Revista Esperança nº11

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Esperança Revista

Ano VI – nº 11 – 1º semestre de 2014

“Sua lâmpada não se apaga” (Pr 31,18)


A imigração italiana para as Américas na metade do século XIX................................................... 2

Revista Esperança Publicação semestral das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo – Scalabrinianas Província Nossa Senhora Aparecida Junho de 2014 Diretora Ir. Sandra Maria Pinheiro, mscs Superiora Provincial Coordenação Geral Ir. Eva Lecir Brocco, mscs Conselheira e Secretária Provincial Direção de Redação Ir. Elizangela Chaves Dias, mscs Ir. Rosa Maria Martins Silva, mscs Ir. Eva Lecir Brocco, mscs Colaboradoras Ir. Elizangela Chaves Dias, mscs Ir. Erta Lemos, mscs Ir. Eva Lecir Brocco, mscs Ir. Neuza Botelho dos Santos, mscs Ir. Rosa Maria Martins Silva, mscs Ir. Sandra Maria Pinheiro, mscs Ir. Sonia Delforno, mscs Jornalista Responsável AP Comunic Revisão Geral AP Comunic Fotografias Arquivo da Congregação MSCS e Província NSA Diagramação e Arte Inês Ruivo – HI Design Impressão e Acabamento Edições Loyola Rua 1822, nº 347 04216-000, São Paulo, sp Tel 55 11 3385-8500 Tiragem 2100 exemplares Contato Província Nossa Senhora Aparecida Praça Nami Jafet, 96 04205-050 – Ipiranga São Paulo – SP – Brasil Tel (11) 2066-2900 www.mscs.org.br e-mail: eva.mscs@terra.com.br

“Ah, Assunta, vermelho, nunca! Verde, espere”................... 8 Entrevista com Frei Márcio – Sobrinho bisneto de Madre Assunta................................. 10 Assunta Marchetti: Modelo de Missionária....................... 12 A compaixão pelos doentes.................................... 14 A opção pelos pobres e excluídos....................... 18 Mãe dos órfãos................................................ 20 Mulher forte e perseverante.................... 22 Os Sinais do Amor de Deus revelados na Vida de Madre Assunta..................... 24 Mãos que acolhem, cuidam e educam.... 26 O Sofrimento do justo.............................28 Ser santo, uma vocação, um apelo............. 30 Madre Assunta Marchetti, membro vivo da Igreja “... sequiosa do Absoluto de Deus ...”..32 Arquivo da Província NSA

Capa: Arquivo MSCS

Entrevista com Irmã Laura Bondi – Primeira Postuladora da Causa de Beatificação de Madre Assunta....................... 5


Caros Leitores “Mulher da caridade, anunciou a todos irmãos e irmãs que Deus os ama!”

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stando às portas da Beatificação da Venerável Madre Assunta Marchetti, a ser celebrada no próximo dia 25 de outubro de 2014, na Catedral Metropolitana de São Paulo, é uma alegria poder apresentar aos leitores da Revista Esperança reflexões que trazem aspectos importantes do perfil daquela que pode ser considerada “modelo de missionária para os tempos atuais”. A vida e missão desta admirável missionária é digna de ser apresentada aos cristãos como um modelo de santidade a ser seguido, porque ela soube concretizar em sua existência humana as atitudes fundamentais de Jesus, a partir de seu compromisso constante e generoso de serviço, misericórdia, solidariedade e acolhida para com todos os irmãos mas, sobretudo, para com os migrantes órfãos, doentes e necessitados. Podemos afirmar que ela soube ler os sinais de Deus em cada nova situação que se apresentava em sua vida, e no seguimento a Jesus Cristo como cristã e consagrada deu respostas adequadas aos problemas que afligiam à população em mobilidade daquele tempo. Madre Assunta, como a mulher forte e sábia do livro dos Provérbios 31,1-18, é uma mulher fascinante, e que se revela cada dia mais atual e moderna, porque soube afrontar os problemas que angustiam e afligem a humanidade: o sofrimento humano, o desemprego, a migração, o abandono da terra por parte de tantos jovens, mulheres e crianças! Em tudo isto, ela nos precedeu e abriu caminho para uma ação pastoral e evangelizadora. Seu testemunho representa o rosto feminino do carisma scalabriniano, um jeito próprio de seguir a Jesus Cristo na vida cristã e consagrada, superando seus próprios limites para responder às necessidades dos migrantes pobres, órfãos, doentes e necessitados de proteção, de defesa da identidade cultural e da dignidade humana. Sua forma específica de viver a santidade inspirou-se na própria caridade de Cristo, feita de atenção, ternura, compaixão, acolhimento, disponibilidade e compromisso para com os problemas das pessoas. Foi a mulher da caridade: buscou anunciar a todos os irmãos que Deus os ama e que eles também podem amar, usando de caridade para com todos, e gastando sua vida no serviço do próximo. Sua abertura e amizade para com todos os povos sejam eles nacionais ou estrangeiros, nos ajuda a superar as fronteiras e a mostrar o sinal do amor de Deus ao mundo, expressão de um amor sem exclusão ou preferências. Que a celebração da beatificação de Madre Assunta nos ajude a refletir sobre nossa vocação à santidade, e o nosso compromisso como cristãos na realização da missão de evangelização, compaixão e acolhida dos migrantes e refugiados em nossas comunidades e na sociedade contemporânea. A todos(as) boa leitura! Ir. Sandra Maria Pinheiro, mscs Superiora Provincial Esperança | 1º semestre de 2014 | 1


Na metade do século XIX A vida, a missão e a santidade de Assunta Marchetti se inserem no contexto da imigração europeia do século XIX, que teve como ápice o período de 1870 e 1930. Foi o fenômeno que marcou e diversificou a América, especificamente o Brasil, que recebeu somente ele, 44% destes povos.

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omo um dos maiores acontecimentos da história social e econômica do mundo contemporâneo, a emigração no ocidental fez desenraizar muitos povos, como os alemães, os poloneses, dentre tantos outros, mas de maneira particular, os italianos deixavam em massa a Itália, motivados pelas transformações socio-econômicas no norte do país, que afetou a propriedade da terra, fazendo milhares deles rumarem para as Américas em vista da sobrevivência. Calcula-se que entre 1870 e 1930, 28 milhões de italianos deixaram a Europa em busca da América do Norte e do Sul. Vale lembrar que a Europa como um todo estava imersa na miséria no século XIX devido à transição entre o modelo feudal de produção e o capitalismo que afetou as condições sociais do continente. Com isso as terras 2 |

Detalhe da obra A saída dos imigrantes, de Angiolo Tomasi, pintura sobre tela de 1896. Acervo: Galeria de Arte Moderna em Roma, Itália.

A imigração italiana para as Américas

ficaram concentradas nas mãos de poucos proprietários, com altas taxas de impostos sobre a propriedade, o que levava o dono das terras a endividamentos constantes com empréstimos. Os pequenos proprietários sofriam com o baixo preço dos seus produtos e acabavam como mão de obra para as empresas que estavam em alta. As cidades inchavam com o excesso de desempregados. Mesmo os pequenos proprietários não conseguiam mais tirar o sustento necessário à sobrevivência da família. Razão disso é que o filho mais velho adquiria as terras por herança e, somente após a morte do pai em detrimento dos outros filhos que tendiam a ficar na miséria. O crescimento da população europeia no século XIX trouxe maiores complicações sociais. “Podia-se morrer de inanição e a única alimentação da classe rural não passava de polenta, uma vez que a carne de vaca era um mito e o pão de farinha de trigo inacessível pelo seu alto preço”, conta o historiador Emilio Franzina. A vida do camponês europeu girava em torno da sua propriedade e o mundo para ele era nada mais que a comunidade à qual ele pertencia. Neste contexto, a América surgiu como o lugar de realização dos sonhos de milhares e milhões deles, de se tornarem grandes proprie-


Contexto sócio-político do Brasil no século XIX A sociedade brasileira passou por mudanças fundamentais no campo social, político e cultural na segunda metade do século XIX, pois foi neste período que teve início a substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho assalariado. Foi criada a Constituição Brasileira, as cidades se desenvolveram se instalaram as primeiras indústrias, e as fazendas de café passavam por um processo de modernização. O chamado “surto industrial” que ocorreu entre 1850 e 1860 ocasionou a inauguração de 70 fábricas de chapéus, sabão, tecidos de algodão e cerveja, produtos que anteriormente eram exportados. Acrescenta-se, ainda, a fundação de 14 bancos, três caixas econômicas 20 companhias de navegação a vapor, 23 companhias de seguro, oito estradas de ferro, empresas de mineração, transporte urbano, gás etc. Esse processo de industrialização favoreceu a entrada de europeus em massa no país. Pressionado pela Grã-Bretanha, o Brasil viu-se obrigado a dar fim ao tráfico negreiro que foi proibido também pela Lei Eusébio de Queirós em 1850, o que levou à escassez de mão-de-obra para a cultura do café. Nesta época, fazendeiros do Oeste de São Paulo, defenderam o uso da mão-de-obra livre nas plantações de café. A nação brasileira passou então por um período de fermentação das ideias abolicionistas. Novas leis,

como a Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei dos Sexagenários (1885) anunciavam o fim próximo da escravidão. A imigração italiana para o Brasil tornou-se significativa a partir da década de 1870 e transformou-se num fenômeno de massa entre 1887 e 1902, influenciando decisivamente no aumento da população do Brasil. Entre 1880 e 1924, entraram no Brasil mais de 3,6 milhões de imigrantes, dos quais 38% eram italianos. Considerando-se a faixa de tempo entre 1880 e 1904, os italianos representaram 57,4% dos imigrantes. Vale lembrar que o principal objetivo do governo brasileiro além de resolver o problema da falta da mão-de-obra, era aquele de “branquear” a população brasileira. Com o passar do tempo, negros e indígenas, deveriam desaparecer do território brasileiro. Do outro lado do oceano, as companhias de imigração deveriam

A América surgiu como o lugar de realização dos sonhos de milhares e milhões deles, de se tornarem grandes proprietários

escolher a dedo o italiano que deveria imigrar para o Brasil. De acordo com informações de agentes do porto de Gênova, uma das condições para imigrar para o Brasil era ser bonito. Pessoas consideradas feias pelos agentes da imigração, não podiam imigrar. Do fim das Guerras Napoleônicas até a década de 1930, 60 milhões de europeus emigraram. Para a América do Norte foram 71%, 21% para a América Latina (sobretudo Argentina e Brasil) e 7% para a Austrália. A Itália com 38% dos 11 milhões de imigrantes que foram para a América Latina superou os 28% dos espanhois e os 11% que eram portugueses.

A escolha em imigrar para o Brasil Por volta do ano 1894, o serviço de migração deixou de ser responsabilidade do Governo Federal e os Estados membros mais ricos, entre os quais estava São Paulo, ofereciam passagens gratuitas de navio para os estrangeiros, o que deu oportunidade para que milhares de camponeses sem condições de pagar a própria passagem pudessem entrar no processo da migração. No período de

vozesdoverbo.blogspot.com.br

tários. Em primeiro lugar migravam para as cidades, depois para países vizinhos como migrantes sazonais. Atravessar o oceano era a última possibilidade, a qual eles não puderam rejeitar. Estados Unidos, Argentina e Brasil passaram a ser o lugar de destino.

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pt.wikipedia.org

1891 e 1895 São Paulo liderava o ranking da imigração com 89%. O fenômeno em massa se deve aos agentes da imigração que tinham na Itália 30 agências de emigração e outras 5.172 móveis que faziam o trabalho de persuadir os imigrantes a virem para o Brasil.

A viagem de navio No processo da imigração o grande desafio era o de chegar até o porto para o embarque. Os italianos do norte rumavam para o Porto da cidade de Gênova e os do sul para o porto de Nápolis. A viagem muitas vezes era feita a pé e antes de partir deveriam vender a maioria dos bens que possuíam. Na maioria das vezes chegavam ao porto dias antes do embarque e viviam por ali em pensões nas piores condições. Dentro dos navios, a viagem durava cerca de 21 a 30 dias e eram transportados como passageiros de terceira classe. Enfrentavam morte por epidemias e envenenamento com comidas estragadas. No ano de 1888, 52 pessoas morreram de fome e, em 1899, no Frisna, 24 morreram por asfixia. Por volta do ano 1882 a 1914, cerca de 1.553.000 imigrantes entraram no Estado de São Paulo. Destes, 695.000 fizeram o caminho de retorno, o que significa 49% do total. Em meados de 1934, os italianos e seus filhos representavam 50% da população de São Paulo. O Estado pagava 75.000 reis por adulto, a metade por meninos de 7 a 12 anos e 20% pelas crianças de 3 a 7 anos. Para facilitar a atração dos imigrantes os jornais paulistas publicavam anúncios nos quais incentivavam os estrangeiros a convidar os parentes para virem ao Brasil e com passagem financiada pelo governo. O bairro do 4 |

Para facilitar a atração dos imigrantes os jornais paulistas publicavam anúncios nos quais incentivavam os estrangeiros a convidar os parentes para virem ao Brasil e com passagem financiada pelo governo

ambulantes, engraxates, carregadores e cocheiros. Em São Paulo, um observador relatou a presença de “numerosos moleques italianos, rotos e descalços, que vendem os jornais da cidade e do Rio de Janeiro, importunando os transeuntes com suas ofertas e seus gritos de malandrinhos da rua”. Foi neste contexto que atuou Padre José Marchetti, irmão de Maria Assunta Caterina Marchetti, que, tendo se tornado missionário de bordo para socorrer os italianos durante a viagem se despertou para outra realidade numa das suas viagens quando percebe, e se dá conta, que havia uma grande chaga da migração a ser curada: esses inúmeros órfãos filhos dos imigrantes que perambulavam pelas ruas da cidade. Madre Assunta não hesita ao chamado de Deus por meio do seu irmão José, então missionário de São Carlos para os imigrantes. Deixando o seu grande sonho de ser religiosa contemplativa, vem para o Brasil como serva dos órfãos e abandonados no exterior. Irmã Rosa Maria Martins, mscs

Brás, em 1887, foi o abrigo de milhares de italianos que se hospedavam na chamada “Hospedaria dos Imigrantes”, onde eles permaneciam por oito dias, até que um fazendeiro viesse contratá-los para o trabalho. Contratados, viajavam de trem para as fazendas, custeados pelo governo. Nas fazendas as condições de vida eram desumanas: fazendas isoladas, sem acesso à Igreja, à escola, casas pequenas e sem condições de higiene, sofriam abuso e humilhações dos fazendeiros. Nas ruas de São Paulo e de outros centros urbanos, os meridionais se destacavam como comerciantes

Brasília – DF

Referências Bibliográficas Alvim, Zuleika; Brava gente!: Os italianos em São Paulo, 1870-1920, 189 páginas, São Paulo-SP: Editora Brasiliense (1986). Bertonha, João Fábio; Os italianos, São PauloSP: Editora Contexto (2005). ISBN 8572443010 Cenni, Franco; Os italianos no Brasil, São Paulo-SP: EDUSP (2003). ISBN 8531406714 Grosselli, Renzo; Colônias Imperiais na Terra do Café – Camponeses trentinos nas florestas brasileiras, Vitória-ES: Arquivo Público (2008). ISBN 8598928011 Puppin, Douglas; Do Veneto para o Brasil, 491 páginas, Vitória-ES: Edição Livraria Distribuidora (1981). Trento, Ângelo; Do outro lado do Atlântico, São Paulo-SP: Studio Nobel (1988). ISBN 852130563X Genova, Porto de – Museu da imigração, maio 2013.


Entrevista com Irmã Laura Bondi

Arquivo pessoal

Primeira Postuladora da Causa de Beatificação de Madre Assunta

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ra abril de 2013. Itásobre a sua relação com lia. No bairro situado Madre Assunta por meio da bem no alto da cidade, história, dos relatos, dos fatos, chamado via Monte Del Gallo, se das pessoas que fizeram parte da encontra a casa geral das Scalabriniavida da beata. Mostrou-me calhamanas, no coração de Roma. Dali se pode ços de documentos, textos escritos após avistar a cúpula do Vaticano que, em as suas andanças, horas a fio de pesqui“Meu trabalho tom azul se perde divinamente bela em sas e viagens em busca das verdades como postuladora meio as luzes e o lindo céu da cidade dos fatos e da fé, que um dia levariam significou aprender eterna, paisagem esta que eleva o espíAssunta Marchetti à Beatificação. a ver as maravilhas rito à admiração, à oração e à poesia. De estatura baixa, gente pequena que Deus realiza nas Fato é que, a casa em andares, situa­ criaturas que creem como aqueles pequenos que preferem da neste espaço privilegiado, reserva o ser para que o Cristo apareça, Laura Nele sem reserva” no andar de baixo, uma sala-escritório, parecia transpirar e respirar a paixão silenciosa, que convida à meditação, à reflexão e ao estupela vida, obra e santidade de Madre Assunta. Com que do. Foi nesta sala que fui recebida por Irmã Laura Bondi, entusiasmo ela falava desta santa, quase como um reentão postuladora da causa da Madre Assunta, ou seja, verenciamento diante de tudo aquilo que já havia lido, aquela responsável por apurar os fatos da vida da serva ouvido e escrito sobre ela. Pareciam ser histórias que ela de Deus e compila-los em defesa do processo de Beatifi- não só pesquisava, mas que contava e orava. Eu a fitava, cação e comprovação de sua santidade. sem piscar, para tentar beber um pouco de tudo o que Recordo-me como se fosse hoje, quando com um ela contava com paixão, em tom orante e um respeito e imenso entusiasmo, Irmã Laura começou a me contar admiração por Madre Assunta até então desconhecidos. Esperança | 1º semestre de 2014 | 5


Passamos algumas horas falando sobre esta santa, das virtudes, das dores, das alegrias e do testemunho que ela foi. “Suor Rosa, aqui várias vezes, rezo, medito e invoco a proteção de Madre Assunta e conto com a graça e a ajuda de Deus neste trabalho tão importante”, me dizia como quem expressava que estudar, aprofundar, reunir documentos sobre a vida desta santa, era algo como que uma oração. Confesso que não sai dali a mesma pessoa. Foi essa paixão serena, humilde, sincera de quem quer gritar aos telhados e mostrar para o mundo a vida e a obra de uma santa, de quem experienciou Deus através de uma missão confiada e assumida com afinco e muito amor, que me inspirou a entrevistar e a publicar esta conversa com Irmã Laura – da qual jamais me esquecerei – nesta fase da Beatificação da serva de Deus. Deixemo-nos admirar pela experiência contada por ela mesma nesta entrevista.

Onde a senhora nasceu? Quantos anos de vida religiosa a senhora tem? Ir. Laura: Nasci nos Alpes italianos, na cidade de Parma, região da Toscana e tenho 43 anos de vida religiosa.

Onde e em que tipo de missão a senhora trabalhou todos esses anos? Ir. Laura: Antes de entrar no convento, estudei línguas estrangeiras em Milão, na Universidade Católi6 |

mação vocacional. Ao retornar das Filipinas, fui enviada a Portugal, para a periferia de Lisboa, uma região de muita pobreza, onde me sentia feliz. Nesse período, 1992, a Superiora Geral Irmã Marissônia Daltoé, me chamou a Roma para que assumisse a fase romana do processo de Beatificação de Madre Assunta Marchetti (1871-1948).

Quem foi Madre Assunta?

“Sinto a alegria de poder experimentar que, realmente, Deus não abandona jamais os pobres, os pequenos, os incapazes, aqueles pouco qualificados” ca. Por muitos anos a minha missão principal foi o nas Escolas de Ensino Fundamental e Médio na região de Piacenza e Parma, e também atuei na pastoral juvenil e animação vocacional. Em seguida fui enviada ao Sul da Itália para uma região muito pobre da Calábria, uma terra de emigrantes. Num segundo momento, depois de um tempo dedicado a atividades próprias do Instituto, pedi para ser enviada a Manila, nas Filipinas, onde a Congregação havia aberto há pouco uma comunidade e ali me foi confiado o serviço de ani-

Ir. Laura: Madre Assunta é terceira dos 11 filhos de Angelo e Carola Marchetti e pode ser definida como uma ótima filha e, ousarei dizer, uma exemplar Irmã Missionária Scalabriniana de primeira hora. Essa deu, de fato, orientação, desenvolvimento, solidez e exemplo de santidade à nossa Congregação no Brasil, de onde não saiu mais nos seus 53 anos de vida missionária.

Quanto tempo a senhora trabalhou na causa da Beatificação da Madre Assunta? Ir. Laura: A fase romana do processo de Beatificação de Madre Assunta me ocupou a mente e o coração por 21 anos, isto é, até o segundo semestre de 2003.

O que significou para a senhora trabalhar na causa da Beatificação de Madre Assunta? Ir. Laura: Significou um contínuo exercício de crer que Deus intervém sempre cada vez que um dever supera as nossas capacidades e as nossas forças. Pois trata de um bem para a


Igreja, como de fato é a Beatificação de um batizado.

Quais as dificuldades que a senhora encontrou durante este processo? Ir. Laura: Encontrei algumas dificuldades como: pouca documentação disponível; a distância dos lugares de pesquisa; a quantidade de documentos em língua estrangeira (português) para traduzir, muitos tesmunhos considerados úteis e necessários que desapareceram; horas e horas de trabalho no computador etc. Às vezes dificultou também a confissão religiosa particular de algum testemunho, criando equívocos a serem esclarecidos e justificados à Congregação para a Causas dos Santos. Muitas vezes senti que só podia esperar na ajuda de Deus, convicta sempre, porém, que esta não me podia faltar, porque enfim, uma postuladora não trabalha para outra coisa, senão para a glória do Senhor. Frequentemente experimentei os meus limites, sobretudo, quando não consegui encontrar nem a forma, nem o modo de esclarecer, de dissecar conteúdos complexos que não consegui expor no papel de maneira credível; 57 testemunhos de pessoas que ainda vivem; quase 300 documentos de vários tipos; a documentação completa do milagre (depoimentos e documentações médicas), a tradução para o italiano de todo o dossiê referente ao milagre que era enviado do Brasil; a análise grafológica; o Summarium da Positio e do Milagre etc.

Trabalhando e pesquisando sobre a vida de Madre Assunta que fato mais a marcou? Ir. Laura: O que mais me marcou na vida de Madre Assunta foi a solidão na qual ela se encontrou quando, após três meses da morte do irmão Padre José, a sua mãe, Caro-

lina Marchetti retornou à Itália. O silêncio heróico diante da ausência de resposta por escrito do Fundador, Monsenhor Scalabrini à sua forte e exaustiva carta de 1900, depois de alguns meses de chegada a São Paulo das Apóstolas do Sagrado Coração. Ainda o seu longo espaço de silêncio, mesmo com o seu orientador espiritual acerca da terrível situação humanamente insustentável, na qual se encontrava, quando, ao fim do seu primeiro mandato como Geral, foi transferida para o Sul do Brasil.

Como a senhora se sentiu e sente ao saber que a Beatificação de Madre Assunta foi aprovada? Ir. Laura: Sinto a alegria de poder experimentar que, realmente, Deus não abandona jamais os pobres, os pequenos, os incapazes, aqueles pouco qualificados, como sempre me senti, nos 21 anos de trabalho para o Processo de Beatificação de nossa arqui-caríssima co-fundadora, como também a alegria de poder oferecer à Igreja, ao mundo e à Congregação o inestimável dom da Beata Madre Assunta Marchetti.

Que importância teve Madre Assunta no processo de aprovação da Congregação como Instituto Religioso? Ir. Laura: O segundo governo sábio e humilde de Madre Assunta como superiora geral não só contribuiu para render à nossa Congregação o Direito Pontifício. Na verdade a Congregação teve naquele tempo um desenvolvimento numérico de religiosas, das obras e das vocações e, finalmente harmonia em todos os seus setores, harmonia que falava de um verdadeiro nascimento seja espiritual, seja missionário.

O que mais lhe impressionou na vida de Madre Assunta? Qual a importância desta santa para os dias atuais? Ir. Laura: Tantas coisas me causaram admiração em Madre Assunta e sobretudo, a sua capacidade de sofrer sem perder a paz e o equilíbrio porque, interiormente motivada, a tenacidade em rezar, no viver rezando. Não obstante o grande empenho no trabalho cotidiano, o seu saber estar com tranquilidade no último lugar, embora Deus lhe tenha dado muitas vezes cargos de muita responsabilidade, os quais ela aceitou com dificuldade, sim, mas com simplicidade e submissão. Em nossos dias Madre Assunta nos ensina a dependência total a Deus, a confiarmos Nele sem reservas, a sentir a vida como um dom que Ele nos dá, que Ele nos criou por amor e quer sempre o nosso verdadeiro bem.

Poderia contar brevemente, o que foi este trabalho? Ir. Laura: Antes de tudo, um buscar sempre a interpretação mais verdadeira e mais justa, uma constante avaliação correta e valorização de cada detalhe, sem distanciar-se da convicção de que tudo é precioso e que um pesquisador não pode negligenciar nada, nenhum detalhe. Meu trabalho como postuladora significou também, aprender a ver as maravilhas que Deus realiza nas criaturas que creem Nele sem reserva e saborear a alegria de constatar que a Providência soube por, sabiamente, no início do nosso Instituto uma coluna sólida e edificante como Assunta Marchetti. Por Irmã Rosa Maria Martins, mscs Tradução do italiano: Irmã Rosa Maria, mscs/ Irmã Rosânia Silva, mscs Esperança | 1º semestre de 2014 | 7


Arquivo da Província NSA

Moinho La Fabbrica Camaiore - Italia

“Ah, Assunta, vermelho, nunca! Verde, espere”

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ssunta Maria Caterina Marchetti nasceu em Lombrici di Camaiore, na região da Toscana, em 1871. Terceira dos 11 filhos de Carolina Ghilarducci e Angelo Marchetti, a menina recebeu o nome de Assunta por nascer, em 8 |

15 de agosto, festa da Assunção de Nossa Senhora. Foi batizada na Igreja paroquial de Lombrici, ao lado de sua casa, a Paróquia de Santa Maria Assunta de Camaiore-Lu. Assunta teve como padrinhos de batismo, os tios, irmão de dona Carola, Antônio e Caterina. Assunta viveu desde 1871 a 1880 na cidade de Lombrici, quando os pais precisaram mudar para Camaiore. Porém foi em Lombrici, em meio aos verdejantes pântanos que cerceavam a sua casa que Assunta Marchetti foi educada e adquiriu uma visão positiva da vida, salvos os anos vividos em Viareggio com os avós, sobre os quais não se sabe muito. Ao retratar a infância de Assunta em seu livro, a primeira Postuladora da Causa de Beatificação Irmã Laura Bondi, MSCS afirma que, “numa infância vivida em meio a uma família sadia de mente, de espírito, dos costumes dos pais, católicos praticantes

Assunta só poderia aprender e formar um justo conceito de Deus, da existência e da convivência”. Conforme alguns relatos de pessoas da época, Carola, a mãe, teria sido a primeira catequista da serva de Deus, que comumente rumavam para a Igreja para participarem da missa e receberem os sacramentos na Igreja Santa Maria Assunta, na pequena Lombrici. Desta forma, Assunta começou sua formação catequética em casa e continuou em uma escola cuja diretora era uma tia, consagrada, de quem Assunta terá aprendido a paixão pelas virtudes cristãs. Ainda aos cinco anos de idade, no dia 26 de setembro de 1876, Assunta foi crismada na Paróquia Santo Antônio de Pádova, em Viareggio, pelo bispo Dom Niccola Ghilardi e teve como sua madrinha a senhora Giorgina Del Prete. Os documentos levam à dedução de que alguns anos


da infância de Assunta estavam ligados a Viareggio onde a tia avó, Giuliana, iniciou sua obra de educação e caridade cristã. Por causa da saúde debilitada da mãe, embora tivesse grande capacidade intectual, Assunta interrompeu cedo os estudos para cuidar dos afazeres da casa e ajudar a cuidar dos irmãos mais novos. Em 1880, devido ao crescimento da família e a necessidade de buscar melhores condições para o sustento, rumaram para Camaiore, onde os pais foram trabalhar como moleiros. O moinho La Fabbrica se localizava no território paroquial de Camaiore e pertencia ao marquês Giovan Battista Mansi, filho de um político tão famoso que chegava a representar Lucca no Congresso de Viena. Fato é que Assunta viveu sua adolescência em uma casa bem maior que aquela de Lombrici e de ambiente muito silencioso. Conta a história que a casa tinha um andar térreo, primeiro andar, cinco quartos, cozinha e, como anexo, um forno e um galinheiro, um quarto coberto para guardar a lenha, um canal geral e um pátio. Segundo Laura Bondi, deste pe­ ríodo se sabe pouco da vida de Assunta. O que se sabe é que, com certeza, as tarefas da casa, como o cuidado da mãe que não tinha boa saúde e dos irmãos que já se somavam mais de oito, estava quase que totalmente na responsabilidade de Assunta que, só podia contar com a ajuda do irmão mais velho, Agostinho, pois seu irmão Giuseppe, dois anos mais velho que ela iniciou os estudos como aluno externo no seminário São Miguel ao Foro, na cidade de Lucca e desejava ser sacerdote. Sobre a sua adolescência vivida em Camaiore surgem relatos contados bem mais tarde pela própria Assunta. Quando o pai transporta-

Após fortes momentos de oração diante do quadro do Sagrado Coração de Jesus, toma a decisão de partir para a América a serviço dos seus conterrâneos, para ajudar o irmão no cuidado dos órfãos va a farinha para a cidade Assunta sempre pedia a ele que trouxesse um agrado. “Papai, me traga um vestido novo”. Ao que o pai respondia sorrindo: “Ah, Assunta, vermelho, nunca! Verde, espere”. Como tantas outras crianças emigrantes, Assunta também enfrentou desde muito cedo a experiência de migrar. Nasceu em Lombrici, foi batizada em Camaiore, recebeu a crisma em Viareggio, aos nove anos emigrou para La Fabbrica e aos 12 anos recebeu a Primeira Eucaristia na Paróquia de Capezzano Pianore, por ser a Igreja provavelmente mais perto da casa dos Marchetti. A resposta ao chamado de Deus para ser missionária dos órfãos e abandonados no exterior, marcou a juventude de Assunta, que, a pedido do irmão José, então Missionário de

São Carlos, e após fortes momentos de oração diante do quadro do Sagrado Coração de Jesus, toma a decisão de partir para a América a serviço dos seus conterrâneos, para ajudar o irmão no cuidado dos órfãos na cidade de São Paulo – Brasil. Vale ressaltar que Padre José Marchetti, como padre diocesano, em Lucca, pároco de Compignano, tinha 210 paroquianos e destes 110 deixaram a paróquia e emigraram para o Brasil rumo a São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. Talvez aqui esteja a maior razão pela qual José decide se tornar missionário: deslocar-se para ser uma Igreja que acompanha os filhos e os apoia em suas necessidades. Aos 24 anos, após receber a bênção do bispo de Piacenza, naquela cidade, junto com o irmão, Padre Giuseppe, duas amigas e a mãe Carola, Assunta deixa a Itália, assume a missão em um país distante, e nunca mais retorna à pátria, terminando os seus dias junto às crianças órfãs, em São Paulo. Irmã Rosa Maria Martins, mscs Brasília – DF

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Entrevista com Frei Márcio Arquivo pessoal

Sobrinho bisneto de Madre Assunta

“Toda a nossa família está emocionada com a Beatificação de Madre Assunta”, ele fala sobre o significado da Beatificação da tia e como a família recebeu a notícia.

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imigração em massa de italianos para as Américas em meados do século XIX, não trouxe somente Assunta Marchetti, as amigas, a mãe e o irmão José para o Brasil, mas como é comum em todo fenômeno migratório, os parentes tendem a deixar a pátria e se unirem àqueles que partiram antes. A história da família Marchetti teve continuidade no Brasil devido à imigração de algumas irmãs de Assunta que imigraram e aqui constituíram família. Assunta teve 10 Irmãos, entre eles, por ordem cronológica: Agostinho (1868), Giuseppe (1869), Assunta (1871), Angela (1874), Teresa (1875), Pio (1877), Vincenzo (1879), Elvira (1880), Filomena (1884), Filomena(1886) e Maria Luisa (1891). Destes, Teresa e Maria Luísa vieram para São Paulo e não mais retornaram à Itália. Frei Márcio, religioso dominicano, nasceu e vive em São Paulo. É 10 |

sobrinho bisneto de Madre Assunta, bisneto de Teresa, e conta um pouco da história da família e o que tem significado para eles a Beatificação de Madre Assunta Marchetti.

O que significa para o senhor a Beatificação de Madre Assunta? Frei Márcio: Para mim significa o reconhecimento de uma vida de dedicação aos pobres e abandonados. Nesse sentido toda a família participou dessa vocação: sua mãe Carolina, seu irmão Padre Marchetti, e também minha bisavó, que embora não fosse religiosa professa, viveu como tal, na dedicação dos órfãos do Orfanato Cristóvão Colombo no Ipiranga.

O que mais chamou atenção na vida de Madre Assunta? Frei Márcio: Ela se dedicou de corpo e alma ao trabalho com os pobres órfãos. Além disso, também me chama a atenção a sua firmeza e determinação diante das opções da Congregação. Ela conhecia bem a Congregação e ficou firme quando outro grupo de religiosas se mesclaram por um tempo com as missionárias de São Carlos. Ela suplicou a Dom Scalabrini, junto com outras irmãs, para que se preservasse a intenção original da congregação. Nessa atitude nada há de ingenuidade, mas sim de firmeza e


responsabilidade sobre a sua opção e profissão religiosa.

Por que a sua bisavó, Irmã de Madre Assunta veio para o Brasil?

Como o senhor se sente, como sobrinho de uma santa (beata)?

Frei Márcio: Minha bisavó, Teresina Marchetti Angeli, depois de ficar viúva, veio para o Brasil com seus quatro filhos (um homem e três mulheres). O filho homem voltou depois para a Itália, as três mulheres ficaram no Brasil e se casaram. Minha bisavó viveu no Orfanato Cristóvão Colombo do Ipiranga, até falecer em 1946. No Orfanato cuidava dos órfãos e dos padres.

Frei Márcio: Sinto que há uma grande responsabilidade de também testemunhar a santidade pela qual ela foi elevada aos altares.

O que o senhor espera deste grande evento? Frei Márcio: Espero que a partir dessa Beatificação as virtudes vividas pela Madre Assunta possam estimular as pessoas a se consagrarem com generosidade ao serviço do próximo, sobretudo, dos pobres e desamparados de hoje.

Como se chama sua mãe? Tem outros irmãos? Frei Márcio: Minha mãe se chama Maria Teresa Marsicano Couto, e está com 88 anos, tendo conhecido a Madre Assunta, quando ficou interna no Orfanato da Vila Prudente. Tenho só uma irmã: Teresa Sueli Couto Vieira da Silva.

O que a sua vó contava sobre a Madre Assunta? Frei Márcio: Que Madre Assunta era muito dedicada à obra para a qual havia consagrado sua vida. Era uma pessoa calma, tranquila, e transmitia isso às pessoas que conhecia.

Há alguma memória da sua família, ou na vida de Madre Assunta que o senhor gostaria de ressaltar? Frei Márcio: O fato que perpassa as vidas do Padre Marchetti, da Madre Assunta e de Teresina Marchetti An-

geli (minha bisavó) é sempre o mesmo: o serviço gratuito ao próximo, sinal evidente da presença do Reino de Deus entre nós.

O senhor saberia dizer quantos parentes vocês têm aqui em São Paulo ou no Brasil? E na Itália? Frei Márcio: Os parentes são muitos: por parte das irmãs de Madre Assunta temos toda a família da tia Marieta, toda a família da tia Filomena, a família da tia Elvira (na Argentina), a família da tia Angela (na Itália). Aqui em São Paulo são muitos os parentes, mas não saberia o número exato deles. Tia Marieta teve 7 filhos, 16 netos, 16 bisnetos e 11 tataranetos. Tia Filomena teve 4 filhos, 7 netos, 14 bisnetos. Tia Elvira teve 5 filhos, 4 netos. Minha bisavó (Teresina) teve 4 filhos, 10 netos.

Como a família recebeu a notícia da Beatificação de Madre Assunta? Frei Márcio: Toda a nossa família ficou muito emocionada com a notícia da Beatificação da Madre Assunta. Algo que parecia remoto se torna realidade. Todos estão rezando e esperando o dia da Beatificação para celebrarmos juntos esse grande dia de ação de graças.

Como sobrinho bisneto de Madre Assunta, que mensagem o senhor deixa para o leitor da Revista Esperança? Frei Márcio: Deixo como mensagem a esperança de que a gratuidade, pregada e vivida por Jesus Cristo, é possível de ser vivida por nós humanos e que todos podem, com a graça de Deus, também praticarem essa virtude fundamental para a nossa época. Irmã Rosa Maria Martins, mscs Brasília – DF Esperança | 1º semestre de 2014 | 11


Arquivo da Província NSA

Órfãs na cozinha do Orfanato Vila Prudente

Assunta Marchetti

Modelo de Missionária

Assunta Marchetti, a primeira Missionária de São Carlos Borromeo – Scalabriniana vi­veu os 53 anos de sua vida religiosa totalmente dedicada aos migrantes mais pobres e necessitados. Ela atuou nos Orfanatos, em várias Santas Casas no interior do Estado de São Paulo, abriu novas missões no Rio Grande do Sul, onde viviam e trabalhavam muitos migrantes filhos de italianos e também de migrantes internos provenientes de diversas regiões do Brasil. Migrante com os Migrantes Sua vida foi totalmente consumada no serviço aos migrantes pobres, órfãos e doentes. Aos órfãos dedicou incansavelmente suas forças e energias. Consciente da gravidade do problema social da época, fez do órfão o ser privilegiado de sua ação missionária, por ver no abandono daquelas crianças um apelo do próprio Cristo, para o exercício da caridade. “O que fizerdes a um destes meus irmãos pequeninos, a mim o fareis” (Mt 24,40). Madre Assunta se fez peregrina, deixando sua terra natal, na Itália 12 |

para ir ao encontro do migrante, acompanhando-os em sua caminhada no Brasil. “Ser migrante com os migrantes” foi seu grande desejo como missionária. Desde que saiu da Itália sempre acompanhou os migrantes que partiram em busca de um futuro digno, buscando “sanar uma ferida da migração”, atendendo, sobretudo, aos órfãos que perambulavam pelas ruas de São Paulo. Fundou diversas comunidades para atender às urgentes necessidades de saúde, educação e evangelização dos migrantes, em lugares muito distantes por todo o Brasil, concretizando assim o pensamento de Dom Scalabrini de como atender Ela descia do animal, os migrantes: “Não se trata de fundar conventos; mas como era costume caminhava a pé, na Diocese da França, as Irmãs resiindo à frente com as dam numa casa própria, em número rédeas nas mãos... Se mostrava serena e feliz de três ou quatro, para ensinar... catequizar às jovens e assistir aos doenem ser missionária e tes, também nos domicílios”. poder levar o conforto Como missionária chegou até os da Palavra e da povoados mais distantes, onde só se oração aos povos que podia chegar depois de dias de camimoravam nas colônias nho, viajando no lombo do cavalo. de migrantes na região de Nova Bréscia, Para realizar a missão a ela confiada “empreendeu uma aventura, percorBento Gonçalves, rendo a distância de algumas dezeno sul do Brasil


Amor preferencial aos migrantes pobres e excluídos Como Jesus, soube aproximar-se daqueles que estavam à margem da sociedade, e daqueles que mais necessitavam, dando-lhes a preferência de sua atenção, recebendo-os com carinho e ternura. Nos hospitais onde exerceu seu apostolado como enfermeira prática tanto na Santa Casa de Mirassol/SP ou de Monte Alto/SP, e também no ambulatório provisório que fundou em Vila Prudente as filas de pessoas para ser atendidas eram enormes. Para todos, mendigos, forasteiros, prostitutas ou desempregados ela tinha sempre uma palavra de carinho e de ternura: “Ainda hoje em Nova Bréscia/RS, as pessoas se recordam dos três anos que a Madre Assunta viveu naquele povoado de pessoas simples e de coração aberto, onde se narram diversos episódios conservados religiosamente até hoje e que destacam sua ternura e a gentileza, especialmente, com as crianças e os doentes”. Foi sempre muito estimada na comunidade porque para ela não existia nem hora, nem dia para ir ao encontro do irmão migrante. Viajava longas distâncias, algumas vezes a pé, outras a cavalo para oferecer-lhes atenção aos que necessitavam de seus serviços como enfermeira e missionária.

Preocupava-se pela educação das crianças migrantes. Fundou diversos colégios para os filhos dos migrantes que não tinham possibilidades de acesso à escola: “Em Nova Bréscia, abriu uma escola para aquele povo esquecido por todos. Duas religiosas davam as aulas. Ela realizava os serviços domésticos e acompanha-va os doentes e as famílias em suas residências. Algumas vezes, vinham buscá-la a cavalo, também em horas da noite, para assistir aos migrantes doentes. Era muito amada por todos!”. Imitou a pedagogia de Cristo visitando sempre aos doentes em suas residências, levando junto o alívio do corpo e da alma, e uma boa palavra de exortação e alento. “Era feliz quando podia fazer aos demais felizes”. Preocupou e se ocupou das famílias com problemas e das mais relegadas da comunidade onde vivia: “Assunta trabalhava e dialogava com os casais que estavam vivendo conflitos e conseguia reuni-los. Ajudava aos que tinham vícios, a abandonar

seu vício. Dava conselho às pessoas que lhe buscavam”. Sua presença na comunidade era de um serviço constante e generoso para todas as famílias, buscando ajudá-las a superar suas dificuldades: Visitava as famílias mais necessitadas e para todos tinha uma palavra de ânimo e de valorização; lhes aconselhava a confiar em Deus que nos ama.

Missionária disponível e atenta Madre Assunta Marchetti é considerada “modelo de missionária” porque foi ao encontro do migrante sofredor, pobre, órfão e enfermo. Como suave brisa que acaricia e ameniza o sofrimento e a dor, revelou com seu amor e ternura, o amor de Deus. O seu testemunho e a semente lançada por ela nos ajude a continuar dando abundantes frutos no mundo de hoje, marcado pelos desafios das migrações. Ir. Sandra Maria Pinheiro, mscs São Paulo – SP

Orfás na sala de costura do Orfanato Vila Prudente

Arquivo da Província NSA

nas de quilômetros a cavalo desde Bento Gonçalves até Nova Bréscia. Em certos lugares o caminho era tão estreito e íngreme que se corria o risco de cair no desfiladeiro. Ela descia do animal, caminhava a pé, indo à frente com as rédeas nas mãos... Se mostrava serena e feliz em ser missionária e poder levar o conforto da Palavra e da oração aos povos que moravam nas colônias de migrantes” na região de Nova Bréscia, Bento Gonçalves, no sul do Brasil.

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A compaixão pelos doentes

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adre Assunta doou sua vida em favor dos migrantes doentes atuando como enfermeira em Nova Bréscia, no estado do Rio Grande do Sul, em Monte Alto e Mirassol no estado de São Paulo. Também atendeu em pequenos ambulatórios organizados por ela mesma em outras missões onde atuou. Como enfermeira prática se preocupou principalmente com o sofrimento dos migrantes, buscando oferecer-lhes cuidado e atenção. “... Abriu um ambulatório para os doentes da região vizinha. Fazia cura, desinfetava, distribuía os remédios...”. Foi o consolo e o alívio dos doentes: “Ela os tratava pessoalmente e com prioridade. Também se tornou célebre o ‘pequeno bisturi’ da Madre Assunta com o qual nas emergências, desinfetava-o no fogo, e extirpava os tumores, cuidando de cada um com sua mão de anjo... Tudo era realizado com determinação e rapidez, sem tergiversação alguma, como somente ela sabia fazer. Enfermeira prática, ela superava a qualquer outra Irmã, pela dedicação e criatividade nas ocasiões mais emergentes e delicadas”. Para ela as palavras de Jesus “Eu estive doente e você me visitou” foram sempre seu lema. Na pessoa do doente, encontrava a oportunidade de servir ao próprio Jesus.

A médica dos migrantes Daqueles que não tinham a oportunidade de contar com os serviços de um bom hospital e de médicos, tão difíceis naqueles tempos, ficou 14 |

Jamais se resignou diante do sofrimento. Fazia tudo o que estava ao seu alcance para ajudar os doentes na busca da cura. Mantinha uma relação de proximidade e amizade com os doentes motivando-lhes a viver conhecida como a “Médica dos pobres e migrantes”. Enfrentava longas caminhadas a pé a no lombo dos cavalos, o meio de transporte da época, para atender a todos os doentes em Nova Bréscia. São vários os relatos que nos provam sua capacidade de ir ao encontro e acompanhar aos migrantes doentes e pobres, nos

lugares mais distantes dos recursos da ciência. “Todos aqui estavam convencidos de que a Serva de Deus era uma pessoa extraordinária. Ela fazia sempre o bem às pessoas... Era uma pessoa de Deus. As curas aqui obtidas não eram fruto de medicamentos, mas sim de suas orações e daquilo que sabia merecer de Deus”. Na memória do povo daquelas cidades, ela é considerada “a médica”, porque encontrava solução para todos os problemas de saúde dos habitantes do lugar: “Uma menina de oito anos... feriu-se com uma agulha oxidada. Seu pequeno dedo se inflamou tanto, a ponto de sofrer um tétano... Recorreram à Madre Assunta a qual não duvidou utilizar seu famoso ‘bisturi’. Fez-lhe uma incisão profunda,


A companheira e amiga dos doentes Passava muitas noites cuidando dos doentes mais graves. Sua atitude era incansável. Não se deixava vencer pelo cansaço físico. Conta-se que para acompanhar melhor aos doentes, ela colocou uma cortina na enfermaria dos indigentes, para separar sua cama, e ali passava as noites para atendê-los mais prontamente, no caso de que fora necessário. Em Monte Alto e Mirassol, onde dedicou muitos anos de sua vida, até hoje é conhecida como a “companheira e amiga dos doentes!”. O Dr. Grellet, médico em Monte Alto/SP, profundo conhecedor de sua vida, pois, com ela trabalhou durante muitos anos, afirma: “A religião para ela era o serviço ao pobre: o servia como se servisse a Cristo em pessoa, porém, com a mesma solicitude corria até à Capela para visitar a Cristo, apenas tivesse um instante livre. Sabia conjugar as duas dimensões muito importante na vida de uma missionária: a ação e a contemplação”.

Comunidade da Santa Casa de Marissol, 1946

A capacidade de relação como “Cura” Jamais se resignou diante do sofrimento. Fazia tudo o que estava ao seu alcance para ajudar os doentes na busca da cura. Mantinha uma relação de proximidade e amizade com os doentes motivando-lhes a viver: “A Madre Assunta visitava os doentes em suas casas... Visitava as famílias necessitadas ou que tinham problemas e para todos ela tinha uma palavra de estímulo e de consolo; os aconselhava a e os animava a ter fé”!. Era feliz em poder servir e fazer o outro feliz. “Fazia frequentes visitas domiciliares, levando o lenitivo do corpo, e a caridade que fortalece a alma...” Para ela, a saúde é um direito fundamental de toda pessoa. Atendia a todos que a buscavam, sem discriminação. Todos eram igualmente tratados. Não lhe importava sua procedência, seu idioma, sua religião etc.... Conta-se que uma vez ela atendeu ao Sr. Ângelo Agostini, um ateu declarado e que falava muito mal da Igreja, e tinha atitudes anticlericais. Estando ele doente, ela o visitou diariamente, durante diversos meses: “O corpo do doente se

Arquivo da Província NSA

a fim de que escorresse abundantemente o sangue...”. Logo em seguida, o problema foi resolvido.

reduziu a uma ferida única. A hábil enfermeira preparou uma loção com sementes de linho a qual o enfermo passou a utilizar diariamente para lavar o corpo. Isso lhe proporcionou imediatamente um pouco de alívio e bem-estar. Ela não deixou de exercer seu papel de enfermeira solícita, enquanto não o viu completamente curado...”. Mais tarde o doente se curou, e também converteu seu coração, como sempre tinha sido o desejo da esposa.

O consolo e a esperança dos doentes Aproveitava as circunstancias para anunciar a Boa Nova do Senhor. “Ela assegurava a assistência moral e espiritual dos doentes e com sua palavra animadora... contribuía à cura e a tranquilidade moral. Intuía, sabiamente, o momento oportuno para administrar a catequese oportuna, avivando a fé e a esperança dos doentes!”. Sua palavra de consolo lhes ajudava a recobrar em seus corações a vontade de continuar vivendo. E quando a medicina já não podia fazer mais nada, sua presença lhes oferecia segurança e a certeza do amor de Deus que lhes acompanhava na dor! Para muitos ela foi a figura viva do Bom Samaritano, a luz que ilumina as trevas do sofrimento. Uma grande mulher que soube expressar o feminino e o materno de Deus para com os últimos do Reino, de uma maneira concreta e ampla. Respondeu generosamente à vocação que o Senhor lhe deu, a de curar a uma chaga da migração, sendo fiel à sua vocação missionária de serviço aos migrantes mais pobres e necessitados. Ir. Sandra Maria Pinheiro, mscs São Paulo – SP Esperança | 1º semestre de 2014 | 15


Arquivo PNSA

photl.com

“Pois Eu estava com fome e vocês me deram de comer.” (Mt 25,35)


“Quantos pães essas mãos cortaram para os orfãozinhos.” (Madre Assunta)

Faça parte da mudança com as Irmãs Missionárias Scalabrinianas

Centro Vocacional São Carlos Rua Vereador Osvaldo Elache, 71 12570-000 Aparecida – SP Tel (12) 3105-1008 E-mail: vocacoesmscs@uol.com.br


Arquivo MSCS / Facebook

A opção pelos pobres e excluídos

M

adre Assunta possuía A solidariedade gera O verdadeiro sentido do outro um grande espírito Às pessoas sempre lhes dava o solidariedade. Madre missionário e enconmelhor de si. Nunca deixou de rea­ Assunta acreditava na trou sua realização como religiosa capacidade de trabalho dos lizar sua missão por medo de conscalabriniana na entrega total e getagiar-se, apesar das epidemias que migrantes e era solidária nerosa de si mesma no serviço aos ocorriam naquela época: “Quando com eles, incentivava migrantes mais pobres e necessitao povoado de Nova Brescia foi toe animava a procurar dos. “Pobre entre os pobres”, nas mado pela epidemia da varíola, alternativas segundo sua diferentes missões assumidas por sendo este um lugar pequeno, percapacidade e realidade ela, encontramos relatos tão intedido entre duas montanhas, onde ressantes como este: “Em Nova Bréscia, Madre Assunta não tinha médico nem hospital, a boa e carinhosa Madre se havia convertido para todas as famílias na pessoa de Assunta atendia a todos, ajudava e visitava curando as fecasa. Ela aceitava com alegria o convite de todos, princi- ridas, não temendo seu próprio contágio!”. Tinha um verpalmente dos pobres e entre eles se sentia em casa. Muito dadeiro sentido do outro como presença viva de Deus. austera consigo mesma, quando estava entre eles, se com- “Tudo o que fazia, o fazia sem interesse algum, não pedia portava como se a honra de estar entre eles fora dela... nada em troca, tudo fazia de coração aberto, por amor, Falava alegremente com os adultos e as crianças!”. Sempre livre, espontâneo!”. manteve uma atitude de proximidade e carinho para com Em sua maneira de atuar demonstrou acreditar na as famílias migrantes onde vivia, manifestados através da construção de um mundo mais fraterno, justo e soliacolhida, do diálogo aberto e do reconhecimento de cada dário, a partir da contribuição dos próprios migrantes, pessoa em sua dignidade de filhos e filhas de Deus. contribuindo para que eles pudessem ser sujeitos de 18 |


sua própria história, e favorecendo-lhes em seu próprio desenvolvimento como pessoa. Para ela, o migrante é portador do homem novo que a sociedade requer hoje. “Aos pobres, a Serva de Deus dedicava a maior atenção. Eram seus prediletos. Oferecia trabalho às viúvas, e lhes ajudava na educação dos filhos, apoiando-as na construção de suas moradias e, favorecendo a promoção social da família”. A solidariedade gera solidariedade. Madre Assunta acreditava na capacidade de trabalho dos migrantes e era solidária com eles, incentivava e animava a procurar alternativas segundo sua capacidade e realidade, conforme fica comprovado no relato: “O fato que mais marcou minha vida no Orfanato se deu com a Madre Assunta e meu irmão Antônio. Ele tinha montado uma loja para reformas de sapatos e consertava os calçados com muito sacrifício, porque tudo era feito manualmente. Ele precisava comprar uma máquina de costura industrial, mas não tinha os recursos necessários. Sabendo disto, Madre Assunta lhe emprestou o dinheiro, o qual ele foi devolvendo pouco a pouco, segundo suas possibilidades. Nossa família passava por necessidades porque éramos muito pobres, mas com esta máquina já podíamos viver um pouco melhor. Mais tarde, meu irmão doou essa máquina para um de seus empregados, dizendo que como tinha sido ajudado pela Mãe Assunta, ele também ajudaria a outros”. Ela sabia ser criativa em suas respostas, além de confiar nas pessoas, levava-as a gerar um círculo de solidariedade e fraternidade na comunidade, pois, como manifesta o testemunho, aqueles que recebem ajuda, também se sentem na obrigação de ajudar aos que venham a necessitar também de seu apoio.

Defensora das viúvas e órfãos Além de preocupar-se com os órfãos que estavam sob sua responsabilidade no Orfanato, zelou com carinho também pelas mães viúvas e seus filhos, entre os habitantes de Vila Prudente. Buscava promover e ajudar, pois conhecia as dificuldades das mulheres daqueles tempos para obter um bom trabalho e que fosse remunerado. É constante nos testemunhos sobre sua vida, encontrar relatos que demonstram a grande sensibilidade que teve para com a difícil situação da mulher viúva e das crianças migrantes. O testemunho do Dr. Brandão nos comprova a preocupação de Madre Assunta por uma população que até hoje, no mundo das migrações, continua

Ela sabia ser criativa em suas respostas, além de confiar nas pessoas, levava-as a gerar um círculo de solidariedade e fraternidade na comunidade sendo o grupo mais débil e necessitado de apoio. “A Madre atendia aos moradores da vizinhança com muita atenção e dedicação. Viúva e com filhos, a Sra. Rosa vivia em dificuldades. A Madre Assunta tinha consciência de seu infortúnio, e a contratou como lavadeira, ajudando-lhe de muitas maneiras, mas também, na educação dos filhos”. Assim como Rosa, muitas outras mulheres também receberam apoio e orientação o que lhes permitia viver dignamente, e a manter e educar seus filhos. O sentido de humanidade e espírito de verdadeira caridade era natural nela. Preocupou-se com a educação dos migrantes mais pobres da localidade, colocando a Instituição que dirigia a serviço da comunidade local. Às crianças das famílias carentes as

acompanhava e favorecia o estudo, pois, sabia que com o estudo poderiam ter acesso a melhores condições de vida: “Minha família, embora tivesse meu pai que trabalhava como jardineiro, ganhava muito pouco. Éramos seis filhos... Ela me deu os estudos, roupas e remédios, porque sempre fui muito doente...”. Promoveu a abertura de muitas escolas para o estudo dos filhos dos imigrantes, como é o caso das diversas obras criadas por ela no sul e sudeste do Brasil. “Nós, minhas irmãs e eu, estudamos no colégio e tudo o que sabemos agradecemos à Madre Assunta”. Como Jesus, teve uma singular predileção pelas crianças e as viúvas durante toda sua vida e missão. Outra mulher viúva, também testemunha a grande ajuda recebida de Madre Assunta para a promoção e a educação de seus filhos órfãos: “Viúva e mãe de quatro meninos, encontrei em Madre Assunta a melhor chefe, pois, trabalhava na cozinha e tinha nela uma verdadeira mãe para meus filhos. Ela não deixava que eu jamais voltasse tarde para a casa, sem mandar algo para as crianças e não fazia isso apenas para mim, mas para todos os doentes e outras pessoas da comunidade”. Segundo diversos estudiosos de sua vida, sua inserção entre os migrantes mais pobres e abandonados nos ensina um estilo de vida marcado pela pobreza, simplicidade e abertura de coração. Na relação interpessoal com os pobres e necessitados sempre lhes demonstrava carinho e respeito, partilhando das alegrias e tristezas de todos, oferecendo-lhes palavras de estímulo e de amor... Pode-se afirmar que “jamais alguém se aproximava dela sem conhecer um pouco mais do amor de Deus!”. Ir. Sandra Maria Pinheiro, mscs São Paulo – SP Esperança | 1º semestre de 2014 | 19


Arquivo da Província NSA

Mãe dos órfãos

Madre Assunta com os órfãos no Orfanato da Vila Prudente

A

vida de Madre Assunta esteve sempre marcada pela presença dos órfãos, realidade a partir da qual fez também a experiência do amor de Deus que se manifesta nos pequenos e simples de coração, como diz Jesus: “Deixai que venham a mim os pequeninos, porque deles é o Reino dos céus” e “quem não se faz pequeno como um destes não entrará no Reino dos céus” (Mc 10,14-15). Desde jovem, Assunta entendeu com profundidade este ensinamento, assumindo-o primeiro em seu próprio lar no cuidado dos irmãos menores e, mais tarde, em sua vida missionária como religiosa Scalabriniana. “...Não tinha tempo para perder com sonhos e fantasias. A saúde de sua mãe deixava muito a desejar. Foi necessário arregaçar as mangas desde menina, naquela família tão numerosa... Assunta era a mais velha das me20 |

ninas... Cuidava dos irmãozinhos e irmãzinhas, ensinava-lhes as orações da manhã e da tarde. Ajudava nos afazeres da casa”. Com a morte prematura de seu pai, foi na própria família que fez sua primeira aprendizagem de renúncia e generosidade a serviço dos órfãos. Este foi o espaço e o laboratório de amor oferecido por Deus, para lhe preparar seu caminho à vida Missionária Scalabriniana, no serviço em favor dos migrantes, aqui no Brasil. No “Orfanato Cristóvão Colombo”, no Ipiranga e na Vila Prudente – São Paulo, era sempre a primeira a acolher e cuidar com amor de mãe aos meninos que


ali chegavam pra serem cuidados: “De uma só honra ela era zelosa, e da qual ninguém conseguia que renunciasse: a de ser a primeira em acolher os pequenos órfãos que chegavam das ruas de São Paulo e das longínquas fazendas de cafezais. Amável e enérgica, imediatamente realizava o trabalho mais urgente: uma completa higiene corporal. Não media esforços para atendê-los dignamente. Muitos órfãos chegavam em situações desumanas e em condições higiênicas deploráveis. Traziam em seus pequenos corpos parasitas de toda espécie, feridas, enfermidades, sujeira, que aniquilavam seus corpos desnutridos e tornava-os frágeis e doentes”. Testemunhas narram que: “com o coração cheio de compaixão Assunta sabia ler e compreender nos olhinhos assustados a tristeza, a solidão e o abandono dos pequenos. Ajoelhava-se diante daqueles pequenos ‘pobres Cristos’ e os lavava da cabeça aos pés. Cortava e lavava seus cabelos e com a destreza de um cirurgião, com seu pequeno bisturi, extraia os parasitas das unhas dos pés e cabeças. De início, alguns gritos, grandes lágrimas mas, em seguida, o suspiro da libertação que tudo normalizava e se transformava em respiração regular, em sono tranquilo e sereno, livre e imperturbável. Na manhã seguinte, a vida dos pequenos já estava transformada: um novo sorriso voltava a florescer no rosto daquelas crianças que nela encontraram o calor de um lar e de uma mãe”. Como mãe solícita e amável, sabia dar respostas aos problemas das pequenas órfãs; e lhes brindava o carinho e a ternura que mereciam. A felicidade das crianças voltava a fluir em seus rostos depois de encontrar em suas cálidas mãos gestos que as acolhiam, saciando sua fome e minimizando seu frio. Somente quem

ama é capaz de penetrar no íntimo das pessoas, porque vê com os olhos do coração. Expressou seu amor e carinho pelos órfãos, no desvelo noturno para cuidar da saúde daqueles que ficavam doentes. “Assunta passava as noites no dormitório das crianças. Uma simples cortina separava sua cama de onde se encontravam as doentes. Deitava vestida com um hábito leve e apropriado para atender prontamente à primeira chamada, ou ao primeiro gemido ou choro”.

Com o coração cheio de compaixão Assunta sabia ler e compreender nos olhinhos assustados a tristeza, a solidão e o abandono dos pequenos Testemunhas ainda explicitam a ternura e a carinho materno que ela tinha para com todos que dela se aproximavam dizendo: “Minha admi­ração por ela crescia na medida em que fui conhecendo seu incansável e constante trabalho cotidiano a favor dos órfãos, dos doentes, dos pobres, dos afligidos e do modo sereno e humilde como ela os cuidava [...]”... “Madre Assunta foi para nós a mãe que não tivemos”. Outra afirma: “Era chamada por todas as meninas de ‘Mãezinha Assunta’. Ela era paciente, dedicada, amorosa e, cuidava pessoalmente das meninas que estavam sob seu cuidado. Tratava a todas como se fossem suas filhas. Lutava com dificuldades econômicas, mas com ajuda de Deus sempre encontrava uma saída e jamais deixou faltar algo para alimentar a todas”. Como boa educadora para solucionar os problemas que surgia entre as Órfãs, sempre usava da pedagogia do amor e da ternura: “Se porventura ocorria alguma briga entre as meninas, Madre Assunta levava consigo

à despensa aquela que se lamentava e, sem pedir explicações, consolava-a e lhe dava alguns doces, concluindo assim o problema... Não queria saber nem sequer quem se equivocou”. Tinha uma maneira inconfundível de expressar seu amor fecundo e materno: a caridade manifestada pela cortesia, paciência, generosidade, alegria e respeito que tinha para com os demais. Ajudava a todos, tratava-os bem, perdoava, servia-lhes dia e noite sem cansar-se. A vida para ela só teve verdadeiro sentido quando, a exemplo de Jesus, se entregava totalmente a serviço dos irmãos: “Exortava e incentivava as crianças ao amor. À medida que minha mãe foi crescendo, então ficou mais marcada em seu espírito, a observação dos atos da bondosa mãezinha... ocupava-se muito de seu tempo entre as tarefas diárias... mas tinha sempre uma expressão de carinho para com ‘suas filhinhas,... com um simples tocar os cabelos ou um olhar’...”. Madre Assunta educava às órfãs para a fé e para assumir a vida de maneira real e sem ilusões. Transmitia-lhes amor e segurança, aspectos tão necessários para o bom desenvolvimento da personalidade infantil: “... Ela transmitiu muito à minha mãe... Educou-a para assumir a vida tal como ela é. Madre Assunta... fez papel de pai e de mãe. Se ela é o que é hoje, foi porque recebeu de Madre Assunta, todo seu apoio. Conviveu com ela e adquiriu suas próprias virtudes”. Que sua doação e serviço generoso para com os órfãos nos animem e motivem a “viver a ternura, a misericórdia e a proximidade de Cristo” junto a todos os irmãos e irmãs que sofrem as consequências das migrações em nosso mundo de hoje. Ir. Sandra Maria Pinheiro, mscs São Paulo – SP Esperança | 1º semestre de 2014 | 21


Mulher forte e perseverante

O

primeiro contato que tive com a pessoa de Madre Assunta foi por meio da leitura de sua biografia. Na capa sua imagem estampada em duas cores iluminada por um olhar intenso, profundo e ao mesmo tempo sério, quase austero, suscitava no leitor diversas perguntas sobre a sua personalidade e seu itinerário de vida. O título formado por uma simples frase: “uma mulher forte”, definia o cenário, abrindo espaço ao diálogo e revelando o rosto de grande mulher. As páginas que seguiram foram delineando lentamente sua personalidade em diferentes tons e cores, mostrando com clareza que o autor ao apresentá-la como mulher forte referia-se à sua força interior e personalidade marcante, capaz de grandes sacrifícios para gerar e nutrir a vida ao seu redor. Escutando suas vivências como migrante e missionária fui me dando conta o quanto Madre Assunta era de fato uma mulher forte, 22 |

sua presença transmitia segurança e bem estar a todos que dela se aproximavam. Aquele sim proferido diante do coração de Jesus para consagrar-se a Ele a serviço dos órfãos da migração em terras estrangeiras, parece ter consolidado em seu coração uma grande confiança no amor de Deus capaz de superar qualquer adversidade. Escutamos com frequência a expressão muito conhecida que “a graça de Deus, supõe a natureza humana” Deus age em nós e por meio de nós, a partir daquilo que somos e temos. É claro que ele pode também nos transformar, mas o faz sempre mediante o nosso consentimento. Assim, ele parece gostar de contar com os nossos dons e limites para realizar em nós o seu projeto de amor. Neste contexto podemos perguntar como seria uma personalidade forte? Recordo-me que um dos aspectos que mais me impressionou no primeiro momento foi aquele olhar firme


da por tudo que via e ouvia sobre aquela mulher simples e audaciosa que, seduzida pela voz de Jesus, teve coragem de responder sim ao seu chamado, e deixando sua terra, seus amigos, familiares e projetos de vida... Pôs-se a caminho como Abrão e consagrou-se a Deus para servir com generosidade aos órfãos e filhos dos imigrantes no exterior, destacando-se pela bondade, cuidado e ternura materna. Ao concluir a leitura naquela tarde, para mim estava claro que Madre Assunta acreditava na nobreza do coração humano, por isso suas relações eram marcadas pela empatia e compaixão, era capaz de entrever a presença do bem e da beleza nas pessoas, mesmo onde a maioria não os enxergavam. Agradecidas pelo dom da vida e o exemplo de doação e santidade de Madre Assunta, convido-os a dar

Recordo-me que um dos aspectos que mais me impressionou no primeiro momento foi aquele olhar firme e destemido, mostrando confiança e determinação graças a Deus pela sua Beatificação que acontecerá em breve, e pedimos que conceda a todos nós um coração aberto e generoso para acolher este grande dom e fazê-lo frutificar grandemente no mundo de hoje, tão sedento de gestos de amor, paz e solidariedade. Ir. Neuza Botelho dos Santos, mscs São Paulo – SP

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e destemido, mostrando confiança e determinação. No decorrer da leitura esta imagem foi ganhando forma por meio dos fatos e experiências que via descortinar lentamente diante dos meus olhos. Notei que muitas vezes Madre Assunta precisou enfrentar situações difíceis e desafiadoras como incompreensões, injustiças e até mesmo calúnias da parte de pessoas que lhe eram caras. No entanto dos seus lábios não saíam nenhuma palavra de ofensa, reclamação ou reivindicação, pois havia exercitado ao longo de sua vida a experiência de aceitar e acolher os seus próprios limites e apesar dos mesmos, experimentar o profundo amor de Deus por ela, tal experiência a capacitava para agir com benevolência com os irmãos e irmãs de caminhada. Observei ainda que a personalidade de Madre Assunta cultivada desde a infância nas relações com seus familiares e cuidado dos irmãos foi se fortalecendo com o passar do tempo na comunidade e missão com os migrantes, fazendo dela uma mulher forte, responsável e comprometida com a vivência do Evangelho de Cristo na Igreja e na sociedade. Na medida em que avançava na leitura, sentia o coração vibrar de entusiasmo pela vida que fluía da sua história, agradecida e encanta-

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Os Sinais do Amor de Deus

revelados na Vida de Madre Assunta “Aquele que permanece em mim, como Eu nele, esse dá muito fruto” (Jo,15,5). Estas palavras de Jesus revelam que a santidade não se resume apenas em fazer coisas, mas resplandece na vida das pessoas por meio do seu modo de ser e de se relacionar.

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ão atitudes silenciosas, discretas e reservadas que desperta nas pessoas que as observam admiração e, ao mesmo tempo, estimulam-nas a viverem intensamente a fé, a esperança e a caridade numa vida mais autêntica de união com Deus. É o que podemos deduzir dos testemunhos de pessoas que conheceram Madre Assunta no seu dia a dia, tanto em sua incansável atividade, quanto na sua configuração a Jesus Cristo pela prática da caridade, mansidão, humildade e espírito de serviço. Estas foram as armas com as quais Madre Assunta enfrentou as dificuldades, lutas e revezes que a vida lhe proporcionou, testemunhando, desta forma que a força que a impelia a fazer-se dom e serviço, tão intensamente, não era dela, mas obra do Espírito de Deus que nela atuava.

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Um dos momentos mais significativos de sua vida e que, talvez, para as Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo, Scalabrinianas, tenha sido o que mais acresceu à fama de santidade que muitas já consideravam nela, foi, quando, em 1927, após um período de intenso sofrimento por causa da tentativa de desvio do Instituto de seu carisma fundacional, ela foi indicada pelas Irmãs e confirmada pela autoridade eclesiástica, para assumir novamente a função de superiora geral da Congregação. Em espírito de fé e obediência, assume a missão, convidando todas as Irmãs a recomeçarem vida nova, reconhecendo, na superação da difícil situação a que a Congregação havia mergulhado a certeza da ação protetora de Deus. Procurou estimular todas as irmãs a trabalharem para a glória de Deus, para a própria santificação e para o verdadeiro bem da amada Congregação. Com isso consolidou a obra que, juntamente com seu irmão, o Padre José, sua mãe Carola, e o primeiro grupo de Irmãs haviam iniciado. A indicação das Irmãs e a confirmação por parte da autoridade competente são sinais evidentes de que era digna de confiança, de respeito, de consideração,


não apenas por dotes humanos, mas, sobretudo, por buscar em sua vida e na vida da Instituição, a realização do Plano de Deus. É a capacidade de olhar além das aparências e chegar ao essencial, captando a forma como Deus queria que tudo fosse conduzido. Dessa visão só é capaz a pessoa que permanece unida a Cristo e aos interesses do Reino de Deus, sendo capaz de relativizar tudo o mais que a isso não contribui. Esta fama de santidade não foi reconhecida apenas pelas Irmãs e autoridades eclesiásticas, senão também por profissionais, inclusive um médico que ao pronunciar o nome de Madre Assunta inclinava a cabeça, por pessoas assistidas nas Instituições onde as Irmãs prestavam seu serviço, inclusive um enfermeiro que se dizia sem religião, mas ao se referir a Madre Assunta dizia ser uma verdadeira religiosa, uma santa. São inúmeras as pessoas que conheceram Madre Assunta e a ela se referem com carinho, principalmente as e os órfãos para quem ela foi a mãe carinhosa. E os testemunhos não foram apenas daqueles que a conheceram pessoalmente, mas continuam

até hoje, principalmente por aquelas pessoas que pedem sua intercessão e dela recebem graças, bênçãos e proteção divina. O reconhecimento de sua santidade é associado à sua intimidade com Jesus Eucarístico, pois desde a infância, juntamente com sua mãe, ia muito cedo à Igreja para participar da Eucaristia e, como religiosa, não apenas a participação da missa e a adoração a Jesus no Santíssimo Sacramento, senão também, às vezes, permanecia até tarde da noite em adoração ao Senhor, como era surpreendida pelas Irmãs da Comunidade e por médicos que iam ao hospital acompanhar o estado de saúde de seus pacientes.

Essa proximidade com Jesus a levou a ter afeto todo filial ao seu amoroso Coração identificando-se com Ele no amor misericordioso para com as pessoas, bem como, com Maria, de quem herdara até o nome e cuja devoção reconhecida por todos, era expressa através da recitação do rosário e de sua atitude maternal com os órfãos e abandonados. Convidava tanto as Irmãs como os assistidos, a conservarem em seus corações esse mesmo amor, para irradiar a vida divina presente em cada um como Dom e Graça de Deus. Ir. Sônia Delforno, mscs Jundiaí – SP

São atitudes silenciosas, discretas e reservadas que desperta nas pessoas que as observam admiração e, ao mesmo tempo, estimulam-nas a viverem intensamente a fé, a esperança e a caridade numa vida mais autêntica de união com Deus Esperança | 1º semestre de 2014 | 25


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Mãos que acolhem, cuidam e educam

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efletindo sobre Madre Assunta como educadora, sua mãe Carolina, e outras duas jovens para acompanháo pensamento volta-se a imagem das mãozinhas -lo ao Brasil e ajudá-lo a cuidar dos valores humanos e frágeis das crianças órfãs que se estendiam para cristãos dos órfãos da migração. Fala também com o bisreceber seu cuidado e o carinho. Eram eles, os filhos dos po Scalabrini que acolhe e abençoa o grupo missionário migrantes, aqueles homens e mulheres, jovens e crian- que, após proferir seus primeiro votos religiosos, receças que cruzavam o oceano em direção às Américas, em be das mãos do seu pastor um crucifixo e são enviados busca de melhores condições de vida. Na travessia, havia em missão com as palavras: “Ide Missionários de Crismigrantes que adoeciam e acabavam morrendo antes de to e anunciai o Evangelho a todos os povos; o mundo chegar ao destino, deixando os filhos órfãos e desampa- vos espera”. E entregando-lhes o crucifixo disse: “eis o rados, outros já tendo alcançado o seu vosso companheiro de caminhada, o destino, eram acometidos por doenDesde pequena em conforto e a força nas peregrinações ças, epidemias perdendo assim suas apostólicas”. sua família, Madre vidas prematuramente. O primeiro espaço missionário Assunta aprendeu a Deste modo, a migração deixado grupo foi o navio que partiu lencuidar com desvelo va com frequência muitos órfãos. O tamente do Porto de Gênova rumo dos seus irmãozinhos, contato com esta realidade tocou proao Brasil. Dentro dele vinham os estava atenta às suas fundamente o coração de Padre José necessidades, percebia migrantes carregados de esperança Marchetti em sua primeira missão e entusiasmo, apesar da dor e do soseus interesses, como capelão de bordo. Solidário com frimento provocado pela despedida valorizava suas a situação dos migrantes, o missiodos amigos, familiares e da querida pequenas conquistas nário buscou logo dar uma resposta Pátria. Neste espaço, os missionários e os incentivavam a àquela urgente necessidade. De volta viveram, sem dúvida, uma de suas perseverar em seus à Itália, convida sua irmã Assunta, experiências mais profundas do carisobjetivos 26 |


ma scalabriniano, a itinerância – fazendo-se migrante com os migrantes. O que faziam os missionários no navio? Poderíamos nos perguntar. Eles cuidavam dos migrantes, atentos às suas várias necessidades físicas, humanas e espirituais. Eles ouviam suas partilhas e os encorajavam a confiar na presença amorosa de Deus, rezavam juntos e celebravam a eucaristia, ensinavam a catequese e abençoavam os matrimônios. Madre Assunta durante a sua vi­ da de consagrada e religiosa missio­ nária se destaca pela sua capacidade de cuidar, sua atitude de prontidão para acolher o outro com suas potencialidades e limites. Sua atenção e desvelo para com as crianças órfãs, com os migrantes e suas coirmãs faziam dela uma pessoa singular. Cuidar e educar são duas atitudes que caminham juntas, uma não pode sobreviver e nem realizar a sua função sem a outra. O cuidado, a gentileza faz parte da essência do ser humano e perpassa a vida humana em todas as suas dimensões: corpo, relações, sentimentos, espírito e interações sociais. Com o intuito de cuidar bem do ser humano, fala-se na necessidade do/a educador/a de desenvolver um olhar pedagógico, capaz de perceber os interesses, os dons e as dificuldades dos educandos durante o processo de aprendizagem, bem como seus desdobramentos no universo da escola e da família. Madre Assunta também percorreu esse caminho, desde pequena em sua família ela aprendeu a cuidar com desvelo dos seus irmãozinhos, estava atenta às suas necessidades, percebia seus interesses, valorizava suas pequenas conquistas e os incentivavam a perseverar em seus objetivos. Ela tinha consciência que não bastava somente ensinar os valores humanos e cristãos, mas, sobretudo, confirmá-los

com sua vivência. Assim, na simplicidade do seu lar, ia aprendendo as lições que fariam dela uma grande educadora. Deus, com mãos de artista, foi moldando sua vida a partir das experiências e fatos do dia a dia. Em síntese, podemos dizer que o seu fazer pedagógico não era embasado somente nas técnicas e nas ciên­ cias do conhecimento, mas o seu maior aprendizado se dava por meio do contato com as pessoas às quais amava, servia e respeitava como filhos e filhas de Deus, da escuta da Palavra de Deus meditada e vivida no cotidiano, na oração pessoal e

comunitária, e da caridade vivida todos os dias junto aos irmãos e irmãs migrantes. Madre Assunta nos ajuda a sonhar e trabalhar para a construção de um mundo melhor, onde possa crescer cada vez mais entre os seres humanos, as atitudes de cuidado para com os espoliados e excluídos, os idosos, jovens e crianças, e especialmente para com aqueles que são culturalmente diferentes.

Ir. Neuza Botelho dos Santos, mscs São Paulo – SP

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O Sofrimento do justo Um tema intrigante referente à existência humana, sem dúvidas, é o sofrimento. Esta é uma questão que acompanha a vida desde o princípio: “Por que o sofrimento?” O sofrimento atinge a pessoa em todas as suas estruturas físicas, mentais, espirituais e na maioria das vezes este é acompanhado pela dor. Ninguém está isento do sofrimento. Embora muitos estudiosos e filósofos tenham tentado encontrar uma resposta para tal questão, ela ainda continua sendo uma incógnita e um convite a continuar perseguindo uma resposta.

Capela do Centro de Espiritualidade das Scalabrinianas – Jundiaí/ SP. Autor: Claudio Pastro

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e a questão do sofrimento humano é intrigante, mais intrigante ainda é a questão do sofrimento Divino. Se o sofrimento é um atributo do imperfeito, como pode Deus que é plenitude da perfeição, escolher sofrer ou estar sujeito ao sofrimento? Este foi um tema abordado por Paulo em Hebreus 2,10-13 “A questão do aperfeiçoamento pelo do sofrimento”: 10 Porque convinha que aquele, por cuja causa e por quem todas as coisas existem, conduzindo muitos filhos à glória, aperfeiçoasse, por meio de sofrimentos, o Autor da salvação deles. 11 Pois, tanto o que santifica como os que são santificados, todos vêm de um só. Por isso, é que ele não se envergonha de lhes


chamar irmãos, 12 dizendo: A meus irmãos declararei o teu nome, cantar-te-ei louvores no meio da congregação. 13 E outra vez: Eu porei nele a minha confiança. E ainda: Eis aqui estou eu e os filhos que Deus me deu. (Heb 2:10-13 ARA) Ao longo destes quatro versículos, Hebreus procura decifrar o enigma do sofrimento do justo e do inocente. Segundo a crença, todo sofrimento era fruto do pecado e tinha como consequência o castigo de Deus (Cf. Ex 20,5-6; Jo 9,2; Jr 12,1). De fato, a situação de pecado criou uma dívida, a qual sem o pagamento não seria possível a libertação. A reflexão lança luzes sob a atitude do Filho, que assume a decisão de comunhão com os filhos a fim de resgatá-los. A perícope Hb 2,10-13 encontra-se dentro de um “discurso” apologético, que busca chamar a atenção do leitor sobre a centralidade do Sumo Sacerdócio de Cristo, o qual se distingue do sacerdócio antigo por ser misericordioso e fiel (Cf. Hb 2,17), solidário com o sofrimento de seus irmãos vv. 14-18. O antigo sacrifício de consagração sacerdotal consistia, provavelmente, em “encher as mãos” do candidato com as carnes de um animal sacrificado. Deste modo, as mãos do sacerdote eram, ritualmente, “aperfeiçoadas” (consagradas), feitas aptas para cumprir os sucessivos sacrifícios. Em seguida, o candidato recebia a investidura sacerdotal e a habilitação para exercer a função sacrifical em favor do povo. Na antítese ou reinterpretação Cristológica de Hb 2,10, este processo de “levar à perfeição” teve pleno cumprimento na encarnação de Jesus, mediante a sua paixão e morte (equivalente ao sacrifício de consagração sacerdotal). Graças ao aperfeiçoamento de sua humanidade a humanidade de seus irmãos (filhos)

foi glorificada. Deste modo, foi dada a oportunidade aos irmãos de entrar na glória do Santuário Celeste em comunhão transcendente com Deus. A questão é que o Antigo sacerdócio era um ofício no qual o sacerdote não precisava estar intrinsecamente relacionado com o oferente. Somente o sacerdote podia participar da Santidade e da Glória, somente eles podiam entrar no “Santo dos Santos”. Este não era efetivo, pois o povo continuava a pecar e a se distanciar da Glória divina. O sacerdócio de Cristo é efetivo, porque Ele assumiu o sofrimento dos irmãos e completou em sua própria carne a oferta expiatória, de tal modo que, em Cristo os

Madre Assunta nunca aceitou o sofrimento, ela não se configura como uma pessoa passiva. Pelo contrário sua personalidade revela traços de audácia, coragem e determinação, a ponto de ser capaz de suavizar a dor do próximo, assumindo-a como sua filhos de Deus foram introduzidos definitivamente na Glória. Todavia, causa certa estranheza, pois, a teologia judaica não suporta a hipótese de associar Deus ao mundo através do sofrimento, dado que este seja um atributo totalmente humano. A eficácia salvífica do sofrimento de Cristo está intrinsecamente relacionada com a sua máxima solidariedade. Seguindo o exemplo de Cristo, Madre a Assunta Marchetti, assumiu o sofrimento inerente a condição de vida proposta a Ela por Deus. Ela poderia ter ignorado a situação dos imigrantes italianos, seus conterrâneos, seus irmãos. Mas, não foi o que aconteceu. A “Mãe” dos órfãos

diante do sofrimento de seus “filhos” tomou para si suas dores. Como discípula fiel de Cristo, Madre Assunta assumiu para si as dores dos órfãos e abandonados no exterior. Sua decisão teve um preço: o sofrimento, a humilhação, o desprezo. Enquanto socorria um doente, Madre Assunta sofreu um terrível ferimento na perna, o qual carregou até a morte. Mas, suas dores não param aqui. Poucos anos após iniciada a missão no novo continente, seu principal suporte foi-lhe tirado abruptamente. A morte de Padre José Marchetti, seu irmão, idealizador e provedor dos Orfanatos Cristóvão Colombo, no Ipiranga e em Vila Prudente, São Paulo, foi uma espada que transpassou lhe a alma, bem como impeliu a depositar toda a sua cofiança em Deus, que tudo vê e provê. O mesmo pode ser dito a respeito da possibilidade de fundir as Congregação das Missionárias de São Carlos à Congregação das Apóstolas do Sagrado Coração. Madre Assunta, não hesitou em lutar para defender a Identidade e o Carisma da Congregação das Missionárias de São Carlos. A escolha do sofrimento pelo sofrimento é masoquismo. Bem diferente é o sofrimento assumido por uma causa maior, o bem do próximo, este é chamado heroísmo. Assumir é bem diferente de aceitar, Madre Assunta nunca aceitou o sofrimento, ela não se configura como uma pessoa passiva. Pelo contrário sua personalidade revela traços de audácia, coragem e determinação, a ponto de ser capaz de suavizar a dor do próximo, assumindo-a como sua. Por suas virtudes heroicas Madre Assunta é digna de ser apresentada como modelo de santidade para Igreja Militante. Ir. Elizangela Chaves Dias, mscs São Paulo – SP Esperança | 1º semestre de 2014 | 29


“A

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Ser santo, uma vocação, um apelo

São homens e mulheres que souberam remar contra vontade de Deus é que sejais santos” (1Ts 4,3). Quando Paulo escreve à comunidade dos a corrente de uma humanidade que se coloca como o cristãos de Tessalônica, expressa claramente centro e a medida das coisas, pouco interessada pelos que todo cristão, redimido por Cristo, deve ser santo por verdadeiros valores humanos e cristãos, vivendo como vocação. Todos os que, pelo batismo, recebemos como náufragos à deriva de seus próprios interesses materiadom a vida nova que Cristo nos conquistou, somos con- listas e individualistas, sem dar ouvidos ao grande desejo vocados a irradiar esta vida de Deus que existe em nós, do seu coração de encontrar e viver na intimidade com Deus que sacia plenamente a sede do coração humano. crescendo também em santidade. O Concílio Vaticano II tomou esta dimensão da vida humana recordando-nos que “os seguidores de Cristo são O que nos ensina Madre Assunta chamados por Deus não por suas obras, mas segundo a este respeito? Seu desígnio e Sua graça. Eles são justificados no Senhor Seu estilo simples de vida, seu coração amoroso aberto Jesus e pelo batismo da fé se tornaram verdadeiramen- a Deus e aos irmãos são sinais de que vivia intensamente te filhos de Deus e participantes da natureza divina e, a fé e nos ensina que precisamos primeiramente descoportanto, realmente, santos.” (LG 40). brir e encontrar Deus como um amigo, Todos os que, pelo Assim, a santidade não é privilégio de como um Pai amoroso que ama cada alguns, mas característica comum a topessoa com ternura, sempre esperanbatismo, recebemos dos os cristãos. do que o filho lhe abra o coração para como dom a vida Destes, alguns são colocados como acolher todo o amor que Ele quer nos nova que Cristo nos exemplo, porque, como amigos de conceder e assim, experimentar a aleconquistou, somos Deus e da humanidade, sobressaem convocados a irradiar gria de ser amado de forma especial. como luzes que apontam o caminho do Deixou-nos ainda o ensinamenesta vida de Deus bem e da felicidade para as pessoas não to de que, como criaturas amadas e que existe em nós, só do seu tempo, mas de todos os temqueridas por Deus, só nos realizamos crescendo também pos e estimulam a viver a santidade. como pessoas e como cristãos busem santidade 30 |


cando sempre e em tudo realizar a “vontade de Deus” em nossas vidas, pois Jesus mesmo disse: “Quem quiser salvar sua vida a perderá; mas quem perder sua vida por causa de mim e do Evangelho, a salvará” (Cf. Mc 8,35). Como “mulher consagrada” e como “missionária”, não só apontou o caminho para Deus, senão que também conduziu as pessoas que dela se aproximavam ao encontro com o Deus da vida que é resposta a todos os anseios mais profundos do coração humano. Pertencer ao Senhor pela consagração religiosa significou para ela, dedicar toda a sua vida, incansavelmente, para levar mais vida às suas Irmãs de Comunidade, aos migrantes, aos órfãos, aos doentes e a todas as pessoas que precisassem de seus préstimos. Uma vida toda “doada” e entregue, consumindo-se como vela, para iluminar outras vidas.

Os santos não são apenas pessoas para serem admiradas e exaltadas, mas pessoas que nos dizem que é possível trilhar um caminho de santidade também em meio às vicissitudes de um mundo marcado por turbulências de toda espécie, quando sabemos acolher em nossos corações o amor de Deus e permitir que ele cresça, orientando nossa vontade e liberdade para Ele e seu plano de amor sobre nós e sobre a humanidade. Vocação é sempre um convite de Deus ecoado no mais pro-

Arquivo da Província NSA

Como reacender esta luz, hoje?

Vocação é sempre um convite de Deus ecoado no mais profundo da existência do ser humano, conhecido e compreendido pela pessoa que o recebe. Este convite sempre chega ao coração acompanhado de graças e dons concedidos pelo mesmo Deus para que a pessoa possa construir a própria vida como um “caminho de santidade”

fundo da existência do ser humano, conhecido e compreendido pela pessoa que o recebe. Este convite sempre chega ao coração acompanhado de graças e dons concedidos pelo mesmo Deus para que a pessoa possa construir a própria vida como um “caminho de santidade”. Assim o fez Madre Assunta em sua peregrinação terrena e continua realizando mais plenamente, agora que já se encontra definitivamente com o Senhor e participando plenamente de Sua vida, sendo nossa intercessora junto de Deus. Esta é a razão pela qual invocamos a proteção e a ajuda dos santos, pois estando junto de Deus tudo podem conseguir em nosso favor, desde que seja para nosso maior bem. Além disso, sua vida nos ensina que é possível, mesmo na nossa pequenez e pobreza, vivermos esta união com Deus, em Jesus Cristo, que foi iniciada no Batismo, ratificada e aprofundada no transcurso de momentos significativos de nossa vida, principalmente quando fomos crescendo na fé e recebendo outros sacramentos e que será plena e total quando estivermos definitivamente com Ele e todos os demais santos na glória. Isto nos anima a cada dia renovar nossos sentimentos, pensamentos e atitudes e também nosso compromisso de colaborarmos na construção de um mundo mais conforme o coração de Deus. Ir. Sônia Delforno, mscs Jundiaí – SP Esperança | 1º semestre de 2014 | 31


MADRE ASSUNTA MARCHETTI, membro vivo da Igreja “... sequiosa do Absoluto de Deus ...” Assunta é um grande dom de Deus à Igreja e à Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo – Scalabrinianas. Nasceu, viveu, sofreu e entregou sua bela alma a Deus, de 1871 a 1948, de Lombrici a São Paulo, do batismo à consagração total a Deus no serviço aos migrantes e às suas coirmãs.

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e temperamento forte, na convivência com Jesus Eucarístico, aprendeu a canalizar suas forças vitais fazendo o bem a todos com alegria e muito ânimo. Assunta, nossa querida Madre Assunta Marchetti, foi responsável pela nossa fidelidade ao Carisma Scalabriniano dentro da Igreja, porque em tudo obedeceu, foi heroicamente fiel, senhora de si, modelo de religiosa para os nossos tempos. Madre Assunta foi e é aquela que sempre nos amou com amor de mãe.

Membro vivo da Igreja Nascida numa família católica aos 15 de agosto de 1871, dia da Assunção de Nossa Senhora – por isso o lindo nome de Assunta, – foi educada dentro dos princípios cristãos. 32 |

Sua casa era muito perto da igreja de São Braz em Lombrici de Camaiore, e foi batizada no dia seguinte ao nascimento. Sua índole somada ao sistema de educação familiar levou-a, desde muito cedo, a buscar a Verdade, o Caminho e a Vida como elementos essenciais à sua sobrevivência de filha de Deus. Em Lombrici, porém, aprendeu a buscar Deus por Ele mesmo. Recebeu o Crisma aos cinco anos de idade na igreja de Santo Antonio de Viareggio. Este sacramento foi cultivado com muita devoção e com o propósito de ser fiel às inspirações do Espírito Santo para, em tudo, agradar a Deus. Era obediente e aprendia a ser humilde (Cf. Lc 2,52).

Sedenta de Absoluto Sua adolescência transcorreu com muito trabalho e oração. Estudou pouco, mas o suficiente para se entender como pessoa, filha de Deus e irmã de todos. Era prestativa e muito atenta às necessidades dos outros. Aos doze anos fez sua primeira comunhão. Ao receber Jesus Eucarístico pela primeira vez experimentou o que sempre havia desejado: a proximidade do Absoluto de Deus. Nunca mais sua devoção, amor e adoração arrefeceu! (Cf. Sl 16/15,11).

Colaborava na expansão do Reino de Cristo Sua crescente sede do Absoluto fazia com que se levantasse bem cedo para acompanhar sua mãe, dona Carolina Ghilarducci, à igreja para participarem da Santa Missa diária. Em 1880 foram transferidos de Lombrici para Camaiore, moravam em um moinho chamado: A Fábrica, e a paróquia mais próxima era aquela de Capezzano. Ministrava catequese aos irmãos menores e, junto com esses, às crianças da vizinhança e assim Jesus era mais conhecido e amado. Pensava em dar asas à sua fome de Deus e de entrega total a Ele e à sua Igreja, mas as obrigações filiais não permitiam. Guardava tudo em seu coração (Cf. Lc 2,51) aguardando a hora de Deus, pois vivia para fazer a sua vontade. Era muito consciente de tudo isto e aguardava com grande reverência o momento certo.

Responsável pela identidade da Congregação na Igreja Aos vinte e quatro anos, Deus lhe revelou, através de seu irmão Padre José Marchetti, que sua vocação não era vida contemplativa, mas missionária. Foi um momento muito difícil,


pois deveria deixar um sonho para abraçar a dura realidade da migração como lugar teológico de sua missão. Rezou muito e recebeu a graça da certeza de que esta era realmente a vontade de Deus a seu respeito. Junto com duas outras jovens: Maria Franceschini (22) e Angela Larini (20) formou o grupo coordenado por Carolina Ghillarducci (46), sua mãe, que deveria dar início a um novo estilo de vida religiosa. Estava nascendo a Congregação das Servas dos Órfãos e Abandonados no Exterior, contemplativas na ação junto aos últimos e mais necessitados da emigração italiana ao Brasil, especialmente ao Estado de São Paulo. Seguindo as normas legais, o grupo foi apresentado por Padre Marchetti a Dom Scalabrini, fundador da congregação dos padres à qual pertencia Marchetti e por consequência nosso fundador também, pois ele era responsável por toda questão migratória e assistência religiosa aos emigrantes em nome da Igreja. Com sua bênção e orientações práticas o grupo seguiu viagem rumo ao Brasil. Isto aconteceu no dia 25 de outubro de 1895, considerada data de fundação da Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo – Scalabrinianas, na época Servas dos Órfãos e Abandonados no Exterior, pois a intenção era de cuidar das crianças órfãs migrantes abandonadas nas fazendas e cidades de São Paulo. A vida foi severa com Madre Assunta, mas ela soube lidar sem perder a alegria e o bom humor. Nem inimigos, doenças, desen-

tendimentos, pressões de todos os lados foram capazes de desviá-la de seus bons propósitos. Resistiu heroicamente ao período dificílimo entre a enfermidade de Padre Marchetti e sua morte prematura e o retorno de dona Carolina à Itália, pois não podia continuar dirigindo o orfanato. Sem a mãe, que era a superiora do grupo pioneiro, sem o irmão que era o provedor de todas as necessidades das crianças, sem o apoio do substituto de Padre Marchetti, foi grande sua luta para continuar a obra de seu irmão. Do mesmo modo que ele pensava, ela continuou pensando. Era preciso continuar salvando o salvável: as crianças. Quando perdeu a proteção dos Scalabrinianos, procurou orientação e conselho junto ao bispo do lugar e seguiu fielmente suas orientações.

Organizou o terceiro noviciado para o grupo restante 1910 e em 1912 fizeram a profissão perpétua. Tudo segundo as orientações da Igreja. Com muito amor, convicção e desejo de, em tudo, fazer a vontade de Deus (Mc 3,35), foi aprimorando sua caridade, sua humildade e seu grande amor aos órfãos e às irmãs de congregação. Tornando-se assim Modelo de Religiosa para nossos tempos.

Modelo de Religiosa Até hoje, Madre Assunta é modelo, não só para as Scalabrinianas, mas para toda e qualquer religiosa que deseja ser fiel na alegria de servir. É verdade o que nos diz Evangeli Nuntiandi, 69: “Os religiosos têm na sua vida consagrada um meio privilegiado de evangelização eficaz. Pelo mais profundo de seu ser, eles situam-se de fato no dinamismo da Igreja, sequiosa do Absoluto de Deus e chamada à santidade. É dessa santidade que dão testemunho. Eles encarnam a Igreja desejosa de se entregar ao radicalismo das bem-aventuranças”. Podemos dizer que a venerável Madre Assunta Marchetti nasceu na Igreja, viveu nela e por ela. Tudo fez em harmonia com a Igreja, obedeceu até as últimas consequên­cias, conservou sua fé, combateu o bom com­bate e está para receber sua coroa de glória (Cf. 2Tm 4,7). Em breve será beatificada e então, toda a Igreja poderá honrá-la e gozar de suas graças e bênçãos. Ir. Erta Lemos, mscs Ituiutaba – MG Esperança | 1º semestre de 2014 | 33


Catedral Metropolitana de São Paulo – pt.wikipedia.org

Participe da Beatificação de Madre Assunta 25 de outubro às 10h Catedral Metropolitana de São Paulo

“Coloquemo-nos nas mãos de Deus e façamos a sua vontade”. Madre Assunta


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