Tesouros da Medicina Chinesa

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NÚMERO 1 30 JULHO 2014

ENTREVISTA: ERIC BRAND A VERDADEIRA ACUPUNCTURA COSMÉTICA AINDA TEM AS SUAS RAÍZES NA MEDICINA TRADICIONAL CHINESA ACUPUNCTURA JAPONESA: CASOS CLÍNICOS PEDIÁTRICOS SINERGIA DE PONTOS-PAR: UM EXEMPLO TEÓRICO-PRÁTICO NO TRATAMENTO DE DOENÇAS AUTO-IMUNES ESTUDO DA MENTE E DAS EMOÇÕES: UMA SISTEMATIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO SEGREDOS JAPONESES PARA UMA VIDA LONGA E SAUDÁVEL O CHI KUNG NA CLÍNICA: MICRO-SISTEMAS REVIEWS


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Tesouros da Medicina Chinesa - Número 1 - Julho 2014

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CORPO EDITORIAL

ÍNDICE

Directoras:

4 Entrevista Eric Brand

Tratamento de Imagem:

7 A Verdadeira Acupunctura Cosmética Ainda Tem As Suas Raízes Na Medicina Tradicional Chinesa

Filipa Rodrigo Rita Regalo

João Tainha

Conselho Científico: Joana Rosa Pedro Namora

Apoios:

Associação Tesouros da Medicina Chinesa www.tesourosmc.com

Contactos:

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Submissão de artigos:

A revista Tesouros Digital publica artigos e reviews realizados por Especialistas na área. Devem ser artigos originais, estando sujeitos à aprovação pelo Corpo Editorial. Contactar a Revista se desejar contribuir com um artigo em revista@tesourosmc.com

EDITORIAL qual surgiu um interesse mútuo de colaboração, o que também nos motivou a exigir um elevado nível de qualidade na “Revista tesouros da Medicina Chinesa”.

Anthony Kingston

15 Acupunctura Japonesa: casos clínicos pediátricos Ana Sofia Pacheco

22 Sinergia de pontos-par: um exemplo teórico-prático no tratamento de doenças auto-imunes Jason D. Robertson

34 Estudo da mente e das emoções: uma sistematização do diagnóstico Filipa C. Rodrigo

45 Segredos Japoneses para uma vida longa e saudável Naoki Kubota e E J Potter Kubota

49 O Chi Kung na Clínica: MicroSistema Lourenço de Azevedo

51 Reviews de Livros e Online Reviews

Restaurar a Ordem na Saúde e na Medicina Chinesa Pérolas Clínicas Raio-X e TAC de contraste de imagens de pontos de Acupunctura baseada na radiação de sincotrões

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Desafio A primeira edição da Revista Tesouros da Medicina Chinesa foi um desafio. Originalmente nasceu de uma ideia do criador da plataforma de estudos “Tesouros da Medicina Chinesa”, Fábio Dias, que evoluiu para a formação de uma equipa estruturada, com profissionais de saúde da Medicina Chinesa cujos objectivos se cruzaram com os do fundador. A equipa da Revista Tesouros da Medicina Chinesa integra duas editoras, um conselho científico, artigos originais de profissionais portugueses qualificados e experientes na área da Medicina Chinesa, bem como editores de imagem e estrutura online. O maior desafio da primeira edição foi começar por estruturar a revista sem nunca perder o foco na qualidade dos conteúdos de cada um dos artigos, assim como torná-la inovadora no âmbito de tudo o que já existe no mercado de revistas de língua portuguesa orientadas para a Medicina Chinesa e Japonesa. Ao longo deste percurso criou-se uma ligação de confiança com diversos autores e especialistas reconhecidos a nível nacional e internacional, no

Os artigos são baseados na investigação e na prática clínica com evidência científica, sem nunca perder toda a qualidade histórica e linguística exclusiva da Medicina Chinesa. O leitor terá ao seu dispor artigos, revistos e selecionados, baseados nesta premissa. Um desafio não menos interessante foi a novidade e o desconhecido - fazer tudo pela primeira vez: desde contactar autores, empresas, escolas e universidades, contactar profissionais de saúde, divulgar a revista, selecionar artigos e, a par disso, manter toda a curiosidade e trabalho constante para resolver qualquer barreira que surgisse. A revista “Tesouros da Medicina Chinesa” tem o privilégio de contar com o profissionalismo de quem ambiciona torná-la uma referência de leitura. A primeira edição foi lançada. Os desafios continuam. Agora na segunda edição. Com os melhores cumprimentos, Rita Regalo


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Entrevista Eric Brand

cultura taiwanesa e sabia que poderia sobreviver a ensinar Inglês enquanto lá estudava. Apesar disto, enquanto vivi em Taiwan consegui evitar ensinar Inglês porque tive a sorte de ser acolhido como estudante do Nigel Wiseman e do Feng Ye, dois Especialistas de peso na área da Medicina Chinesa. O Nigel Wiseman é um Especialista em tradução médica Chinesa enquanto o Feng Ye é um clínico fantástico; o Feng Ye levou-me para um Hospital de MTC enquanto o Nigel me envolveu na tradução e edição de textos de MTC. Era o melhor de dois mundos. Recordo-me de pensar, na altura, que ficaria em Taiwan cerca de um ano… mas acabei por ficar por imensos anos. Agora, mais de dez anos passados, Taiwan parece-me uma segunda casa.

Idade: 36 Origem: USA Localização actual: Hong Kong Especialidade: Farmacopeia chinesa

Tive o meu primeiro contacto com a Medicina Chinesa quando tinha cerca de 17 anos. Nessa altura, estava interessado em massagem, chi kung e plantas ocidentais, e o acupunctor que consultei deu-me tratamentos bastante simples mas bastante profundos. Ao olhar para trás, os pontos de acupunctura e as plantas que utilizou eram bastante básicas, mas a sua técnica de acupunctura era muito boa e as plantas tinham óptima qualidade. Depois decidi estudar Medicina Chinesa, mas ainda precisava de terminar o meu curso universitário básico, então decidi começar a estudar a língua e a história Chinesa para me adiantar. Quando comecei a aprender Chinês, não me apercebi

de que se iria tornar num caminho bastante longo, mas felizmente quando tinha 19 anos era bastante destemido e atirei-me de cabeça. Acabou por ser uma decisão fundamental na minha vida, apesar de não me ter apercebido disto na altura.

Pouco depois de começar mudou-se para Taiwan, o que motivou esta mudança? Porque escolheu este país? Na primeira vez que estive em Taiwan, estava num programa de estudo em parceria com a minha Universidade nos EUA. Mais tarde, estudei Medicina Chinesa na Califórnia, e depois de me licenciar decidi que queria continuar os meus estudos na Ásia. Nessa altura, também tinha visitado a China, mas gostei bastante da

Em que área da Medicina Chinesa trabalha actualmente? Sou constantemente assaltado por uma vontade constante de continuar a estudar a fitoterapia Chinesa, e desde há muito tempo que me interesso por temas relacionados com a fitoterapia. Quando comecei a estudar Medicina Chinesa na Califórnia, estive três anos a trabalhar numa farmácia do estilo Chinatown, a preparar fórmulas e a aprender com um mestre de família com treino das gerações anteriores, que geria a loja. Interessei-me pelos pao zhi (medicamentos processados) como pela avaliação da qualidade das plantas Chinesas, e também fui exposto a vários substitutos regionais e substâncias adulteradas durante esse tempo. Essa experiência acabou por definir onde me encontro hoje me encontro. Depois de me licenciar e mudar para Taiwan, fiquei especialmente intrigado com o tópico dos grânulos. Muitos médicos nos Hospitais de Taiwan utilizam grânulos, mas os seus métodos de dosagem e combinação são diferentes de quaisquer outros que tenha visto nos EUA. Ao longo do tempo, comecei a visitar fábricas de grânulos em Taiwan e na China, e comecei a entrevistar imensos médicos sobre a sua experiência clínica com grânulos. Apercebime que mesmo no mundo chinês, ninguém tinha realmente realizado uma investigação sistemática que compare as diferenças entre a utilização de grânulos na China e em Taiwan, e passei vários anos a estudar esta situação. Como efeito colateral deste interesse, acabei por conhecer imensos donos e gestores gerais das fábricas de grânulos na China e em Taiwan… uma coisa levou à outra, e comecei uma empresa de grânulos nos EUA chamada Legendary Herbs.

Loja de Ginseng, RPChina, 2011

Qual foi o seu primeiro contacto com a MTC? Como tudo começou?

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Árvore Ji Xue Teng, Floresta Húmida, Malásia, 2014

Actualmente, vivo em Hong Kong, e nutro a minha natureza básica como um nerd estudante. Estou a trabalhar no meu Doutoramento na Universidade Baptist de Hong Kong, onde tenho a imensa sorte de estudar com o Prof. Zhao


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Zhongzhen, um dos melhores especialistas na China em identificação de plantas chinesas e avaliação da sua qualidade. É uma quantidade tremenda de trabalho mas dá-ma a hipótese de me focar na pesquisa de temas fascinantes da fitoterapia Medicina num óptimo ambiente educativo, e tenho sido sortudo por ver cada vez mais locais de difícil acesso ao viajar por toda a Ásia em visitas de campo com um grupo de peritos verdadeiramente inspirador.

Quais são as principais diferenças que encontras entre o Ocidente, quero dizer entre a Europa e os EUA, vs. o Oriente no que toca o ensino e a prática da Medicina Chinesa? Há tantas diferenças; é difícil saber por onde começar. Em muitas regiões da Ásia, sistemas de exames muito difíceis influenciam a opinião que os estudantes têm do curso a escolher; por causa disto, muitas das pessoas que são seleccionadas para a área da Medicina Chinesa são bastante inteligentes, mas a Medicina Tradicional pode não ser a sua primeira escolha considerando os seus interesses. Igualmente, no mundo profissional na Ásia, muitas promoções e posições académicas estão relacionadas com o volume de publicações científicas que o autor tem; o que origina uma maior quantidade de publicações relacionada com temas científicos mas deixa os temas tradicionais com poucos fundos, comparativamente. Pelo contrário, no Ocidente, todos os estudantes de Medicina Chinesa têm interesse e paixão, mas a formação académica é muito desigual; parece que leva a que muitos especialistas não sejam suficientemente rigorosos em termos do escrutínio das suas fontes de informação.

Qual acha que é o papel da MTC nos dias de hoje? Acha que irá ter futuro brilhante? Claro que sim, o futuro da Medicina Chinesa é muito brilhante. Há um interesse crescente na Medicina Chinesa por todo o mundo, e há muitas partes do mundo em que a Medicina Chinesa

ainda se encontra num território virgem. É uma altura bastante emocionante porque há temas inteiros da Medicina Chinesa que continuam por desenvolver no Ocidente, então há bastante espaço para novas contribuições nestes temas. Por outro lado, há livros suficientes e bons professores com capacidade de criar uma fundação forte para uma prática clínica autêntica, mas ao mesmo tempo, há um sem número de novas avenidas por onde ir. É uma altura perfeita para estar nesta área, visto esta área ter o tamanho perfeito para haver experiência e oportunidade, mas pequena o suficiente para haver bastante espaço para crescer.

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A Verdadeira Acupunctura Cosmética Ainda Tem As Suas Raízes Na Medicina Tradicional Chinesa Autor: Anthony Kingston Palavras-chave: Acupunctura cosmética, leitura facial médica chinesa, botox, punctura cutânea, indução de colagénio, Medicina Tradicional Chinesa, anti-envelhecimento, absorção transdérmica, acupunctura para rejuvenescimento facial.

Resumo: Este artigo explora o aumento da popularidade da acupunctura cosmética e do rejuvenescimento facial, assim como a consequente desilusão de muitos especialistas e pacientes. Aborda como resolver este problema ao restabelecer expectativas realistas e reinstituir a base da acupunctura cosmética na Medicina Tradicional Chinesa (MTC), sem a qual é frequentemente ineficiente. Este artigo refere exemplos claros de práticas específicas que podem ser imediatamente aplicadas em clínica. A acupunctura cosmética tornou-se bastante popular nos últimos anos. A ideia de uma terapia completamente natural com capacidade de atingir resultados comparáveis a práticas de beleza populares e, além disso, com benefícios para a saúde, tem-se provado bastante sedutora tanto para especialistas como para pacientes. Com este aumento de popularidade há uma crescente separação da acupunctura cosmética das suas raízes na Medicina Tradicional Chinesa (MTC). Cada vez mais especialistas têm desenvolvido as suas próprias técnicas, que são na sua maioria atribuídas à teoria da Medicina Chinesa e se assemelham às práticas de beleza populares ao aplicar ‘o mesmo tratamento para todos’. Ao mesmo tempo temos visto um número crescente de estudantes desiludidos com a sua prática da acupunctura cosmética - tanto terapêutica como financeiramente. Neste artigo é abordado como a divisão entre a acupunctura cosmética e a teoria da Medicina Chinesa pode ser novamente reatada, com referência à história da acupunctura cosmética, ao seu uso nos dias de hoje e também no futuro. Ao longo do artigo abordo técnicas que podem

ser facilmente incorporadas na prática clínica assim como exemplos ilustrativos de como melhorar o diagnóstico e o tratamento através da acupunctura cosmética. A história da aplicação da medicina Chinesa na cosmética é vasta. O segundo livro (quinto tratado) do Huang Di Nei Jing (Yellow Emperor’s Classic of Internal Medicine) menciona a utilização da Medicina Chinesa para tratar a pele e o cabelo, e o texto clássico de Sun Si Miao (682-581AC), Bei Ji Qian Jin Yao Fang (Essential Prescriptions Worth a Thousand Liang in Gold for Every Emergency) lista 105 fórmulas com aplicação cosmética. A acupunctura cosmética como a conhecemos hoje é um fenómeno relativamente recente. Informação transmitida verbalmente por médicos na China revela que em 1974 Mao Zedong instigou um grupo a investigar a eficiência da aplicação da acupunctura na cosmética, apesar de ser difícil de corroborar esta informação. Dizse que este grupo de trabalho continuou a sua investigação até 1980, altura em que o projecto foi descontinuado. Durante este período foi


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realizada uma grande pesquisa da acupunctura direccionada para o anti-envelhecimento, perda de peso, celulite, aumento do peito, entre outros. O que é mais fácil de documentar, por outro lado, é a crescente popularidade da acupunctura cosmética na China durante os anos 90. Tal foi evidenciado num estudo de 300 casos que apoia inconfundivelmente a eficácia destas técnicas (Zhang & Zhu, 1996).

Expectativas irrealistas

A eficácia da punctura cutânea para melhorar o aspecto é também apoiada por estudos do mundo Ocidental. A investigação de Camirand & Doucet (1997) baseou-se no que mais tarde veio a ser conhecido como ‘punctura da pele’. Esta técnica envolve a utilização de carimbos dérmicos, e depois de rolos dérmicos. Os carimbos eram originalmente muito semelhantes ao martelo de sete pontas utilizado na medicina Chinesa mas com uma maior cobertura de agulhas (normalmente entre 192 e 208) e eram directamente aplicados na pele. Investigação semelhante realizada por Fernandes (2006) demonstrou o potencial em aumentar a produção de colagénio até mil porcento em apenas um tratamento. Um estudo posterior realizado por Henry et al. (1998) demonstrou que este tipo de punctura pode aumentar a absorção transdérmica até dez mil vezes ao criar microcanais na epiderme. Apesar da eficácia da acupunctura cosmética não ser uma novidade para os que a utilizam, esta pesquisa ajuda a criar uma base credível assente na evidência.

Ao gerirmos a nossa própria clínica de acupunctura estética na Austrália fomos abordados por uma revista generalista para a elaboração de um artigo de acupunctura cosmética (Kingston, 2007). Quando este foi publicado notámos uma alteração no título para ‘Melhor que Botox’. Claro que este título atraiu imensa atenção e um grande número de pacientes à clínica. No entanto, rapidamente nos apercebemos de que as expectativas destes pacientes eram irrealistas. Não é possível que a acupunctura possa atingir os mesmos resultados que o botox no mesmo período de tempo. O botox congela localmente os nervos e a ruga desaparece devido aos músculos locais perderem a capacidade de contracção. No entanto, o tratamento com acupunctura cosmética requere um determinado número de sessões para ser eficaz - mais provavelmente meses. Isto deve-se ao facto de, para atingirmos resultados com a acupunctura cosmética, ser necessário aumentar a indução de colagénio e simultaneamente alterar a constituição do paciente em termos de MTC (discutido abaixo). Sem atingir ambos os resultados não é possível atingir resultados duradouros em termos gerais. Devemos lembrar-nos que a regeneração completa da pele leva sensivelmente 30 dias, e que qualquer tratamento baseado no aumento do colagénio leva algum tempo para revelar resultados (Tortora, 2004).

Com uma investigação tão extensa a gerar resultados positivos, é surpreendente ouvir tantos especialistas a dizer que não encontram os resultados esperados após completarem a sua formação. A principal razão para este facto, na opinião do autor, assenta no divórcio da acupunctura cosmética dos fundamentos da MTC, combinando expectativas irrealistas geradas pelos professores e pela comunicação social. Irei primeiro abordar as expectativas geradas pela comunicação social por ser mais simples.

Afinal o que é possível alcançar com a acupunctura cosmética? Por outras palavras, o que é realista? Na nossa clínica descobrimos que as linhas finas podem ser eliminadas, enquanto que as rugas mais profundas podem ser significativamente reduzidas. Também é possível reduzir o edema facial, reduzir o inchaço debaixo dos olhos (particularmente do tipo mais fluido, menos relacionado com a retenção de fleuma que o tipo mais sólido), reduzir a descoloração facial, elevar as pálpebras descaídas, o duplo queixo e a ‘papada, melhorar a textura da pele, reduzir ou eliminar

o acne, reduzir poros alargados, aumentar o tónus facial, reduzir os capilares danificados e nalguns casos beneficiar a rosácea. Apesar de esta lista ser extensa e demonstrar a eficácia da acupunctura cosmética, não inclui a eliminação de rugas profundas, eliminação total do ‘papada’ ou eliminação do inchaço sólido debaixo dos olhos. Quando os especialistas começam a criar este tipo de expectativas começam a ter problemas. De modo a que o paciente possa criar expectativas realistas, os especialistas devem adequar o seu prognóstico à constituição do paciente, assim como ao diagnóstico em MTC.

“Ao longo do âmbito das disciplinas de acupunctura há a moda constante da separação da acupunctura das suas raízes de MTC.” A separação da acupunctura cosmética da MTC Ao longo do âmbito das disciplinas de acupunctura há a moda constante da separação da acupunctura das suas raízes de MTC. Em nenhuma outra área isto se tem manifestado tanto como na acupunctura cosmética. Devese em parte à forma como é ensinada, mas em grande parte à competição e ao marketing no ramo da beleza, em detrimento do ramo da saúde. Ao sermos especialistas em acupunctura cosmética, a maior parte dos pacientes não se irá referir a nós como pertencendo à área da saúde, mas como pertencendo à área da beleza e da cosmética - e é com esta área que os especialistas de MTC têm de competir para gerar negócio. Visto muitos especialistas na área da beleza serem mestres em marketing e apresentação, os especialistas de MTC terão de encontrar uma forma de competir. Infelizmente, ao tentarem atingir este objectivo, muitos especialistas já alteraram não só as suas carreiras mas também a sua prática clínica - e aqui é gerado o problema. Começam a seguir os métodos da indústria da beleza - ‘um padrão =

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um tratamento’ - ao invés da teoria da MTC, que trata cada síndroma e indivíduo, não apenas o padrão. O resultado mais negativo que daqui advém é a separação da saúde da beleza - algo que os antigos Chineses nunca teriam contemplado. Alguém que não acredite que esta separação tenha sido realizada na esfera dos tratamentos de beleza Ocidentais precisa de olhar com atenção para os efeitos secundários potenciais dos tratamentos actuais - botox, injecções de colagénio e cirurgia invasiva. Para garantir que as técnicas da acupunctura cosmética permaneçam baseadas na teoria da MTC é importante explorar as técnicas de acupunctura cosmética assim como as técnicas de diagnóstico. Por técnicas de diagnóstico refirome tanto às relativas à MTC, como às específicas da acupunctura cosmética.

Técnicas de acupunctura cosmética A acupunctura cosmética utiliza um número de técnicas específicas sendo que muitas delas resultam de modificações nas práticas de acupunctura comuns. Estas técnicas precisam de ser combinadas com um conhecimento detalhado dos pontos e técnicas eficazes no problema a tratar. 1. A técnica mais comum é usualmente chamada de inserção da agulha. Há várias variantes desta técnica, que envolve inserir um determinado número de agulhas debaixo de uma ruga ou mancha para estimular a produção de colagénio. Nalgumas técnicas as agulhas são inseridas debaixo da ruga - paralelas à direcção da ruga enquanto outras são perpendiculares. Estas técnicas podem ser utilizadas tanto acima como abaixo da ruga, sendo também possível puncturar directamente a ruga. A maior parte destas técnicas utiliza agulhas com um pequeno cabo de plástico, normalmente associadas à acupunctura cosmética. As mais comuns têm 15 milímetros de comprimento e diâmetro de 0,16 milímetros. Alguns especialistas recomendam a


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utilização de agulhas intradérmicas, pequenas e achatadas, habitualmente com 4 milímetros de comprimento e diâmetro de 0,12 milímetros. São inseridas com a ajuda de uma pinça e podem ser mantidas por longos períodos de tempo quando é colocado também adesivo. Estas técnicas podem ser aplicadas em manchas, colocando as agulhas em redor da mancha, uma técnica semelhante à tradicional chamada de ‘estrela’, habitualmente utilizada no tratamento de cicatrizes. 2. Outra técnica específica da acupunctura cosmética consiste em puxar a pele ou tecido a tratar para trás e para cima com uma mão e puncturar o ponto com a outra. A agulha é depois rodada repetidamente numa direcção, entrelaçando as fibras musculares. Supõese que a rotação da agulha ajude a manter os tecidos mais profundos elevados, conferindo uma aparência tonificada à pele. 3. O rolo de jade é um utensílio de beleza na China. Consiste numa ou duas pequenas peças de jade de boa qualidade ligadas a um aparelho de metal. Este por sua vez está ligado a uma pega de jade para permitir que este role sobre a pele. Há algum tempo atrás o rolo de jade teria feito parte da caixa de beleza de qualquer mulher mais abastada. Na prática moderna são muito úteis na drenagem linfática e - pela sua natureza fria - no fecho dos poros. 4. A massagem Tuina pode ser adaptada especificamente à cosmética. Os movimentos deverão ser sempre realizados no sentido ascendente e com uma pressão suave para os músculos e tendões não ficarem estirados. Se isto acontecesse a pele poderia ficar mais flácida após a massagem. Se se utilizar óleo, o de Camellia sinensis é o melhor, visto não bloquear os poros. Este era inicialmente utilizado na China no cultivo da beleza, e mais recentemente Makimura et al. (1993) demonstrou que os extractos de Camellia sinensis inibem a actividade da colagenase - as enzimas que quebram as ligações peptídicas do

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colagénio destruindo as estruturas externas da pele. Podem também ser adicionadas aos óleos plantas chinesas com propriedades específicas para utilização na cosmética. 5. Os rolos transdérmicos são pequenos rolos com cabos de plástico que normalmente contêm entre 192 a 208 agulhas com um tamanho médio de 0,5 milímetros. São muito populares nos dias de hoje na indústria da beleza e podem ser facultados aos pacientes para os utilizarem em casa, na estimulação da produção de colagénio. 6. Máscaras herbais Chinesas: como foi anteriormente referido, as plantas Chinesas têm sido utilizadas para efeitos cosméticos desde tempos antigos e são um elemento muito eficaz neste tipo de tratamento. Podem ser utilizadas na forma de creme, infusões herbais aplicadas topicamente ou vapores faciais. Assim as plantas podem ser ajustadas individualmente a cada paciente. Princípios de Medicina Chinesa no tratamento de acupunctura cosmética Alem das técnicas descritas anteriormente é importante termos noção de alguns princípios gerais que aumentam a eficácia do tratamento de acupunctura cosmética. Alguns dos mais importantes são: • Sempre que possível puncturar com direcção ascendente de modo a elevar o qi. • Utilizar, sempre que possível, pontos de acupunctura locais. • Incluir sempre pontos nos pés para evitar uma subida excessiva de qi. • Adequar à constituição individual demasiadas agulhas ou retenção das agulhas por demasiado tempo pode ser negativa para pacientes débeis.

Acupunctura cosmética e padrões de diferenciação de MTC

Ao contrário das crenças populares, a leitura facial médica Chinesa é mais antiga do que os sistemas tradicionais que ganharam grande popularidade (ex. Bridges, 2004). A leitura facial médica Chinesa encontra-se, nos dias de hoje, mais disseminada na Malásia, Singapura e Taiwan do que na China. Quando nos indagámos sobre a razão de tal acontecer, em Shanghai um médico disse-me que tinha sido banida no período regido por Mao Tse Tung. Isto foi difícil de provar, mas é um facto que apenas uma pequena parte da leitura facial é incluída no programa de estudos dos cursos de Medicina Chinesa na China ou no Ocidente.

deste facto são as linhas verticais que muitas pessoas desenvolvem entre as sobrancelhas. Esta área é considerada tão importante na leitura facial Chinesa que um dos meus professores costumava levantar-se todas as manhãs, examiná-la cuidadosamente e inferir a sua saúde e energia de acordo com a sua aparência, planeando o seu dia em conformidade. Apesar de não querermos adquirir este hábito, isto revela o quão importante esta linha pode ser. É chamada de ‘espada suspensa’ (porque é tão relevante que pode eventualmente cair e cortar o pé). Está relacionada com o Fígado e, em particular, com a estagnação de qi do Fígado.

Na leitura facial médica Chinesa cada ruga, sinal, descoloração, área com flacidez ou mancha revela o funcionamento de um órgão em particular. Ao nos tornarmos versados neste tipo de leitura facial, os especialistas podem rapidamente identificar o padrão principal de um indivíduo antes de começarem a utilizar os passos tradicionais do diagnóstico. Nos dias de hoje, isto não é ensinado de uma forma generalizada, sendo por vezes incluído nos cursos de acupunctura cosmética. Sermos capazes de identificar qual o padrão de órgão que está reflectido numa característica facial ou mancha é importante no diagnóstico. Ao utilizarmos técnicas de acupunctura médica chinesa para tratar uma característica ou mancha facial em particular também estamos a beneficiar directamente o padrão de órgão. Ao mesmo tempo, se utilizarmos acupunctura no resto do corpo ou farmacopeia chinesa para tratar uma desarmonia de órgão, também favorecemos a mancha ou área da face que queremos melhorar.

As três áreas principais a que devemos prestar principal atenção quando utilizamos a leitura facial médica são:

De forma a manter este processo relativamente simples, normalmente digo que para diagnosticarmos a constituição precisamos de diagnosticar a face, e para diagnosticar a face temos de diagnosticar a constituição; igualmente para tratar a constituição temos de tratar a face, enquanto que no tratamento da face tratamos a constituição. Um exemplo bastante simples

• Pontos de acupunctura tradicionais na face: manchas ou marcas nestes pontos pode indicar um problema no órgão ou meridiano correspondente. • Regiões da face relacionadas com órgãos específicos: diferentes zangfu dominam áreas diferentes na face. Alterações na cor, textura ou manchas indicam a saúde do zangfu correspondente. Por exemplo, a cor pálida na zona inferior das maçãs do rosto reflecte deficiência de qi do Pulmão ou acne no maxilar inferior revela fogo no Estômago. • As linhas específicas e os zangfu com os quais estão relacionados: cada linha na face corresponde a um órgão em particular. Ao compreendermos qual o zangfu na origem duma linha em particular, podemos direccionar o tratamento de forma mais eficaz e atingir melhores resultados. Além destas áreas, também a cor da face e a textura são amplamente utilizadas para definir o diagnóstico do padrão de MTC e consequentemente o tratamento. Este é um tema com que a maior parte dos especialistas se encontra familiarizado; exemplos podem


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incluir vermelhidão que revela calor e palidez que revela deficiência.

“Os movimentos deverão ser sempre realizados no sentido ascendente e com uma pressão suave para os músculos e tendões não ficarem estirados. Se isto acontecesse a pele poderia ficar mais flácida após a massagem.” Conjuntamente com técnicas de diagnóstico mais específicas como a leitura facial médica, as técnicas tradicionais como a tomada do pulso são essenciais para uma boa acupunctura cosmética. Simples parâmetros do pulso podem dar-nos indicadores rápidos e exactos na possibilidade de atingir determinados resultados propostos por um paciente, assim como indicar o tempo em que poderá ser atingido. Também, não menos importante, podem permitir um controlo do progresso dos tratamentos e avaliar se estão a ocorrer melhorias - muitas vezes antes de se manifestarem na face. Provavelmente um dos exemplos mais simples é o fortalecimento do pulso do Rim. Este é um dos indicadores-chave dos potenciais resultados alcançados. Quanto mais forte o qi do Rim, claro, mais facilmente ser irá atingir resultados em qualquer padrão, sendo ainda mais importante na acupunctura. Na acupunctura cosmética tradicional as linhas ténues são associadas com a deficiência de qi e sangue, enquanto as linhas profundas estão relacionadas com deficiência do Fígado e Rim - particularmente deficiência de yin do Rim. Em termos Ocidentais isto corresponde a uma perda significativa de colagénio. Na realidade, alguns especialistas levam esta relação mais longe ao associarem o colagénio na pele com o yin e a elastina com o yang. De acordo com a minha experiência sabemos que se o Rim está fraco, em particular o yin do Rim, não conseguimos atingir os resultados pretendidos com a acupunctura cosmética. Nalguns casos os pacientes iniciam primeiro a toma de farmacopeia chinesa por

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vários meses, iniciando depois o tratamento cosmético. Assim melhoram primeiro o seu padrão. Noutros casos em que não é adequado o tratamento, temos de o dizer directamente ao paciente.

Caso clínico Lorraine, 42 anos de idade, queria melhorar a sua aparência, em particular a de algumas linhas verticais que se estavam a desenvolver acima da boca. Analisando de forma mais pormenorizada estas linhas eram superficiais e, em redor da boca, havia uma descoloração verde. Apesar de serem visíveis a olho nu, foram visualizadas mais minuciosamente com uma lâmpada de ampliação. A tez facial era um pouco pálida, havia pequenas rugas a surgir no canto externo do olho e duas linhas verticais no canto interno das sobrancelhas. Sofria também de alterações digestivas moderadas com fezes moles que por vezes aumentavam com o stress. A sua menstruação tinha-se recentemente tornado irregular e era precedida por uma dor por vazio ao longo do abdómen. Apresentava também fadiga. O pulso era fraco e um pouco deslizante, em corda na posição do Fígado, o pulso do Rim era relativamente forte. A língua era ligeiramente pálida com uma capa ligeiramente gordurosa.

“Cada ruga, sinal, descoloração, área com flacidez ou mancha revela o funcionamento de um órgão em particular” Análise facial O facto das rugas em redor da boca serem muito leves sugere que o problema deveria estar relacionado com o qi e sangue ao invés de deficiência de Rim. A área da boca está estreitamente relacionada com o Baço e o Estômago, particularmente com o lábio superior. Pequenas descolorações verdes na face indicam estagnação de qi do Fígado ou humidadecalor no meridiano do Fígado. As duas leves e

pequenas linhas verticais no canto interno das sobrancelhas indicam deficiência de qi do Baço. As linhas horizontais no canto externo dos olhos (pés de galinha) usualmente indicam desarmonia no meridiano da Vesícula Biliar. No entanto como este caso clínico foi recolhido na Austrália, as condições climatéricas locais têm de ser tidas em consideração. Devido ao forte sol que se faz sentir neste país, as pessoas mantêm os olhos constantemente semicerrados, sendo este sinal facial muito comum sem haver quaisquer sinais de desarmonia da Vesícula Biliar. No geral, a face desta paciente indica que a patologia principal envolve estagnação de qi do Fígado e ataque ao Baço-Pâncreas com consequente deficiência de qi do Baço e humidade. Outros sintomas confirmaram este diagnóstico.

Prognóstico Como as linhas faciais eram relativamente leves e pareciam relacionar-se com deficiência e estagnação de qi, podiam ser antecipados bons resultados. Foi recomendado um tratamento por semana durante 12 semanas, com farmacopeia tomada durante este período. Foi transmitido à paciente de que poderia esperar que as linhas superiores ao lábio se tornassem bastante mais superficiais e que, se o tratamento se revelasse eficaz, seriam quase invisíveis ao final das 12 semanas.

Tratamento Os tratamentos variaram de semana para semana, assim o tratamento descrito é global. A farmacopeia utilizada foi a Jia Wei Xiao Yao San modificada (Fórmula da liberdade e do relaxamento aumentada modificada) e Xiang Sha Liu Jun Zi Tang (Fórmula dos seis cavaleiros com Aucklandia e Amomum). Foi inicialmente aplicada uma máscara facial de algodão durante dez minutos. Esta tinha sido previamente embebida numa decocção quente de Gui Pi Tang (Fórmula para restaurar o Baço). Esta decocção pode ser preparada todas as manhãs e mantida na clínica dentro de

um termo, sendo depois transferida para uma taça individual para cada paciente. Foi depois aplicada uma massagem suave e local de Tuina para aumentar a circulação de qi e sangue, combinada com massagem com o rolo de jade para aumentar a circulação linfática. Todas as áreas a tratar foram previamente desinfectadas e foram inseridas agulhas de acupunctura nos pontos Taichong 3F, Zulinqi 41VB, Gongsu 4BP e Ququan 8F. Estes pontos foram seleccionados pelas suas propriedades de descida do qi e pela sua relevância para o padrão. Foram puncturados na face os seguintes pontos para garantir que os meridianos locais estavam activos: Jiache 6E, Dicang 4E, Yifeng 17TA e Chengqiang 24VC. Exceptuando o ponto 17TA, todos os pontos foram puncturados com direcção ascendente para ajudar a elevar o qi. Foram seleccionadas pequenas agulhas intradérmicas para tratar localmente a área. Os especialistas em beleza muitas vezes referemse ao lábio superior como a área mais dolorosa na depilação e noutros tratamentos, assim quanto menor o tamanho e melhor a qualidade das agulhas utilizadas, menor a dor provocada. Utilizando uma pinça especializada para agulhas intradérmicas, estas foram rapidamente colocadas numa direcção descendente. É melhor inserir a agulha logo acima do início da ruga e colocá-la o mais possível debaixo da ruga. Apesar de usualmente ser melhor puncturar com direcção ascendente, nesta área é mais simples puncturar com direcção descendente visto as rugas naturalmente irem em direcção ao lábio e o bordo labial ser muito difícil de puncturar sem um creme de estética específico. Foi colocada uma agulha intradérmica debaixo de cada ruga, ou o mais perto possível desta. Após 28 minutos as agulhas foram removidas utilizando um disco de algodão (é recomendável a utilização de uma bola de algodão para a face). Foi mantida pressão em cada área até 30 segundos para evitar hematoma. A paciente levou um rolo transdérmico e em casa foi recomendado realizar movimentos


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rotativos locais 10 vezes em cada direcção, uma vez antes de cada tratamento, para continuar a estimular a indução de colagénio. É melhor recomendar que os pacientes utilizem estes rolos apenas uma vez por semana na altura em que realizam uma série de tratamentos de acupunctura. Quando utilizado com maior frequência pode causar inflamação, o que pode tornar o tratamento cosmético difícil de executar. Seguindo uma série de tratamentos semelhantes a paciente atingiu bons resultados nas linhas labiais superiores. As linhas ainda se encontravam presentes numa observação pormenorizada mas foram diminuídas de tal forma que eram invisíveis à vista desarmada. Com surpresa, a paciente também referiu melhorias na saúde.

Conclusão Normalmente no início dos nossos seminários de acupunctura cosmética pergunto aos estudantes qual a razão da acupunctura cosmética geral ser melhor do que a simples utilização de um rolo transdérmico ou de outras técnicas locais - afinal, o rolo aplica uma punctura cutânea para induzir a produção de colagénio de uma forma eficaz, podendo abranger uma área mais ampla com maior rapidez, além de ser barato e caber no bolso. A minha resposta é que sem a aplicação apropriada da teoria da Medicina Tradicional Chinesa, os resultados serão frequentemente desapontantes e insatisfatórios. Isto independentemente da aplicação de técnicas sofisticadas ou da utilização de ‘pontos mágicos’. Ao identificarmos o padrão de MTC de um indivíduo e direccionarmos o tratamento para esta área na face e para a constituição, a acupunctura cosmética pode ser uma prática eficaz com muito para oferecer tanto ao especialista como ao público em geral.

Anthony Kingston estudou MTC na Austrália durante seis anos e continuou os seus estudos na China, Singapura e Malásia, especializando-se em técnicas cosméticas. Ele e a sua mulher fundaram

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a White Lotus Anti Aging (www.whitelotusantiaging. co.uk), a primeira clínica na Austrália especializada em acupunctura cosmética, antes de se mudarem para o Reino Unido em 2010.

Acupunctura Japonesa: casos clínicos pediátricos Autor: Ana Sofia Pacheco

“Este artigo é traduzido do original em língua inglesa e foi inicialmente publicado em The Journal of Chinese Medicine www.jcm.co.uk <http://www.jcm.co.uk> “.

Referências Camirand, A. & Doucet, J. (1997). “Needle Dermabrasion”. Aesthetic Plastic Surgery. 21, 4851. Fernandes, D. (2006). “Minimally invasive percutaneous collagen induction”. Oral & Maxillofacial Surgery Clinics of North America. 17, 51-63. Henry, S., McAllister, D.V., Allen, M.G. et al. (1998). “Microfabricated microneedles: a novel approach to transdermal drug delivery”. Journal of Pharmaceutical Sciences. 87(8), 922-5. Kingston, A. (2007). “Natural Face Lifts: Better than Botox” Well Being. 111, 66-69. Makimura, M., Hirasawa, M., Kobayshi, K. et al. (1993). “Inhibitory Effect of Tea Catechins on Collagenase Activity”. Journal of Periodontology. 64, 630-636. Bridges, L. (2004). Face Reading in Chinese Medicine. St Louis: Churchill Livingstone Tortora, G.J. (2004). Principles of Human Anatomy. 10th Edition. San Francisco: John Wiley & Sons. Zhang, Q. & Zhu, L. (1996). “Meridional Cosmetology: Report of 300 Cases with Discussion of Underlying Mechanism”. The International Journal of Clinical Acupuncture. 7(4), 401-405.

A Acupunctura Tradicional Japonesa caracterizase por ser delicada e eficaz. Recorre a técnicas que evitam o desconforto de modo a diminuir o receio do paciente, resultando do refinamento de antigas técnicas chinesas (Fukushima, 1999). A Acupunctura Pediátrica, denominada Shonishin, é praticada desde há 250 anos (Birch,2011.) e começou a ser desenvolvida quando se verificou que as crianças não gostam de ser puncturadas. Quando um tratamento é feito com regularidade, duma forma simples e sistemática, revela-se bastante eficaz numa grande variedade de desordens, desde a idade de recém-nascido até, sensivelmente, aos 5 anos. À medida que as crianças vão crescendo e as desordens se agravam pode-se recorrer a outras técnicas de acupunctura, como à inserção de agulhas, à utilização de moxa, ou, ainda, à utilização de ventosas, sempre de forma adaptada para não se tornarem em técnicas demasiado invasivas. Nos casos clínicos que se seguem, são apresentados os estilos Shonishin, Manaka e Toyohari. Estes dois últimos, foram desenvolvidos para serem aplicados em adultos, mas por terem o mesmo princípio da subtileza e eficácia, podem também ser aplicados em crianças, sendo adaptados de acordo com a constituição do paciente. O estilo Manaka destaca-se por ser extremamente eficaz a resolver problemas músculo-esqueléticos (Manaka, 1995). São usados cabos com um díodo que estabelecem uma polaridade ao unirem dois pontos. Os pontos são dos meridianos extraordinários. Recorre também à moxa e a exercícios de Sotai. O estilo Toyohari resulta do desenvolvimento da terapia baseada nos meridianos, foi criado por invisuais. Este é um estilo muito confortável

para o paciente, especialmente para aqueles mais sensíveis à utilização de agulhas. É muito eficaz em qualquer tipo de problema, com especial destaque para aqueles que envolvem desequilíbrios do Sistema Nervoso, ou emocionais.

Hiperactividade 1. Identificação do paciente Nome: Gustavo Idade: 7 anos Queixa principal: Hiperactividade Frequência das consultas: Semanal 2. Características do paciente e sua patologia O paciente é um rapaz de 7 anos que frequenta o ensino básico, tendo recentemente mudado de escola. A nova professora considerou o seu comportamento demasiado agitado, tendo-o descrito como hiperactivo. A mãe confirmou que este comportamento se mantinha também na sua presença, caracterizado por uma energia intensa quando estava na sua própria casa, subindo inclusive para cima da mesa e de outras peças de mobiliário. O diagnóstico de hiperactividade foi efectuado pelo Médico de Medicina Geral e Familiar, tendo sido recomendada psicoterapia e prescrito Rubifen. 3. Tratamentos realizados A técnica utilizada no tratamento foi Shonishin. 3.1. 1ª Consulta – 8/01/2014 O Gustavo tinha, nesta altura, terminado as sessões de psicoterapia. O seu comportamento no interrogatório inicial foi contrário ao esperado


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no caso de hiperactividade, tendo permanecido relativamente sossegado, sempre com um sorriso. As questões sobre o Gustavo foram dirigidas à mãe, sendo os principais pontos a registar o sono sem alterações, ausência de apetência pelo sabor doce, alergia ao trigo e ingestão diária de lacticínios. Aalimentação é, efectivamente, muito importante, podendo a hiperactividade estar directamente relacionada com o excesso de açúcar ingerido (gera problemas emocionais devido ao desequilíbrio do açúcar na corrente sanguínea e no cérebro), alimentos químicos e de baixo valor nutricional (sobretudo carnes vermelhas, que deixam os miúdos mais agressivos, devido ao ácido araquidónico) (Pitchford, 1993). Foram feitas recomendações neste sentido à mãe. Seguiu-se a palpação e o tratamento. Inicialmente o paciente revelou-se bastante reticente. Nas crianças é uma reacção comum, sendo importante a presença de uma figura familiar como, neste caso, a da mãe, assim como alguma informação sobre o tratamento de modo a diminuir o receio. Explicar que será efectuada uma massagem, utilizando expressões como “são só umas festinhas”, mostrando os instrumentos de Shonishin a utilizar, contribuem para o relaxamento do paciente. De salientar a utilização de isqueiro ou incenso, podem ser tidos como factores de recusa. A tomada do pulso foi iniciada, e este revelou-se acelerado e superficial, um indicador de hiperactividade nos órgãos. Juntamente com a restante palpação (abdómen e zona dos ombros e pescoço) e os sintomas, o diagnóstico considerado foi deficiência do canal do Fígado. O tratamento começou pela aplicação da técnica percutir. Esta concentrou-se inicialmente na aplicação com a ponta de um dos instrumentos (haribare), realizada sobre o topo da cabeça, em círculos. A sensação do paciente é relativa aos dedos do terapeuta, o que ajuda a criar uma maior receptividade. A percussão foi depois aplicada em redor das orelhas, pescoço

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e ombros. Seguiu-se a sua aplicação nos cotovelos e mãos e por último no peito, abdómen e pernas. Passou-se para o varrimento. Foi novamente reforçado o pescoço e ombros, pois apresentavam alguma tensão. Esta é uma zona de especial atenção em crianças hiperactivas pela subida excessiva de energia, que se concentra sobretudo na cabeça e área supraescapular (2). A técnica é realizada de forma a utilizar o instrumento como se houvesse um varrimento de cima para baixo, potencializando a descida de Qi. Seguiram-se as costas, a zona entre as omoplatas (principal área para problemas comportamentais ou imunitários das crianças - Birch, 2011) e a lombar. O paciente tem ainda micção nocturna, apenas despertando ao amanhecer. O reflexo mental para a micção não está, portanto, plenamente activo. A filosofia Oriental revela que, nestes casos, as crianças apresentam um excesso de elemento Fogo (caracterizado pela dispersão e hiperactividade) e deficiência de Água (caracterizada pela dificuldade em acalmar e relaxar). O Fogo ascende pela zona Yang do corpo, pela zona entre as omoplatas até à cabeça. A Água, pelo contrário, é armazenada na lombar, tem um movimento descendente, sendo o acto de urinar uma manifestação desta. A relação Fogo-Água terá de ser harmonizada para aumentar o foco mental e concentração, assim como reduzir a micção nocturna (Yanaghishita, 2009). Nesta altura da consulta, o pulso foi novamente verificado. Houve de imediato uma redução da hiperactividade dos órgãos e o Fígado mantinhase como a posição do pulso mais deficiente e a da Vesícula Biliar mais em Excesso, típico neste quadro. A técnica seguinte foi realizada com um instrumento de prata de ponta redonda, o teishin, tonificando os pontos que harmonizam este meridiano, ponto 8 do Fígado, e o meridiano do Rim, 10R. Foi também tonificado o Pulmão

por o canal se apresentar em deficiência e ser um órgão importante na gestão de emoções nas crianças (Birch, 2011). O tratamento foi continuado com moxa okyu (bago de arroz) no ponto entre as omoplatas, 12Du, passando de seguida para os pontos de Assentimento (pontos Shu do dorso) do Fígado e do Baço de forma a equilibrar a função digestiva, e, por fim, no ponto de Assentimento do Rim. O tratamento foi terminado com a colocação de uma esfera no ponto entre as omoplatas abaixo da dorsal 3 (12Du). Como recomendações, foi aconselhado a massagem diária, a realizar com uma colher de prata, sobre tido o corpo e alternar a estimulação da área da dorsal 3 com a 2ª lombar (a exemplificação foi importante). Foi ainda recomendada uma frequência semanal dos tratamentos, complementada em casa pela massagem referida. Ao longo do tratamento o paciente foi mostrando maior receptividade e interesse, tendo referido que não sentiu qualquer tipo de dor. Deve ser salientado o facto de o Gustavo se apresentar bastante mais calmo nesta altura. Assim como a sua mãe, relevou também bastante interesse e vontade no papel que os pais teriam em casa, no tratamento.

o facto de ficar sem a camisola e calças no primeiro tratamento o deixou pouco à vontade, o que traz especial atenção para este ponto, na importância da empatia e no conhecimento do tratamento a realizar. 3.3. Restantes consultas O Gustavo realizou mais dois tratamentos em que se seguiu o mesmo protocolo. A reacção ao tratamento assemelha-se à anteriormente descrita, sem nada de relevante a registar. 4. Avaliação geral No final dos tratamentos realizados o Gustavo apresentava uma curiosidade latente, mas ao mesmo tempo atenção e ponderação, ao contrário da hiperactividade inicial. Estas características eram notórias na forma de se vestir e despir no tratamento, agora marcada pela calma e cuidado com que o fazia. A mãe confirmou esta atitude perante outros aspectos da vida do Gustavo. Em relação a sinais, o pulso estava nitidamente mais equilibrado. O próximo passo será a redução progressiva da medicação actual, podendo numa fase inicial substituída por farmacopeia natural.

Problemas estruturais na coluna

3.2. 2ª Consulta – 15/01/2014 O início da consulta foi marcado pelo expressar da alteração na atitude do Gustavo no seu diaa-dia; agora mais calma, denotada na escola e em casa. Em relação às recomendações, estas foram seguidas e implementadas pelo pai, salientando-se o estado de Gustavo descrito pelo mesmo: “quase a dormir” após a massagem.

1. Identificação do paciente

Na tomada do pulso, este apresentava-se menos forte e tenso. Desta forma, o tratamento foi realizado com o mesmo protocolo, uma vez que tal se verificou eficiente.

2. Características do paciente e sua patologia

Em termos relacionais o paciente revelou-se mais confortável durante o tratamento, assim como mais relaxado. Mencionou ainda que

Nome: Rogério Idade: 8 anos Queixa principal: Assimetria dos ombros com o ombro esquerdo mais elevado Outras: Problemas de pele e digestivos Frequência das consultas: Semanal

O Rogério apresenta um desnível entre o ombro esquerdo e direito. O exame (Ressonância Magnética 09/2011) revela malformação na charneira cervico-dorsal, fusão de algumas vértebras cervicais e dorsais (C5-D2), assim como de algumas costelas (C7 com D1, D2, D3


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e D4). Recentemente tinha feito sessões diárias de fisioterapia. A fisioterapeuta aconselhou um acompanhamento que garantisse que ele teria um crescimento sem dor, fazendo alongamentos e exercícios de respiração, tendo Rogério iniciado a prática de karaté e natação. Quando o Rogério veio à consulta, o ombro esquerdo apresentava-se com fita kinésio. Esta tinha sido colocada pelo osteopata, para correcção postural. Adicionalmente, a pele tinha eczema, sobretudo na dobra do cotovelo e fossa popliteia direita. Havia dois anos que praticava uma alimentação natural ou macrobiótica, mas o avô dava-lhe doces todos os dias. As fezes apresentavam-se muitas vezes moles, possivelmente devido à ingestão dos doces. A urina normal. O sono também era normal. 3. Diagnóstico e tratamento As técnicas utilizadas no tratamento foram Shonishin e Manaka. 3.1 1ª Consulta – 9/07/2013 Na palpação inicial o pulso estava forte, um pouco superficial e bastante tenso na posição do Fígado, havendo uma grande desarmonia na parte digestiva (Fígado e Baço). Pela presença destes sinais, foi referido à mãe de Rogério que a alimentação teria de ser alterada. Isto levou-a a acrescentar que o filho reagia muito mal com a comida servida na escola, sobretudo ao leite. Foi recomendada a suspensão da toma de leite, pois estava a contribuir para os problemas de pele (Kushi, 2003). O Fígado de Rogério estava muito tenso e por isso foi aconselhado a ter o máximo cuidado com alimentos que obrigassem este órgão a trabalhar mais, pois iria provocar desequilíbrio digestivo e, consequentemente, problemas de pele. O tratamento de Shonishin iniciou-se com a técnica de percussão em círculos no topo da cabeça e posteriormente à volta das orelhas, pescoço e ombros. Nos cotovelos e espaço entre

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1º e 2º metacarpo, e, em seguida, com a técnica de varrimento nos braços e pernas no sentido vertical. O peito e o abdómen foram igualmente percutidos. Atrás, seguiu-se novamente no pescoço, ombros, zona entre as omoplatas e costas. O pulso foi novamente verificado e o meridiano do Pulmão apresentava maior deficiência. Com o teishin (agulha com ponta redonda) foi tonificado o ponto água deste meridiano (devido à vermelhidão na pele – o pulmão é o órgão que se considera que governa a pele). Posteriormente, o Baço e o Fígado foram sedados. No final, apresentavam-se mais harmonizados. A moxa foi aplicada no ponto entre as omoplatas (área do Pulmão), altura em que Rogério revelou tensão que rapidamente se dissipou. O ponto entre as omoplatas (D3-D4) é muito bom para a imunidade e todos os problemas de pele (Birch, 2011). A base da maioria dos problemas de pele encontra-se em alterações digestivas ou emocionais, pelo que também foi aplicada moxa na área digestiva (D9-D10 e D11-D12 o lado direito da coluna encontrava-se mais proeminente, o que é sinal duma dominação do Fígado sobre o Baço). Por fim, também foi aplicada moxa no Rim (L2-L3) para fortalecer a sua energia vital. Foi colocada uma esfera no ponto entre as omoplatas e foi dada a indicação de ser alternada entre os pontos do Pulmão e do Rim. O pulso estava, nesta altura, mais calmo, ainda que a posição do meridiano do Fígado se apresentasse tensa. O perfil do Rogério pode ser classificado na gíria como “figadeiro” pois a sua expressão verbal exprimia sempre zanga. Como trabalho de casa foi solicitado à mãe que fizesse massagem com uma colher de prata. 3.2 2ª Consulta – 16/07/2013 O tratamento foi muito semelhante, com incidência em percutir o topo da cabeça e bastante pescoço e ombros. Além disso os cotovelos, mãos e ponto entre as omoplatas. O tratamento foi sempre no sentido de baixar a energia.

O Pulso continuava muito tenso. A mãe referiu que em bebé ele apresentava o testículo esquerdo subido, o que vinha de encontro ao padrão de desequilíbrio na lateralidade e Fígado tenso (segundo a Medicina Chinesa, energeticamente o Fígado manifestase no lado esquerdo do corpo). 3.3 Consultas seguintes com o método Shonishin O Gustavo realizou mais dois tratamentos em que se seguiu o mesmo protocolo. A reacção ao tratamento assemelha-se à anteriormente descrita, sem nada de relevante a registar. Foram realizadas mais 3 sessões e a vermelhidão da pele desapareceu. Foi explicado à mãe que se tratava dum ataque do Fígado ao Pulmão, pois este rege a pele. Foi ainda referida a existência de humidade-calor como padrão, devido à ingestão contínua dos lacticínios e doces. A mãe referiu que desde a primeira consulta o Rogério tinha deixado de tomar leite. Foram recomendadas sessões semanais durante um ano, com reavaliação posterior. Nesta altura a mãe confessou que já não estava a conseguir fazer com regularidade o trabalho de casa e em termos genéticos que apresentava a síndrome de Klippel-Fiel. Manteve-se a aplicação da técnica Shonishin por mais algumas sessões, para fortalecer o BaçoPâncreas e harmonizar o Fígado, garantindo que os problemas de pele e digestivos não evoluiriam. Em Agosto, foi informado de que passaria a tratá-lo com outra técnica, mais dirigida especificamente à estrutura óssea. Esta implicava que lhe fossem espetadas muito superficialmente agulhas nas mãos e pés, num total de 4. Ele recusou. A mãe teve que negociar com ele um camião para os anos se ele concordasse com fazer o tratamento.

pontos nos membros. A espessura das agulhas é apenas de 0,16mm. As agulhas depois são conectadas entre si por cabos electro-estáticos com um díodo. Nas costas foi realizada moxa sobre alguns pontos e na área afectada. O paciente apresentava alguma resistência e queixava-se. Em finais de mês de Outubro, Junko Ida esteve em Portugal e o Rogério recebeu um tratamento. Esta especialista confirmou que não era garantido que ele ficasse com o ombro perfeitamente funcional mas que seguramente ficaria internamente mais forte, com menos alterações, indo depois o corpo naturalmente adaptar o crescimento em função desta particularidade. Em Novembro, foram usados os cabos “ion electro static absorber”, aplicação sem agulha, pelo toque nos pontos. O Rogério a partir desta altura passou a ser uma criança de humor muito mais fácil. O pulso também era agora sempre muito menos tenso no Fígado. Em Janeiro de 2014 realizou nova consulta da Fisioterapia que confirmou uma maior flexibilidade com movimento mais ergonómico da coluna. Nesse mesmo mês, foi iniciado um novo tipo de aplicação de moxa que consiste em colocar moxa moída dentro dum pedaço de bambu aberto dos dois lados (Ontake). Aquece-se a moxa, este calor irradia para o bambu e a partir daqui passa para a pele duma maneira muito suave. Simultaneamente realizam-se movimentos de rolar sobre a pele e, por vezes, percussão. Rogério estava a sentir-se mais confortável com as sessões. Os problemas digestivos apresentaram-se em duas ou três ocasiões, imediatamente suprimidos pelo tratamento. O próprio paciente referiu que nesta altura costumava ter problemas digestivos com maior frequência e manifestou o desejo de fazer sessões de acupunctura à sua mãe.

3.4 Consultas seguintes com a técnica de Manaka

4. Avaliação geral

O sistema Manaka envolve a punctura de 4

A evolução do Rogério tem sido muito gradual


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mas consistente. Pode-se concluir que o pulso, e consequentemente o organismo de Rogério, está mais equilibrado, mais forte e menos propenso a alterações. Apesar do sistema Manaka corrigir muitas vezes problemas estruturais sérios, este caso clínico apresenta uma fusão das costelas, em que a correcção não poderá ser garantida. Mas seguramente promove um processo de renovação interna e fortalecimento do organismo do Rogério.

Gripe 5. Identificação do paciente Nome: Vera Idade: 12 anos Queixa principal: Gripe Frequência das consultas: Tratamento realizado ao longo de um dia, 30.12.2012 6. Características do paciente e sua patologia A paciente é uma rapariga belga de 12 anos com porte de 16 anos, vive em Namur na Bélgica. Apresentava sensibilidade na garganta com alguma tosse. Numa manhã ao despertar não se conseguiu levantar da cama. Nesta altura a palpação revelou que a testa se apresentava quente e que os pés não estavam frios, este último sinal indica um bom prognóstico. 7. Diagnóstico e tratamento A técnica utilizada no tratamento foi Toyohari devido à constituição da adolescente. Na palpação inicial o pulso apresentava-se muito rápido e superficial, estando bastante cheio do lado esquerdo, sobretudo na posição medial e mais fraco no lado direito, principalmente na posição mais distal. O abdómen era relativamente tónico mas estava um pouco fraco à volta do umbigo - em Toyohari, abdómen tónico indica uma boa constituição mas a deficiência à volta

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do umbigo aponta para fraqueza do sistema digestivo; o quadrante superior esquerdo mais deprimido (zona do Pulmão) e o quadrante à frente do ilíaco esquerdo apresentava-se bastante tenso quando comparado com o direito - indicador de tensão no Fígado. O diagnóstico pelo pulso, a palpação do abdómen e os sintomas mencionados indicavam um padrão de deficiência do meridiano do Pulmão com excesso no Fígado. Seguiu-se o tratamento utilizando Toyohari. Devido à sua constituição de jovem adolescente, o instrumento utilizado foi o teishin, este semelhante a uma agulha mas com a ponta redonda. A paciente mostrou-se inicialmente apreensiva, tendo depois alterado imediatamente a sua disposição. O tratamento foi iniciado com a tonificação dos quatro pontos do abdómen produzindo uma sensação instantânea de relaxamento. Depois com uma agulha de prata, foram tonificados os pontos 8P e 4BP, pontos de elemento metal relacionados com a sintomatologia, nomeadamente gripe e tosse. Em seguida, foi utilizada uma agulha de aço inoxidável para dispersar o ponto 3F de forma muito superficial, com ligeira inserção, sem causar qualquer manifestação negativa por parte da Vera. Nesta altura o pulso apresentava-se mais harmonizado em ambos os lados, as posições mais igualitárias e com uma menor frequência. Foi ainda dispersado o ponto 58Bx com a mesma técnica utilizada no ponto 3F. Aplicou-se em seguida moxa okyu, tendo sido necessária uma exemplificação inicial na mão da especialista de forma a garantir à paciente que esta não se queimaria. O apoio da mãe durante o tratamento verificou-se bastante importante para a tranquilizar. A moxa foi aplicada em 10 okyu no 5P, 7 okyu no 7P e 7 okyu no 9P. No final do tratamento a febre tinha descido para uma temperatura normal e a tosse tinha reduzido bastante, no entanto a paciente apresentava ainda afonia.

Foi recomendado pela especialista que a paciente repousasse bastante, sendo feita nova avaliação ao final da tarde. Nesta altura a paciente sentia-se muito melhor, após ter dormido bastante. À noite foi novamente palpado o pulso e analisado o estado da Vera. O pulso estava bastante mais controlado, embora a posição do Fígado ainda estivesse tensa. Foi realizado um tratamento bastante suave, com tonificação dos pontos 9P e 3BP (pontos Terra, para reforçar o elemento Metal, que já não apresentava tantos sintomas nesta altura) e dispersão apenas do ponto 3F. Foi realizado 15 okyu nos pontos 14VG e 12Bx (pontos para clarificar calor interno, sobretudo da parte superior, e com acção na garganta). A paciente sentiu-se bem, tendo sido novamente recomendado que esta descansasse bastante. Dormiu toda a noite, de manhã já falava e a tosse praticamente não existia. 5. Avaliação geral A paciente era bastante sensível ao tratamento e foi comentando que sentia que certas manobras lhe faziam bem: nomeadamente, a dispersão do ponto 3F e 58Bx e o relaxamento induzido pelo teihin nos 4 pontos. Ficou, portanto, bastante impressionada com a evolução do tratamento. O descanso foi outro factor que contribuiu bastante para um resultado positivo em tão pouco tempo. O tipo de acupunctura utilizado foi o Toyohari em vez do Shonishin, apesar de este último poder ser aplicado até aos 15 ou 18 anos de idade. O factor principal de escolha esteve relacionado com a dose de tratamento (Birch, 2011, p.1923). Ambos os estilos são considerados gentis e eficazes, mas ao realizar-se uma avaliação correcta da dose apropriada para a constituição da paciente, verificou-se ser mais indicado o Toyohari. Esta adolescente tem uma constituição e uma maturidade equivalente à de um adulto, notório no diálogo e atitude. O estilo Shonishin é indicado no tratamento de bebés e crianças de constituição frágil ou delicada.

Ana Sofia Pacheco é especialista em Acupunctura Japonesa (Toyohari, Meridian Therapy, Manaka e Shonishin) desde 2006, formada em Amsterdão por Stephen Birch e Junko Ida. Licenciada em Medicina Tradicional Chinesa, pela ESMTC, desde 2003.

Referências Birch, S. (2011), “Shonishin: Japanese Pediatric Acupuncture”, Thieme. Fukushima, K. (1999), “Meridian Therapy”, Omega Communications, Inc. Kushi, M. and Jack, A. (2003), “The Macrobiotic Path to Total Health”, Ballantine Books. Manaka, Y. (1995) “Chasing the Dragon’s Tail”, Paradigm Publications. Pitchford P. (1993), “Healing with Whole Foods”. North Atlantic Books, p.259. Yanaghishita (2009), “Palestra sobre desequilíbrios de Pediatria”. Tóquio, Japão.

os


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Sinergia de pontos-par: um exemplo teórico-prático no tratamento de doenças auto-imunes Autor: Jason D. Robertson Palavras-chave: Palpação de meridianos, acupunctura, pontos-par, qi defensivo, auto-imunidade.

Resumo: Este artigo explora os possíveis mecanismos fisiológicos englobados pelos pontos-par Chǐzé P5 (尺泽) e Fùliū R7 (复溜) e a sua utilização no tratamento de doenças auto-imunes. Esta abordagem está fundamentada na teoria médica clássica Chinesa, na qual o diagnóstico se baseia na palpação dos meridianos, combina a teoria dos meridianos com o conceito de pontos-par para criar uma abordagem flexível à prática clínica. De modo a evidenciar como a teoria médica clássica Chinesa pode ser relevante no tratamento das doenças auto-imunes, é abordada a relação entre o Pulmão, o Rim e o qi defensivo – uma discussão que toca em vários pontos da estrutura do modelo fisiológico clássico.

Introdução Pode-se alegar que o período mais recente de inovação na história da acupunctura foi marcado pela publicação do Great Compendium of Acupuncture and Moxibustion (針灸大成 Zhēn Jiǔ Dà Chéng) há 400 anos por Yang Ji Zhou’s (楊繼洲). Apresentado inicialmente em 1601, o trabalho de Yang representa a parte final no processo de compilação e síntese de caracterização da acupunctura na dinastia Ming (1368-1644 DC) (1.) Este trabalho tornou-se no livro basilar dos praticantes de acupunctura até à primeira metade do século XX. Através deste e de outros textos da era clássica, a aprendizagem dos estudantes era maioritariamente criada pelo recitar de ‘odes’ (賦 fù) memorizadas. Caracterizado por um ritmo semelhante às rimas dos pares de versos da poesia inglesa, esta forma de literatura serviu para facilitar a assimilação de informação pelos estudantes. Isto numa época em que os textos escritos eram um luxo acessível a poucos devido ao seu custo e à sua disponibilidade. Enquanto o século XX viu uma extraordinária

explosão na disponibilidade dos textos de acupunctura escritos, alguns dos conceitos base inerentes nos textos basilares como no Great Compendium foram perdidos. Um exemplo disto é a tendência das odes descreverem o tratamento de sintomas representativos com pontos-par. De forma a manter a concisão e o ritmo das odes, os padrões mais complexos foram reduzidos a simples sintomas, com uma listagem de dois ou mais pontos para o tratamento. Para os leitores da dinastia Ming, os sintomas representativos eram um resumo de um padrão de doença, que seria necessariamente definido por outros sinais e sintomas concomitantes. A ideia do diagnóstico da doença envolver uma detalhada análise de padrões de sintomas era nessa altura o princípio central da medicina Chinesa (2.). Infelizmente, na maior parte dos textos do século XX começou-se a listar pontos individuais para tratar sintomas específicos e estes padrões foram removidos da acupunctura. Esta tendência serve para simplificar a prática da acupunctura mas no processo separou-a da sua fundação do sistema vivo e dinâmico da teoria dos meridianos.

No sentido de o praticante actual poder avaliar da melhor forma o pensamento dos autores clássicos, é importante trazer certos aspectos da teoria dos meridianos de volta à clínica. O artigo seguinte sublinha três particularidades deste processo: • Noutros artigos argumentei que os primeiros praticantes de acupunctura utilizavam a palpação como uma técnica de diagnóstico com maior frequência daquela que é descrita nos livros modernos (3.). Por outro lado a abordagem utilizada pelos praticantes modernos concentra-se na palpação dos pontos unicamente para encontrar a sua localização precisa antes da punctura. Ao que parece muitos acupunctores antigos palpavam os meridianos como parte indispensável do diagnóstico. A palpação directa dos meridianos permite-nos discernir facilmente quais os problemas de todo o sistema de meridianos. Esta informação é combinada com outros sinais e sintomas para criar um diagnóstico baseado nos meridianos. • Como é anteriormente descrito, ao se passar do diagnóstico ao tratamento, os textos como o Great Compendium tendem a listar os pontos em pares em vez de individualmente. O conceito da sinergia de pontos poder ter um melhor efeito que a utilização de pontos individuais ajuda-nos a delinear uma estratégia clínica bastante favorável. Ao pensarmos em pontos-par, podemos evitar a tendência de criar combinações de acupunctura baseada em pontos escolhidos pelas suas ‘funções’ únicas. Pelo contrário, podemos afectar todo o sistema de meridianos pela combinação estratégica de vários meridianos.

“Os pontos-par podem enviar uma mensagem específica ao sistema de meridianos.”

• No sentido de darmos vida a este processo temos que delinear a nossa estratégia de tratamento a partir de uma compreensão da complexidade dos sistemas fisiológicos descritos na medicina Chinesa. Por outras palavras, as combinações de pontos-par têm maior efeito quando são baseadas numa compreensão da interacção dos vários meridianos no processo fisiológico. De modo a ilustrar de forma clara os conceitos anteriormente descritos, este artigo explora os mecanismos fisiológicos possivelmente envolvidos no ponto-par Chǐzé P5 (尺泽) e Fùliū R7 (复溜). Ao considerarmos a manifestação clínica da prescrição de um ponto apenas e do seu uso nalgumas condições auto-imunes, é também descrita a abordagem na acupunctura. Deve ser salientado que o objectivo desta apresentação não é o de utilizar este ponto-par no tratamento de todas as doenças auto-imunes. Pelo contrário, o objectivo é apresentar um exemplo de como a flexibilidade do pensamento pode ser desenvolvida ao combinar o conceito de ponto-par à palpação e à teoria clássica. Uma vez familiarizados com esta abordagem, poderá ser aplicada a uma variedade de outros padrões de doença complexos. O primeiro passo envolve uma atenção minuciosa aos detalhes no diagnóstico para discernir com precisão os padrões de cada paciente. Na realidade, a análise da teoria clássica aqui descrita foi inicialmente inspirada pela observação clínica. Ao ter denotado um padrão de alterações palpáveis em determinados meridianos e a eficácia do Chǐzé P5 e Fùliū R7 nalguns destes casos de disfunção imunitária, o autor demonstrou-se interessado naquilo que os textos clássicos podem dizer acerca do papel dos meridianos e pontos múltiplos na fisiologia da imunidade. Uma vez iniciada, esta pesquisa baseada na palpação levou a algumas descobertas específicas sobre as nossas hipóteses teóricas mais básicas. Palpação e pontos-par A palpação e diagnóstico pelos meridianos, uma abordagem defendida pelo professor Wang Ju-


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yi (王居易) de Pequim, não é nova na história da medicina Chinesa (4.). Esta é considerada fundamental no diagnóstico do Dr. Wang, sendo a sua estratégia de tratamento baseada no conceito de pontos-par. Como é anteriormente descrito, a utilização de pontos-par sinergísticos é bastante comum na história da medicina Chinesa (5.). No entanto, a utilização de pontospar como ‘fórmula’ de acupunctura é pouco enfatizada no ensino actual. Pelo contrário, ao formularmos as nossas estratégias clínicas tendemos a pensar nas ‘funções’ individuais de cada ponto. O uso de pontos-par permite a criação de uma estratégia que serve de foco no tratamento de um meridiano(s) em particular. Outros pontos auxiliares podem obviamente ser adicionados, mas estes pontos são secundários e servirão apenas para ajustar ou direccionar a estratégia geral estabelecida pelo par original. A punctura unilateral ou bilateral dos pontospar transmite uma mensagem específica ao sistema de meridianos. O processo de formular o princípio de tratamento utilizando apenas uma prescrição de dois pontos, permite determinar o que funciona ou não funciona no tratamento de um padrão complexo. Se após um determinado número de tratamentos verificarmos que um pontos-par não está a ter o efeito pretendido, sabemos que uma abordagem específica não tem resultado. Na experiência do autor, ao reavaliarmos a nossa estratégia é crucial voltarmos a realizar a palpação. Sem utilizarmos estes métodos (ou outros) para reavaliar o diagnóstico, alterarmos indiscriminadamente pontos-par é como atirarmos setas a um alvo com os olhos vendados. Uma abordagem tão sedutora - a integração da palpação com a selecção da sinergia de pontos-par - pode facilitar o desenvolvimento da estratégia que melhor se enquadra ao paciente (6.). Dos pontos-par usualmente utilizados, um dos preferidos do Dr. Wang é a combinação do Chǐzé P5 com o Fùliū R7. O ponto-par Chǐzé P5 e Fùliū R7 é um dos mais utilizados em acupunctura. Numa perspectiva dos cinco movimentos, esta combinação envolve um ponto água num meridiano metal

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(Chǐzé P5) e um ponto metal num meridiano água (Fùliū R7). Este parece facilitar a ligação entre estes dois elementos, cuja relação é mãe (metal) - filho (água). Esta relação dá-nos uma base para compreender o seu efeito. A eficácia clínica deste par levanta questões óbvias relativas à natureza da relação Pulmão-Rim nos textos clássicos, e em como isto poderá depois ter influência na estratégia clínica. Que outros aspectos poderemos mais considerar que nos permita determinar com precisão quando este ponto-par poderá ser eficaz ou, por outro lado, qual o tipo de sintomas que nos poderá levar a considerar o tratamento com outros meridianos? Estamos todos familiarizados com a ideia de que o Rim ajuda o Pulmão ao ‘aceitar’ ou ‘agarrar’ o qi (納氣 nà qì) (7.). Muitos pensam que este é um processo activo no qual o qi do Rim realmente agarra ou puxa o qi para baixo, de modo a facilitar o processo natural de descida (降 jiàng) do Pulmão. O estudo de várias afirmações do Inner Classic (內經 Nèi Jīng) não aponta para ‘aceitar’ como a melhor tradução deste termo, revelando hipóteses surpreendentes de outros meridianos e órgãos estarem envolvidos neste aspecto da fisiologia. Ao seguirmos esta linha de pensamento pode ser encontrada uma melhor compreensão dos mecanismos da aplicação clínica apropriada do ponto-par Chǐzé P5-Fùliū R7. O Pulmão-Rim e o qi defensivo (衛氣 wèi qì) Anatomia clássica e o qi defensivo No Inner Classic a discussão sobre o Rim e o Pulmão é mais complexa do que qual noção que possamos ter formado a partir de outros livros. Sobretudo quando começamos a investigar a sua relação e se torna impossível encontrar uma relação fisiológica que envolva apenas estes dois órgãos. Claro que, num sistema em que tudo está relacionado, esta é sempre uma constante. No entanto, a relação do Pulmão e Rim descrita no Inner Classic apenas poderá ser compreendida se considerarmos outras estruturas dentro do modelo clássico. Por

exemplo, o segundo capítulo do Divine Pivot ( 靈樞 Líng Shū) declara que ‘o Shaoyang está associado com o Rim; o Rim sobe para se ligar ao Pulmão e [o Rim] assim comanda ambos os órgãos.’ (8.) Aqui são mencionados alguns conceitos que geralmente não estão presentes nos textos modernos. Particularmente, que o Rim está associado ao Shaoyang (ao contrário do Shaoyin) e é referido que de alguma forma ‘comanda’ (將 jiāng) esse meridiano e o Pulmão. O autor Zhāng Jǐng Yuè do Classified Classic ( 類經 Lèi Jīng), dinastia Ming, afirma que esta secção do Inner Classic descreve a relação em que o Sanjiao (um órgão Shaoyang) tem um papel fundamental na relação Pulmão-Rim (9.). Zhang relembra-nos que o meridiano do Sanjiao, tal como o meridiano do Rim, tem um ramo que se espalha ao longo do Pulmão no peito. As implicações fisiológicas deste sistema de três órgãos são complexas e cruzam os conceitos do qi defensivo com o do metabolismo dos líquidos no modelo clássico. Por exemplo, podemos lembrar-nos que o Sanjiao é uma via significativa dos líquidos no corpo enquanto o Pulmão e o Rim têm um papel fundamental no metabolismo dos mesmos. Assim, os fluidos no Sanjiao são o meio de como o Rim comanda o Pulmão. Consequentemente, alguns problemas na relação Pulmão-Rim podem advir de uma falta do livre movimento nas vias do Sanjiao. Mais à frente veremos como a expansão destas ideias nos pode ajudar a criar estratégias de tratamento da patologia do qi defensivo e nos pode também ajudar a analisar a informação recolhida na palpação dos meridianos. O capítulo XVII do Divine Pivot revela outros aspectos interessantes sobre a relação entre o Pulmão, o Rim e o Sanjiao, levando a discussão a outro nível. A maior parte de nós está familiarizada com a associação dos Pulmões com a pele, sendo isto mencionado noutros capítulos do Inner Classic (10.). No entanto, no Divine Pivot é mencionado que a relação dos órgãos yin com os aspectos da anatomia à superfície é mediada pelo seu órgão-par:

“Os fluídos no Sanjiao são o meio de como o Rim comanda o Pulmão.” ‘O Pulmão une-se com o Intestino Grosso; o Intestino Grosso liga-se à pele. O Coração une-se com o Intestino Delgado; o Intestino Delgado liga-se aos vasos. O Fígado une-se com a Vesícula Biliar; a Vesícula Biliar liga-se aos tendões. O Baço une-se com o Estômago, o Estômago liga-se aos músculos. O Rim unese com o Sanjiao e com a Bexiga; o Sanjiao e a Bexiga ligam-se com os interstícios e com o pêlo fino.’ (11.) Denote-se que esta secção associa o Rim não com os ossos mas com os interstícios e com o pêlo fino (腠理 còu lǐ) na superfície do corpo. Há mais informação sobre este assunto à frente no mesmo capítulo, numa passagem relativamente trabalhosa onde a relação entre o Rim e os ossos é destacada, sendo imediatamente seguida pela análise da estrutura do ‘Sanjiao-Bexiga’: ‘O Rim está ligado aos ossos. Os densos ‘espaços-padrão’ [mì lǐ] e a pele espessa [é onde] o Sanjiao-Bexiga é espesso. Os espaços abertos-relaxados [cū lǐ] e a pele fina é onde o Sanjiao-Bexiga é leve. [Onde os] interstícios [còulǐ] são drenados, o Sanjiao-Bexiga é relaxado. [Onde a] pele é espessa e não há pêlos finos, o Sanjiao-Bexiga é tenso. [Onde/quando] os pêlos finos são bonitos e abertos, o Sanjiao-Bexiga é recto [no lugar]. [Onde/quando] há poucos pêlos finos, o Sanjiao-Bexiga está bloqueado.’ (12.) Que informação se pode retirar desta passagem? Em termos actuais, parece referir-se à qualidade da fáscia e aos tecidos conectivos, imediatamente abaixo da superfície da pele. O seu ‘relaxamento’ implica uma livre circulação de nutrientes e fluidos que se manifestam numa abundância de pêlo (pensem nos finos pêlos existente nos braços de uma criança). Nesta secção, o Sanjiao-Bexiga é então associado com a qualidade e saúde do tecido imediatamente abaixo da superfície da pele - uma característica facilmente palpável. Se tivermos em consideração ambas as passagens


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anteriormente descritas, o Inner Classic remete para uma ressonância directa entre estes tecidos, o Rim e os ossos - como se o Rim estabelecesse uma ligação entre estas estruturas, uma ligação que vem desde a profundidade dos ossos até aos pêlos na pele. Acrescentando ainda: como a Bexiga e o Sanjiao são vias de circulação de fluidos, a sua capacidade em manter a textura e função regulares depende da estimulação do Rim. Estas secções do Inner Classic também abordam o facto de, na medicina Chinesa, os patogénicos externos se poderem interiorizar no corpo quando a superfície não está protegida, por exemplo quando os interstícios não abrem e fecham apropriadamente. Poderá isto estar de alguma forma ligado com a função do Rim? A fonte/origem do qi defensivo Tendo descrito de forma precisa as estruturas associadas com o qi defensivo, viramos agora a nossa atenção para uma secção alguns capítulos à frente no Divine Pivot. Observemos esta afirmação que também está patente nalguns livros modernos: ‘O Imperador Amarelo afirma: Gostaria de ouvir sobre os movimentos do construtivo-defensivo; de onde vem e vai? Qi Bo afirma: O construtivo vem do aquecedor médio, o defensivo vem do aquecedor inferior.’ (13.) [Divine Pivot XVIII] A declaração de que o qi defensivo é gerado no aquecedor inferior é imediatamente seguida de uma afirmação sobre o Sanjiao: ‘O Imperador Amarelo pergunta: De onde emerge o Sanjiao? Qibo responde: O aquecedor superior emerge do aspecto superior (boca) do estômago e sobe para a garganta; liga-se [através] do diafragma e espalha-se no peito...’ (14.) Devemos prestar atenção à ordem e ao ritmo do texto. Tendo referido que o qi defensivo vem do aquecedor inferior, o texto relembranos que o Sanjiao se espalha no peito. Uma vez mais a ligação do Pulmão e do Rim pelo Sanjiao é citada - desta vez no contexto do

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qi defensivo. A passagem que afirma que o qi defensivo vem do aquecedor inferior tem inspirado debates durante pelo menos 1000 anos. Em termos gerais, podemos verificar uma mudança no pensamento ao longo dos séculos, de uma aceitação mais generalizada (mas ainda debatida) do aquecedor inferior como a fonte do qi defensivo em muitos textos modernos sobre o aquecedor superior e a sua fonte. A origem desta mudança parece acontecer na dinastia Ming quando no texto acima referido, o Classified Classic, é apresentado um argumento conciso a favor do aquecedor inferior: ‘A raiz de uma pessoa é basicamente essência e qi. O qi é yang e o yang tem de ser gerado a partir do yin. A essência é yin e o yin tem de ser gerado a partir do yang. O construtivo pertence basicamente ao yin e tem de derivar do Pulmão e depois mover-se para baixo. O defensivo é basicamente yang e tem de vir do Rim e moverse para cima. Isto é o significado de “o defensivo vem do jiao inferior”’. (15.) Aqueles que defendem que o aquecedor superior é a fonte do qi defensivo afirmam que a citação acima descrita deriva de um texto do Inner Classic que tem sido corrompido ao longo dos séculos. Este é um argumento plausível dado que os caracteres chineses para ‘baixo’ (下) e ‘cima’(上) são extremamente semelhantes. Podemos imaginar um copista no século quarto a enganar-se num traço numa cópia importante do Inner Classic. De facto, um outro texto menos conhecido da dinastia Han da tradição do Inner Classic, a Great Simplicity (太素 Tài Sù), torna este argumento mais plausível quando afirma que ‘o construtivo vem do aquecedor médio e o defensivo do aquecedor superior’. (16.) Mais ainda, outras secções do Inner Classic descrevem um qi tépido que emana do aquecedor superior e viaja para a superfície, o qual alguns associam com o qi defensivo. (17.) Este é o ponto central do argumento revelado por autores posteriores que reforça a ideia que o aquecedor superior (e assim o Pulmão) está intimamente associado com o qi defensivo. (18.) Deve ser sublinhado que este artigo não está a tentar explorar a fascinante e importante

discussão da acção combinada do construtivodefensivo no Inner Classic. O capítulo XVIII deste texto é inteiramente dedicado a este assunto. Intitulado ‘A Elevação e Retorno do ConstrutivoDefensivo’, este capítulo afirma que: ‘A humanidade recebe qi através dos grãos. Os grãos entram no Estômago e são transmitidos ao Pulmão. Os cinco zang e os seis órgãos fu todos utilizam [este] qi recebido. O seu [aspecto] claro torna-se no construtivo enquanto o seu [aspecto] turvo se torna no defensivo... Desta forma, o Taiyin domina o interior enquanto o Taiyang domina o exterior.’(19.) A afirmação que tanto a fonte do construtivo como a do defensivo envolvem a assimilação dos grãos pós-natais necessita também, claro, da inclusão do Baço-Estômago. Este capítulo descreve o construtivo e o defensivo como um par yin-yang. O construtivo é apresentado como movendo-se dentro dos vasos e a natureza activa (turva) do defensivo leva-o depois para o exterior dos vasos. Como o qi e o sangue, os dois originam-se mutuamente. No caso da pele e das estruturas associadas anteriormente mencionadas, um brilho saudável tem origem não apenas no eixo Pulmão-Rim mas também na abundância de sangue gerada pelo Taiyin Baço. Desta forma o Taiyin governa a geração do construtivo-defensivo no interior, enquanto o Taiyang governa a sua abertura para o exterior. Consequentemente, mesmo que o Rim seja a fonte do qi defensivo, é certamente fortalecido pela assimilação do qi pós-natal realizada pelo Taiyin Pulmão e Baço. Auto-imunidade e o qi defensivo No início desta secção deve ser reconhecido o risco na analogia entre o qi defensivo e o sistema imunitário. Um termo biomédico moderno raramente é, isto é se alguma vez puder ser, equivalente a um determinado conceito na medicina Chinesa clássica. Isto é especialmente notório quando discutimos os padrões autoimunes, pelo ataque do corpo a si mesmo. Na concepção tradicional de qi defensivo como um protector das invasões externas esta

analogia torna-se difícil de estabelecer. Ainda assim, podemos beneficiar da investigação moderna que indica que o sistema que nos protege dos factores patogénicos externos está habitualmente envolvido nestes padrões mais ‘internos’ da doença. Infelizmente está fora do âmbito deste artigo documentar os paralelismos entre a compreensão moderna do sistema imunitário e a discussão clássica de qi defensivo acima descrita. Menciono apenas um breve exemplo considerando o facto que as células especializadas do sistema imunitário terem origem nas células estaminais da medula óssea. É na medula óssea (e no timo) que os linfócitos recém-formados estão presentes com auto-antigenes para educar o sistema imunitário sobre aquilo que é estrangeiro ou nativo ao ambiente interno. Esta informação chega às células da medula óssea de todo o corpo. Assim, ligam a parte interna dos ossos com a pele, com os Pulmões e com o sistema digestivo - todos os locais onde a divisão entre o ‘self’ e o ‘não-self’ é particularmente permeável. Claro que este conceito da divisão entre o exterior e o interior do corpo é muito mais complicado que o descrito, tanto na medicina moderna como na medicina Chinesa. Na medicina Chinesa, pensa-se que esta ideia da divisão entre o interior e o exterior seja mediada pelo Shaoyang Sanjiao - isto é, o Sanjiao media o processo de comunicação entre o Rim e a superfície do corpo. De modo a que a estrutura complexa do Sanjiao realize esta função, o movimento deve de ser livre e haver uma circulação aberta. Para sumarizar o raciocínio até agora apresentado, as secções acima citadas do Inner Classic expõem as relações entre os termos que poderemos de alguma forma descrever como ‘imunidade’ (qi defensivo) e uma variedade de estruturas e funções de órgãos. Desde a profundidade dos ossos à superfície dos pêlos finos, o Rim liga-se ao Pulmão através do Sanjiao. Estas relações podem ser descritas em 3 partes: 1. Pulmão-Rim


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Esta é uma relação entre raiz e ramo no contexto do qi defensivo. Este tem origem no Rim e os Pulmões são a fonte da sua distribuição. Equiparando à raiz e troncos de uma árvore, o Inner Classic parece afirmar que esta é uma relação bilateral. Isto está directamente relacionado com o conceito mencionado dos Rins ‘aceitarem’ o qi do Pulmão. Da mesma forma que as células estaminais (origem óssea) do sistema imunitário recebem a informação de todo o corpo sobre os ‘auto-antigenes’, o Rim tem necessidade de se ligar a uma complexidade de estruturas, as quais afectam significativamente a qualidade do qi defensivo. Pode ser esta a relação mencionada no Divine Pivot XVII onde, a seguir à citação ‘o Rim liga-se aos ossos’, vem uma descrição do tecido conectivo e da pele, assim como uma afirmação sobre os interstícios e os pêlos finos na superfície da pele. Observemos que à primeira vista este seria um texto redigido com uma ordem incongruente.

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afirmam que as condições auto-imunes tendem a envolver a deficiência do yin do Rim. (22.) Ao desenvolvermos este conceito podemos pensar numa condição auto-imune complexa em que a deficiência de yin afectou, não apenas o Rim, mas também as vias do Sanjiao. Se o Sanjiao é responsável pela manutenção do eixo PulmãoRim, uma lesão do yin irá afectar a capacidade do Rim em receber informação do resto do corpo. Assim a relação bilateral entre o Pulmão e o Rim altera-se. No sentido moderno, isto pode levar a uma afecção na diferenciação do ‘self’ e ‘não-self’ na auto-imunidade.

“Os movimentos do turvo ao longo do Intestino Grosso permitem ao qi do Pulmão difundir-se para cima e para fora - de forma semelhante ao efeito de efusão do peso de um balão de ar quente.”

2. Rim-Sanjiao A relação entre o Rim e o Sanjiao é fundamental. Quando consideramos os seis níveis energéticos do Taiyin, Shaoyin, Jueyin, Taiyang, Shaoyang e Yangming, devemos denotar que os meridianos associados ao Rim e ao Sanjiao são ambos descritos no Inner Classic como pivôs (樞 shū). Por outras palavras, os meridianos Shaoyin e Shaoyang são ambos pivôs entre os outros dois níveis yin e yang, respectivamente. São assim locais de movimento crucial e fonte do fogo metabólico. Quando há uma deficiência do Rim yin (Shaoyin) a gerar calor, este usualmente manifesta-se no pivô Shaoyang (meridianos do Sanjiao e Vesícula Biliar). Este tipo de calor coaduna com o conceito de fogo ministerial (相 火 xiāng huǒ) na medicina Chinesa. (20.) Enquanto o Rim e o Sanjiao estão associados ao fogo metabólico/fonte do qi, ambos estão também enraizados na água. O Rim é reconhecido como a fonte inferior da água enquanto o Sanjiao é equiparado a uma via de passagem ou rego. (21.) É interessante denotar que os clínicos modernos frequentemente

Assim, se o Rim não estiver claramente ligado ao Pulmão e a outras estruturas, o defensivo torna-se extraviado. 3. Pulmão-pele A relação entre o Pulmão e a pele está bem estabelecida na medicina Chinesa. No entanto, o seu mecanismo pode ser clarificado ao considerarmos a secção do Inner Classic acima mencionada, que afirma ‘o Pulmão une o Intestino Grosso; o Intestino Grosso ligase à pele.’ Isto parece afirmar que o Pulmão se liga em baixo com o Intestino Grosso, e depois se move em direcção à superfície do corpo através do seu órgão par yang. Deve ser novamente salientado que o Inner Classic afirma que o qi defensivo vem do aquecedor inferior e, apesar do que muitos especialistas têm advogado, o texto não especifica o Rim. Como normalmente associamos a pele ou pêlo com o qi defensivo, uma outra parte da imagem forma-se imediatamente. A forma mais simples

de compreender este aspecto da relação é considerar o mecanismo da fórmula má xìng shí gān tāng (Decocção de Efédra, Caroço de Alperce, Gesso e Alcaçuz). Esta fórmula é frequentemente utilizada em casos de pieira, fleuma, sede e febre. No Hospital de Chengdu de MTC esta fórmula é regularmente utilizada no departamento de pediatria para crianças com pneumonia acompanhada com obstipação. Os médicos clarificaram que os intestinos não se estão a mover antes da prescrição desta fórmula. (23.) O caroço de alperce (Xing Ren [Armeniacae Semen amarum]) na fórmula é particularmente útil devido à sua capacidade de humedecer os intestinos e fazer descer o qi do Pulmão. Ao se mover para baixo, para o Intestino Grosso, o Pulmão abre-se. Este mecanismo também é descrito no capítulo XXXV do Classic of Difficulties (難經 Nàn Jīng), no equilíbrio entre o movimento do yin turvo através dos intestinos e da manutenção da clareza necessária do ambiente interno para o Coração e para o Pulmão funcionarem apropriadamente. Por outras palavras, o texto descreve um equilíbrio entre os aquecedores superior e inferior. Assim a saúde do Intestino Grosso é também outro interveniente essencial na difusão para o exterior do qi defensivo. Os movimentos do turvo ao longo do Intestino Grosso permitem ao qi do Pulmão difundir-se para cima e para fora - de forma semelhante ao efeito de efusão do peso de um balão de ar quente. Este movimento leva a um qi luxuriante se apresente na pele. Como deveremos interpretar este argumento e, mais importante ainda, o que nos pode dizer que seja útil do ponto de vista clínico? Muitos de nós sabemos que certas fórmulas direccionadas para o Rim são utilizadas em condições envolvendo padrões auto-imunes enquanto, ao mesmo tempo uma fórmula para o ‘qi defensivo’ como a yù píng fēng săn (Pó de Jade para proteger do Vento) parece ter uma acção específica no Taiyin Baço-Estômago. É nesta fase em que os três pontos inicialmente descritos no artigo se complementam. Reforçados pela compreensão da complexidade da fisiologia clássica do qi defensivo, podemos virar-nos para a palpação.

Uma análise das alterações na palpação podem ajudar-nos a compreender se o ponto-par Chǐzé P5-Fùliū R7 será adequado. Palpação dos meridianos na doença auto-imune De acordo com a experiência do autor, a palpação do trajecto dos meridianos em contexto clínico tende a revelar padrões de alteração comuns. A sua presença manifesta-se num grande número de pacientes auto-imunes, envolvendo mudanças em três dos seis níveis do sistema de meridianos: Taiyin Por exemplo, muitos pacientes com alergias sazonais apresentam nódulos ao longo do meridiano do Pulmão, especialmente na zona entre os pontos Chǐzé P5 e Kǒngzuì P6 e em redor do ponto Jīngqú P8. Em pacientes com doenças auto-imunes, estas mesmas áreas apresentam também alterações semelhantes. Como seria expectável, quando a humidade e o calor estão presentes no quadro clínico, o meridiano do Baço está envolvido. Nestes casos as áreas do Gōngsūn BP4 e, em menor grau, do Yīnlíngquán BP9 podem estar bloqueadas. Quando há uma deficiência do Taiyin na assimilação do qi pósnatal, normalmente encontramos uma sensação de vazio ou uma pequena ‘bolha’ na área do Tàibái BP3. Shaoyin Nos casos de doença auto-imune encontramos alterações palpáveis bastante evidentes ao longo do meridiano do Rim, bastante mais notórias que no meridiano do Coração. A área mais relevante na palpação é a região medial da perna entre os pontos Tàixī R3 e Fùliū R7. Shaoyang Muitos pacientes que manifestam inflamação no corpo tendem a apresentar granulosidades ao longo do aspecto distal do meridiano do Sanjiao. Em particular, a área entre os pontos Sānyángluò TA8 e Wàiguān TA5 assemelha-


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se a uma estrada desnivelada ou em redor dos pontos Wàiguān TA5 e Zhīgōu TA6 pode haver um espessamento significativo da fáscia. Nalguns casos poderemos pensar que estas alterações podem ser um indicador de calor por deficiência gerado da lesão do yin no outro pivô (Shaoyin), como foi descrito anteriormente. Noutros, é um indicativo de estagnação nos vasos e tendões das áreas relativas ao Shaoyang na parte superior das costas e do pescoço, e deve ser realizada uma distinção clínica bastante minuciosa. No geral, quando há uma inflamação interna séria, as alterações tendem a manifestar-se bilateralmente. Em cada caso, o envolvimento relativo destes meridianos pode variar. Assim, a sua palpação é crucial para determinar o melhor tratamento. Por exemplo nos padrões crónicos sistémicos a envolver calor no corpo pode-se esperar que o Sanjiao esteja envolvido. No entanto, muitas vezes verifica-se que na palpação o meridiano se encontra num estado perfeito. Nestes casos deveremos considerar a possibilidade de o calor se encontrar mais profundamente (normalmente no par-interno do meridiano Jueyin). Por outro lado, alguns pacientes com alergias sazonais crónicas têm alterações menos notórias no meridiano do Pulmão. Nestes casos, a palpação revela por outro lado que o Shaoyang, os meridianos do Sanjiao e da Vesícula Biliar, se encontram muito mais envolvidos. Por vezes, especialmente em pacientes com constituição fraca é difícil encontrar alterações com significado clínico ao longo dos meridianos. É como se o sistema de meridianos não fosse capaz de criar uma resposta. Em muitos casos no entanto, o sistema patológico tende a concentrar-se em redor destes três meridianos e dos seus órgãos associados. Chǐzé P5 e Fùliū R7 À luz da informação apresentada podemos começar a considerar qual a melhor forma de utilizar os pontos Chǐzé P5 e Fùliū R7. A eficácia deste par numa grande quantidade de síndromas que envolvem o qi defensivo deve

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ser avaliada no contexto anteriormente descrito da relação entre Pulmão-Rim-Sanjiao-pele. Este não o único par utilizado no tratamento destas condições complexas, sendo realizada uma reflexão sobre a sua aplicação no Classic of Difficulties. Tendo em mente que Chǐzé P5 é um ponto he-mar do meridiano do Pulmão, devemos notar no que capítulo LXVIII descreve os pontos he-sea como eficazes no tratamento do ‘qi contracorrente e diarreia’ (氣逆而瀉 qì nì ér xiè). Assim verifica-se a capacidade deste ponto em clarear calor pelo mecanismo acima descrito utilizando má xìng shí gān tāng (Decocção de Efédra, Caroço de Alperce, Gesso e Alcaçuz). Chǐzé P5 facilita a inversão do qi contracorrente do Pulmão para a sua direcção descendente original. O movimento descendente do qi do Pulmão estabiliza a função do Intestino Grosso. Seguidamente consideremos que Fùliū R7 é o ponto jing-rio do meridiano do Rim. O mesmo capítulo do Classic of Difficulties descreve os pontos jing-rio como eficazes no tratamento de ‘pieira, tosse, calor e frio’ (喘咳寒熱 chuǎn ké hán rè). Fùliū R7 é descrito na literatura clássica como estabilizador do exterior por regular a transpiração - o que indica a sua afinidade com a pele. Os cinco movimentos associados com estes pontos-par e as direcções do Classic of Difficulties revelam a tendência destes pontos facilitar a ligação Pulmão-Rim. Este par é particularmente útil nos casos onde há uma deficiência de yin (do Pulmão e/ou Rim) com uma resposta auto-imune inadequada. Outra forma de expressar que a comunicação entre o Rim em profundidade e a superfície da pele está comprometida tem a ver com problemas no metabolismo dos fluidos. A palpação dos meridianos pode ajudar-nos a determinar quando este par poderá ser eficaz. O factor mais importante a determinar é a natureza da alteração da palpação na área do Fùliū R7. Quando há uma deficiência significativa do Rim acompanhada de inflamação, a área do Fùliū R7 está inchada, em plenitude e frequentemente dolorosa. Por vezes podemos sentir um edema em forma de almofada nesta zona. Quanto mais óbvia é a alteração, mais úteis serão os pontos

Chǐzé P5 e Fùliū R7. Por outro lado, quando esta área do Rim apresenta alterações, podemos explorar algumas das implicações teóricas acima descritas ao palpar cuidadosamente. Assim o desenvolvimento de uma estratégia de tratamento para várias condições auto-imunes pode envolver a utilização do ponto-par Chǐzé P5 - Fùliū R7. No entanto, se considerarmos que estes órgãos interagem com o Sanjiao, com o Baço e com o Intestino Grosso, podemos escolher combinações inesperadas, mas eficazes, de pontos de outros meridianos. O ponto-chave é, na nossa mente, darmos vida ao meridiano enquanto mantemos a mão no paciente. Assim que começamos a palpação, nunca sabemos o que poderemos encontrar. Conclusão O processo através do qual a teoria clássica, a palpação dos meridianos e os textos podem ser combinados para modelar a estratégia clínica - como é demonstrado neste artigo - pode ser sumarizada da seguinte forma: 1. O pré-requisito mais importante para desenvolver flexibilidade na prática de acupunctura envolve uma tomada de atenção àquilo que sentimos com as nossas próprias mãos na clínica. A medicina Chinesa requere que cada um de nós desenvolva as técnicas de diagnóstico utilizando os nossos próprios sentidos - esta é a base na qual cada união clínica tem de se apoiar. A história da medicina Chinesa está repleta de uma riqueza de estratégias para desenvolver a percepção dos nossos pacientes através do autodesenvolvimento e de tecnologias, desenvolvidas com esforço, para interpretar e categorizar a informação que podemos ver, sentir, percepcionar e cheirar. Independentemente da abordagem que escolhemos enfatizar, este é sempre um ponto de partida. 2. A relação com uma tradição textual é fundamental. A partir desta podemos testar, avaliar e desenvolver constantemente conclusões provisórias baseadas nos padrões dos nossos pacientes. Este é o processo

acima descrito, no qual um padrão significativo de alterações ao longo dos meridianos dos pacientes com alterações imunitárias nos leva a pesquisar avidamente o Inner Classic na busca de respostas. Ao longo dos séculos, este texto e os comentários a ele associados, providenciaram uma fundação teórica para inicialmente se compreender a teoria clássica e depois expandi-la na clínica moderna. (24.) 3. Uma vez mais familiarizados com o sistema descrito nos textos basilares, podemos começar a inovar. Esta inovação está na origem da resposta frustrante que devemos receber dos nossos professores, ‘Qual é o ponto que utilizas para tratar X?’. Quando esta questão é colocada, muitos especialistas começam a percorrer uma multiplicidade de padrões que poderão ter originado o sintoma ou doença em questão. A sua resposta normalmente começa com a seguinte frase, ‘Bem, isso depende...’. Mais importante ainda, a flexibilidade de pensamento ganha na utilização deste processo irá melhorar os resultados clínicos dos nossos pacientes mais difíceis. Permite-nos utilizar os pontos fortes da nossa tradição evitando que nos dirijamos para um futuro em que pontos específicos são sempre indicados para a mesma doença. Pelo contrário, os protocolos futuros podem sugerir três ou quatro meridianos comuns envolvendo uma determinada queixa... Seguidas de uma anotação para descobrirmos por nós próprios.

Jason D. Robertson, MSc, licenciado em Acupunctura pelo American College of Traditional Chinese Medicine em 2000. Robertson continua a traduzir para o Dr. Wang Ju-Yi em Pequim, e a dar palestras nos Estados Unidos e Europa. Tem uma clínica privada em Seattle (EUA) e é um membro central do Seattle Institute of Oriental Medicine.

“Este artigo é traduzido do original em língua inglesa e foi inicialmente publicado em The Journal of Chinese Medicine www.jcm.co.uk <http://www.jcm.co.uk> “.


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Notas finais 1. O processo de sistematização iniciou-se na dinastia Ming, em 1439, com a publicação de Xu Feng (徐鳳) de Complete Works of Acupuncture and Moxibustion (針灸大全 Zhēn Jiǔ Dà Quán), continuada por Gao Wu (高武) em 1529 no texto A Collection of Gems in Acupuncture and Moxibustion (針灸聚英 Zhēn Jiǔ Jù Yīng) e culminou em 1601 com a publicação do Great Compendium. 2. Por exemplo, o texto de 610DC da dinastia Sui, General Treatise on the Causes and Manifestations of All Disease (諸病源侯論 Zhū Bìng Yuán Hóu Lùn) de Chao Yuan Fang (巢元方) é uma compilação de mais de 1700 tipos de doenças, todas categorizadas por diferenciação detalhada das doenças utilizando padrões de sintomas descritos dois séculos antes no Treatise on Damage by Cold (傷寒論 Shāng Hán Lùn). 3. Para uma observação mais detalhada da palpação como método diagnóstico consultar Wang, J.Y. & Robertson, J.D. (2007). “Channel Palpation”. Journal of Chinese Medicine. 83, 18-24. 4. Ibid. p.18 5. Por exemplo, no Great Compendium (針灸大成 Zhēn Jiǔ Dà Chéng) a secção favorita do Dr. Wang é a Ode aos 100 Sintomas (百癥賦 Bǎi Zhèng Fù). Esta ode, que contém excelentes combinações de pontos pares, foi originalmente encontrada em A Collection of Gems in Acupuncture and Moxibustion (針灸聚 英 Zhēn Jiǔ Jù Yīng). 6. Para uma introdução detalhada aos pontos-par mais comuns do Dr. Wang consultar o capítulo XX de Wang, J.Y. & Robertson, J.D. (2008). Applied Channel Theory in Chinese Medicine. Seattle: Eastland Press. 7. O Maciocia prefere ‘agarrar’, o Wiseman prefere ‘absorver’ e a Eastland Press advoga ‘aceitar’. 8. 少陽屬腎,腎上連肺,故將兩臟。(灵枢本输) (shào yáng shǔ shèn, shèn shàng lián fèi, gù jiāng liǎng zàng). 9. Especificamente, no Classified Classic (类 经 Lèi Jīng) esta seccao é discutida no Inner Classic, Zhāng Jǐng Yuè refere que ‘Entre os orgaos [referindo-se ao Shaoyang] corresponde ao Sanjiao, usualmente designado como órgão-órfão.’ (脏腑有相合三焦曰孤府 zàng fǔ yǒu xiāng hé sān jiāo yuē gū fú). 10. Por exemplo, o capítulo V do Divine Pivot ( 經脈) descreve uma relação mais directa entre o Pulmão Taiyin e a pele.

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11.肺合大腸,大腸者,皮其應;心合小腸,小腸 者,脈其應;肝合膽,膽者,筋其應;脾合胃,胃 者,肉其應;腎合三焦膀胱,三焦膀胱者,腠理毫 毛其應. 12. 腎應骨,密理厚皮者,三焦膀胱厚;麤理薄皮 者,三焦膀胱薄。疏腠理者,三焦膀胱緩;皮急而 無毫毛者,三焦膀胱急。毫毛美而麤者,三焦膀胱 直,稀毫毛者,三焦膀胱結也。 13. 黄帝曰:愿闻营卫之所行,皆何道从来?岐伯 答曰:营出于中焦,卫出于下焦。 14. 黄帝曰:愿闻三焦之所出。岐伯答曰:上焦出 于胃上口,并咽以上,贯膈而布胸中,…… 15 盖人之所本,惟精与气。气为阳也,阳必生于 阴;精为阴也,阴必生于阳。故营本属阴,必从肺 而下行;卫本属阳,必从肾而上行。此皆卫出下焦 之意。《类经•胃气运行之次》 16. 黄帝曰:愿闻营卫之所行,皆何道从行?岐伯 答曰:营出于中焦,卫出于上焦。The Huáng Dì Nèi Jìng Tài Sù (黄帝内经太素) atribuído a Yáng Shàng Shàn (杨上善) é um dos quatro textos existentes do Inner Classic. Estima-se que este texto tenha sido escrito cerca de 650AC, foi perdido durante 12 séculos, tendo apenas reaparecido quando uma cópia foi localizada num templo no Japão no século XVIII. Além do mais famoso Líng Shū e Sù Wèn, o quarto destes textos Inner Classic é conhecido como Ming Tang (明堂). Uma citação referente à origem do qi defensivo vem do capítulo intitulado On Constructive and Defensive Qi 《黄帝 内经太素•营卫气》. 17. Ver 《内经》中,《灵枢•五味》、《灵枢• 痈疽》、《灵枢•平人绝谷》、《素问•调经 论》. Para um excelente artigo que incide sobre os pontos importantes ao longo do aquecedor superior/inferior consultar Dong, S.P. & Zhang, N. (2004). “On the Divine Pivot discussion of Defensive Qi Emerging from the Upper Jiao”. Journal of The Beijing University of Chinese Medicine 3, 19‑20. ( 董尚朴 张暖. 从《灵枢》原文论证卫出于上焦《北 京中医药大学学报》2004年第3期19~20页). 18. Consultar, por exemplo, o Classic of Holding to the Center (中藏經 Zhōng Càng Jīng) atribuído a Hua Tuo (华佗) da dinastia Han do Leste (25220 DC), o Arcane Essentials from the Imperial Library (外台秘要 Wài Tái Mì Yào) de Wang Tao (王涛) na dinastia Tang (618-907DC)) e Essential Prescriptions Worth a Thousand Gold Pieces for Every Emergency (备急千金要方 Bèi Jí Qiān Jīn Yào Fāng) de Sun Simiao (孙思邈) na dinastia Song (960-1279). 19.

人受氣于穀,穀入于胃,以傳與肺,五臟六

腑,皆以受氣,其清者為營,濁者為衛,營在脈 中,衛在脈外...故太陰主內,太陽主外. 20. Para uma discussão mais detalhada do fogo ministerial consultar pp.128-132 em Applied Channel Theory in Chinese Medicine. 21. The Explanation of Collected Medical Formulae (醫方集解 Yī Fāng Jí Jiě) por Wang Ang (汪昂) na dinastia Qing (1682) é a origem da máxima ‘o Pulmão é a fonte superior da água, o Rim é a fonte inferior da água’ (肺為水之上源,腎為水之下源). Por um lado, esta frase é relativamente recente na história da medicina Chinesa. Por outro lado, o conceito de Sanjiao ser uma ‘via’ vem do capítulo VIII do Basic Questions (素問 Sù Wèn) que refere que ‘o triplo aquecedor tem o ofício de delinear o caminho; a via das águas é emitida por ele.’ (三焦 者.決瀆之官.水道出焉). 22. Para uma boa referência sobre a teoria da deficiência do Rim estar na base de muitos padrões auto-imunes consultar: Hou, W.Z, Xu, G.P. & Wang, H.J. (2011). Treating Autoimmune Disease with Chinese Medicine. London: Elsevier 23. Notas clínicas do autor de Agosto 2002 do departamento de pediatria da Universidade de Medicina Chinesa de Chengdu com o Dr. Su Shu Rong. 24. Para muitos, o comentário mais útil é mencionado acima - The Classified Classic of Zhang Jie Bin.


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Estudo da mente e das emoções: uma sistematização do diagnóstico Autor: Filipa C. Rodrigo

1.1. Teoria mental e emocional

Palavras-chave: Mente, emoções, diagnóstico, patologia mental, Giovanni Maciocia, Shen, Po, Hun, Zhi, Yi.

Resumo: A mente e as emoções são um importante factor etiológico. Com este artigo pretende-se criar uma sistematização dos sintomas mentais de modo a tornar o diagnóstico dos mesmos mais simples e eficaz. Tendo como base a teoria da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), o diagnóstico é realizado com o auxílio de uma ficha apoiada na bibliografia do autor Giovanni Maciocia. A metodologia integra três fases, a primeira de revisão de literatura e elaboração da ficha de diagnóstico mental e emocional, a segunda da sua aplicação em contexto clínico e uma terceira de restruturação desta mesma ficha. Esta metodologia revela que os resultados da aplicação da ficha são limitados por razões práticas e metodológicas, sendo depois apresentada uma nova ficha de diagnóstico com uma aplicação clínica mais simples e eficaz. Conclui-se que existem limitações na revisão de literatura pela consulta de apenas um autor, assim como no estudo exploratório pela amostra reduzida e pela grande extensão da ficha inicial. É assim criada uma nova ficha de diagnóstico que compõe uma base de trabalho futuro e evidencia a necessidade de uma investigação mais profunda nesta área.

1. Introdução A complexidade de dinamismo que a cada segundo ocorre no ser humano pode parecer imperceptível, quase invisível a uma primeira vista. As emoções fazem parte de um papel constantemente inacabado que representamos, tornando-nos humanos. A sua expressão é uma manifestação saudável da nossa vida emocional que complementa a nossa expressão física. “A saúde é caracterizada como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, não apenas como ausência de doença” (WHO, 2014). Como é referido, o nosso corpo manifestase em uníssono na expressão física, emocional e social, sendo uma exteriorização natural do nosso equilíbrio e saúde. Assim, a prevenção, diagnóstico e tratamento do aspecto patológico destes aspectos é de extrema importância. Explorando as emoções em particular, quando

No diagnóstico da patologia mental e emocional em MTC devem ser considerados vários pontos centrais: a teoria mental e emocional, os factores etiológicos e a sua aplicação no diagnóstico.

levadas a um extremo, tornam-se patológicas (Maciocia, 2009). É nessa fase que se manifesta a necessidade de compreender da forma mais exacta o mecanismo que ocorre na mente; de como se desenvolve a patologia mental. O autor Giovanni Maciocia aborda este tema de forma bastante detalhada (ver, por exemplo, Maciocia, 2009). Os seus livros, com base em textos clássicos, modernos e jornais de MTC, combinados com o seu currículo académico e vasta experiência clínica, são a principal base do presente artigo. A vertente do diagnóstico mental será desenvolvida sob a forma de uma ficha de diagnóstico e da sua aplicação clínica – estudo exploratório. A precisão do diagnóstico é considerada uma ferramenta chave para um bom tratamento, especialmente perante o crescente número de casos apresentados em clínica cuja queixa principal é do referido foro.

A teoria mental e emocional está centrada no Espírito ou Shen (os cinco aspectos mentais podem também ser considerados como Zhi por Maciocia, 2009, p.67). Este representa o conjunto dos aspectos mentais: Mente (Shen), Alma Etérea (Hun), Alma Corpórea (Po), Intelecto (Yi), Força de Vontade (Zhi) e de todas as actividades mentais. A Mente tem um papel central na vida mental e emocional, sendo o Intelecto e a Força de Vontade muitas vezes considerados aspectos secundários desta. A Alma Etérea e a Alma Corpórea são consideradas como aspectos independentes. A primeira confere movimento à Mente e a segunda representa a parte física do ser humano. A importância do Espírito é notória na citação seguinte: “A mãe confere a base, o pai a fertilização. Se não há Shen, há morte; se há Shen, há vida. Quando o qi e o sangue estão harmonizados, o qi Nutritivo e Defensivo comunicam, as cinco vísceras estão completas, a Mente tem residência no Coração, a Alma Etérea e a Alma Corpórea estão formadas, assim está formado um ser humano” (Maciocia, 2009, p. 27). Nesta citação está presente o conceito da Essência como fundamental na formação da Mente. Este conceito é clarificado na frase: “A Mente [Shen] é uma transformação da Essência e qi; ambas as Essências [Prénatal e Pós-natal] contribuem para a formação da Mente [Shen]” (Maciocia, 2009, p. 4). A Mente (Shen) reside no Coração e tem um papel coordenador e integrante na vida mental. As suas funções revelam esta designação, sendo responsável pelo pensamento, memória, consciência, insight (auto-reconhecimento dos estímulos), percepção da vida emocional, cognição, sono, inteligência, sabedoria, ideias e por governar os cinco sentidos. A designação

de ‘monarca dos órgãos’ (Maciocia, 2009, p. 18) clarifica o seu papel na vida emocional de reconhecimento das emoções, pois todas as emoções são percepcionadas pelo Shen, apesar de afectarem também o órgão ao qual se encontram associadas. A presença de sinal da ponta da língua vermelha em qualquer alteração emocional manifesta a afecção do Coração por todas as emoções, pois este órgão relacionase com a ponta da língua. A Mente tem um papel fundamental nas funções descritas, no entanto algumas são realizadas conjuntamente com outros aspectos mentais. A relação entre a Mente e a Alma Etérea é considerada como central na patologia mental. Para descrever a sua relação, é necessário conhecer a natureza e características desta última. A Alma Etérea tem natureza yang e é responsável pelo movimento. As características de exteriorização são manifestadas, tanto no aspecto mental individual como social. No aspecto individual prevalece a intuição, a criatividade, o sonho, o sono, o planeamento e a coragem, no aspecto social, o relacionamento com os outros. Estas características permitem que a Alma Etérea confira movimento à mente e que, por outro lado, a Mente proporcione quietude à Alma Etérea. Um excesso destes aspectos manifesta-se com comportamento maníaco, no caso da Alma Etérea, ou com comportamento depressivo, no caso da Mente. Quando considerando a relação da Alma Etérea com a Alma Corpórea, esta representa a sua parte física. Isto porque, ao contrário da etérea, esta está ligada ao corpo e é responsável pela vida individual. Associada ao Pulmão, a nível físico é responsável pela respiração e inúmeras funções fisiológicas. A nível mental, a Alma Corpórea está presente em todas estas funções, nomeadamente com os sentidos. Pode ser descrita como a manifestação da Essência na parte emocional, funcionando como o intermediário entre esta e as funções respectivas. A nível físico e emocional é nutrida pelo toque e pela afectividade, sendo afectada pelas “feridas emocionais”- a tristeza e o choro manifestam este desequilíbrio (Campiglia, 2004).


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O Intelecto e a Força de Vontade são previamente descritos como partes da Mente. Esta correspondência pode ser vista nas suas funções e nas da Mente. O Intelecto representa a memória e as ideias num contexto diário e de estudo, permitindo a concentração e focalização num determinado assunto. A Mente é responsável pela memória a nível de acontecimentos passados, conjuntamente com a Força de Vontade. Esta última, além da memória, confere a designada Força de Vontade na direcção e na busca de objectivos. A Mente dirige esta força de vontade (Maciocia, 2009). A interligação entre Shen, Zhi e Hun é notória no contexto de planeamento e realização de ideias, a coordenação do Shen, a força de vontade do

Zhi, o planeamento do Hun. A concretização eficaz de objectivos depende do equilíbrio entre estes três aspectos mentais. As teoria mental e emocional revelam aspectos distintos da exclusivamente física, no entanto “(...) a união do espírito e do corpo na medicina Chinesa é uma característica distintiva e central desta” (Maciocia, 2009, p.4). As funções dos aspectos mentais e dos órgãos podem ser conciliadas e facilmente associadas numa interpromoção e interdependência contínua. Os aspectos mentais estão mais directamente relacionados com os órgãos yin (tabela 1), apesar de todos os órgãos terem influência e serem influenciados pela vida mental e emocional.

Os factores etiológicos podem ser divididos em factores internos – emoções; externos – clima; e outros como a dieta, actividade sexual excessiva, excesso de trabalho, drogas.

apresentados do foro mental e emocional são significativos, voluntários. O instrumento utilizado foi a ficha de diagnóstico da patologia mental e emocional.

1.3. Diagnóstico

2.3 Restruturação da ficha de diagnóstico

A esfera do diagnóstico da patologia mental e emocional engloba a teoria da patologia mental, a sua etiologia e aplicação no diagnóstico. Sendo o objectivo do presente artigo a elaboração de uma ficha de diagnóstico da patologia mental e da sua aplicação em contexto clínico, os tópicos relativos ao diagnóstico serão desenvolvidos nos Resultados e sua Discussão.

Esta fase revela-se necessária pelos resultados obtidos na aplicação da ficha. A ficha é alvo de uma restruturação, sendo simplificada de modo a incluir apenas os sinais e sintomas que se manifestaram relevantes com o estudo exploratório.

Tabela 1 – Aspectos mentais e órgãos yin:

2. Metodologia

Os resultados são apresentados em três diferentes partes considerando a metodologia.

Aspecto mental

Órgão

Shen

Coordenação e integração da vida mental

Coração (C)

“Casa” do Shen

Hun

Planeamento e projecção externa

Fígado (F)

Promover o livre fluir do qi

Po

Processos fisiológicos e nutrição

Pulmão (P)

Livre fluir do qi, respiração

Yi

Memória e estudo

Baco-Pâncreas (BP)

Zhi

Força de Vontade

Rim (R)

Assimilação dos alimentos

Aspecto yin (água) e yang (fogo)

As características relativas aos aspectos mentais e físicos dos órgãos cruzam-se, tanto a nível fisiológico como a nível patológico. Um desequilíbrio mental pode induzir um desequilíbrio físico, assim como o aspecto contrário pode-se manifestar – há uma ligação nos dois sentidos entre corpo e mente.

Os factores etiológicos são fundamentais para precisar a origem do desequilíbrio, tanto a nível temporal como dos factores causais em si. A nível temporal, os períodos representativos -ventre, infância e idade adulta, são apresentados na Tabela 2. É no decorrer destas fases que se está mais sujeito à influência de factores específicos.

1.2. Factores etiológicos

Tabela 2 - Períodos representativos em termos etiológicos (Maciocia, 2009):

Herdado ou no ventre

Sistema nervoso fraco Constituição e factores hereditários

Infância

Idade adulta

Padrões de infância percepção diferente dos acontecimentos Puberdade

Padrões das fases anteriores Emoções, dieta, actividade sexual excessiva, excesso de trabalho, drogas Menstruação, gravidez, trabalho de parto e menopausa.

A metodologia integra três fases, a primeira corresponde a uma ampla revisão de literatura resultando na sistematização de sinais e sintomas na forma de uma ficha; a segunda corresponde à aplicação desta mesma ficha no contexto clínico; e a terceira corresponde à restruturação da ficha de diagnóstico. 2.1 Elaboração da ficha de diagnóstico A revisão de literatura é o método aplicado nesta fase, com uma análise extensiva de várias obras referenciadas, em particular Maciocia (2007; 2009). A bibliografia deste autor contribuiu de forma significativa para a forma que a ficha toma, resultando esta de uma apreciação crítica de sinais e sintomas quase exclusivamente mentais.

3. Resultados

3.1. Ficha de diagnóstico Este artigo faz parte de uma monografia mais extensa, não sendo a ficha inicial aqui apresentada por razões de simplificação de leitura. Os leitores que desejem ler o artigo original podem contactar directamente o autor. São aqui apresentados os vários factores que foram considerados como fundamentais na revisão de literatura, assim como no estudo exploratório como a emoção – reprimida ou manifestada e suas características; sinais apresentados – tez, olhos, pulso, língua; efeito nos órgãos, efeitos nas substâncias vitais (qi, sangue, yin, yang), presença de factores patogénicos (mucosidade, calor/fogo, calor-vazio, mucosidade-fogo, vento interno) e efeitos na Mente (três tipos de mente) (Maciocia, 2009).

2.2 Diagnóstico com base na ficha elaborada em contexto clínico

3.1.1. Emoções

A finalidade da ficha de diagnóstico é precisamente o diagnóstico, a partir do qual pode ser verificada a sua aplicabilidade e validade. O tipo de estudo é exploratório (Fortin, 2009) com uma composição e selecção da amostra de 3 indivíduos com idades compreendidas entre os 29 e 63 anos cujos sintomas e sinais

No diagnóstico é marcante o facto de os factores etiológicos mais relevantes na patologia emocional serem precisamente os internos: as emoções. Estas representam uma parte importante da vida psíquica e emocional; são uma parte saudável e fundamental da energia dos órgãos. O seu papel patológico é relativo


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quando as emoções são extremamente fortes e/ou prolongadas, especialmente se não forem expressadas, mas sim reprimidas. Cada emoção possui uma determinada energia associada a um ou mais órgãos yin correspondentes. A nível patológico, cada emoção afectará de forma mais acentuada os órgãos respectivos, sendo muitas vezes notória a presença de sintomas físicos e emocionais associados ao mesmo órgão num paciente. O Coração, sendo responsável pela consciência e cognição, reconhece todas as emoções, sendo afectado por todas as alterações emocionais. Tem também relação

Emoção

Órgãos

com os outros factores etiológicos associados, como a constituição, alimentação, momento em que são sentidas e da forma como estas são geridas pelo indivíduo em si. No Su Wen são consideradas sete emoções, sendo apresentadas onze diferentes emoções em clínica (Maciocia, 2009, cap.9). O seu efeito no qi e sangue leva a que alterem a dinâmica do órgão respectivo, associação descrita na tabela 3.

Tabela 3 – Emoções:

Efeito no qi

Manifestações relevantes

Raiva

F

Ascende

Pulso em corda

Alegria

C

Retarda

Pulso vazio na posição Coração

Preocupação

BP P

Paralisa

Pensamento forçado

BP

Prende

Pulso tenso sem onda

Tristeza e pesar

PC

Dissolve, aperta

Pulso sem onda

Medo

R

Desce/Sobe

Incontinência urinária, diarreia

Choque

RC

Dispersa

Pulso movimentado

Amor

C

Agita

Pulso vasto na posição Coração

Desejo

C

Dispersa

Comportamento ligeiramente maníaco

Culpa

RC

Estagna

Pulso em corda

Vergonha

C BP

Estagna, desce

Humidade, afundamento do qi

A título social, cada emoção terá mais impacto conforme a sociedade em que somos criados, visto vários aspectos serem salientados. Serve de exemplo a culpa, mais associada à sociedade ocidental, enquanto a vergonha mais à oriental (Kao, 2005). Isto advém de, na sociedade ocidental, haver tabus religiosos e sociais reflectidos individualmente, enquanto na oriental ser presente uma visão mais social do próprio indivíduo, do seu papel na comunidade. Na sociedade ocidental há um padrão emocional predominante caracterizado pela preocupação, pela tristeza e pesar (Maciocia, 2009).

Distensão abdominal, sensação de desconforto no peito

As emoções descritas têm sempre um sentido patológico, sendo o seu efeito equivalente em emoções semelhantes que não estejam aqui referenciadas. Relativamente às emoções apresentadas, há várias características emocionais apresentadas frequentemente que diferem dos efeitos emocionais apresentados na tabela. São estas: • Raiva – pode ser manifestada como depressão prolongada, pelo que os sintomas de comportamento depressivo serão associados a um pulso cheio e em

corda e língua vermelha com os bordos mais vermelhos. A raiva pode não ser verdadeira e utilizada para encobrir outra emoção, como a culpa. Neste caso o pulso será em corda apenas na posição correspondente ao outro órgão afectado; sentida na hora das refeições afecta o Estômago; sentida uma a duas horas após as refeições afecta os Intestinos. • Alegria – se for repentina é semelhante ao choque. • Tristeza e pesar – quando perduram durante muitos anos podem lesar o Rim pela via das águas. • Medo – consoante o estado do Coração, o medo provoca subida de qi, qi do Coração forte ou descida, qi do Coração fraco; a ansiedade crónica encontra-se aqui incluída, mas o seu efeito difere daquele manifestado pelo medo, gerando subida de qi. • Desejo – pode gerar calor-vazio ou fogo, consoante a constituição do indivíduo. • Culpa – quando resulta de raiva reprimida o pulso será em corda; pode gerar afundamento do qi e afectar os Rins, sendo o pulso profundo e fraco. A associação entre as emoções e os seus efeitos é extremamente importante no contexto clínico, não sendo sempre exacta. Esta interligação deve ser sempre questionada e descrita pelo especialista. No diagnóstico, a experiência do especialista permite identificar comportamentos e sinais manifestados pela linguagem nãoverbal. Tais são pontos fulcrais para determinar o diagnóstico, visto a dificuldade na abordagem deste tema e a omissão de sintomas ser frequente por parte dos pacientes. 3.1.2. Sinais Os

sinais

significativos

são

manifestados

na tez, nos olhos, no pulso e na língua. No decorrer da consulta, o especialista deve estar atento para captar estes sinais que passariam despercebidos de outra forma. A tez e os olhos manifestam o estado da mente e do espírito, sendo o brilho e lustre indicativos de Shen; significa um bom prognóstico, mesmo perante um quadro de sintomas bastante negativo. O pulso, ao contrário da tez e olhos, reflecte o estado do qi. O estado do pulso deve ser associado a outros sinais e sintomas, sendo por si só um sinal ambíguo. Vários tipos de pulso característicos das emoções são apresentados na tabela 3 em manifestações relevantes. O significado dos três, língua, pulso e tez, é relevante. A alteração apenas do pulso indica um desequilíbrio recente. Se todos revelarem alterações, o desequilíbrio é mais prolongado. A língua representa também uma alteração mais profunda na dinâmica do organismo. Há vários pontos relevantes no diagnóstico de patologias mentais, tais como: • Ponta vermelha: a Mente, sendo responsável pelo insight e cognição, é afectada por todas as emoções, além de que as emoções, ao fim de algum tempo, geram estagnação de qi, levando a que a zona referente ao Coração (a ponta) fique vermelha; • Forma grosseira e anormal, com inchaço excessivo ou em forma de martelo: todas indicam uma propensão ou presença de patologia mental. A última representa uma exaustão das substâncias vitais; • Bordos da língua vermelhos: são relativos ao Fígado; deve ser diferenciado o padrão. Se for combinado com a ponta vermelha revela problemas mentais severos; • Fissura do Coração ou combinada do Coração e Estômago: indica propensão ou patologia mental e emocional, devendo a sua significância ser determinada pela associação com outros sinais da língua.


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3.1.3. Efeito nos órgãos Este é descrito na Introdução, na interligação entre os aspectos mentais e os seus órgãos correspondentes. O efeito dos órgãos na parte emocional foi primeiro descrito no HuangdiNeijing. “O Coração é a raíz da vida e abriga a Mente. Os Pulmões são a raíz do qi e abrigam a Alma Corpórea. Os Rins são a raíz do tesouro fechado e do armazenamento; abrigam a Essência [Jing]. O Fígado é a raíz de parar os extremos [equilibra e regula] e abriga a Alma Etérea. O Baço-Pâncreas, Estômago, Intestino Grosso, Intestino Delgado, Triplo Aquecedor e Bexiga são a raíz da nutrição e abrigam o qi Nutritivo [Yingqi]. Estes órgãos são designados contentores porque armazenam alimentos, transformam a água e gerem a transformação e excreção dos sabores. Todos os 11 órgãos mencionados dependem das decisões da Vesícula Biliar” (Maciocia, 2009, p.88). Esta transcrição elucida os efeitos dos órgãos na parte emocional e, também inversamente, o efeito da parte emocional nos órgãos. O desequilíbrio associado às emoções e aos aspectos emocionais também têm efeito no órgão ou órgãos correspondentes. Um outro tópico associado aos órgãos será qual a substância vital associada a este manifestará alterações, a mencionar no tópico seguinte. 3.1.4. Efeito nas substâncias vitais As substâncias vitais estão sujeitas a estímulos emocionais e físicos que levam a que sofram alterações. O aspecto mais subtil é o qi, havendo primariamente alterações no seu movimento e transformação. Existem várias alterações, como deficiência ou rebeldia que, após algum tempo, originam estagnação de qi. Pode resultar da reacção a qualquer uma das emoções, atingindo inicialmente o Coração, Fígado e Pulmões. O nível seguinte será o sangue - a parte yin e base material da Mente e do Espírito. O Coração, abriga a Mente e governa o sangue, e o Fígado, abriga a Alma Etérea, são os principais órgãos que manifestam alterações a este nível. A um

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nível mais profundo, o sangue, por ter natureza yin, pode afecta-lo directamente. Ambos, o sangue e o yin, representam a base material da mente. Os órgãos directamente afectados podem ser qualquer um dos órgãos classificados como yin (apresentados na tabela 1). Os efeitos nestas substâncias, qi, sangue e yin, são a origem do desequilíbrio mental e emocional que depois gera síndromas secundárias. Estas substâncias vão influir sobre a mente, tal como esta se manifesta no estado destes. 3.1.5. Factores patogénicos Estes factores representam o resultado das alterações iniciais no qi, sangue e yin. As suas manifestações e relevância clínica podem ser maiores que a das substâncias vitais, podendo representar um estado agravado das alterações nas substâncias vitais: mucosidade, calor/fogo, calor-vazio, mucosidade-fogo, vento interno. 3.1.6. Efeitos na Mente O efeito conjunto dos factores etiológicos, efeitos nas substâncias vitais e factores patogénicos pode originar três manifestações gerais a nível da mente. Estas são divisões que identificam os padrões da mente presentes a nível geral (Tabela 5). Cada indivíduo pode apresentar apenas uma ou a combinação de várias. Tabela 5 – Tipos de Mente: Os tópicos apresentados e explicitados anteriormente têm uma importância significativa para os pontos a integrar na ficha. Foram agrupados em diferentes áreas: • Tópicos de identificação: nome, data, data de nascimento, sexo. • Tópicos de sintomas ou sinais: pulso, língua, outros sintomas. • Divisões principais de patologia mental e emocional: “3 Tipos de Mente”, “Síndromas”

Tipos de Mente

Obstruída

Perturbada

Enfraquecida

Alguma perda do insight;

Agitação; preocupação;

Depressão; exaustão

comportamento e

inquietação mental e

mental e física; melancolia

pensamento irracional

ansiedade

Perturbação da actividade

Insónia: sonambulismo

Falta de vontade e

do Shen: memória, insight,

Hun: pesadelos,

iniciativa

aplicação e compreensão;

irritabilidade, distracção,

Ansiedade moderada

incapacidade em

depressão e incapacidade

Memória fraca

Sinais e sintomas

expressar emoções;

de planear a vida,

Falta de vontade de falar

mentais

confusão mental

ausência mental.

Pessimismo

Mais graves: perda

Po: ansiedade com

completa do insight

dispneia e sensação

Calor: comportamento

de aperto no tórax,

maníaco

preocupação,

Caracteriza-se por

somatização na pele

apresentadas com sintomatologia específica de modo a verificar a sua manifestação e “Factores patogénicos”.

semiológico, sendo relativos a cada tipo de Mente, a cada síndroma de órgão em si e aos factores patogénicos.

Os sintomas e sinais apresentados na ficha são considerados os mais significativos relativamente ao título correspondente, mediante a teoria mental e emocional descrita anteriormente. Apesar da existência de sintomas comuns a várias síndromas, existem também alguns singulares de uma apenas. A interligação das substâncias vitais com os factores patogénicos e os aspectos mentais descritos na introdução confere aos sintomas e sinais principais a sua importância. 3.2. Aplicação clínica da ficha

• Língua e pulso.

A ordem pela qual foi realizado o interrogatório e o preenchimento da ficha foi a seguinte:

• Ética: houve consentimento informado oral por parte dos pacientes, com respectiva informação do objectivo do diagnóstico, do seu papel neste, além de ter sido respeitada a sua confidencialidade (Kress, 2008).

• Tópicos de identificação; • “3 Tipos de Mente”, “Síndromas” e “Factores Patogénicos” – varia consoante o interrogatório, havendo uma interligação e interrogatório não obrigatoriamente sequenciado destes tópicos. Em cada campo são incluídos sintomas com valor

3.2.1. Interrogatório realizado Dados informativos • Foi realizado a três pacientes, em idades compreendidas entre os 29 e 63 anos, todas do sexo feminino. • O tempo de duração de cada interrogatório variou entre os 40 e 45 minutos.

Sinais e sintomas • Intensidade e presença dos sintomas: estas são definidas pela manifestação dos sintomas na linguagem verbal e/ou não-


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verbal por parte do paciente. • As questões são realizadas de forma aberta e não induzida. Isto é especialmente importante no diagnóstico mental e emocional, visto neste tipo de diagnóstico ser mais difícil e ambígua a descrição dos sintomas emocionais, ao contrário do diagnóstico exclusivamente físico. Assim, ao haver um interrogatório não indutório e compreensivo permite uma maior veracidade e acuidade nos sintomas.

FICHA DE DIAGNÓSTICO

4. Discussão

Patologia mental e emocional

A grande incidência da patologia mental revelou necessário o processo de criação de uma ficha cujo procedimento pode ser alvo de várias considerações.

Nome: Sexo: Pulso: Data: / / Língua: Data de nascimento: / / Outros sintomas:

A revisão de literatura teve como base principal a bibliografia de um autor apenas, Maciocia. Apesar da extensa análise efectuada da teoria deste autor, o facto de ser apenas um especialista apresenta limitações. A teoria mental é alvo de um grande estudo actualmente, sendo crescente o número de publicações deste âmbito em que pode futuramente um estudo semelhante basear-se, abrangendo assim um número mais alargado de autores e obras correspondentes. Várias revistas da especialidade devem ser consultadas neste intuito.

3 Tipos de mente

3.3 Restruturação da ficha de diagnóstico Esta nova ficha difere da principal por integrar apenas um tópico na divisão principal da patologia mental e emocional: “3 Tipos de Mente”, sendo as síndromas gerais e de órgão apresentadas de forma bastante sucinta.

Obstruída

Perturbada

Enfraquecida

Caracterização e

□ Comportamento e

□ Agitação

□ Comportamento

sintomatologia

pensamento irracional

□ Preocupação

depressivo

□ Alguma perda do insight

□ Inquietação mental e

□ Exaustão mental e física

□ Pensamento bloqueado

ansiedade

□ Melancolia

□ Confusão mental

Hun

Po

□ Irritabilidade

□ Ansiedade

□ Incapacidade

com sensação

de planear

de aperto no

□ Incapacidade em expressar emoções

□ Falta de vontade e iniciativa □ Memória fraca □ Falta de vontade de falar

tórax □ Somatização na pele Síndromas gerais e de órgão associadas

□ Estagnação de qi

□C

□ Deficiência de sangue

□C

□ Deficiência de

□C

□ Estase de sangue

□F

□ Deficiência de yin

□F

sangue

□F

□ Humidade-

□ Estagnação de qi

□R

□ Deficiência de qi

□ BP

Mucosidade

□ Estase de sangue

□ Deficiência de yang

□R

□ Mucosidade-Calor

□ Fogo

□ Deficiência de yin

□P

□ Mucosidade-Fogo □ Vento Interno

A selecção dos elementos integrantes na ficha de diagnóstico mental e emocional inicial, assim como da sua organização esquemática, surgiu no seguimento da integração mais abrangente possível de síndromas e sintomas de modo a verificar a sua possível incidência em clínica. Disto resultou uma ficha bastante extensa, integrando todos os sintomas das síndromas possíveis, totalizando três páginas. Por razões práticas e de sistemática no diagnóstico, é uma limitação extensa que pode contribuir para, contrariamente ao pretendido, uma complexificação do diagnóstico. Revelou-se assim numa das limitações da aplicação da ficha. No entanto, exigiu a criação de uma infraestrutura mental de diagnóstico complexa e dinâmica que se revela fundamental aquando da utilização da ficha de diagnóstico restruturada. Um outro aspecto patente na presença das várias síndromas e sintomas seria na avaliação da sua presença em clínica. Novamente, pela sua extensão, não foi possível identificar a presença marcante de uns em detrimento de outros. O número reduzido de interrogatórios contribuiu de forma negativa para este aspecto, sendo de salientar que pode ser considerado

numa avaliação da nova ficha com a alteração destes dois pontos-chave: simplificação das síndromas e sintomas e número significativo de casos clínicos. Um aspecto que, apesar dos factores limitantes mencionados acima, foi possível avaliar foi a descrição dos sinais e sintomas em termos semânticos. Tal deveu-se à facilidade de compreensão dos pacientes aquando do questionar da presença de certo sintoma ou, por outro lado, de o verbalizarem no seu discurso livre. Um outro factor a considerar no estudo exploratório é a veracidade das respostas obtidas, visto a sinceridade ser sempre questionável em questões abertas deste foro. O estudo exploratório deu origem a uma nova organização esquemática da ficha de diagnóstico, considerando apenas o campo “3 Tipos de Mente” na divisão principal da patologia mental e emocional, em detrimento de “Síndromas de Órgão” e “Factores Patogénicos” pelas razões anteriormente mencionadas. A simplificação revelada pela síndroma e órgãos associados na nova ficha exige um conhecimento extenso e bem articulado do diagnóstico, que torna irrelevante a presença de sintomas associados directamente na ficha. Estes em si já englobam os referidos sintomas e sinais, assim como os factores patogénicos contribuindo com sintomas e sinais determinantes e relevantes para o diagnóstico clínico. A nova ficha resulta da uma restruturação da inicial baseada nos factores e limitações acima referidos, sendo contudo necessário mais estudos exploratórios que permitam determinar a sua aprovação e aplicabilidade em clínica em estudos a longo prazo e com uma amostragem maior. 5. Conclusão e recomendações Nos dias de hoje revela-se uma necessidade cada vez maior a existência de um bom diagnóstico relativamente à patologia mental


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e emocional pelo crescente número da sua incidência. Para o autor, o estudo desta temática criou uma maior abertura e conhecimento, quer a nível interrelacional quer a nível de aplicação continuada em contexto clínico. As dificuldades relativas ao seu estudo devem-se à complexidade da sua abordagem, contrapostas com êxito pelos benefícios que advêm do trabalho realizado. A revisão de literatura relativa à patologia mental e emocional baseou-se na teoria de um só autor, Giovanni Maciocia, sendo como tal limitada por este aspecto. Da criação de uma ficha e sua aplicação resultaram várias conclusões: positivas e negativas. Os aspectos positivos são na compreensão e na explanação dos sintomas, com respectiva integração no diagnóstico. No entanto, isto foi possível apenas por um conhecimento prévio detalhado da teoria mental e emocional em articulação com a ficha aquando da aplicação clínica. Os aspectos negativos resultam da grande extensão da ficha inicialmente criada, quer em termos de tamanho em si, quer em termos de sintomas. Tal leva a que a sua aplicação não seja prática nem viável. Desta apreciação resulta uma ficha final composta por três partes, uma identificativa, outra de sinais e uma última de “3 Tipos de Mente” - a mais relevante. Esta última parte revela-se, por si só, integrante de várias partes que compunham a ficha inicial. O diagnóstico realizado com base nesta ficha leva a uma aplicação prática e a um diagnóstico mais preciso. A sua validade clínica depende de estudos posteriores. As limitações identificadas evidenciam a necessidade da realização de mais estudos neste âmbito, quer utilizando fontes de vários autores, quer prosseguindo estudos para a validação da ficha apresentada. Este trabalho vem assim precisamente salientar a relevância de efectuar mais estudos nesse sentido. O diagnóstico é fundamental, a sua optimização permite um bom tratamento, o objectivo final da MTC.

Tesouros da Medicina Chinesa - Número 1 - Julho 2014 45

Filipa Rodrigo estudou MTC em Lisboa, Portugal e continuou os seus estudos no Nanjing College of TCM, na China. Actualmente trabalha em Portugal e no sul de França, integrando o Zhan Zhuang Chi Kung e a culinária Macrobiótica na sua prática clínica.

Referências Azevedo, C., (2008) Metodologia Científica. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa. Campiglia, H., (2004) Psique e Medicina Tradicional Chinesa. Brasil: Roca. Fortin, M. (2009) O Processo de Investigação. Lusociência. Jianping, H. (2001) Metodologia da Medicina Tradicional Chinesa. Brasil: Roca. Kao, H. (2005) The Overdose of Shame: A Sociological and Historical Self-Exploration. Boston: Human Architecture: Journal of the Sociology of Self-Knowledge. Kress, H. (2008) Ética Médica. Brasil: Edições Loyola. Maciocia, G. (1989) The Foundations of Chinese Medicine: A Comprehensive Text. Churchill Livingstone. Maciocia, G. (2001) Post-Natal Depression. Disponível em: http://www.giovanni-maciocia.com/ articles/postnatal.html. Maciocia, G. (2004) Tongue Diagnosis in Chinese Medicine. Eastland Press. Maciocia, G. (2005) Three Treasures Seminar DVD. Maciocia, G. (2007) The Practice of Chinese Medicine: The Treatment of Diseases with Acupuncture and Chinese Herbs. Churchill Livingstone. Maciocia, G. (2008) Obstetrics & Gynecology in Chinese Medicine. Elsevier Churchill Livingstone. Maciocia, G. (2009) The Psyche in Chinese Medicine. Elsevier Churchill Livingstone. Sampieri, R. et al. (2006) Metodologia de Pesquisa. McGrawHill. WHO (2004) Mental Health. Disponível em: http:// www.who.int/topics/mental_health/en/.

Segredos Japoneses para uma vida longa e saudável Autor: Naoki Kubota e E J Potter Kubota

A natureza sempre possuiu os segredos para nutrir e curar. No Japão, ao longo dos séculos, os recursos locais têm sido experimentados, testados e aperfeiçoados neste sentido, para nutrir, curar e melhorar a qualidade de vida. A alimentação, o toque (Te ate), a massagem, a acupunctura, a moxabustão, a hidroterapia, o exercício e as artes marciais são tradições consagradas pelo tempo. Devido a essas tradições, os japoneses são conhecidos mundialmente pela sua longevidade. A alimentação tradicional sempre foi a principal fonte de uma boa saúde no Japão. Este é um dos segredos para uma vida saudável e longa. 123

O cultivo de determinadas plantas e grãos, a colheita de plantas e sal marinho,4 5 a abundante limpeza, a água pura, permitiram uma alta qualidade presente em todos os alimentos. A alimentação era considerada uma Medicina. As pessoas tratavam-se a si mesmas em cada refeição. Actualmente a dieta ainda é uma prática comum para aqueles que acreditam que a saúde está directamente associada à alimentação. Devido ao desenvolvimento de técnicas específicas de fermentação originaramse propriedades de cura que surgiram em grande parte devido a essas mesmas técnicas. Os mitos antigos sobre o sake, o miso, o arroz, as algas, o chá verde provaram a veracidade destas técnicas. Estudos científicos recentes documentam o que gerações passadas sempre souberam. Muitos livros foram escritos sobre a alimentação japonesa, porém, para o propósito deste artigo, concentrei-me nos alimentos medicinais que considerei mais importantes. Arroz integral, miso e algas, quando comidas diariamente, beneficiarão a saúde, a força vital e a cura. Estes alimentos proporcionarão ao corpo uma fonte excelente de nutrientes. Com o

tempo, o corpo funcionará a um nível perfeito de saúde o que leva a uma vida longa e saudável. 6 No caso do arroz integral, mesmo depois de removida a primeira casca, o grão mantém as suas propriedades essenciais. É muito mais nutritivo do que o arroz branco que teve todas as cascas removidas. O arroz contém minerais e vitaminas muito importantes e necessárias ao corpo. O arroz integral é uma excelente fonte de fibra para regular as funções do organismo. O Miso é um fermentado do grão de soja. É considerado um alimento de eleição para algumas curas naturais. É normalmente feito a partir do grão de soja cozinhado ou doutros grãos como o arroz ou a cevada. Assim como existem vários tipos de vinho, há uma vasta variedade de tipos de miso. Existe o miso vermelho, miso castanho e miso branco. Os seus sabores variam do doce ao salgado. O melhor é experimentar os seus diversos sabores e cores. John e Jan Belleme escreveram no The Miso Book (2004), “o Miso tem inúmeros benefícios para a saúde, incluindo baixo colesterol, redução de dor crónica, alcalinização do sangue, redução da pressão arterial e a prevenção do risco de determinados tumores. Quando utilizado diariamente é também responsável pela prevenção dos efeitos secundários de determinados produtos cancerígenos. Além disso, o miso não pasteurizado contém microrganismos e enzimas relevantes que ajudam na digestão, que reduzem alergias alimentares, que destroem bactérias e outras toxinas patogénicas, e ajudam igualmente na assimilação dos alimentos. Em 1972, investigadores descobriram que o miso contém ácido dipilocolonico, um alcalóide que une metais pesados, tais como estrôncio radioactivo, e elimina-os do corpo.7


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A família das algas castanhas, como a alga Kombu ou Wakame, e a das algas vermelhas, como a Nori têm sido estudadas exaustivamente. Apenas mencionarei algumas das descobertas científicas. “As algas estimulam o sistema imunitário,8 9 ajudam a diminuir os níveis de açúcar no sangue 10 bem como os níveis de colesterol 11 e ajudam o corpo a desintoxicar os metais pesados,12 elementos radioactivos,13 radicais livres e toxinas.14 Podem também melhorar a qualidade e crescimento do cabelo e das unhas.15 As algas são um antioxidante, anticancerígeno, anticoagulante e modificam a metabolização dos lípidos.16 As plantas são uma boa fonte de cálcio, iodo e vitamina B12.”17 Elas alcalinizam os fluídos do corpo.18 Numa nota pessoal, todas as manhãs faço a combinação destes alimentos para o meu pequeno-almoço. Devo dizer, que para além de ser delicioso, me sinto revigorado após comer estes alimentos. Eu prefiro miso branco e doce que cozinho em forma de sopa com alga Kombu, Wakame e vegetais frescos. Cozinho o arroz integral com alga Kombu, sal integral, azeite e molho de soja. Depois sirvo o arroz integral com molho de soja e alga Nori. Atribuo a boa qualidade da minha saúde ao hábito de comer este pequeno-almoço todas as manhãs. Existe um velho ditado no Japão que diz que nunca estamos longe do oceano mais de 60 milhas. Há uma relação muito próxima entre as pessoas e o mar. O mar sempre foi a maior fonte de abastecimento de alimentos. O que torna os alimentos do mar numa verdadeira relíquia é a existência do sal, a fonte da vida. Como escreveu Jacques de Langre em Sea Salt´s Hidden Powers: “O sal do mar possui o poder de restaurar todos os mares internos do corpo humano, os nossos fluídos corporais. A fome por sal é parte do nosso instinto. O sal do mar contém 92 minerais essenciais encontrados no oceano”.19 O sal natural colhido ao longo da costa do Japão tem um sabor distinto e é utilizado para cozinhar, para conservar outros alimentos e em banhos de imersão. Este presente do mar é um dos segredos para a longevidade. O uso diário do

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sal é essencial para manter o equilíbrio e uma boa saúde. As técnicas de cura japonesas possuem segredos para uma vida longa e feliz. Por exemplo, determinados exercícios associados ao Budismo Zen, Daoísmo e Xintoísmo incluem técnicas de respiração que beneficiam a cura. De acordo com o escritor e filósofo Alan Watts, “Alguns monges Zen Budistas praticam a meditação do riso durante 8 minutos todas as manhãs, depois de se levantarem.”20 “Desde sempre que a cura através do toque (Te ate) tem sido usada como a primeira resposta à doença e ao sofrimento. Colocar a mão numa área dolorosa é uma reacção automática. As mães seguram os seus filhos. Todos nós já colocámos a mão na própria testa. O calor e a energia transferida dão conforto.”21 22 23 A massagem nas suas diferentes formas tem a sua origem no toque (Te ate). A acupunctura vem da massagem. A prática da acupunctura tradicional Japonesa é um tema sobre o qual tenho escrito exaustivamente. Para explicações detalhadas por favor consultam os meus artigos escritos para a NAJOM.24 25 26 As plantas têm sido utilizadas em tratamentos e nas práticas da moxabustão. Todas estas técnicas de tratamento têm sido praticadas durante milhares de anos no Japão e totalmente documentadas. As bebidas medicinais são tão antigas como a história do Japão e também são parte dos segredos para uma vida longa e feliz. Há um ditado que diz “um pouco de sake por dia mantém o médico longe”. O sake ou vinho de arroz tem sido utilizado no Japão com efeitos medicinais desde o período de Jomo (11,000ac – 300ac). Diz-se no Japão que o sake é o rei das Medicinas. O chá verde é também considerado uma deliciosa Medicina. “Chá verde contém vitamina C, cafeína e taninos. É um antioxidante, um diurético e também elimina toxinas. Ajuda na circulação sanguínea e alcaliniza os fluídos corporais.” 27 No Japão determinadas formas de exercício começaram como técnicas de defesa pessoal.

As arte marciais japonesas são consideradas fundamentais para alcançar progressivos níveis de aptidões. Por esta razão, estes exercícios podem ser praticados desde a infância até à velhice. Não são baseados em géneros. Não é difícil encontrar mestres entre os 80 e os 90 anos. Algumas das artes marciais mais populares são Jujitsu, Aikido, Kendo, Kyudo, Judo, Karaté e Sumo. Estas e outras artes marciais são altamente benéficas para alcançar e manter a saúde. O exercício pode tomar outras formas como a Arte, Pintar, Sumi-e, Caligrafia, Cerimónia do chá, Dança tradicional, tocar instrumentos musicais e fazer arranjos florais, são também considerados altamente benéficos. Muitos livros têm sido escritos sobre estes segredos consagrados ao longo do tempo. É possível encontrar inúmeras fontes de informação sobre os tópicos que têm sido mencionados. Por favor vejam as referências das excelentes fontes consultadas. Espero que este artigo tenha encorajado o leitor a tentar alguns destes segredos Japoneses.

Kubota Naoki, L.Ac. licenciou-se no Miji College of Oriental Medicine, em Osaka, Japão, em 1977. Continuou depois o seu estudo com três mestres em Ishizaka Ryu Acupuncture: Uchida Masako, Goto Mitsuo e Machida Eiji. Desde 1980 que tem vivido e praticado acupunctura em Asheville, N.C. Actualmente lecciona seminários nos Estados Unidos pela Kubota Zone Acupuncture e pela Ishizaka Ryu Acupuncture. Em 2006 foi o orador principal no International Veterinary Acupuncture Society’s, 32nd Annual International Congress. Este autor e o seu mapa de Acupunctura Kubota Zone estão incluídos no livro “The Subtle Body – An Encyclopedia of Your Energetic Anatomy” por Cyndi Dale. Contribuiu anteriormente para a NAJOM em seis artigos originais. A sua co-autora neste artigo é a sua esposa, a pintora E. J. Potter.

“Este artigo é traduzido do original em língua inglesa e foi inicialmente publicado em NAJOM

– North American Journal of Oriental Medicine – Volume 18, Número 51, Março 2011 “.

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 18. Kakizaki, Taijin, ibidem. 19. Jacques de Langre, Ph. D, Sea Salt’s Hidden Powers, Happiness Press, 1994.


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20. Alan Watts, In My Own Way, An Autobiography, Vintage Books, 1973. 21. Miura Ichro, Shin Kenko Ho; Teate Ryoho, Tama Syuppan, 1978.
 22. Asuke Jiro, Teate Ryoho, Taiseido, 1980. 23. Eguchi Toshihiro, Tenohira Ryoji o Kataru, Tenohira Ryoho Kenkyu Syo, 1955. 24. Kubota Naoki, Kubota, Zone Acupuncture and the Chart That is Its Key, NAJOM, Vol. 14, 41, 2007. 25. Kubota Naoki, The Defining Techniques of Kubota Zone Acupuncture, NAJOM, Vol. 15, 42, 2008. 26. Kubota Naoki, Ishizaka Sotetsu: A Misunderstood Genius, NAJOM, Vol. 15. 44, 2008. 27. Kakizaki Taijin, ibidem.

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O Chi Kung na Clínica: Micro-Sistemas Autor: Lourenço de Azevedo

Há cerca de dois anos tomei a decisão da minha prática terapêutica ser exclusivamente baseada em exercícios de Chi Kung (氣功). Ensino em aulas regulares semanais, cursos de fim de semana e sessões particulares para tratar questões específicas com diagnóstico e prescrição segundo a MTC. A realidade das pessoas que me procuram é uma realidade de quem vive os dias com múltiplas actividades realizadas muitas vezes em multitarefa. Têm horários irregulares de sono, de alimentação, vidas preenchidas e ao mesmo tempo com a sensação de vazio e de urgência em terminar algo que nunca está concluído. Se tem sido desafiante esta escolha de especialização neste ramo da MTC, mais desafiante tem sido compreender e integrar estratégias que permitam que estes pacientes desenvolvam uma prática regular segundo a sua condição e recursos que têm disponíveis. Já quando praticava Acupunctura prescrevia com frequência exercícios aos meus pacientes com a finalidade de criar participação e autonomia no seu percurso terapêutico. Porque o tempo é limitado em consulta, comecei a utilizar o que eu defino como Micro Sistemas de Chi Kung. Os Micro Sistemas são movimentos que permitem com o mínimo de esforço obter o máximo de efeito. São fáceis de aprender e de ensinar e necessitam de muito pouco espaço para serem realizados. Para ilustrar esta ideia vou utilizar um vídeo com exercícios de Chi Kung que criei no ano passado com intuito de divulgar abordagens que possam ser integradas no dia a dia. Chamei-lhe Vídeo

Essencial e é baseado na minha experiência clínica de utilização regular destes exercícios. Este vídeo com pouco mais de 20 minutos é baseado todo ele neste conceito dos Micro Sistemas de Chi Kung. Convido-vos numa primeira fase a visualizar este vídeo que pode ser praticado como um todo ou dividido em quatro partes distintas - Três Aquecimentos, Um Movimento de Activação, Práticas de Quietude e Arrefecimento. Os Três Aquecimentos (0”:32’) são compostos por três rotações - rotação dos joelhos, rotação da anca e dos ombros. Harmonizam o Chi nas articulações principais também referidas como as Nove Pérolas - tornozelos, joelhos, articulações coxo femorais, área inferior, média e superior da coluna, ombros, cotovelos e pulsos. Cada um destes aquecimentos pode ainda ser utilizado individualmente. Por exemplo, a rotação da anca pode ser prescrita em dores lombares por estagnação de Sangue e Chi, sintomas relacionados com o ciclo menstrual ou falta de equilíbrio quando o Rim está envolvido. Estes são os aquecimentos que utilizo nas minhas aulas há mais de dez anos. São simples de aprender e fornecem durante cerca de dez minutos uma prática que a médio prazo pode ter um efeito profundo em toda a Energia Vital do praticante. Balançar os braços em frente ao corpo (10”:15’) é um exercício clássico (Khon, 2008) que foi reabilitado nos anos 50 para ser utilizado em fábricas na China (Chuen, 2011). Os operários praticavam este exercício como rotina principal de treino antes de começarem a trabalhar. É indicado para todos os sintomas de estagnação de Sangue e Chi especialmente no Aquecedor Superior. Tem um efeito profundo


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em dores e tensão nos ombros derivados de posturas incorrectas. Praticado várias vezes ao dia torna-se um exercício indispensável para quem trabalha à secretária. Práticas que cultivam a quietude como Permanecer com as mãos no Dantien (丹田) e a Postura do Wuji (無極) (12”) são baseadas no Zhan Zhuang Chi Kung (站樁氣功) também conhecido pela prática da Postura da Árvore. Esta prática inclui várias posturas cuja função é fortalecer e conduzir a Energia Vital para as várias áreas do corpo. As posturas aqui apresentadas destinam-se a fazer circular e a nutrir o Chi, alinhar a postura e fortalecer a ligação do praticante com a Terra. É recomendado quando no dia-a-dia existe a necessidade de criar momentos de quietude com a finalidade de relaxar e regenerar. O arrefecimento (21”:14’) é uma auto massagem que termina esta prática. Trata-se de uma rotina breve mas enérgica que se destina a mover o Sangue e o Chi em zonas chave do corpo. Recomendo-a quando o paciente está sentado durante algum tempo e quer compensar a imobilidade que é criada por esta postura. Executada num registo mais lento e consciente actua também como auto massagem de relaxamento ideal para o final do dia. É frequente os pacientes referirem que perderam o controle do ritmo das suas vidas. Que não têm tempo nem espaço para Estar porque estão demasiado ocupados a Ser. A inclusão de práticas que sejam fáceis de aprender e de aplicar nos mais diversos contextos permitem que gradualmente uma comunicação mais harmoniosa entre Corpo, Respiração e Mente aconteça e a regeneração vá sendo criada passo a passo a partir de uma base sólida. Estes dois anos para mim têm sido extremamente gratificantes no sentido de ensinar práticas que permitem desenvolver uma estrutura terapêutica eficaz ao ritmo de cada praticante consoante as suas necessidades pessoais.

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Praticar Chi Kung tornou-se já para alguns os 15 minutos mais importantes do seu dia. “Ofereçam um peixe a um homem e alimentamno por um dia, ensinem-no a pescar e alimentamno para toda a vida” - Provérbio Chinês. Dúvidas ou reflexões sobre prescrição de Chi Kung e a sua aplicação clínica são bem-vindas e poderão ser enviadas para o meu email.

Lourenço de Azevedo estudou MTC na escola Superior de Medicina Tradicional Chinesa. Desde 2012 que utiliza o Chi Kung como terapia exclusiva na prevenção e tratamento das mais variadas patologias. Desde 1999 que ensina em várias instituições, em aulas semanais e aulas particulares. Investe a sua energia na criação de métodos que permitam aos alunos e pacientes desenvolverem hábitos de prática regulares e consistentes. Publica a sua experiência com regularidade no blog A Arte do Cultivo da Quietude em http://devagar.org

Referências Khon, L. (2008) Chinese Healing Exercises, University of Hawaii Press Mestre Lam Kam Chuen (2011) em conversa informal durante o estudo deste exercício em Amsterdão.

REVIEWS DE LIVROS Título: Restaurar a Ordem na Saúde e na Medicina Chinesa – Estudos sobre o desenvolvimento e uso do qi e dos canais. Título Original: Restoring Order in Health and Chinese Medicine – Studies of the development and use of qi and the channels Autores: Stephen Birch, Holanda, Miguel Angel Cabrer Mir e Manuel Rodriguez Cuadras, Espanha, Dianne Sommers, Holanda, Chip Chace e Dan Bensky, EUA e Mark Bovey, RU Editora: Jade Stone Group / La Liebre de Marzo Data: 2014 Páginas: 500 Língua original: Inglês

Esta obra desperta grande interesse desde logo pela sua abordagem inovadora de explorar o conceito do Qi. Reúne diferentes autores, com grande experiência na prática da acupunctura e com largos anos de reflexão sobre o tema; apresenta como estrutura base a interpretação dos Clássicos e da literatura pré-médica, e por fim surgem várias disciplinas e exercícios relacionados com o Qi. Penso que o livro marca a diferença naquilo a que se propõe: uma investigação sobre o conceito do Qi – seu desenvolvimento e usos - e dos Jingmai. Ao longo de dez capítulos, são referidas questões como as diferentes perspectivas Daoístas e Confucionistas, “as interacções do Qi ao nível do corpo, da mente e dos estados emocionais”; a importância do trabalho de cultivo interno do terapeuta-acupunctor; o papel do Taiji e do Qigong como práticas que auxiliam

na compreensão do Qi, bem como termos tão importantes como o Yi, o Ji, a mente-coração, proporcionam-nos verdadeiros insights sobre o tema. Quase no final, como uma cereja no topo do bolo, Stephen Birch e Bovey apresentam-nos um modelo de cariz multidisciplinar de investigação do tema. No capítulo 1 Stephen et al. fazem uma viagem literária ao longo dos tempos na evolução do conceito do Qi e salientam a importância do texto Neiye, ao apresentar “a importância da mente sobre os estados emocionais, do alinhamento do corpo no trabalho de autocultivo e a sua influência no desenvolvimento da prática”. No Huangdi Neijing, o Qi ganha uma posição central na compreensão do corpo e da mente, da doença e do tratamento. Após abordarem o papel do coração-mente e do Yi e a questão da ressonância e a dinâmica do Qi (Ji), os autores terminam com uma das frases mais


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reveladoras: “Quando escolhemos focarmo-nos em fazer algo com isso (por ex. Qi), como ocorre com formas mais tradicionais de acupunctura, o reconhecimento do papel do estado interno do praticante relativamente à capacidade de influenciar o Qi, altera a percepção que muitos tinham sobre a acupunctura.” No capítulo 2 também se procura criar as fundações para questões que irão surgir em capítulos posteriores. Aqui, a ideia base é perceber como o conceito de mai, originalmente correspondente a estruturas fisiológicas, foi dando lugar aos jingmai, que surge como forma de aumentar a ordem interna do corpo. O papel do estado interno do praticante volta a ser explorado por Dianne Sommers no capítulo 3 e pretende explicar-nos como seria o terapeuta nos tempos iniciais da China, como se poderia distinguir por ser “superior” – termo dos Clássicos da Medicina Chinesa. A pergunta que fica é “o que se poderia esperar dum terapeuta que correspondesse a esta classificação”. Desenvolvendo o texto de forma muito elegante, procura posicionar a importância do trabalho individual de auto-cultivo. Faz a ponte com os dias de hoje, e questiona os pressupostos base da investigação que assentam nesta ideia, de que apenas as técnicas, e não o terapeuta em si, têm influência no resultado final. Nas suas várias vertentes de filósofo-pensador, investigador, cientista e acupunctor, Stephen Birch apresenta, no capítulo 4, um trabalho notável de integração e exploração dos conceitos de Qi e Jingmai relacionados com a acupunctura. Aparecem aqui as teorias que se foram consolidando sobre a circulação do Qi no corpo e nos jingmai, incluindo os seus ritmos e influências cosmológicas. Abordando as “variações da linguagem das técnicas de punctura” chega à importância do estado interno do praticante aquando da punctura. Aqui, explora a questão da chegada do Qi “deqi” e a influência do “yi”, intenção, atenção e consciência, em todo este processo. Isto irá culminar na exposição dum modelo que apresenta as possibilidades de influência da prática ao nível das várias camadas de Qi e

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qual o impacto do estádio de desenvolvimento do praticante nisto. No final, expondo o estilo de acupunctura que pratica, Toyohari, Birch pretende demonstrar como na prática e a partir da interpretação dos Clássicos tudo o que foi descrito anteriormente é integrado. O capítulo 5 revela uma excelente qualidade da capacidade dos autores em desenvolverem o capítulo 1 do Lingshu, Chace e Bensky, onde exploram a dinâmica do Qi (Ji), do Yi e do estado interno do praticante para se compreender como se poderá “ir ao encontro” do Qi. Para os autores, “é num processo de sensibilidade, escuta e atenção que poderá o praticante seguir o qi e escolher o momento e a forma correcta de exercer alguma influência sobre este e o poder organizar.” Manuel Rodriguez apresenta, no capítulo 6, a evolução da fitoterapia Chinesa assente no paradigma da Medicina Chinesa e alerta para o que considera ser um perigo: a fácil assimilação ao pensamento causal ocidental e bioquímico, reduzindo uma medicina milenar a uma parte muito ínfima do que é a sua complexa natureza e propriedades terapêuticas. “A necessidade de haver prática para melhor se discernir sobre o conceito do Qi” é o que Miguel Cabrer salienta no capítulo 7, duma forma muito fluida, cuidada e atenta. Explorando a dualidade quietude-movimento no conceito de Qi, aplica-o ao Taiji, ao Qigong e à Acupunctura, tal como ao conceito de Tuishuo. Segundo Miguel: “O início da mudança é diminuto, silencioso. É por isso que a prática da quietude é importante. Uma prática constante permite-nos ter melhor percepção deste início. (...) e estarmos mais atentos, às mudanças que ocorrem à nossa volta.” No capítulo 8 os autores demonstram a dificuldade de fazer-se investigação científica sobre o Qi e os Jingmai. Stephen Birch conclui que “muitos investigadores tendem a investigar apenas segundo a sua visão limitada do modelo de “Qi”, sujeitando-a aos procedimentos científicos convencionais”. Juntamente com Bovey, alerta para as diferenças filosóficoculturais, propondo um modelo de abordagem

multidisciplinar. O livro é finalizado pelos capítulos 9 e 10 onde são apresentados exercícios para melhorar a sensibilidade do praticante. Ana Sofia Pacheco

Título: Pérolas Clínicas – Uma colecção de Introspecções da Teoria e Prática da Medicina Chinesa Título Original: Clinical Pearls – A Collection of Insights into the Theory and Practice of Chinese Medicine Autores: Giovanni Maciocia Editora: Su Wen Press Data: 2014 Páginas: 310 Língua original: Inglês

O autor apresenta um livro direccionado para prática clínica. O título, Pérolas Clínicas, revela a linha comum de todo o conteúdo do livro. Ao longo dos últimos 2 anos os temas aqui apresentados foram publicados no blog do autor, Giovanni Maciocia. Agora, surgem conjuntamente podendo revelar-se um importante livro de estudo e consulta na prática clínica. O resultado de 39 anos de estudo e de experiência clínica manifesta-se na necessidade de desenvolver e explicitar temas particulares, muitas vezes pouco explorados, quer em termos de diagnóstico ou tratamento com diferentes terapias, desde à acupunctura, à fitoterapia ou

aos hábitos de vida. O diagnóstico e tratamento do Calor é o tema do primeiro capítulo do livro. É diferenciada a etiopatogenia dos diferentes tipos de Calor, assim como do seu diagnóstico e tratamento. Vários exemplos visuais da língua são apresentados, sendo uma importante mais-valia em termos da sua transposição para a prática clínica do leitor, em termos de diagnóstico e evolução do padrão. Entre o Calor Plenitude, Calor de estagnação de Qi, Calor-Vazio, Calor e Fogo, Humidade-Calor, Fleuma-Calor, Calor Latente e Fogo Yin, o penúltimo surge em grande pormenor. A progressão do factor inicial do Taiyang para o Shaoyin como Calor Latente


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dependerá depois de vários factores para se manifestar como uma nova invasão de vento, subida de Yang na Primavera que desperta este factor, alterações emocionais, excesso de trabalho, doença severa, medicação ou drogas. O segundo capítulo debruça-se sobre as doenças auto-imunes de uma perspectiva biomédica e também de uma perspectiva da etiopatogenia da Medicina Chinesa. Este tipo de doenças, apesar de incluídas no mesmo tipo, apresenta uma etiologia bastante complexa e diferente entre si, devendo ser avaliadas e tratadas especificamente. Surge novamente aqui o Calor Latente como uma possível causa inicial para o desenvolvimento deste tipo de doença, conjuntamente com alterações de outros componentes do sistema imunitário na Medicina Chinesa, como o Wei Qi, o Ying Qi, o sangue, o Rim, a medula óssea, o Yuan Qi, o Jing e a Estômago e Baço. Segue-se, no terceiro e quarto capítulo, uma descrição bastante pormenorizada do Coração e do Triplo Aquecedor e da sua importância na integração com a função de outros órgãos, quer em termos das suas funções específicas, quer em termos do tratamento. A relação entre o Shen e o Hun surge no quinto capítulo pela sua importância na vida emocional, havendo uma descrição da sua relação com o córtex pré-frontal, com os neurões-espelho e com a psicologia Jungiana, além da visão base na filosofia Confuciana. Os capítulos seguintes desenvolvem diferentes temas, desde a etiopatogenia de doenças relevantes, como rinite alérgica, relação entre bactérias no feto e asma, a temas relacionados com pontos de acupunctura, fórmulas de fitoterapia, padrões de diagnóstico e sinais, sempre incluindo dicas particularmente interessantes e significativas em termos clínicos. Filipa Rodrigo

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ONLINE REVIEWS Estudo: Raio-X e TAC de contraste de imagens de pontos de Acupunctura baseada na radiação de sincotrões Título Original: X-ray phase-contrast CT imaging of the acupoints based on synchrotron radiation Autores: Liu Chenglin, Wang Xiaohua, Xu Hua, Liu Fang, Dang Ruishan, Zhang Dongming, Zhang Xinyi, Xie Honglan, Xiao Tiqiao. Publicado originalmente em : http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/ S0368204813002405 Revista: Journal of Electron Spectroscopy and Related Phenomena Data: 30 Dezembro 2013 Língua original: Inglês Legenda: Estrutura Anatómica dos Pontos de Acupunctura – radiação de sincotrões

Cada vez há menos cépticos no mundo da Acupunctura, e muito graças à comunidade científica que tem dado um contributo muito importante no reconhecimento dos benefícios terapêuticos desta conhecida técnica milenar da Medicina Tradicional Chinesa. Porque existe uma aceitação e procura cada vez maior, por parte da população e também da classe médica, existe também a necessidade de investigar com rigor quais são os mecanismos biológicos e bioquímicos de actuação da Acupunctura. Há muito que se sabe que a Acupunctura estimula o sistema nervoso central, promove a produção e libertação de endorfinas e outros neurotransmissores, estimula o sistema

imunitário, tem acção anti inflamatória e analgésica, entre outras. Já a existência e importância dos Pontos e Meridianos de Acupunctura tem-se mantido um mistério e uma dúvida. Sendo que alguns pontos e meridianos se relacionam directamente com estruturas anatómicas importantes do corpo humano, nunca se tinha conseguido comprovar com precisão que tipo de actividade (ou se existia alguma actividade) nestes pontos. Recentemente, e graças aos avanços tecnológicos, com recurso a TAC de contraste com radiação de sincrotrões, fez-se um estudo comparado entre pontos de Acupunctura e zonas neutras (non acupuncture points). O estudo é muito conclusivo, existe uma muito


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maior concentração de microvasculação nos pontos de Acupunctura. O estudo foi publicado no “Journal of Electron Spectroscopy and Related Phenomena”, recomendo a leitura deste novo estudo, um pequeno mas importante passo para a ciência e para nós, profissionais desta arte médica, que queremos e merecemos reconhecimento! Apesar de algumas questões ficarem respondidas com este tipo de avanço na investigação em Acupunctura, outras questões permanecem: Como é que os Antigos Chineses descobriram os Pontos e Meridianos de Acupunctura? Sem recurso a Tomografia Axial Computorizada, Raios-X, Medicina Nuclear, e vários outros exames.

Praça José Fontana, nº4 - 1 andar 1050-129 Lisboa Email: info@tesourosmc.com Telefone: 21 314 30 42 / 96 952 39 00


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