O lazer e o Tempo Livre na Sociedade Moderna: Reflexão

Page 1

LAZER E TEMPO LIVRE NA SOCIEDADE MODERNA: Reflexão 1

Robson Junior Hartmann – robsonntlrv@hotmail.com

RESUMO

O presente artigo propõe uma breve reflexão do que vem a ser o lazer e o tempo livre, e onde eles estão inseridos dentro de nossa sociedade. Além disso, também trata de seus princípios históricos e conceituais, resgatando o que vinha a ser originalmente o sentido de cada um destes dois termos que hoje são utilizados para designar uma única coisa, o lazer. No entanto, como veremos a seguir, analisando estudos de pesquisadores e filósofos sobre o tema, verificaremos que atualmente o lazer e o tempo livre são utilizados de forma “equivocada” e uma compreensão clara destes termos auxiliará na percepção de como ambos são praticados na sociedade atual e como ambos os temas (lazer e tempo livre), acabam sendo manipulados pela própria sociedade em troca de recursos financeiros.

PALAVRAS-CHAVES: Lazer. Tempo Livre. Turismo.

1

Bacharelando do Curso de Turismo da Faculdade La Salle de Lucas do Rio Verde-MT.


1

INTRODUÇÃO “O tempo livre não tem sua própria independência” Heloisa Turini Bruhns

Nos dias atuais, o lazer tem, de certa forma, se tornado em uma atividade banal e ganho um olhar desfigurado pela sociedade, que o enxerga como uma válvula de escape de seus afazeres e obrigações diárias. Ele se tornou a palavra da moda, e o seu uso corrente serve para designar normalmente pacotes de turismo, passeio no parque, assistir à televisão e leitura entre outros; algumas vezes o lazer é associado à questão econômica e outras vezes não. No entanto, “tanto o lazer como o turismo são elementos inerentes à natureza humana, podendo ser encontrado quer juntos, quer separados, em todas as culturas ao longo da história do homem”. (SANTNI, 1993, pág. 11) A questão de importância do uso do tempo livre reside na satisfação que este trás ao homem exercê-lo e seus benefícios. No entanto, em uma sociedade industrial, o lazer toma uma conotação distorcida, pois muitos fixam a existência deste fenômeno à prática de esportes, recreação, descanso, assistir TV, entre outros. Conforme Dumazedier (2001), o lazer atual surge como consequência do desenvolvimento das grandes indústrias do início do séc. XIX , que acabou com o antigo ritmo de trabalho regido pelas estações, trazendo sérias problemáticas sobre o trabalho, a família e cultura. E por causa destas conseqüências nos achamos obrigados a estudá-lo. Devido ao conceito existente hoje sobre o Lazer ser visto de forma equivocada de seu conceito original, sendo tratado como um mecanismo de fuga da realidade é necessário realizar uma reflexão sobre o assunto a fim de respondermos uma pergunta, “Como a sociedade moderna enxerga o Lazer?”.


2

Desta forma, um breve estudo sobre o tema pode contribuir para que a sociedade passe a valorizar seu tempo livre como um momento transcendental e único, e não como uma oportunidade econômica e de prazer como ele é associado normalmente.

LAZER OU TEMPO LIVRE: CONCEITO

Ele está presente nas manifestações verbais e não verbais, nas mais diversas práticas corporais, em diferentes formas de expressão, nas diferentes classes sociais e grupos étnicos. Estas manifestações de lazer podem ser vistas na TV, nas ruas , nos parques, nas universidades, etc. Infelizmente, inúmeras vezes o lazer é visto como algo supérfluo, um bem de que grande parte da população não desfruta porque não possui condições de exercê-lo. Alguns pensam que lazer é apenas para os mais abastados, e pensam “as pessoas das camadas mais pobres da sociedade não possuem casa, comida e ainda querem lazer?”. Pensar desta forma é privar uma grande parte da população de seus direitos de cidadãos. O lazer deve ser compreendido como um meio de essencializar o ser humano, deveria ser um bem igualitário.

O QUE É LAZER?

Na sociedade contemporânea esta pergunta é mascarada com a reposta a outras perguntas: • O quê você faz na hora de folga? • Qual seu hobby? • O quê você faz no fim de semana? Visto por meio destas perguntas freqüentes, o lazer esta atrelado a um fator denominado “tempo”. A idéia vinculada ao lazer moderno está na questão de que ele só ocorre após o “tempo” dedicado às obrigações, sendo considerado como “resto” do tempo após o trabalho ou “sobra” após as obrigações. Santini (1993, pág.


3

17), afirma que neste caso, o lazer assume “uma ruptura entre o “tempo imposto” pelas obrigações produtivas e sociais e o “tempo livre” para a satisfação intima dos interesses pessoais”. Por que o descanso não determina o trabalho? Isto é, por que não trabalhamos só quando estivermos cansados de descansar? Bem, a resposta para tal pergunta surge nos anais da história, quando nos séculos XVIII e XIX a revolução industrial trouxe a concepção de trabalho preso ao tempo linear (horas fixas), onde o trabalho acaba sendo uma atividade dominante que controla o lazer, portanto, todo o “tempo livre” na realidade acaba não sendo livre, mas em um tempo cronometrado pelo relógio, que indica o fim do suposto momento de lazer. Isto fica bem claro quando em viagens procuramos por lugares que tenham uma outra idéia de tempo, lugares e povoados que não estejam sujeitos ao relógio, mas mesmo assim, acabamos presos ao tempo ocidental, industrial e científico, que cobre todo o planeta. É ainda interessante percebermos que para muitos, lazer é jogar futebol, para outros é pescaria, jardinagem, leitura, etc. E desta forma, muitos acabam dando um sentido recreativo ao termo, procurando “descansar, “recuperar as energias”, distrairse, recrear-se”. (MARCELLINO, 2002, Pág. 13) Mas de acordo com Santini (1993), a diferença entre lazer e recreação consiste no fato de que no lazer o indivíduo possui liberdade de escolha e na recreação as atividades são estruturadas, seja de aspectos físicos, psicológicos ou sociais.

MUDANÇA DE CONCEITOS

Esta idéia de tempo livre não era assim concebida em séculos anteriores, tais conceitos começaram a ocorrer no movimento da reforma ocorrido na idade média e se fortalecendo com os pensamentos de Adam Smith, filósofo escocês do séc. XVIII, que trouxe a idéia que trabalhar é bom e ficar sem fazer nada é mau. Nos estudos


4

de Adam, ele diz que os verdadeiros produtores são os trabalhadores e não os ociosos que não produzem nada (riqueza). Esta “revolta” não era em vão. Poucas pessoas saberiam responder o que é lazer, mas se substituíssemos a palavra lazer por tempo livre, a maioria entenderia. Como vimos, a palavra lazer tem se convertido em outra, tempo livre. E essas duas palavras têm dado muito “pano pra manga”, no sentido que suas definições são muito amplas e complexas. A falta de vontade de muitos em querer entender melhor o tema tem levado a colocar como sinônimo de lazer as palavras diversão, liberdade, recreação. Dumazedier (2001, pág. 35) diz que estas teorias “[...] precisam ser repensadas em função de uma sociologia concreta do lazer real e possível, própria de uma civilização industrial e democrática”. Se nos aprofundarmos nos estudos de Platão e Aristóteles, filósofos que se dedicaram ao estudo da questão, veremos que a palavra lazer “sempre se referiu a algo pessoal, um estado de espírito, um tipo de sentimento”. (BRUNHS, 2002, pág. 32). Podemos conceituar a idéia de lazer original e o praticado atualmente, dizendo:

a idéia de lazer divorciou-se de todo o significado político e religioso. Separou-se dos debates acerca da idéia de liberdade no mundo contemporâneo. O lazer se converteu em tempo, afastando-se da vida de contemplação do belo, do refinamento das idéias, do cultivo da mente. (BRUNHS, 2002, pág. 37)

No entanto, dependendo da área de conhecimento que utilizar o lazer, podemos ter visões diferentes do tema, como exemplo a sociologia que se preocupa na integração entre comportamento individual e a estrutura social, a história, que tenta desvendar o papel do lazer nas sociedades antigas e a arquitetura, cuja preocupação maior reside na organização do espaço e seus equipamentos para a realização das atividades inerentes ao lazer. Portanto, o tempo livre ou lazer atual, se refere a uma fatia do tempo “industrializado” que as pessoas utilizam para determinar os momentos que não estão trabalhando, e não a uma forma de ser, uma condição que a pessoa busca estar.


5

Para os Gregos, o lazer tinha suas raízes no ócio – shole, que significa parar ou cessar – o estado de estar livre da necessidade de estar ocupado. Os Gregos passaram a viver o ócio, antepassado do lazer atual e nada a ver com a idéia de ócio atual, passando a levar uma vida contemplativa, pois consideravam a contemplação algo divino. Estes momentos eram empregados para o crescimento espiritual. A idéia que se tinha era a de que alguns da humanidade precisavam utilizar o ócio para o benefício do restante, assim, a sociedade se dividia em duas classes, as pessoas com tempo livre e a massa. Logo, só era livre quem tinha tempo livre, uma vida não vinculada ao trabalho ou obrigações diversas. No entanto hoje, se sabe, que o ócio e o lazer são de extrema importância ao ser humano, reparando psíquica, física e socialmente o indivíduo, recompondo suas energias, ampliando inclusive sua capacidade criativa, melhorando sua auto-estima e aumentando a satisfação pessoal.

CONCEITOS ATUAIS

O mundo atual gira cada vez mais rápido, se tornando aos poucos digital. As grandes cidades estão se tornando cada vez mais numerosas, e consequentemente a vida do homem se vê alterada, e o uso do tempo de trabalho, tempo liberado do trabalho e tempo livre, irá definir o modo de vida e o relacionamento entre os habitantes destas cidades. Esta mentalidade de tempo livre perdurou até a idade média, juntamente com os pensamentos de Adam Smith, por isso ele ataca tão verozmente dizendo que os verdadeiros produtores são os trabalhadores e não os ociosos. Com o fim do império Grego e início do império Romano, aos poucos a supervalorização do ócio deixou de existir, pois a vida contemplativa não era bem vista pelos romanos. Aos poucos este tempo passou a ser visto como um momento de preparo para as atividades produtivas, a contemplação deu lugar a momentos de recuperação e preparação do corpo e do espírito para a volta ao trabalho. Portanto


6

Roma instrumentalizou o uso do ócio, tornando-o uma diversão popular, e a idéia do tempo livre ou do não-trabalho que ganhou força a partir da idade média e se concretizando com a revolução industrial, perdurando até hoje. Este afastamento das raízes conceituais é apontado como tendo um único fator determinante: A evolução tecnológica trouxe como consequência transformações na sociedade [...] A introdução da máquina transforma o meio natural em meio técnico [...] A mecanização alterou inicialmente o campo econômico e depois o psicológico, e as técnicas de produção modificaram as condições de vida nas mais variadas camadas sociais. (SANTINI, 1993, pág. 24-25)

Atualmente, a elite que outrora buscava o lazer e o revogava como seu por direito, hoje utiliza estes momentos a seu favor. O tempo livre passou a ser fracionado e vendido, pois perceberam que por meio dos “tipos de lazer” é possível, de certa forma, manipular a massa, que segue o rumo indicado por eles, utilizando o que o dinheiro pode comprar, incluindo ai mais tempo para o seu lazer. O pesquisador Di Masi (2000) afirmou que na era pós-industrial iríamos ter cada vez menos trabalho; no entanto, a escola e a família nos preparam para o trabalho; não nos preparam para o tempo livre. Segundo este pesquisador , o homem precisa aprender a desfrutar do seu tempo livre, pois a tendência mundial é de que as pessoas passem a ter mais horas disponíveis e será necessário que elas se adaptem a esta tendência que aos poucos vai se instaurando, principalmente na Europa e outros países que possuem atualmente uma baixa taxa de natalidade.

CONCLUSÃO

Existem muitas barreiras para a prática do lazer na sociedade atual. Uma destas barreiras é apontada por Marcellino (2002), quando se observa a realidade e verifica-se um rompimento do quadro ideal do desenvolvimento do lazer pela população em geral. Podendo observar em grandes cidades, que possuem muitos supostos equipamentos para a realização da atividade, que grande parte dos seus


7

habitantes trabalha nos fins de semana e mesmo quem não exerce atividade profissional, acaba ficando em casa. De acordo com Andrade (2001, pág. 141), o lazer é um fenômeno “positivo em termos psicológicos e físicos, financeiros e econômicos, porque, por sua natureza, visa a integralidade de cada criatura no todo cósmico”. Isto é, aproxima culturas e maneiras de ser e agir. No século XX, o lazer e o turismo tornaram-se atividades de massas, trazendo à tona, assim, muitas oportunidades de novos negócios; e passaram a ser objeto de investimentos e administração profissionais. Após a Segunda Guerra, atingiram um patamar de crescimento que fez com que, do ponto de vista econômico, passassem a ser considerados como ‘’indústrias’’. Atualmente a indústria e os serviços ligados ao lazer e ao turismo estão entre os campeões de crescimento, alinhando-se seguramente entre os mais promissores para o futuro, que já esta presente. Há inclusive linhas de créditos bancários para esta atividade fundamental ao nosso equilíbrio psicossomático. O lazer tomou outro rumo e conceito de seu modelo original, não sendo a visão, hora praticada pela humanidade, como algo maléfico e pecador, mas sim uma mutação de seu contexto original, adquirindo uma nova roupagem, de forma que a sociedade atarefada e presa às obrigações, compreenda a sua necessidade e real valor.

REFERÊNCIAS

ANDRADE; José Vicente, Gestão em Lazer e Turismo. Belo Horizonte-MG, Autêntica, 2001. BRUNHS; Heloisa Turini, Lazer e Ciências Sociais, Diálogos Pertinentes., Pág. 17 a 39. Cronos 2002. DI MASI ,D. O Ócio Criativo. Rio de Janeiro, Sextante. 2000. DUMAZEDIER; Joffre, Lazer e Cultura Popular. 3ª Ed. Pág. 35, São Paulo-SP, Perspectiva S.A., 2001.


8

MARCELLINO; Nelson Carvalho, Estudos do Lazer: uma introdução. 3ª Ed. Campinas-SP, Autores Associados, 2002. MELO; Victor Andrade de; JUNIOR, Edmundo de Drummond Alves, Introdução ao lazer. , Pág.1 a 37. Manole, 2003. SANTINI; Rita de Cássia Giraldi, Dimensões do Lazer e da Recreação: questões espaciais, sociais e psicológicas. São Paulo-SP, Angelotti, 1993 HOME PAGE. Site que disponibiliza artigo sobre o lazer e tempo livre. Disponível em <http://www.partes.com.br/ed48/turismo2.asp> Acesso em: 27/05/2010.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.