilidad a todos los niveles de medición, sobre todo para datos categóricos. Es un proceso de aprendizaje muy rico, al envolver conceptos prévios y habilidades que se armonizan en un conjunto de relaciones constitutivas de la moda estadística.

P a l a b r a s c l a v e s : Moda Estadística, Tendencia Central, Aprendizaje.

Introdução Em Estatística denominam-se medidas de tendência central: a média, a mediana e a moda. Para Triola (1999, p. 31): “Uma medida de tendência central é um valor no centro ou no meio de um conjunto de dados”. Essas medidas dependem da definição de centro de um conjunto de valores ou de uma distribuição que pode ser interpretado de várias maneiras (BERQUÓ et al., 1981). Podem indicar o salário esperado que um trabalhador declara ao ser entrevistado, o salário mais frequente na empresa ou, ainda, o valor salarial central abaixo do qual/acima do qual está situada metade de todos os salários pagos pela empresa.

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A moda, objeto deste artigo, “é o valor que ocorre com maior frequência num conjunto de dados, isto é, o valor mais comum” (SPIEGEL, 1976, p. 74). A palavra “moda” significa, no cotidiano, ser “muito usado” e segundo Clegg (1995) expressa com propriedade o significado da moda estatística. Esta é o valor que se repete o maior número de vezes, num conjunto de valores, isto é, o mais frequente. São muito comuns expressões que mencionam a preferência por determinado produto, maior audiência entre emissoras, obras mais vendidas, candidato mais votado, numeração de calçados de maior procura e outras que passam a ideia de um valor mais frequente, estatisticamente denominado moda. Convém assinalar que expressões como: “...a maioria dos sistemas de ensino brasileiro não havia adotado o Ensino Fundamental com duração de nove anos” (BRANDÃO; PASCHOAL, 2009), num conjunto de dados “a maioria” nem sempre representa a moda estatística (HOUT, 1999). As obras de Estatística são unânimes em referenciar o parâmetro moda no cálculo das medidas de assimetria e curtose, mas poucas oferecem seu tratamento estatístico. A referência mais remota que se tem do uso da moda, citada por Wallis e Roberts em sua obra Curso de Estatística, é o que se refere ao cerco dos plateus pelos peloponésios em 428 a.C. No inverno desse ano os plateus, juntamente com os atenienses, estavam sitiados pelos peloponésios e pelos beócios. Armaram um plano para escaparem forçando a passagem pelas muralhas inimigas. Para construir escadas que alcançassem a altura da muralha inimiga muitas pessoas contaram e recontaram, ao mesmo tempo, as camadas de tijolos. Ainda que alguém errasse a contagem, a maioria haveria de ter acertado. Foi dessa forma que obtiveram o comprimento necessário para as escadas alcançarem o objetivo. O termo moda foi utilizado pela primeira vez por Karl Pearson, em 1895, influenciado pela maneira de falar das pessoas ao afirmarem que tal objeto está na moda, com o significado de coisa mais frequente (GONÇALVES, 1978). Essa definição permite observar que um conjunto de valores pode possuir mais de uma moda.

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Diz-se que um conjunto é unimodal, bimodal, trimodal ou plurimodal, de acordo com o número de modas que apresenta. A ausência de uma moda caracteriza o conjunto como amodal. Encontra-se na estrutura das palavras, o conhecimento prévio para a construção conceitual da classificação dos conjuntos de valores em função da presença ou ausência da moda.

Desvendando os processos de determinação da moda Sendo a moda de um conjunto de dados o valor que mais se repete (BISQUERA et al., 2004) parece simples a sua identificação. Segundo Stevenson (1982, p. 23): “A moda funciona como medida descritiva quando se trata de contar dados”. No caso de uma distribuição de frequência a classe modal será a que apresenta maior frequência (20 ⊢ 25), no exemplo citado, pois contém o valor da moda na distribuição. O ponto médio representativo da classe modal é denominado moda bruta que no exemplo dado é 22,5 peças diárias. Numa distribuição de frequência a classe modal nem sempre corresponde à classe que contém a mediana. Karl Pearson observou a existência de uma relação empírica que permite calcular a moda quando são conhecidas a média ()e a mediana (Me) de uma distribuição moderadamente assimétrica. Essas condições satisfazem a relação empírica Mo = 3 Me – 2 que, no exemplo apresentado, corresponde a Mo = 3(23,08) – 2(23), então Mo = 23,24 peças. Esse processo supõe o domínio conceitual simetria/assimetria, empírica, o cálculo da média aritmética e da mediana. Em uma distribuição simétrica as três medidas – , Me, Mo – são exatamente iguais. Convém lembrar que a fórmula de Pearson pode ser empregada com bons resultados quando os valores da média e da mediana forem conhecidos e a distribuição não for muito simétrica. Considere-se a distribuição das vendas diárias do setor de peças de uma determinada loja para explicitar os processos de cálculo da moda indicados.

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Nº de peças (X)

NÂş de dias (fi)

Xi

fac

XiFi

5 ⊢ 10

3

7,5

3

22,5

10 ⊢ 15

9

12,5

12

112,5

15 ⊢ 20

12

17,5

24

210,0

20 ⊢ 25

26

22,5

50

585,0

25 ⊢ 30

15

27,5

65

412,5

30 ⊢ 35

13

32,5

78

422,5

35 ⊢ 40

2

37,5

80

75,0

Total

80

-

-

1.840,0

Moda bruta = 22,5 peças X

6Xifi 6fi

X

1840 80

X 23 peças

MĂŠdia = ď&#x;ƒ ÎŁXifi = somatĂłrio dos produtos frequĂŞncia por ponto mĂŠdio classe a classe ÎŁfi = somatĂłrio da fi.(total) Me li

Po - fai .h fi

Me 20

40 - 24 .5 26

onde

Po

6fi

2

Me = 20 + 3,076

Po 40 ~ 23,08 Me =

Para a mediana: Me = mediana li = limite inferior da classe de localização da Me Po = localização da classe da Me fai = frequência acumulada classe inferior à da Me fi = frequência simples da classe da Me h = intervalo de classe

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Moda de Pearson = 3(Me) – 2() Moda = 3(23,08) – 2(23) Moda  23,24 peças Desejando-se obter a moda com mais exatidão, empregam-se os processos de Czuber e King, os quais apresentam possibilidade de determinação gráfica e um raciocínio matemático em suas formulações. Czuber desenvolve uma forma mais aproximada para o cálculo da moda partindo de um processo gráfico. Para determinar graficamente a moda Czuber parte do histograma (Figura 1), utilizando os três retângulos correspondentes à classe modal e às classes adjacentes. A moda será o valor do limite inferior da classe modal acrescida de um valor “X” determinado pela intersecção dos segmentos  (que une o limite superior da classe que antecede a classe modal ao limite superior da classe modal) e ! (que une o limite inferior da classe modal ao inferior da classe posterior à modal). Portanto: Mo = li + X.

nº de dias 26 24 22 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0

fmo

C

B

2 1

fan

D

fp

A

X 5

10

15

20 Ii

25 30 Is Mo

35

40

nº de peças

Figura 1. Processo gráfico de Czuber para determinação da moda.

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A observação da figura do histograma mostra o uso dos conceitos prĂŠvios de semelhança entre os triângulos, de proporcionalidade e a hipĂłtese de Czuber: “A moda divide o intervalo da classe modal em distâncias proporcionais Ă s diferenças entre a frequĂŞncia da classe modal com a frequĂŞncia das classes adjacentesâ€?. X h-X

'1 '2

Fazendo-se: fmo = frequĂŞncia modal fan = frequĂŞncia anterior Ă modal fp = frequĂŞncia posterior Ă modal h -= intervalo de classe li = limite inferior da classe modal Mo = moda

EntĂŁo: '2.X = '1(h - X) '2.X = '1h - '1X '1X + '2X = '1h X('1 + '2) = '1h

X

'1h '1 ' 2

ou

e sabendo que:

entĂŁo X X

X

'1 .h '1 ' 2

'1 = fmo – fan '2 = fmo – fp substitui-se pelas equivalências

fmo - fan .h fmo - fan fmo - fp fmo - fan .h 2fmo - (fan fp)

e como Mo = li + x, substituindo-se X pelo seu valor, tem-se a fĂłrmula de Czuber: Mo li

fmo - fan .h 2fmo - (fan fp)

O processo gråfico de Czuber embasa o processo matemåtico, e sua construção formal requer o conhecimento de conceitos prÊvios de geometria, proporcionalidade e fatoração.

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No exemplo da distribuição da frequência das peças vendidas, a moda de Czuber indica: Mo

20

26 - 12 .5 52 - (12 15)

Mo

20

14 .5 52 27

Mo

20

70 25

Mo = 20 + 2,8

Mo = 22,8 peças

O estudante familiarizado com o cĂĄlculo pode encontrar a fĂłrmula de Czuber atravĂŠs da parĂĄbola construĂ­da de modo a passar pelos pontos mĂŠdios da classe modal e das classes adjacentes a ela. O processo de W. I. King apresenta sua forma geomĂŠtrica de determinação atravĂŠs do histograma conforme a Figura 2. Percebe-se que a Mo = li + X. Traçando, na figura, em continuidade ao segmento do limite superior da classe modal, a projeção do limite inferior da classe modal, tem-se ďœ‹ďœ– que faz intersecção com o eixo da abscissa – escala numerada – onde se lĂŞ a moda das peças vendidas.

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nº de dias fmo

26 24 22 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0

fp

A fan

1

5

10

15

20

25

30

Mo

35

40

nº de peças

2

B

Figura 2. Processo gráfico de King para determinação da moda.

A proposta de King pouco difere da de Czuber baseada nos conceitos de semelhança entre os triângulos e proporcionalidade. Retoma-se a ideia de a moda ser equivalente ao valor do limite inferior da classe modal acrescido de um valor “X” correspondente ao segmento entre o limite inferior da classe modal e o ponto de intersecção com o eixo da abscissa. O processo de cálculo baseia-se na proporcionalidade pela semelhança dos triângulos de acordo com a figura acima e na hipótese de King: “A moda divide o intervalo da classe modal em distâncias inversamente proporcionais às frequências das classes adjacentes”. X h-X

'1 '2

sendo que:

'1 = fp '2 = fan

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fp = frequência da classe posterior à modal fan = frequência da classe anterior à modal X. Δ2 = Δ1(h - X) XΔ2 = Δ1h - Δ1X Δ1X + Δ2X = Δ1h X(Δ1 + Δ2) = Δ1h X

'1 .h '2 '2

entĂŁo: X

fp .h fp fan

e substituindo-se “Xâ€? na relação inicial Mo = li + X, temos que: Mo li

fp .h fan fp

Para a dedução desta fórmula para dados agrupados em classes de frequência o autor utilizou os mesmos conceitos prÊvios do processo de Czuber. A moda de King para o exemplo das peças vendidas indica: Mo 20

15 .5 12 15

Mo 20

15 .5 27

~ 20 + 2,77 Mo = ~ 22,77 peças Mo =

As propostas de Czuber e King para a moda elaborada apresentam certa similaridade em seu raciocínio e diferem no que se refere às frequências. King baseia-se na influência das frequências adjacentes sobre a classe modal, e Czuber leva em consideração não apenas as frequências das classes adjacentes, mas tambÊm da frequência da classe modal, segundo Madsen Barbosa (p. 99). Observa-se que os valores extremos não afetam o cålculo da mesma. Foi possível verificar nos exemplos dados que o cålculo da moda não apresentou os mesmos resultados, o que geralmente ocorre em virtude do processo adotado.

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Considerações finais A moda faz parte das medidas de tendência central – média, mediana e moda – utilizadas na análise da assimetria/simetria e curtose. É um parâmetro fácil de calcular e não é afetada pelos valores extremos, mas seu valor é fortemente afetado pela maneira como as classes são constituídas. Segundo Bunchaft e Kellner (1998, p. 119): “A moda tem como característica importante a sua aplicabilidade a todos os níveis de medida – nominal, ordinal e intervalar – sendo seu emprego desejável em se tratando de dados em categorias, ou seja, distribuições de variáveis qualitativas”. Essa ideia é sustentada também por Huot (1999) ao afirmar que a moda é especialmente útil para reduzir a informação de um conjunto de dados qualitativos, apresentados em forma de nomes ou em categorias. Entre os muitos usos da moda estatística está a pesquisa quando se realiza pesquisa descritiva ou quando se trata de dados qualitativos como é o caso da investigação de Del Pino e Porto (2008). No ramo de confecções, indica os tamanhos mais usuais, ao calçadista, o número ou numeração de calçados mais vendidos. É ainda a moda que indica o salário predominante na empresa ou a predominância de evasão na escola. Bunchaft e Kellner (1998) e Callegari-Jacques (2003) afirmam que para descrever distribuições bimodais é interessante identificar as duas modas, pois além de acentuadas podem evidenciar características que a média e a mediana não podem descrever. Lapponi (1997) aponta entre as desvantagens da moda, não usar todos os dados disponíveis, por estar afastada do centro das observações. A moda nada acrescenta na descrição dos dados, quando todos ou quase todos os valores ocorrem com frequência aproximada (STEVENSON, 1981). Ao pesquisador cabe a tarefa de identificar em que situação deve usar a moda como medida descritiva ou na pesquisa de natureza qualitativa. Sugere-se ao professor no ensino explorar as ricas possibilidades conceituais prévias e em construção na aprendizagem da moda, em suas relações interdisciplinares.

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Referências BERQUÓ, Elza Salvatori et al. Bioestadística. 1. ed. rev. São Paulo: EPU, 1981. BISQUERA, Rafael et. al. Introdução à estatística: enfoque informático com o pacote estatístico SPSS. Porto Alegre: Artmed, 2004. BRANDÃO, Carlos da Fonseca; PASCHOAL, Jaqueline Delgado (Org.). Ensino Fundamental de nove anos. Teoria e prática na sala de aula. São Paulo: Avercamp, 2009. BUNCHAFT, Guenia; KELLNER, Sheilah R. Oliveira. Estatística sem mistérios. V. I. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. CALLEGARI-JACQUES, Sídia M. Bioestatística. Porto Alegre: Artmed, 2003. CLEGG, Frances. Estatística para todos. Lisboa: Gradiva, 1995. DEL PINO, Augusto Burkert; PORTO, Gilvane Cateano. Exclusão escolar: a história continua no século XXI. Educação Unisinos, São Leopoldo, v. 12, n. 2, p. 100-110, maio/ago. 2008. GONÇALVES, Fernando A. Estatística descritiva. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1978. HUOT, Rijean. Métodos quantitativos para as Ciências Humanas. Lisboa: Piaget, 1999. LAPPONI, Juan Carlos. Estatística usando Excel 5 e 7. São Paulo: Lapponi Treinamento e Editora, 1997. MADSEN BARBOSA, Ruy. Estatística elementar. V. 1. São Paulo: Benetti, s.d. SPIEGEL, Murray R. Estatística. ed. rev. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1976. STEVENSON, William. Estatística aplicada à administração. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1981. TRIOLA, Mário F. Introdução à Estatística. 7 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999. WALLIS, W. Allen; ROBERT, Hary V. Curso de Estatística. V. 1. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, s.d.

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RESPONSABILIDADE CIVIL DOS HOTÉIS CIVIL LIABILITY OF HOTELS

*

Tissiane Schmidt Dolci* Marcelo Oliveira da Silva**

Resumo

- Mestre em Turismo e graduada em Tecnologia em Hotelaria pela UCS, coordenadora da pósgraduação, pesquisa e extensão da Faculdade de Tecnologia Senac/ RS e Faculdade Senac/RS, professora do Curso de Tecnologia em Hotelaria da Faculdade Senac/ RS, docente do Bacharelado em Hotelaria da Universidade de Caxias do Sul. Endereço eletrônico: tsdolci@senacrs.com.br.

**

O presente artigo propõe a discussão das teorias que fundamentam a responsabilidade civil, por meio da revisão bibliográfica. Da análise teórica, conclui-se que todos os estabelecimentos comerciais turísticos, em especial os hotéis, são responsáveis por quaisquer danos causados a pessoa independentemente de agirem com culpa. A pesquisa desenvolvida no curso de Tecnólo-

- Especialista em educação e graduado em Direito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande, professor no Curso de Tecnologia em Hotelaria da Faculdade de Tecnologia Senac/ RS e da especialização em Hotelaria com ênfase em Marketing da Faculdade de Tecnologia Senac Pelotas. Endereço eletrônico: moliveiras@gmail.com.

go em Hotelaria da Faculdade de Tecnologia do Senac/RS buscou identificar quais são os processos judiciais em curso. Dos casos concretos levantados, criam-se ações preventivas.

P a l a v r a s - c h a v e : Hotelaria, Direito, Responsabilidade Civil.

Abstract This article aims to discuss the theories upon which the concept of civil liability is based, through a bibliographical review. From the theoretical analysis, one concludes that all tourism-related companies, especially hotels, are considered as responsible parties for any damage caused to a person, culpability notwithstanding. The research developed at the “Tecnólogo em Hotelaria” course of Faculdade de Tecnologia do Senac RS (Brazil), sought to identify which types of lawsuits are being brought to court against hotels. Preventive policies are defined based on the cases studied.

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K e y w o r d s : Hospitality Management Studies, Law, Civil Liability, Hotels and Civil Liability.

Introdução Desde o ingresso do novo ordenamento civil brasileiro em 2002, a teoria do risco regra a responsabilidade civil. Para tal teoria, há responsabilidade civil sem que se verifique culpa, seja ela com vontade (dolo) ou devido à negligência, imprudência ou imperícia (culpa em sentido estrito). No entanto, a teoria subjetiva, que prevê a ocorrência de culpa, não deixou de viger em nosso arcabouço legal. Os meios de hospedagem, como qualquer outro estabelecimento comercial de bens e serviços, são responsáveis civilmente por todos os eventos que causem dano aos seus clientes. Pela experiência em sala de aula dos professores e relatos de acontecimentos, sentiu-se a necessidade de um estudo mais aprofundado sobre as questões jurídicas que envolvem o ramo hoteleiro, em especial sobre a responsabilidade civil. O presente artigo é fruto da pesquisa desenvolvida na Faculdade de Tecnologia do Senac/RS no curso de Tecnologia em Hotelaria, na linha de pesquisa Hotelaria e Prestação de Serviços. A pesquisa foi desenvolvida como uma forma de contribuir para o preenchimento dessa lacuna detectada. Nesse sentido, a pesquisa une coleta e tratamento de dados à teoria já desenvolvida pelos juristas. A pesquisa tem o objetivo final de desenvolver uma metodologia eficaz para a diminuição do número de processos judiciais enfrentados por hotéis. Muitos casos de responsabilidade civil podem ser evitados com a rápida reparação do dano, ou com alguma forma de compensação, resultando em menor prejuízo de tempo e de recursos para o hotel ou empreendimento turístico. Em outras palavras, o que pareceria inicialmente um custo para o hotel pode evitar um processo judicial futuro. Mesmo que nem todos os danos ocorridos em meios de hospedagem cheguem ao judiciário, há, certamente, o prejuízo para a imagem do hotel, o que pode ser muito mais custoso que uma ação na justiça. A pesquisa buscou descobrir quais são as causas mais comuns que tramitam no foro central da cidade de Porto Alegre, durante os meses de maio a outubro de 2008.

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Vale ressaltar que a regra de direito para o local do ingresso da ação é sempre a do domicílio do consumidor lesado, ou seja, o domicílio do hóspede. Portanto, os dados coletados referem-se a ações iniciadas por pessoas residentes em Porto Alegre. Exceto dois processos, todos os meios de hospedagem estão localizados em outras cidades. Somente os departamentos jurídicos dos hotéis poderiam fornecer os dados relativos às demandas que os mesmos sofrem e que são interpostas por consumidores hospedados na cidade.

1. Responsabilidade civil Na história da humanidade, a noção de responsabilidade sempre esteve ligada à proteção dos bens e da integridade da pessoa. Quando nosso patrimônio, por exemplo, sofre agressão de outra pessoa, buscam-se formas de impedir, retomar o que é nosso, ou alguma compensação financeira, seja por via legal ou não. Faz-se necessário, para um maior entendimento, apresentar um conceito de responsabilidade civil. Embora perpasse outras áreas do conhecimento, o conceito de responsabilidade está intimamente ligado à moral e ao direito. A primeira determina que todas as ações sejam moralmente corretas para cada indivíduo, enquanto que o direito externa as condutas aceitáveis e possíveis para a sociedade. Para o direito, sempre que houver qualquer acontecimento que implique dano para alguém deve haver a restituição do equilíbrio social. Para Alonso (2000, p. 3), quando há uma transgressão que implique dano, o dever “não constitui tão-somente uma reprovação (moral), mas se impõe como um dever de reparação (jurídica)”. Além, da responsabilidade moral, há dois grandes tipos de responsabilidade com força de lei, ou seja, obrigam as partes: a responsabilidade penal e a responsabilidade civil. A responsabilidade penal, pela própria natureza do Direito Penal, é a violação de um direito público, que representa um prejuízo para a sociedade. Na maioria das vezes é o particular que sofre o prejuízo, entretanto o débito é com a sociedade. Quando um indivíduo é condenado penalmente deve cumprir pena de modo a restabelecer o equilí-

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brio social rompido e ser reabilitado para o convívio social. Já a responsabilidade civil, objeto do nosso estudo, busca reparar o dano causado à pessoa, restituindo o statu quo ante (estado das coisas em determinado momento) ou com uma indenização em moeda corrente. Neste caso, trata-se de direito privado, ou seja, de interesse primordial da pessoa afetada pelo dano. Ainda assim, não se pode descartar o interesse da sociedade em punir quem causa dano e restituir ou indenizar a vítima. Alonso (2000, p. 3) afirma que a responsabilidade civil tem como interesse primordial “restabelecer o equilíbrio jurídico alterado ou desfeito pela lesão, possibilitando à vítima pleitear a reparação do dano sofrido”. Pode-se conceituar responsabilidade civil como sendo a obrigação que uma pessoa natural ou jurídica tem de ressarcir e reparar os danos ou prejuízos causados injustamente a outra pessoa seja por imposição contratual ou não. Esse dever resulta de ação ou omissão da própria pessoa, objetos ou animais sob sua responsabilidade, por imposição legal ou do risco da atividade. Os danos podem ser os mais variados, desde o patrimonial ao moral, ao relacionado com a imagem da pessoa ou com o meio ambiente. Em uma primeira acepção, a responsabilidade civil pode ser derivada de um contrato entre as partes (responsabilidade contratual), ou de uma imposição legal (responsabilidade extracontratual). Como bem resume Cavalieri Filho (1999, p. 26): Se preexiste um vínculo obrigacional, e o dever de indenizar é conseqüência do inadimplemento, temos responsabilidade contratual, também chamada de ilícito contratual ou relativo; se esse dever surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e vítima preexista qualquer relação jurídica que o possibilite, temos a responsabilidade extracontratual, também chamada de ilícito aquiliano ou absoluto.

O que na hotelaria pode ser exemplificado no caso de um contrato de reserva, que obriga as partes, o não cumprimento do mesmo por parte do hotel em função de overbooking configura responsabilidade civil contratual. Nas ações judiciais pesquisadas, há um processo contra um hotel na cidade litorânea de Torres, em que os autores, mesmo com reserva, não se hospedaram no hotel por venda excessiva de unidades habitacionais durante a Semana Santa.

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Já a responsabilidade extracontratual, o dever decorre de violação de um dever legal, e não de um contrato estabelecido entre as partes. O que significa que o indivíduo mesmo não hospedado no hotel, com contrato de hospedagem, pode estar abrigado pela lei caso sofra algum dano. Por exemplo, a pessoa aguarda hóspede no saguão do hotel e ocorre um assalto e seus pertences são roubados. O meio de hospedagem tem o dever de indenizar essa pessoa, mesmo que com ela não tenha firmado contrato. Nas duas situações apresentadas há o dever de reparar os danos causados pelo ou no estabelecimento. Nosso ordenamento jurídico, como a maioria dos ordenamentos, acata tanto a responsabilidade civil contratual quanto a extracontratual. A seguir, trata-se da base para determinar-se a ocorrência da responsabilidade civil.

2. Fundamento da responsabilidade civil: teoria subjetiva e teoria objetiva Há que se tratar de um dos assuntos mais discutidos na responsabilidade civil, ou seja, o seu fundamento, que se traduz em duas grandes teorias: a subjetiva e a objetiva. Na teoria subjetiva ou teoria da culpa o fundamento da responsabilidade civil é a culpa em seu sentido amplo, que se divide em dolo e culpa em sentido estrito. Por sua vez, a teoria objetiva, denominada também de teoria do risco, fundamenta-se no risco de causar dano a qualquer pessoa pelo simples exercício de uma atividade. O Código Civil Brasileiro preceitua em seu artigo 927, do Título IX – Responsabilidade Civil, e capítulo I – Da Obrigação de Indenizar: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Para entendermos as determinações do artigo 927 deve-se primeiro compreender o que o próprio Código Civil estabelece por ato ilícito. O ar-

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tigo 186 conceitua ato ilícito: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Nosso ordenamento acatou tanto a teoria subjetiva quanto a teoria objetiva aplicando-as de forma complementar e não excludentes. O artigo 927 no seu caput prevê a responsabilidade civil decorrente da culpa, que atende aos requisitos da teoria subjetiva. Por outro lado, o seu parágrafo único trata da responsabilidade civil sem culpa nos casos em que a lei determina e naqueles decorrentes do risco da natureza da atividade. A teoria subjetiva estabelece que haja sempre uma ação ou omissão de uma pessoa. O fundamento é a culpa do causador do dano. A culpa em sentido amplo divide-se em: dolo, quando há intenção de causar o prejuízo, e em culpa em sentido estrito, nos casos de imprudência, imperícia e negligência. Na base da teoria da culpa, segundo Pereira (1990, p.15), “está presente uma finalidade punitiva ao infrator aliada a uma necessidade que eu designo de pedagógica, a que não é estranha a idéia de garantia para a vítima, e de solidariedade que a sociedade humana deve-lhe prestar”. A teoria da culpa está intimamente ligada a um ato ilícito, ou seja, também é punível penalmente. Neste caso, pode-se falar em culpa, em vontade de acarretar dano a alguém, falta de cuidado e atenção devidos, e condenação penal e civil. Com a evolução da indústria e do comércio, e, por consequência, o aumento dos riscos causados pela atividade econômica, desenvolveu-se a teoria do risco, para abrigar os danos causados independentemente de culpa. Como informa Alonso (2000, p.11), “alta tecnologia, em que a máquina faz parte da vida de todos, e a produção de bens em grande escala criaram uma situação de perigo à saúde e à vida humana. Não havia como limitar a responsabilidade civil aos critérios da culpa”. Silva (1999, p. 9) entende que “na responsabilidade civil objetiva não nos preocupamos com o elemento subjetivo da culpa, mas sim tãosomente com o nexo de causalidade, ou seja, o liame entre causa e efeito”. Cavaliari Filho (1999) complementa a ideia afirmando que não importa se a responsabilidade decorre de um contrato firmado entre as partes ou não, interessa provar a ligação (nexo causal) entre o dano sofrido e quem causou o dano. Enquanto que, na teoria subjetiva o elemento fundamental

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é a conduta culposa (dolo ou culpa em sentido estrito) do agente, na teoria objetiva é o nexo de causa e efeito. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, também cuida da regulamentação da responsabilidade civil nas relações de consumo. O CDC adota a teoria objetiva em seu artigo 12, que determina a responsabilidade do fabricante, produtor, construtor e importador, independentemente de culpa. Segundo Rocha (2000, p. 91), a legislação de defesa do consumidor no Brasil está “afinada com os estudos e legislação modernos existentes em países industrializados”. A afirmação devese à própria adoção da teoria do risco pelo CDC. Atheniense (2004, p.14) conclui que: A expressiva mudança no CDC veio instaurar na relação de consumo “a responsabilidade civil objetiva”. Essa responsabilidade favoreceu o consumidor lesado (aquele que não tem como repassar seus prejuízos), perante a persuasão oculta ou pelos sutis comportamentos de mercado lesivos ao interesse geral.

A autora faz tal afirmação com base na necessidade do consumidor antes de o CDC ter que provar que quem causou o dano agiu com culpa. Com a adoção da responsabilidade objetiva, sem culpa, basta o consumidor provar o vínculo existente entre o dano e o demandado, aqui um meio de hospedagem. Há que se tratar, também, dos casos de exclusão da responsabilidade civil: a) culpa concorrente, na qual tanto o consumidor quanto o fornecedor de bens e serviços concorrem com suas condutas para que haja o dano; b) o dano já foi reparado, vale dizer que podem restar danos morais a serem indenizados; c) culpa exclusiva de quem sofreu o dano, d) e o acontecimento de caso fortuito e de força maior. Dos casos apresentados de não incidência ou incidência parcial da responsabilidade civil, os conceitos de caso fortuito e de força maior são muito discutidos pela doutrina. Entretanto, o Código Civil resolveu a questão equiparando os dois no parágrafo único de seu artigo 393: “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Tradicionalmente, conceitua-se caso fortuito como sendo forças da natureza (chuvas, inundações, ter_ 147


remotos, entre outras) e força maior para as forças humanas irresistíveis (revoluções, levantes armados). Uma reserva efetuada antecipadamente pode ser cancelada se houver um caso fortuito, como por exemplo, chuvas torrenciais que acabaram por inundar a região onde se localiza o hotel. Se houve pagamento adiantado, o valor pode ser devolvido ou agendado para outra data, conforme o que foi estabelecido no contrato de reserva. O Manual de Conduta Hoteleira, elaborado pelo Ministério do Turismo em conjunto com a Universidade Nacional de Brasília, apresenta um caso em que o hotel é responsável civilmente por danos a hóspede, mesmo ocorrendo caso fortuito. No exemplo apresentado no manual, o hóspede, antes de se deslocar para a região afetada pelas chuvas, pergunta ao estabelecimento se há condições de hospedagem. Ao receber a resposta afirmativa, de fato se hospeda e passa por todas as dificuldades esperadas em uma região alagada, como falta de luz, impossibilidade de locomoção e de visita aos pontos turísticos. Vistas algumas questões teóricas pertinentes à matéria em estudo, trata-se, a seguir, da metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa e da análise das informações obtidas.

3. Metodologia A metodologia utilizada neste estudo foi a pesquisa exploratória, com corte qualitativo. Inicialmente pesquisou-se na bibliografia para elaborar o referencial teórico sobre a temática tratada. Logo definiu-se como campo de estudo os processos jurídicos que tramitam no Foro Central da comarca de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul. Utilizou-se o Sistema Themis, sistema de informações forense, para obter uma listagem preliminar dos processos que continham as palavras-chave: hotel; motel; resort; condomínio e flat. A listagem apresentou um total de 219 processos. Dessa base, foram selecionadas 84 ações judiciais que tinham como réu meios de hospedagem. Realizou-se a coleta das informações dos processos por meio do preenchimento de uma ficha de levantamento de dados com número do processo, vara em que tramita, partes (autor e réu), resumo da causa de pedir. Destes 84, 45 processos judiciais foram excluídos em função de não tratarem de ações de

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indenização fundamentadas na responsabilidade civil do hotel. A razão para a exclusão de 45 processos judiciais foi a causa de pedir, ou seja, o fato de que não tratavam de responsabilidade civil. Os processos judiciais tratavam de cobrança (impostos, serviços efetuados, duplicatas, aluguel de terreno, contas telefônicas e cheques emitidos), dissolução de contrato de tempo compartilhado e de locação de unidade habitacional por período de 20 anos. Dos processos consultados, 19 não estavam disponíveis nos cartórios do Foro Central. Destes, 4 estavam com o perito, 6 com recurso para o Tribunal de Justiça, 5 em carga com o advogado, 4 para conclusão do juiz, o que imposibilitou a verificação da causa de pedir. Antes do término da pesquisa, voltou-se a consultar tais processos, que continuaram indisponíveis. Por tanto, foram efetivamente 20 ações coletadas, que tinham como fundamento do pedido a responsabilidade civil. Após a coleta de informações foi necessária a organização dos processos judiciais em categorias para se efetuar a análise e a interpretação dos dados. A seguir, expõe-se a análise das informações coletadas.

4. Responsabilidade civil na Hotelaria: análise dos dados O nosso Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor adotam a teoria do risco. Segundo essa teoria, o dever de indenizar “não mais encontra amparo no caráter da conduta do agente causador do dano, mas sim no risco que o exercício de sua atividade causa para terceiros, em função do proveito econômico daí resultante”, no entendimento de Silva (1990, p.16). A responsabilidade civil de um hotel é determinada pelas duas teorias vigentes no ordenamento brasileiro: a teoria da culpa ou teoria subjetiva e a teoria do risco ou objetiva. O hotel só responderá por culpa quando esta restar devidamente provada. O próprio Código Civil elenca pessoas responsáveis civilmente. Interessa-nos em especial o artigo 932, inciso IV, que determina: Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: [...] IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos.

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Tendo esses pressupostos teóricos como fundamento, analisaram-se processos jurídicos que tratavam diretamente da responsabilidade civil. Dentre os processos levantados, criaram-se as seguintes categorias: furtos e roubos; reservas; acidentes, e produtos e serviços. No caso dos processos de furto, o artigo 932, IV, deve ser interpretado junto com outro artigo do Código Civil, artigo 649 e parágrafo único, que trata do depósito necessário. O artigo equipara os meios de hospedagem a depositários necessários, ou seja, obrigatórios, responsabilizando “pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nos seus estabelecimentos”. Segundo Stoco (2004, p. 751), não se pode ficar impressionado com essa consideração “porque, na realidade, a obrigação do hospedeiro (obrigação de resultado), é garantir [segurança] à pessoa e às bagagens do hóspede”. Continua afirmando que “na hipótese de subtração dos bens depositados em cofre do quarto ou apartamento, o estabelecimento tem o dever de guarda e responderá pelo prejuízo”. No caso de furto e roubo, há situações como: arrombamento de unidades habitacionais com furto de dinheiro e pertences pessoais; assalto na recepção do hotel em que o hotel não quis pagar prejuízo dos autores; desaparecimento de pertences do hóspede que estavam aos cuidados da recepção. A maioria dos autores requer dano moral além do material e relata a falta de preparo do hotel para lidar com essas situações. Em um dos casos, a proprietária não quis se responsabilizar e apontou uma das recepcionistas como responsável eximindo-se da responsabilidade. Em outro caso de furto na unidade habitacional não houve auxílio para o cancelamento dos cartões da vítima e do registro policial. Tais exemplos são preocupantes, tratando-se de empresas que trabalham com hospitalidade e deveriam proporcionar conforto e segurança aos hóspedes, bem como auxílio e apoio em uma situação tão delicada. Há, ainda, o processo que corre contra um hotel da Serra gaúcha, que não providenciou a devida segurança das unidades habitacionais e não arcou com as despesas dos objetos furtados. O autor desse processo alega que, ao retornar da janta, encontrou seu quarto totalmente revirado e que haviam sido furtados dinheiro, semijoias e um tênis de marca. Tal hotel não se envolveu na solução do ocorrido, mesmo havendo verificado que alguém havia arrombado a janela da unidade habitacional.

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Do ponto de vista do hotel, resta envolvido em um processo custoso e demorado devido a despreparo em situações envolvendo responsabilidade civil. Nesse sentido, não se pode apenas considerar o gasto com o pagamento das indenizações, mas também as despesas com prepostos e advogados, além do deslocamento. Outro fator que não pode ser provado é o desgaste da imagem do hotel. Assim como nesses exemplos, muitos outros processos semelhantemente evitáveis tramitam nas varas cíveis Brasil afora. Outro problema recorrente em processos judiciais é o resultante de falhas no setor de reservas. O já bastante conhecido overbooking, em que o hotel vende mais unidades habitacionais do que efetivamente dispõe. Como em um processo, citado anteriormente neste artigo, contra um hotel na praia de Torres em que o consumidor/turista ficou sem hospedagem devido à venda de mais unidades habitacionais que as existentes no feriadão de Páscoa, quando também ocorre o festival de balonismo na cidade. Mesmo já havendo pago antecipadamente metade das diárias como garantia de sua reserva. Como todos os hotéis da cidade estavam lotados, teve que retornar para Porto Alegre no mesmo dia. Vale ressaltar que o contrato de reserva de hospedagem, tanto aqueles com pagamento adiantado de parte das diárias ou sem pagamento adiantado, obriga o hotel a disponibilizar a unidade habitacional e ao consumidor/turista de efetivamente se hospedar. Ainda em relação ao setor de reservas, há os problemas de comunicação com os outros setores do hotel, em especial o da recepção. Um dos processos judiciais encontrados trata de reserva de unidade habitacional com a necessidade de vaga para o carro do hóspede. Ao efetuar o check in, foi informado que não havia nenhuma reserva em seu nome, assim mesmo ficou hospedado por haver apartamentos disponíveis. Nas duas primeiras noites, o hóspede utilizou normalmente a garagem do hotel. Entretanto, na terceira noite, para a sua surpresa, foi informado que não poderia mais deixar o seu carro na garagem devido ao grande número de clientes com carro. Ao ser informado, o autor estaciona o seu carro na frente da entrada da garagem, impedindo a entrada e a saída de veículos. O gerente, ao ser informado da situação, desce e ameaça chamar o guincho. O hóspede desfere golpes contra o gerente do hotel e cancela o resto da sua estada. Caso clássico de condutas concorrentes para o acontecimento do dano, o juiz

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deve pesar quanto de culpa, aqui podemos falar em culpa, cada parte tem para que tenha ocorrido o dano. Trata-se da categoria que engloba os processos referentes aos acidentes ocorridos em hotéis. Em geral, pode-se afirmar que alguns acidentes podem ser evitados e outros amenizados pelo pronto atendimento da equipe do hotel. Os casos de acidentes encontrados vão desde queda nas escadas por falta de antiderrapante até o caso de uma criança que teve o braço sugado por um ralo na piscina do hotel e por pouco não se afogou. No último exemplo, o relato que consta no processo informa que nenhum funcionário do hotel prestou socorro à criança, tampouco se envolveu no processo de recuperação. Os casos de acidentes diferentemente dos outros estudados, envolvem também os danos físicos, além de danos materiais e morais. A última categoria analisada, produtos e serviços, abrange situações em que há descontentamento do consumidor por falha na prestação de serviços. Embora hoje em dia haja mais recursos para obter informações antecipadas sobre os meios de hospedagem, continuam os casos em que o produto vendido não corresponde à realidade. Num dos processos o autor fez reserva antecipada de unidade habitacional por telefone, junto com metade do pagamento das diárias, sem conhecer o apartamento onde se hospedaria. Foi informando que a unidade habitacional era igual à da foto do site, porém não era de frente para o mar. Chegando lá, autor viu que o apartamento que lhe foi destinado era bem menor que o que aparentava no site, com cheiro desagradável, a decoração feia, na visão do hóspede, a cama menor do que a mostrada no site, o banheiro apertado e o guarda-roupa velho. Assim, o autor alega propaganda enganosa, requerendo o valor das diárias e dano moral. Outros casos que podem ser mencionados são: cobrança de diárias não utilizadas, mas faturadas no cartão de crédito; troca arbitrária de acomodações reservadas; perda de chave do carro do hóspede pelo serviço de manobrista e invasão de apartamento em que o hóspede mensalista estava acomodado para cobrança de diárias, retenção de pertences e a expulsão do hóspede do hotel. Destaca-se, ainda, um processo de autoria do pai de um atleta do time de futebol Sport Club Internacional, que foi participar de um jogo na cidade do Alegrete, no Rio Grande do Sul. Ao chegarem ao hotel, foram recebidos

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de forma discriminatória e preconceituosa por parte do estabelecimento. Segundo o pai do jogador, mesmo com as reservas efetuadas, não poderiam se hospedar por serem negros e colorados – designação dos jogadores e torcedores do clube, chegando a chamá-los de “macacos” em alusão à cor da pele. Os processos analisados apresentam destinos já consagrados, tendo em vista que os hotéis demandados localizam-se na serra gaúcha, litoral norte do Rio Grande do Sul e nordeste brasileiro. Um dos processos sobre acidentes foi movido contra um meio de hospedagem de Porto Alegre, pois aconteceu durante um evento na cidade. Encontrou-se também um processo de indenização contra um motel de Porto Alegre por danos morais pelo fato de o autor da ação ter personalizado um CD especialmente para aquela noite, que ficou preso no tocador de CDs do quarto. Das categorias analisadas, não se encontrou uma maior incidência de processos numa determinada categoria. Embora a categoria de problemas relativos à prestação de serviços englobe mais casos, estes são bastante distintos entre si.

5. Considerações finais O presente artigo é fruto da pesquisa desenvolvida no curso de Tecnologia em Hotelaria, na linha de pesquisa Hotelaria e Prestação de Serviços, sob o título de Questões Jurídicas de Hotelaria: Responsabilidade Civil. Os hotéis estão regrados pela teoria da responsabilidade civil objetiva, ou seja, sua responsabilidade independe de agirem com culpa. Em função de as atividades turísticas apresentarem risco de dano aos seus consumidores, entende-se que os hotéis e todas as outras empresas turísticas devem estar cientes dos limites da sua responsabilidade, assim como das implicações jurídicas e da preservação da sua boa imagem. Nota-se que os consumidores estão cada vez mais cientes de seus direitos, e, muitas vezes, buscando-os na Justiça. Durante o tempo de pesquisa, encontraram-se, efetivamente, apenas 20 processos judiciais tramitando no Foro Central de Porto Alegre. Pelo recorte da pesquisa não se pode saber como os hotéis tratam diretamente esses casos. Sabe-se, igualmente, que os

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hotéis demandados apresentaram falhas na prestação de serviços e não repararam danos causados a seus hóspedes. Outra pesquisa complementar pode ser desenvolvida nos hotéis para investigar o tratamento prestado pelos meios de hospedagem diretamente a quem sofreu o dano. Entende-se que a adoção de procedimentos e o treinamento dos funcionários, para que saibam evitar possíveis danos, e como agirem, caso o dano tenha ocorrido, pode levar a um maior contentamento do consumidor. Esses fatos repercutem positivamente na imagem e no conceito do hotel, até mesmo na busca pela fidelização do hóspede. Sabendo-se os motivos que levam ao ingresso de uma ação contra um empreendimento hoteleiro, podem-se definir estratégias e procedimentos para evitá-los ou repará-los. Os dados coletados demonstram que os acontecimentos que geram processos jurídicos são bastante corriqueiros e de fácil resolução pelo meio de hospedagem. O furto de pertences dos hóspedes, por exemplo, pode ser resolvido com a apuração do que foi furtado, auxílio no registro policial, pedido de desculpas e posterior indenização. Em alguns casos, na intenção de manter o hóspede como cliente, algum agrado, como uma diária cortesia. Com os resultados da pesquisa devidamente analisados, estabeleceu-se como método de divulgação na forma de curso de extensão baseado na metodologia de estudos de caso e a criação de um informativo para os meios de hospedagem.

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HOTELARIA HOSPITALAR: UM MODELO PARA IMPLANTAÇÃO HOSPITAL HOSPITALITY: A MODEL FOR IMPLEMENTATION *

Carlos Honorato Schuch Santos* Gilberto Dias da Rosa Junior**

Resumo O presente trabalho tem como finalidade disponibilizar uma linha esquemática para implantação do setor de Hotelaria Hospitalar em ambientes hospitalares. Partindo da revisão de modelos de gestão em hospitalidade e serviços, pretende-se ambientar o leitor frente às similaridades entre as empresas hoteleiras e hospitalares e como estas podem agregar diferenciais competitivos em hospitais. Este artigo utiliza o modelo proposto por Zanovello e Guimarães, procurando didaticamente fornecer instrumentos para profissionais interessados nesse tema.

- Doutor em Engenharia de Produção (UFSC), Mestre em Administração (UFRGS), Professor da Universidade de Caxias do Sul, da Universidade de Santa Cruz e da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. E-mail: chonorato@terra.com.br

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- Mestre em Turismo (UCS), Professor das disciplinas de Hotelaria Hospitalar e Hospedagem II (Recepção e Reservas), do curso de Bacharelado em Hotelaria das Faculdades Rio-Grandenses (FARGS), em Porto Alegre, RS. Professor das disciplinas de Administração de Meios de Hospedagem II e IV, do curso de Turismo da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), RS. E-mail: gilberto@portalhotelaria.com.br

P a l a v r a s - c h a v e : Hotelaria Hospitalar, Gestão e Hospitalidade.

Abstract This paper aims to provide a schematic line for implementing the Hospital Hospitality sector in hospital settings. Starting with a review of models of management in hospitality and services, it is intended to familiarize the reader with similarities between hotel companies and hospitals and how they can add competitive advantages to hospitals. This article uses the model proposed by Zanovello and Guimarães, providing tools for professionals interested in this subject in a didatic manner.

K e y w o r d s : Hospital Hospitality, Management and Hospitality.

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Introdução A questão da hospitalidade comercial vem configurando-se como um desafio às empresas prestadoras de serviços, entre elas hotéis, hospitais, restaurantes e outros. Atualmente, percebe-se que alguns hospitais buscam transformar seus ambientes sociais em espaços agradáveis de convivência, muitas vezes similares aos dos hotéis. Outro aspecto que vem se desenvolvendo junto às organizações hospitalares é o conceito de hotelaria hospitalar, que visa disponibilizar aos clientes internos e externos situações de conforto, bem-estar e segurança. Esse conceito existe no Brasil há menos de duas décadas (BOEGER, 2003) e ainda não se constitui como senso comum no mercado de saúde. Outro fator relevante junto aos hospitais está relacionado ao investimento em equipamentos e aparelhagens que possibilitam ao corpo médico maior grau de precisão em seus diagnósticos. Pensando na classe médica, muitos hospitais direcionam suas home pages para divulgarem seus investimentos nessa área, associando também as vantagens da utilização da estrutura do hospital e a humanização no atendimento. Entretanto, apenas os investimentos em tecnologia não estão sendo fatores determinantes para a escolha do hospital pelo paciente. Podem-se considerar principalmente dois fatores: a) a influência do médico, sobretudo nos pacientes que não conhecem o hospital (primeira internação) e b) a qualidade dos serviços de enfermagem, hospedagem e alimentação, especialmente pelos pacientes que já conhecem o hospital (segunda ou mais quantidade de internações). O primeiro fator é justificado pelo grau de credibilidade que o paciente direciona ao seu médico. Diante disso, o médico acrescenta mais uma tarefa às suas demais: ser um ‘vendedor’ dos serviços hospitalares, indicando o hospital que mantém relações profissionais ou que lhe é mais conveniente, seja por localização ou nível de tecnologia dos equipamentos disponibilizados. No segundo fator, o cliente passa a ter a oportunidade de escolha, pois já vivenciaram experiências no hospital, avaliando assim os quesitos relacionados à Hotelaria Hospitalar. Assim sendo, os serviços de Hotelaria Hospitalar podem ser relevantes no processo de escolha do hospital pelo cliente, justificando então a implantação deste setor no ambiente hospitalar.

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Gestão da Hospitalidade Hospitalar Nos conceitos clássicos de administração havia uma separação entre produto e serviço (Era Ford), sendo que o produto era um bem, algo tangível, que possuía valor maior em função das suas formas e feições. Já o serviço era considerado como tudo aquilo que não pudesse ser transportado. Essa intangibilidade do serviço fazia com que, por muito tempo, fosse olhado como algo menor na era industrial. Porém, na era pós-fordista, não há sentido em separar produtos e serviços, tangível e intangível, pois os produtos atualmente para serem competitivos precisam estar embalados com um conjunto de serviços que acabam fazendo parte do próprio pacote do produto. Kotler (2000, p. 448) define serviço como “qualquer ato ou desempenho, essencialmente intangível, que uma parte pode oferecer a outra e que não resulta na propriedade de nada. A execução de um serviço pode estar, ou não, ligada a um produto concreto”. Os serviços são prestados aos clientes e estes criam expectativas e esperam tê-las atendidas. As empresas que prestam serviços deveriam ter como objetivo a excelência no atendimento ao cliente, revendo os desenhos de seus processos e assim gerando experiências positivas. Essas experiências são uma entre outras variáveis, que podem estabelecer o tempo de vida da empresa, pois cada experiência positiva vai gerar indicações a outros clientes e assim aumentar a carteira de clientes do prestador de serviços. Transportando essas ideias para o ambiente hospitalar, tem-se que não basta o corpo assistencial (médicos e enfermeiros) ser competente tecnicamente, pois é necessário, também, que seja competente na relação interpessoal, pois os clientes que estão sendo atendidos estão emocionalmente fragilizados, necessitando de acolhimento e respeito. Todo serviço gera um sentimento. Cabe ao provedor de serviços hospitalares tornar os sentimentos de seus clientes menos traumáticos e menos desagradáveis. Verbist (2006, p. 59) estudou a gestão hospitalar e considera que o consumidor de saúde, hoje, faz com que o hospital “deva desenvolver duas estruturas de gestão complementares, a gestão médica e de hospitalidade, de tal forma que os serviços de uma sejam apoiados pelos serviços da outra”. A escolha

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por um prestador de serviços é uma tarefa complexa. Na escolha de um serviço de saúde, Lemme (2005, p. 28 e 29) considera que deve haver uma sequência de constatações por parte do cliente, tais como: a) percepção pessoal de alteração biológica: o cliente questiona-se quanto à sua saúde – “estou doente?”; b) necessidade de assistência médica: com a resposta da pergunta anterior, o cliente avalia e decide se precisa de tratamento médico; c) tipo de assistência: caso precise de atendimento médico, qual o melhor tipo de tratamento a ser ministrado?; d) dispêndio financeiro: na relação custo x benefício, qual serviço oferecerá mais benefícios com o custo mais acessível; e e) atendimento médico x outras necessidades: existem outras despesas que são prioritárias? Após responder as questões mencionadas, Lemme (2005, p.29) cita que a “decisão final será pelo serviço de saúde com maior índice de satisfação pessoal em experiências anteriores ou por reconhecimento público de outros clientes”. Já Moraes, Cândido e Viera (2004, p. 184) consideram que outros fatores também interferem no processo de escolha por determinado hospital pelo cliente de saúde, entre eles: a) localização: alguns clientes optam por hospitais que estejam nas cercanias de sua residência; b) forma de pagamento: se o hospital aceita o convênio o qual o cliente é associado e também se o convênio cobre todas as despesas, para que o cliente não tenha que desembolsar dinheiro para pagamentos que o convênio não cobre; c) tamanho: porte do hospital e serviços assistenciais e hoteleiros de apoio; d) experiência do hospital: se o hospital possui experiência no tratamento da enfermidade que possui; e) indicação do médico: assim como no item forma de pagamento, muitos médicos são credenciados em alguns hospitais e não são em outros, direcionando seus clientes para os hospitais nos quais estão credenciados, evitando que o cliente pague por mais honorários médicos; f ) experiências anteriores: situações vivenciadas anteriormente, sejam pessoalmente ou por familiares e amigos; e g) qualidade do hospital: se o hospital possui acreditação perante uma organização certificadora da qualidade. Moraes, Cândido e Viera (2004, p. 184) ainda citam que as pessoas estão avaliando o hospital “em razão daquilo que ele realmente poderá lhe dar em termos de satisfação das necessidades, [...] considerando a qualidade no atendimento e no tratamento da doença como questões básicas”. Para que suas necessidades sejam satisfeitas, alguns hospitais utilizam a hospitalidade como meio.

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Atualmente, a questão da hospitalidade está além da ação de hospedagem, pois indica um conjunto de serviços capazes de proporcionar vantagens competitivas ao meio hospitalar. Brotherton & Wood (2004, p. 192) conceituam que a hospitalidade é um processo bidirecional, incluindo um processo de troca entre os participantes. Dessa forma, os autores estabelecem terminologias tais como ‘hospitaleiro’ e ‘anfitrião’, designados para “aqueles que proporcionam hospitalidade”, além de ‘hóspede’ e ‘convidado’ identificados como “aqueles são os receptores da hospitalidade”. Considerando os participantes (stakeholders) do mercado hospitalar, é possível representar esquematicamente as relações entre eles em dois níveis: a) um quadrado ambiental; e b) um triângulo central (figura 1).

Fornecedores e Rede de associados

Acionistas e/ou Governo

Pacientes

Funcionários

Gestores e Profissionais (médicos e outros)

Familiares

Comunidade

Figura 1.: Stakeholders dos hospitais: triângulo central e quadrado ambiental. Fonte: Os autores, 2009. O quadrado ambiental é composto pelos stakeholders (participantes) do mercado hospitalar, sendo eles: a) fornecedores e rede de associados; b) acionistas e/ou governo; c) gestores e profissionais (médicos e outros); e d) comunidade. Os fornecedores são compostos pelas empresas que suprem o hospital em materiais, utensílios e equipamentos, permitindo, assim, que o

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hospital preste seus serviços. A rede de associados é formada pelos convênios, que contratam os serviços do hospital para prestar serviços aos seus clientes (conveniados). Os acionistas e/ou governo representam o que Mintzberg (1999) considera como “vértice estratégico de uma organização”, sendo estes responsáveis pelas diretrizes do hospital. Caso o hospital seja privado, cabe aos acionistas essa função, e, nos hospitais públicos, ao governo municipal, estadual ou federal. Ainda sob a ótica de Mintzberg (1999), “as linhas hierárquicas e a tecnoestrutura” cabem, respectivamente, aos gestores e profissionais (médicos e outros profissionais), pois enquanto a primeira tem como finalidade servir de elo entre o vértice estratégico e o centro operacional a segunda visa oferecer o suporte técnico para a gestão da organização. Por fim, a comunidade, que usufrui de externalidades geradas pelo hospital. O triângulo central representa a relação central do hospital com seu público-alvo. Essas relações são constituídas de necessidades e expectativas diferentes entre seus agentes. Porém, as situações inerentes à hospitalidade, conforme abordado anteriormente, devem estar presentes para a prestação de serviços. A análise do triângulo central pode ser ainda ampliada para que se identifiquem as ligações entre paciente, familiar e funcionários (Figura 2). É justamente a partir dos elementos do triângulo e suas ligações que se pode iniciar a falar de hospitalidade hospitalar. Figueira, Inoue e Lamha Neto (2007, p. 13) afirmam que “no conceito de hotelaria hospitalar, os pacientes são vistos como hóspedes enfermos e que por isto requerem atenção especial, conciliando saúde e o ato de hospedar bem, tornando o ambiente mais acolhedor para a família e o paciente, humanizando o ambiente e seu atendimento”. Dessa forma, os hospitais devem estar atentos ao aprimoramento de sua estrutura, para que seja possível disponibilizar diferenciais no atendimento de seus clientes. Para Rosa Junior (2008, p. 118), “a hotelaria hospitalar oferece benefícios que podem ser traduzidos como bom ambiente de trabalho, conforto na estada e atendimento humanizado” (Figura 2).

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Paciente

Atendimento Humanizado

Funcionário

Hotelaria Hospitalar Bom ambiente de trabalho

Conforto na Estada

Familiar

Figura 2.: Benefícios da Hotelaria Hospitalar Fonte: Rosa Junior (2008, p.118). A hotelaria hospitalar objetiva atender ao paciente, aos familiares e aos funcionários, razão pela qual estes se encontram nos vértices do triângulo. Partindo do conhecimento do público-alvo, iniciam-se as relações de benefícios tendo como base um bom ambiente de trabalho. No momento que o funcionário (ou cliente interno) possui um bom ambiente de trabalho, onde ele se sinta com sua autoestima elevada, seguro, acolhido pelos colegas e chefias, além de contar com os equipamentos e materiais necessários para a execução de suas tarefas, o atendimento humanizado aos pacientes e familiares passa a ser uma decorrência de todo o processo. Esse bom ambiente de trabalho pode ser percebido também por pacientes e familiares, quando recebem o atendimento e constatam a postura, a atitude e o tom de voz do funcionário. Por outro lado, o conforto na estada está vinculado a situações inerentes à unidade de internação, áreas sociais e os serviços de apoio oferecidos pelo hospital. A higienização e a manutenção das mesmas, indiretamente, também significam atendimento humanizado, pois dessa forma estarão oferecendo conforto e bem-estar aos pacientes e familiares. A unidade de internação deveria oferecer conforto e ambiente agradável, utilizando-se de mobiliário moderno, em boas condições e decoração que permitam os processos de higienização, sem deixar de tornar o ambiente acolhedor, como um apartamento de hotel. Outro aspecto a ser considerado no conforto da unidade de internação é relativo à vista que o paciente e o familiar têm da

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janela ou sacada do apartamento. Diferentemente de um hóspede que interage mais com as áreas sociais do hotel que com a unidade habitacional, o paciente tem sua circulação pelo hospital impedida ou restrita, logo, a vista da unidade de internação possui valor significativo no conforto da estada do paciente. Em relação às áreas sociais, estas deveriam ser sinalizadas e assim como as unidades de internação, também podem parecer com saguões de ambiente hoteleiro. Os serviços de apoio, conforme abordado anteriormente, necessitam disponibilizar condições de conforto, bem-estar e segurança para o trio envolvido na hotelaria hospitalar. Faz-se necessário afirmar que a interação dos benefícios da hotelaria hospitalar entre paciente, familiar e funcionários deveria ser constante e ininterrupta, e, para isso, deveria haver um maior comprometimento dos funcionários para manter o bom ambiente de trabalho. Portanto, a hotelaria hospitalar surgiu como um elo entre a promoção da hospitalidade, colocando em prática as condições de acolhimento, provendo hospedagem, alimentação, conforto, segurança e bem-estar ao cliente de saúde, com a prestação dos serviços médicos, os quais estão plenamente capacitados para disponibilizar seus conhecimentos médicos para a cura das enfermidades desses clientes.

Processo de implantação de hotelaria hospitalar O processo de implantação de hotelaria hospitalar está dividido em dois aspectos: a) a implantação em prédios em construção; e b) a implantação em prédios já construídos. Neste artigo, será abordada apenas a segunda opção, por se considerar que a demanda de hospitais já construídos é superior aos que estão em construção, além de ser relativamente mais fácil introduzir conceitos de hotelaria hospitalar durante o projeto e a construção de novos empreendimentos hospitalares, utilizando a arquitetura hospitalar como meio. Para que esse processo obtenha êxito, deve-se realizar um plano de trabalho em consonância com a direção do hospital, utilizando o modelo proposto por Zanovello e Guimarães (2007), representado pelo esquema gráfico (figura 3):

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Diagnóstico Situacional

Avaliação e Ajustes

Implantação e Acompanhamento do Serviço de Hotelaria Hospitalar

Levantamento e Análise das Necessidades

Elaboração do Planejamento

Figura 3.: Esquema gráfico de Implantação de Hotelaria Hospitalar. Fonte: Zanovello e Guimarães (2007, p.3). O processo tem início através do diagnóstico situacional. Nessa fase, é fundamental que haja o conhecimento do hospital por parte do implantador. Esse conhecimento é relacionado ao funcionamento dos setores diretamente envolvidos com a hotelaria hospitalar, que geralmente são a internação, a higienização, o serviço de nutrição e dietética, a lavanderia, a manutenção, a segurança e a recepção central do hospital. Essa parte tornase importante para que o implantador tenha condições de mensurar o nível de qualidade do atendimento e saber o funcionamento dos processos administrativos que possam interferir no atendimento ao cliente. Entretanto, missão e valores também devem ser considerados nessa fase da implantação, pois são os balizadores de todo o processo. Se esses dois itens não forem bem compreendidos pela linha hierárquica e o centro operacional do hospital, haverá probabilidade de situações problemáticas no decorrer do processo. Outro fator relevante nessa etapa é a análise de pontos fortes e fracos, ameaças e oportunidades do empreendimento hospitalar, pois os resultados desses itens interferirão diretamente no diagnóstico situacional. Ainda nessa fase, torna-se importante ouvir os funcionários da linha de frente, confrontando se há suporte gerencial para a prestação de serviço,

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- No livro A Hora da Verdade, Carlzon propõe que os funcionários da linha de frente de empresas prestadoras de serviço recebam autonomia suficiente para solucionar problemas, estando supervisionados pelos gerentes, que, na inversão de valores, passam a ter função mais de suporte aos funcionários da linha de frente.

podendo inclusive utilizar o modelo proposto por Carlzon (1999)1. Por fim, diante dessa busca de informações do ambiente hospitalar, caberá ao implantador redigir um diagnóstico criterioso sobre as situações identificadas, direcionando as futuras ações para o atendimento ao cliente. A segunda etapa do processo é a de Levantamento e Análise das Necessidades. Nessa fase, o implantador identifica situações e processos operacionais que sejam contrários ao conceito de Hotelaria Hospitalar. O instrumento mais indicado para esse levantamento é a observação direta nos setores envolvidos, permitindo que o implantador verifique como, onde e com que intensidade ocorrem essas situações. De posse de suas anotações, o implantador redige uma análise das circunstâncias encontradas no diagnóstico situacional e no levantamento presencial. Essa análise permitirá relacionar as situações que necessitam de atenção e que, dentre as demais, tornar-se-ão prioritárias para o planejamento de implantação. Na Elaboração do Planejamento, o implantador já estará familiarizado com a cultura, valores e princípios do hospital. Por esse motivo, ao desenvolver o planejamento, saberá as prioridades identificadas pela direção do hospital, além do montante financeiro disponível para a implantação. Outro aspecto relevante nessa fase está no conhecimento de projetos relacionados à humanização dos serviços de hotelaria hospitalar que já estejam em andamento ou que podem ser incluídos. Como em todo planejamento, cria-se nessa etapa o cronograma de ações de implantação, que serve como um indicador de desempenho ao implantador e à direção do hospital. A integração entre os profissionais de chefia de setor com sua equipe pode ser o grande “pulo do gato”, pois com o envolvimento dos funcionários do eixo operacional, o projeto possui grande percentual de sucesso. Faz-se necessário destacar que essas ações propostas na elaboração do planejamento de implantação devem estar direcionadas para a tríade paciente, acompanhantes e funcionários do hospital. A última etapa do processo é a Implantação e Acompanhamento do Serviço de Hotelaria Hospitalar, podendo ser considerada também como a mais difícil. Nessa etapa estão contidas as mudanças necessárias ao ambiente hospitalar para o início das ações relacionadas à Hotelaria Hospitalar. Ao implantador, cabe a condução do processo de gestão de mudanças, realizando um trabalho de sensibilização e conscientização das vantagens que a Hotelaria Hospitalar pode

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agregar ao hospital e ao seu ambiente profissional. O que deve ser evitado são situações de imposição de novas regras, pois possivelmente o projeto possa sofrer com boicotes e omissões dos funcionários. A equipe de atendimento precisa receber constante capacitação, com foco de ações em situações de humanização, paciência e empatia junto aos pacientes, acompanhantes e colegas de trabalho. O Acompanhamento do serviço de hotelaria hospitalar acontece através de indicadores de desempenho, com destaque para pesquisas de Avaliação de Serviços junto aos pacientes e acompanhantes e questionários de Clima Organizacional com os funcionários. Esses indicadores sinalizam ao implantador quais os ajustes necessários ao projeto para que este seja executado em sua totalidade.

Considerações finais As relações humanas são constantes no ambiente hospitalar, principalmente porque uma das partes encontra-se fragilizada, seja emocional, seja fisicamente. A humanização no atendimento hospitalar vem se constituindo um desafio aos gestores das instituições de saúde para poder sustentar harmonicamente essas relações humanas. Associado ao atendimento humanizado, as condições de estrutura das instalações do hospital também devem oferecer situações de conforto, bem-estar e segurança aos pacientes, médicos, funcionários, acompanhantes de pacientes e visitantes. São essas situações que sustentam os princípios da hotelaria hospitalar. Neste trabalho, foi utilizado um modelo de implantação de serviços de hotelaria hospitalar como um norteador, uma sugestão de linha esquemática para iniciar a aplicação de um projeto de estruturação do setor de Hotelaria Hospitalar. Faz-se necessário destacar que a Hotelaria Hospitalar, conforme proposta de Taraboulsi (2009), parte do princípio de uma adaptação da hotelaria comercial e que não existe o objetivo de descaracterizar o ambiente hospitalar, apenas alterar o enfoque: ao invés de um espaço de doença e sofrimento, disponibilizar condições de saúde e serviços, agregados à arquitetura e decoração das unidades. Como conclusão, pode-se afirmar que o conceito de hotelaria hospitalar ainda não está suficientemente claro para pacientes, acompanhantes e

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possivelmente para o próprio hospital. Essa situação pode ser um dos motivos porque os hospitais não realizam divulgações em suas páginas da Internet sobre os serviços de hotelaria hospitalar e muito menos a nomenclatura “hotelaria hospitalar”, mas foi possível identificar similaridades entre os serviços de hospitais e hotéis. Por outro lado, identifica-se um potencial nicho de mercado aos profissionais da área hoteleira, desde que estejam capacitados para entender o fluxo operacional do ambiente hospitalar e elaborar situações que permitam adaptar os serviços de hotelaria tradicional, sem descaracterizar a atividade-fim do hospital: promover a competência curativa. Fica, então, a proposta de se realizar outros estudos para compreender e mensurar se a implementação do setor de Hotelaria Hospitalar pode ser determinante na escolha de um hospital pelo paciente.

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COMUNICAÇÃO INTERNACIONAL NA SOCIEDADE EM REDE INTERNATIONAL COMMUNICATION IN THE NETWORK SOCIETY

Karine dos Santos Ruy*

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- Jornalista, especialista em Estudos de Jornalismo e Mídia pela UFSC e mestranda do curso de Comunicação Social da PUC/RS, e-mail: karine.ruy@acad.pucrs.br

Resumo O objetivo deste trabalho é analisar o papel da comunicação internacional na sociedade em rede. Após destacar a importância do desenvolvimento de recursos tecnológicos da comunicação para as práticas da globalização, o artigo faz um levantamento histórico de estudos e teorias sobre o fluxo internacional de informações e das correntes contemporâneas, concentradas, sobretudo, nos Estudos Culturais.

P a l a v r a s - c h a v e : Comunicação Internacional, Globalização, Sociedade em Rede.

Abstract The purpose of this paper is to analyze the role of international communication in the network society. After highlighting the importance of the development on technological resources of communication for globalization practices, the article presents a historical research of studies and theories about international flow of information and contemporary tendencies centralized mainly in cultural studies.

K e y w o r d s : International Communication, Globalization, Network Society.

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Estratégica no processo de globalização, a comunicação internacional tem seu status redefinido na sociedade contemporânea graças à cartela de possibilidades e recursos disponibilizados pelo desenvolvimento das tecnologias da informação. Nesse cenário, o advento de ferramentas capazes de encurtar distâncias e driblar o tempo modifica os modos de comunicação entre as sociedades. A mídia vai cada vez mais longe e alcança uma audiência cada vez maior, é fato. Pouco conhecidos ainda, contudo, são os meandros desse processo, suas consequências em termos de imaginário social. Assim, pensar a comunicação internacional na sociedade em rede e no seu papel no diálogo entre culturas emerge hoje como um questionamento relevante no campo das Ciências Sociais. Para compreendermos melhor a trajetória desse campo da comunicação faz-se imprescindível lançar um olhar sobre a formatação do modelo de sociedade contemporânea na qual ele se insere, a sociedade em rede. O termo que intitula o primeiro volume da trilogia A Era da Informação – Economia, Sociedade e Cultura (1999), é utilizado por Manuel Castells para definir um sistema formado por “nós interconectados” (ibidem, p. 566) que caracteriza a morfologia da sociedade contemporânea. Redes são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação (por exemplo, valores ou objetos de desempenho). Uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto altamente dinâmico suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio (ibidem, p. 567).

A ascensão de novos aparatos tecnológicos, com destaque para a microeletrônica e a internet, aparece como questão central na construção da sociedade em rede. A revolução da tecnologia da informação, iniciada com a invenção do transistor em 1947 e difundida a partir da década de 1970, é que vai permitir a configuração desse modelo de sociedade. Recursos como microeletrônica, informática e, mais recentemente, a internet, constituem os artifícios capazes de superar as barreiras do tempo e do espaço, dando vazão ao processo de globalização moderno.

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As comunicações não somente expressam como organizam o movimento da globalização. Elas organizam o movimento multiplicando e estruturando as interconexões através das redes. Elas expressam o movimento e controlam as direções do imaginário que flui através dessas conexões comunicativas. (...) A síntese política do espaço social é fixada no espaço das comunicações. É por isso que as indústrias de comunicações assumiram uma posição tão central (HARDT e NEGRI, 2000, p. 32-33).

A disponibilidade de recursos comunicacionais transformará a maneira como as diversas esferas da vida social se organizam. A economia certamente é o carro abre-alas dessa revolução, redefinindo as formas de produção, o mercado de trabalho e o próprio papel do Estado em um cenário marcado pelo culto à incessante desregulamentação, ao qual Castells irá se referir como “cassino global”. Entretanto, as consequências do uso das tecnologias da informação vão muito além da esfera dos jogos econômicos de interesse e poder, atingindo o cotidiano dos indivíduos. Como resume Stuart Hall, A mídia encurta a velocidade com que as imagens viajam, as distâncias para reunir bens, a taxa de realização de lucros (reduzindo o ‘tempo de turn-over do capital’), e até mesmo os intervalos entre os tempos de abertura das diferentes Bolsas de Valores do mundo – espaços de minutos em que milhões de dólares podem ser ganhos ou perdidos (1976, p. 18).

1. Sobre o fluxo internacional de informações A Revolução Industrial abriu caminho para que as mensagens, centro do ato comunicacional, transitassem além das fronteiras, tanto geográficas quanto culturais, circulando “entre povos com diferentes formas de pensar e formas de olhar e perceber o mundo” (CHRISTOPHEL e STEINFATT, 1996, p. 319). Entretanto, esse trânsito de informações e produtos culturais via mídia não segue um regime de trocas iguais, democráticas. O fluxo internacional de informações constitui-se historicamente como um sistema desigual, assimétrico. As oportunidades de dizer, se fazer ver e se ouvir por intermédio dos veículos de comunicação de massa

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não são democráticas. Assim como a economia, a comunicação segue a lógica da rede, na qual se vê que (...) de um lado segmentos valiosos dos territórios e dos povos estão ligados nas redes globais de geração de valor e de apropriação das riquezas; por outro, tudo, e todos, que não tenha valor, segundo o que é valorizado nas redes, ou deixa de ter valor, é desligado das redes e, finalmente, descartado (CASTELLS, 1999, p. 175).

Vale aqui retomar algumas propostas já levantadas no decorrer dos estudos de Teoria da Comunicação para melhor situar a problemática da comunicação internacional e do fluxo internacional de informações. Foram em centros de pesquisas localizados nos Estados Unidos que os primeiros trabalhos a se debruçar sobre a questão encontraram incentivo, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial. Inseridos nos estudos de recepção que marcaram o início da communication research, os trabalhos tinham objetivos estratégicos no campo das relações internacionais, uma vez que o país ansiava por “desenvolver a arte e a ciência da comunicação e da opinião internacionais e interculturais, na esperança de reduzir a confusão e a tensão entre as nações” (SMITH apud FISCHER E MERRIL, 1970, p. 535). Na Europa, o estudo da comunicação internacional teve outro eixo. Se nos Estados Unidos as pesquisas concentram-se no campo dos efeitos, a Escola de Frankfurt produz a critical research no final da década de 1930, apreendendo a comunicação internacional como um evento típico da indústria cultural e da sociedade de massa (STEVENSON, 1996, p 183). Para os frankfurtianos, os meios de comunicação de massa são entidades econômicas que cumprem duas funções: uma direta, com a produção e distribuição de mercadorias, e uma indireta, a publicidade (BOLAÑO, 1999, p. 80). Todo o processo da comunicação, assim como os conteúdos por ele transmitidos, estaria submetido à lógica econômica. Na década de 1970, renovam-se as discussões sobre a comunicação internacional. Elas são geradas nos países do então Terceiro Mundo (países em desenvolvimento), especialmente da América Latina. Com o fim da Guerra Fria, o monopólio exercido pelas agências de notícias se tornou o alvo das discussões da área, uma vez que elas “não somente produziam como distribuíam através do mundo as notícias a partir de uma ótica de interesse dos países 172_


do Primeiro Mundo” (FADUL, 1998, p. 74). O surgimento, nesses países, de uma reflexão crítica sobre sua ordem de representação no panorama das comunicações impulsiona os estudos sobre a dependência da mídia nacional em relação às fontes estrangeiras de informação. Os aspectos culturais da teoria da dependência, examinados por pesquisadores interessados na produção, distribuição e consumo da mídia e produtos culturais, foram particularmente relevantes para o estudo da comunicação internacional. Esses teóricos procuraram mostrar as ligações entre os discursos de modernização e as políticas de mídia transnacional, corporações de comunicação e seus patrocinadores entre os governos do ocidente (THUSSU, 2000, p. 61).

A preocupação residia, então, na necessidade de se formatar uma Nova Ordem Internacional da Informação e Comunicação, pauta dos debates da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no período. Pesquisador da temática da comunicação internacional, Wainberg observa nesse contexto um movimento político que ansiava pelo reequilíbrio do fluxo internacional de informações. Os países latino-americanos tentavam se colocar em uma posição mais confortável – ou menos marginalizada – no caminho à sociedade em rede de Castells. A queixa incluía o desejo por um fluxo mais balanceado de informações capazes de descrever de forma mais equilibrada a realidade dos países do Terceiro Mundo, geralmente apanhados por repórteres da United Press International, Associated Press, Reuters entre outras agências, através de sua faceta mais dolorosa: a discórdia, os desastres, suas revoluções e golpes. No bojo veio o clamor por uma distribuição mais equitativa das vagas para o estacionamento de satélites no espaço sideral, por apoio financeiro na construção de redes comunicacionais competentes em seus próprios territórios, e, entre outras medidas, a adoção de políticas de controle dos fluxos dos produtos simbólicos (2005, p. 282).

Rompendo com a sociologia empírica norte-americana, o jornalista e senador venezuelano Eleazar Díaz Rangel estudou, em 1967, a natureza do fluxo de notícias na América Latina, numa análise de conteúdo que envolveu 14 jornais da região. A pesquisa constatou nos jornais a presença hegemônica de conteúdos produzidos por agências norte-americanas em relação à Guerra _ 173


do Vietnã, por exemplo. “Jamais foram publicados os telegramas da agência do Vietnã do Norte nem informações sobre as manifestações de protesto contra a guerra ocorridas nos Estados Unidos” (BELTRÁN e CARDONA, 1982, p. 46). Ao mesmo tempo, assuntos relacionados ao desenvolvimento social e econômico da América Latina perderam espaço para as notícias internacionais produzidas pelas agências. Ainda a partir dos anos 1970 ganham ênfase os estudos sobre o fluxo internacional de informações. Para Hester (1973), ele deve ser compreendido a partir das relações de poder entre os países – retomando, singelamente, o viés do Imperialismo Cultural. Hester especula que um volume maior de informações flui das nações poderosas para as menos poderosas, e não no sentido contrário. Outros autores seguem a proposta de Zipf, para quem a distância geográfica é o centro das explicações sobre o fluxo internacional de informações. Mas é a proposta de Abler (1980) a que melhor se enquadra à noção de sociedade em rede. O autor vai além da superficialidade teórica de Zipf e elabora dois conceitos de distância: a absoluta e a relativa. A distância absoluta seria invariável no tempo, não sofreria modificações nem seria amenizada. Já a distância relativa variaria com os eventos, podendo diminuir ou aumentar de acordo com as relações de poder e os interesses postos em jogo. Essa lógica é apropriada, por exemplo, para explicar a quase total ausência de temas relacionados ao continente africano nos canais noticio1

- A África do Sul voltou a ser pauta da mídia nos últimos dois anos graças a sua eleição como país-sede da Copa do Mundo de 2010.

sos dos veículos de comunicação de massa nas últimas décadas1. Desligada da rede, sem mais nada oferecer de lucro ao sistema capitalista global ao mesmo tempo em que é palco de sangrentas lutas étnicas e políticas, a África é o retrato de uma região que amarga a pena de estar à margem do sistema capitalista global.

2. Cultura, mercadoria global Atualmente, os debates em torno da comunicação internacional, concentrados sobretudo nas correntes de Economia da Cultura e Estudos Culturais, focam a atuação dos conglomerados midiáticos. Para o pesquisador

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inglês Daya Kishan Thussu, devido ao seu alcance planetário, esses modelos de corporações visam o desenvolvimento de conteúdos midiáticos homogeneizados e de receptividade global. A desregulamentação e liberalização do setor da comunicação internacional na década de 1990 foi paralela nas indústrias midiáticas e, em conjunto com as novas tecnologias de comunicação via satélites e cabos, criou um mercado global para produtos midiáticos (THUSSU, 2000, p. 119).

Autores como Du Gay, Hall e H. Mackay observam nessa tendência uma tentativa de tornar o mundo um lugar único, num processo de McDonalização do globo (HALL, 1976, p. 18). É de fato difícil negar que o crescimento das gigantes transnacionais da comunicação, tais como a CNN, a Time Warner e a News International tende a favorecer a transmissão para o mundo de um conjunto de produtos culturais estandardizados, utilizando tecnologias ocidentais padronizadas, apagando as particularidades e diferenças locais e produzindo, em seu lugar, uma ‘cultura mundial’ homogeneizada, ocidentalizada (ibidem).

A preocupação dos autores encontra-se em sintonia com as problemáticas levantadas pelos debates atuais sobre a tríade comunicação internacional/cultura/globalização. É preciso ter em vista que o papel do jornalismo e da mídia como agentes construtores da realidade é redimensionado quando se trata de realidades distantes, como defende Steinberger: A formação de opinião pública sobre os fatos internacionais se dá com base em quatro fontes visíveis: a informação acadêmica, a indústria cultural, os depoimentos vivenciados e a informação jornalística. De longe, é a informação jornalística divulgada através de revistas, jornais, televisões, rádio e Internet a principal fonte de referência para a formação de opinião (STEINBERGER, 2005, p. 29).

A capacidade de pautar a agenda dos debates políticos e cotidianos dá também à mídia o poder de formar imaginários sociais. São os discursos jornalísticos difundidos a todo momento por diversas espécies de canais e aparatos tecnológicos que vão direcionar o nosso olhar e atenção para deter_ 175


minados fatos, da mesma maneira como desviarão de outros. Conduzindo a maneira de olhar o mundo, a mídia formata o próprio mundo. “Uma nação que só chega à mídia por suas epidemias, pobreza endêmica, corrupção política, banditismo, etc. estará sujeita a formações discursivas articuladas por um imaginário desfavorável” (ibidem, p. 171). Posto isso, a hiperconcentração de produção e distribuição de conteúdo não pode ser ignorada. Dados reunidos pelas pesquisadoras Graciela Uribe Ortega e Silvana Levi de López dão uma ideia do nível do monopólio ao qual vêm se referindo estes parágrafos. (...) estudos revelam que mais de 90% dos fluxos de informação provêm de quatro poderosas empresas sediadas na Europa e nos Estados Unidos, e que uma elevada porcentagem da produção de vídeos e filmes para a televisão é gerada na União Americana, o que permite moldar valores, idéias, aspirações, sentimentos, hábitos de consumo e de vida – em suma, tudo o que diz respeito à esfera espiritual e material do homem (1997, p. 182).

Na mesma linha de análise, Barbero observa na concentração econômica de megacorporações globais – o autor cita AOL-Time Warner, Dinsey, Sony, News Corporation, Viacom e Bertelsmann – o desenvolvimento de uma “capacidade de controle da opinião pública mundial e a imposição de moldes estéticos cada dia mais ‘baratos’” (2006, p. 52). Kellner vai além e observa a crescente parceria entre corporações midiáticas e outros tipos de empresas, como de telecomunicação e informática, que juntas produzem a sociedade do “infoentretenimento”. O resultado, para o autor, é “menos competição e diversidade, mais controle dos jornais e do jornalismo, da televisão, rádio, filmes e outras mídias” (KELLNER, 2003, p. 125). Quando falamos em hegemonia, não devemos apreender o conceito de forma ingênua, concluindo que todas as audiências têm acesso ao mesmo tipo de produto midiático em todos os lugares. Como bem pondera Castells, o processo de segmentação de público e conteúdos pelos veículos de comunicação de massa, especialmente a televisão, mostra-se um fenômeno crescente. Entretanto, diversidade de conteúdos não significa uma pluralidade de vozes, no que tange a trocas simbólicas entre diversos padrões culturais. No caso específico da televisão, diz Castells, a diversificação das

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mensagens acontece em sintonia com o aumento do seu controle por parte das principais empresas e governos (1999, p. 425). Nas palavras de Denis de Moraes, “as safras midiáticas generalizam textos e imagens que estruturam simbolicamente a vida e a produção”, originando “um fluxo imagético que praticamente autonomiza a representação do mundo em telas e monitores – um mundo em que as interpretações dos fatos sociais muitas vezes são escoimadas de conflitos e contradições” (MORAES, 2003, p. 36). Para o autor, encontramos as consequências de um sistema comunicacional regida primordialmente pela lógica comercial, por exemplo, (...) no reduzido mosaico interpretativo dos fenômenos sociais; na escassa pluralidade argumentativa, em razão de enfoques que reiterem temas e ângulos de abordagem; na supremacia de gêneros sustentados por altos índices s]de audiência e patrocínios (telenovelas, telejornais, reality shows); nas baixas influências públicas nas linhas de programação; no desapreço pelos movimentos sociais nas pautas midiáticas; na incontornável disparidade entre o volume de enlatados adquiridos nos Estados Unidos e a produção audiovisual nacional (ibidem, p. 45).

O trânsito de produtos midiáticos é o principal meio pelo qual a maioria dos indivíduos vai enxergar o mundo e construir sua própria noção de identidade e alteridade. Trata-se de uma mediação simbólica que preenche a lacuna deixada pela ausência da experimentação direta de eventos distantes. Seguindo a proposta de Arjum Appadurai (1994), acredita-se aqui que esse sistema construa midiapanoramas, dando ao público “vastos e complexos repertórios de imagens, de narrativas e de etnopanoramas” – panorama das pessoas que constituem o mundo em transformação (APPADURAI, 1994, p. 53). Para ele, o papel da mídia na arquitetura de “mundos imaginários” por parte dos indivíduos é tanto maior quanto mais esses estiverem afastados de experiências diretas com aquilo que é midiaticamente representado. Ou seja, sem a vivência, sem a experimentação direta, eleva-se o grau de dependência do público em relação aos conteúdos produzidos pela mídia, alargando, na mesma linha, seu poderio e responsabilidade. Essas considerações servem para encararmos com algum grau de desconfiança o excesso de culto da sociedade em rede à comunicação. As tecnologias, no caso específico da mídia, podem tornar esse processo desnorteante. _ 177


Vivemos dias em que é possível a um telespectador-leitor-ouvinte brasileiro tomar conhecimento do ataque de um homem-bomba no Oriente Médio antes dos familiares das vítimas receberem a notícia trágica. Constantemente conectado aos suportes de comunicação, o indivíduo experimenta a sensação de poder acessar o mundo, de estar sempre “bem informado”. Contudo, o mundo ao qual ele tem acesso – seja pela televisão, rádio, jornal, internet ou celular – é uma representação limitada do mundo real. A própria estrutura da mídia, em seu sentido global, tende a um processo de homogeneização, seja na forma dos conteúdos, seja na forma de olhar os eventos por ela projetados. Portanto, da mesma maneira que a euforia da globalização vem cedendo espaço para olhares críticos, o painel da comunicação internacional na sociedade em rede pede observações atentas, capazes de ponderar sua estreita relação com o imaginário social e com as representações culturais. As potencialidades de comunicação dos canais midiáticos não param de crescer e devem ser apreendidas como uma oportunidade de fazer os indivíduos a eles conectados enxergarem o mundo em sua pluralidade, e não através de uniformidades que em pouco ou nada correspondem à complexidade da sociedade global.

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Normas para publicação Competência - Revista da Educação Superior do Senac-RS é uma publicação de periodicidade semestral, cujo objetivo é promover e divulgar artigos e resenhas que contribuam para o desenvolvimento de áreas multidisciplinares. Os artigos publicados são resultado da produção de mestres e doutores e versam sobre Educação, Moda, Meio Ambiente, Gestão e Negócios, Comunicação e Informação, Hospitalidade e Lazer. A Revista também aceita resenhas de livros de pesquisadores e discentes de cursos de Pós-Graduação Stricto Sensu, desde que as obras contemplem as áreas já mencionadas. Os textos devem seguir as recomendações abaixo: 1. Somente serão publicados trabalhos inéditos, de natureza técnicocientífica, relacionados a Educação, Moda, Meio Ambiente, Gestão e Negócios, Comunicação e Informação, Hospitalidade e Lazer; nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola. 2. A aceitação da publicação de artigo implicará transferência de direitos autorais para o Senac-RS, de acordo com a Lei de Direitos Autorais. A Instituição não se compromete a devolver as colaborações recebidas. Os autores dos textos publicados receberão dois exemplares da Revista como cortesia. 3. Os originais encaminhados para análise serão submetidos ao Conselho Consultivo para emissão de parecer. No processo avaliativo, os nomes dos autores, assim como dos pareceristas, serão omitidos. 4. Diante da necessidade de qualquer modificação no texto, essa será submetida ao autor. 5. Todos os autores receberão retorno sobre o aceite da respectiva proposta. 6. Os artigos devem possuir no mínimo dez e no máximo 15 páginas no formato A4, incluídas referências bibliográficas e notas; espaçamento 1,5 e fonte Times New Roman 12pt. 7. As propostas de artigo necessitam apresentar título e resumo com até 250 palavras em português e inglês ou espanhol, seguido de três a cinco palavras-chave nos dois idiomas (português e inglês ou espanhol), obedecendo à NBR 6028. É necessário constar também o nome do autor ou autores;

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indicação da instituição principal à qual está vinculado; cargo ou função; titulação; endereço; e-mail e telefone para contato. 8. Deve ser encaminhada uma cópia impressa (textos e figuras) dos originais para o endereço: Av. Alberto Bins, 665 – 7º andar, Porto Alegre/ RS, aos cuidados da Comissão Editorial da Revista Competência, e também arquivo eletrônico, modo attached, no formato Word, para o e-mail competencia@senacrs.com.br. 9. Os textos que contiverem ilustrações, tabelas, etc., deverão ser encaminhados em formato original e em arquivos separados para o mesmo endereço eletrônico, com as indicações de inserção no texto, bem como legenda e referência de autoria (tratando-se de reprodução). 10. As tabelas devem estar de acordo com as normas de apresentação tabular do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística – IBGE, 3. ed. Rio de Janeiro, 1993. 11. As notas numeradas e as referências bibliográficas (em ordem alfabética) seguem as NBR 10520 e NBR 6023 da ABNT. Na apresentação, as notas devem preceder as referências.

Livros: ALVES, Roque de Brito. Ciência Criminal. Rio de Janeiro: Forense, 1995. REGO, L.L.B. O desenvolvimento cognitivo e a prontidão para a alfabetização. In: CARRARO, T. N. (Org.). Aprender pensando. 6. Ed. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 31-40.

Artigo de periódico: NOGUEIRA, Ronidalva. Michel Foucault numa breve visita às prisões de Pernambuco. Cadernos de Estudo Sociais, Recife, v. 6, n. 2, p. 269-282, jul./ dez. 1990.

Artigos e ou matérias de revista, boletim etc. em meio eletrônico: RIBEIRO, P. S. G. Adoção à brasileira: uma análise sociojurídica. Dataveni@, São Paulo, ano 3, n. 18, ago. 1998. Disponível em: http://www.datavenia.inf.br/frame.artig.html. Acesso em: 10 set. 1998.

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12. As citações devem ser indicadas no texto somente pelo sistema autor-data e estarem de acordo com a NBR 10520 da ABNT. Citações com mais de três linhas devem ser apresentadas em corpo 10, recuadas em 4cm da margem esquerda, sem aspas, com espaçamento 1,5. 13. As aspas duplas serão empregadas somente para citações textuais de até três linhas, que estejam contidas no texto e em transcrições. 14. Os destaques, tais como, nomes de publicações, obras de arte, categorias, etc. serão realizados por meio de itálico. 15. Caso o artigo contenha numeração progressiva, devem ser respeitadas as orientações da NBR 6024. 16. As resenhas, com extensão máxima de cinco páginas, devem conter as referências completas das obras analisadas e obedecer aos padrões acima especificados. 17. Os textos são de inteira responsabilidade de seus autores.

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Educação Tecnicista versus Formação Humana: Os ciclos de formação e o desafio da aprendizagem para todos Educação e Pesquisa em Ciência de Serviços no Brasil: Necessidade e oportunidade A Construção da Estratégia numa Organização Educacional – Como obter os melhores resultados A Percepção dos Docentes sobre Processos Avaliativos na Educação Superior Do Mal-Estar ao Bem-Estar Docente: Perspectivas para uma gestão escolar O Impacto da Emoção no Processo de Aprendizagem de Proprietários de Micro e Pequenas Empresas Moda Estatística: Uma medida de tendência central Responsabilidade Civil dos Hotéis Hotelaria Hospitalar: Um modelo para implantação Comunicação Internacional na Sociedade em Rede


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