AMAZÔNIA: ESTRADAS DA ÚLTIMA FRONTEIRA

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Issn: 2176-8528

pará zero zero - nº 14 - ano V - R$ 10,00

ARTE, EDUCAÇÃO E CULTURA

Amazônia

Estradas da Última Fronteira por Paulo Santos ARTE

MIDAS por Armando Queiroz

MÚSICA

50 Anos de Guitarrada do Mestre Vieira 1

ENTREVISTA

Coordenador do Programa Municípios Verdes revistapzz.com


Revista PZZ - Arte, Educação e Cultura

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Ademir Braz.....................................................06

ARTE, EDUCAÇÃO E CULTURA

ARTE CONTEMPORÂNEA:

Issn: 2176-8528

POESOFIA:

pará zero zero - nº 14 - ano V - R$ 10,00

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expediente

índice MIDAS por Armando Queiroz............................08

MÚSICA: Documentário do Mestre Vieira por Luciana Medeiros.......................................12

NATURA MUSICAL:

Amazônia 33

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Estradas da Última Fronteria 2° Lugar Boligán/México-2010

Lia Sophia e Luê Soares selecionadas no Programa Natura Musical..................................................16

CINEMA À Margem do Xingu: Vozes Não Consideradas por Carlos Pará ................................................20

ARTES VISUAIS:

3º Salão Internacional do Humor........................24

ENTREVISTA: Justiniano Queiroz Netto - Coordenador do Programa Municípios Verdes........................34

documentário: Amazônia: Estradas da Última Fronteira por Marisa Mokarzel e Paulo Silber..................38

MODA: As múltiplas faces de Ana Miranda Moda e Sustentabilidade..................................80

TEATRO: Adaptção Cênica de Passagem dos Inocentes de Dalcídio Jurandir por Willi Bolle...................................................88

por Paulo Santos ARTE

MIDAS por Armando Queiroz

EXPOSIÇÃO 3º Salão Internacional de Humor

ENTREVISTA

Coordenador do Programa Municípios Verdes

Editor Responsável Carlos Pará 2165 - DRT/PA Arte e Projeto Gráfico Alexandre Diniz Produção Executiva Carlos Pará, Pedro Vianna, Narjara Oliveira, Márcio Pontes. Estagiários: Nathália Fonseca e Larissa Leite Impressão: Gráfica Sagrada Família Distribuição: Belém, Pará, Brasil. A Revista é uma publicação Bimestral Editora Resistência Ltda Cnpj : 10.243.776/0001-96 Issn: 2176-8528 Assssoria Jurídica: Alfredo Nazareth Melo Santana 11341 OAB-PA Contatos (91) 9616-4992 / 3249-5800 Av. Duque de Caxias, 160 Loja 14 | Marco | 66.093-400 Belém - Pará site: revistapzz.org facebook: REVISTA PZZ email: revistapzz@gmail.com twitter: @revistapzz

ARTES INTEGRADAS: Expedição Ciclos por Pedro Vianna.............................................92

educação Memórias, Histórias de Vida e Questões Sociais na Ilha do Marajó por Nilze Lobato..................100 3

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A

AMAZÔNIA NO ESPELHO +20 onde a Amazônia será um dos temas centrais nas discussões, os governadores da região devem assumir como região prioritária para se estabelecer uma nova ordem econômica e a erradicação da pobreza com investimentos nas áreas de educação, ciência, inovação tecnológica e informação, para com isso, assegurar a diversidade cultural e o maior patrimônio biogenético do mundo. Temas que vamos abordar na próxima edição através do desafio da sustentabilidade na região. A PZZ 14 retoma a seção de entrevistas com o Secretário do Programa Municípios Verdes, Justiniano Queiroz Netto e nos fala dos avanços e da missão de combater e reduzir o desmatamento no Estado do Pará. Dialogando com a questão social do Pará, a videoinstalação MIDAS do artista Armando Queiroz é uma grande metáfora que parte da experiência do artista em Serra Pelada onde a morte paira na atmosfera de tudo. Por que fazer um vídeo de Serra Pelada e seus mortos-vivos? Reter suas dentaduras, suas bocarras?. O documentário “À Margem do Xingu - Vozes Não Consideradas”, vencedor do prêmio de “Melhor Documentário” (Júri Popular) do Festival de Cinema de Paulínia aborda os impactos da construção da hidrelétrica de Belo Monte e conseguiu sensibilizar e revelar ao mundo o lado sombreado pela barragem. O Poeta

Revista PZZ – Arte, Educação e Cultura projeta-se numa grande exposição que abrange a Amazônia em seus aspectos paisagísticos, geopolíticos e socioculturais. A Amazônia faz parte do processo de construção histórica do Brasil com seus grandes projetos e seus conflitos, com pessoas que habitam e sucumbem numa região cobiçada internacionalmente. Neste sentido, apresentamos a Exposição Amazônia: Estradas da Última Fronteira recentemente projetada na cúpula do Museu Nacional da República em Brasília que relaciona a produção foto-jornalística e documentarista do fotógrafo Paulo Santos com a curadoria de Marisa Mokarzel. As fotografias falam de forma distinta da nossa região e ao mesmo tempo possuem uma narrativa interligada por uma Amazônia rica de diversidade cultural, paradoxismos sociais e de esteticidade própria. A PZZ situa-se em um contexto que podemos gerar discussões e formulações de pensamento crítico sobre questões artísticas, culturais, sociais e políticas de uma Amazônia formada por contrastes, inserida no mundo globalizado, através de todas as linguagens artísticas e expressões simbólicas da cultura herdadas pelos antepassados ou produzidas pelos contemporâneos. Nesta edição lançada no contexto das discussões da Rio

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de Marabá, Ademir Braz, nos questiona: Para onde irão a seguir (além da cerca do latifúndio e da cova anônima de indigentes sem luto), sob o céu encauchado no forno das siderúrgicas? A efervescente cena musical do Pará, hoje é alvo de olhares do resto do país e do mundo, mas os precursores dessa musicalidade não foram esquecidos e vem sendo redescobertos. No documentário roteirizado e dirigido pela jornalista Luciana Medeiros com a pesquisa de Pio Lobato sobre a vida e trajetória musical de Mestre Vieira podemos certificar as sonoridades calientes da Amazônia. Enquanto isso, Luê Soares e Lia Sophia destacam-se no cenário Nacional através do Programa Natura Musical. Uma adaptação cênica do livro Passagem dos Inocentes, de Dalcídio Jurandir é traduzido em experiência teatral, por ser essencialmente lúdica, coletiva e voltada para a socialização do conhecimento, além de ser muito apropriada para despertar o interesse pela leitura da obra de Dalcídio Jurandir. O fato de os participantes viverem juntos os papéis dos personagens desenvolve neles a capacidade de percepção da realidade amazônica e os recursos para expressá-la. E no sentido de integrar e fortalecer o Coletivo de artistas e produtores da Amazônia, a Expedição Ciclos, vai dialogando com realidades locais dos Estados amazônicos, através de intervenções em arte digital, poesia, música, fotografia e midiativismo, tendo como referência conceitual a relação do homem e mulher amazônida com a bicicleta e a arte como foma de sustentabilidade. E relacionando Moda e Sustentabilidade apresentamos o trabalho da estilista Ana Miranda.

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Poesofia

Velhice

Ademir Braz

O ancião cochila junto à escrivaninha, de frente para a porta de entrada do gabinete e de costas para o janelão do segundo andar. Por ali se vê ao fundo uma nesga da manhã. É quase meio-dia da sexta-feira. Separada apenas por um lance de parede, a empregada ouve-lhe os roncos enquanto tecla no computador. Sua mesa está coberta de arquivos mal empilhados, mas há certa ordem no caos em que ela, vez por outra, mete uma das mãos e junta papéis ao acaso, quase sem olhar. Também do seu lado, outro janelão com vidros despeja a luz dos estertores da manhã ainda visível sobre muros e quintais. Para além dos vidros, a mangueira pejada de frutos róseos, de um lado, e do outro a caramboleira a desfazer-se em milhares de botões e flores de ametista. Sobre o telhado enegrecido pelo tempo, entre um e outro bloco maciço de esmeralda, por trás do ancião e por sobre sua cabeça o bando de pombos pousou em toda a extensão da parabólica formando uma espantosa coroa de suplícios.

Nasceu no Canto Verde, ali entre o Granito e a oficina/estaleiro do Mestre Leobaldo, à margem do Itacayunas, em Marabá. Jornalista desde 1972. Advogado, a partir de 2000. Poeta desde a eternidade. Membro efetivo e perpétuo da Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense, fundada em 26.09.2008.

Sobre girassóis de espuma

livros: “Esta Terra” (dez/1980 jan/1981);

As máquinas pararam. A que impulsiona a lancha e aquela caixa mágica que sonda a profundeza das águas. Há horas vagamos assim: leva-nos a correnteza entre pedrais e ilhas sob o cardume de estrelas no céu escuro. Nadamos no breu. Reféns, rolamos o penhasco da noite sobre girassóis de espuma.

“Antologia Tocantina” (1997) “Rebanho de pedras” (2003) Estão prontos para revisão e lançamento (quando Deus e o Diabo permitirem): “O verde e ácido cacho de murici” (crônicas); “A terra mesopotâmica do sol” (poesia) “Lua de Jade” (poesia); “A bela dos moinhos azuis” (contos)

Inda há pouco sondamos inquietos as margens invisíveis, a massa disforme

Há um romance em andamento.

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das ilhas cravadas no rebojo. Se morrêssemos aqui, não nos achariam entre pedras do sono e pirilampos.

Aborrecem-me tuas ruas ensolaradas ou noturnamente desertas e melancólicas. Ralam-me o cristal das chuvas de dezembro e o odor de frutas claras na água de verão.

(Não me incomodaria, decerto, morrer nesta bela noite entre saranzais... Depois, quem choraria a morte do poeta? Desgosta somente pensar o destino dos meus gatos miúdos, dos netos Kotôko, o pinscher, e Luna, a vira-lata, que os filhos dizem filhos seus. Quem levaria Canção Pequena, o curió arisco e canoro senhor das claras manhãs? E o que resta de minhas orquídeas e dos versos inconclusos, desalinhados, e das noites de insônia e morna solidão na casa arruinada que me acolhe? Quem ficaria com os poucos amigos? E com Arnaldo Jabor-ty, rei do quintal? E minha amada, a quem amaria, de novo enlevada com seus olhos de chá? Os livros, eu sei: nesta terra agreste aguarda-os, na esquina, o lixão da rua.)

Já não te amo mais, não te amo mais. Um gigantesco mar nos põe ao largo e singro, em velames, a esquecer teu cais. Se navego teus rios, ouço vozes afogadas de crianças e o canto deslembrado de pássaros; vejo encantarias apanhadas em tarrafas e garimpeiros presos ao farracho de sonhos cravejado de diamante e turmalinas; ouço adiante o canto sombrio da aldeã ilhada em balsa de buritis a descer sem timoneiro a voraz correnteza da memória, e o estrondo infindo de um avião a retorcer-se em chamas, facho imenso aceso sobre águas negras, farândola insana para um deus insano. Meu povo sumiu na mata e morreu à míngua nos castanhais. Ouço-o, sinto-o ainda, e tanto!, cidade minha... Já, em tuas ruas não anda mais a triste e doida Zabelona a cavalgar ao luar sua porca de bobs, nem sobre as casas ressoa, pela madrugada, o agourento presságio do rasga-mortalha. Invés, na calha dura avulta a gosma rubra de teus pobres, catados à margem de trilhos e soltos na veia líquida de março. São pobres peixes tangidos da sombra insalubre dos brejais. Sujos de ferrugem e fuligem, vomita-os o dragão chinês na gare de abandonos na periferia. São lambaris que no mormaço vagam. Cegos, vagam. Famintos, comem o paul do paiol apodrecido.

Ponho-me a rir do pensamento mórbido e espio os parceiros de infortúnio: sinto suas caras cinzentas no escuro. Em que pensarão? Olho as estrelas: lindas! Se eu tivesse ao menos um disco-voador... Por fim, aquietamo-nos: lá embaixo – tão longe! – uma ponte cruza o rio iluminada como um colar de diamantes.

Ao largo

Para onde irão a seguir (além da cerca do latifúndio e da cova anônima de indigentes sem luto), sob o céu encauchado no forno das siderúrgicas?

Já não te amo mais, cidade minha. Quando, nas dobras da minha lembrança, tange solitário um tropeiro a tropa ruidosa dos meus desenganos, sinto que não te amo mais: desgosta-me o suor-néctar que exalas por entre as pernas, se me enlaças e roças no rosto teus seios imaturos de vestal; trinco irado os dentes se me acenas doce, etérea e sedutora, dentre as aves de rapina que se fartam em tuas entranhas.

Quem sabe os espera, ao acaso, numa esquina, a perpendicularidade exata e única de uma bala? Já não te amo mais, cidade minha. Não faz sentido o amor, quando cegos conduzem cegos, quando o pássaro perde o canto, e tudo se precipita para lugar nenhum.

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ARTES VISUAIS

Videoinstalação de Armando Queiroz "Uma exposição que "trata da possibilidade e impossibilidade de refletirmos sobre os excessos de todos nós"

MIDAS por Viviane Matos

Onde o ouro fala tudo cala. Basta um toque de Midas para que tudo se transforme em ouro, basta que a boca aproxime-se do alimento para que este se petrifique e deixe de nutrir. Condenado à riqueza e à morte, Midas abdica da ambição, para viver. A multidão que sobe e desce, garimpa em terras amazônicas, devora o outro. Devora a si mesmo no desejo de obter o metal reluzente que se perde no brilho enganoso, na riqueza fácil que nunca chega ou se esvai pelas mãos. Resta a boca de ouro, a arcada que o garimpeiro leva para sempre consigo. Ausente o dente, ausente o sonho. Armando Queiroz rearruma

a realidade, redispõe o mito, reordena a trama e assume no próprio corpo o ato simbólico que reúne a multidão e o "devorar" mútuo. O corpo pintado de dourado e a língua de carne, mucosa e músculo deglute o besouro chinês. O inseto depredador tem a missão de infestar árvores, enfraquecer e destruir a madeira. O vídeo que participou do Prêmio Marcantonio Vilaça (20092010) revela o Midas, o depredador ambiental. O artista, o homem que percebe a sua região, os conflitos e injustiças promovidos por relações desiguais. O vídeo apresentado durante o Prêmio já não é o mesmo, sendo ainda ele. Multiplicam-se as

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imagens, percorre-se o chão, ou será o rio? Garimpar ou grimpar? Situase o olhar na posição distintiva de cima pra baixo. O artista destina-nos um lugar para pensar, comprometerse, mergulhar nas águas nem sempre tranquilas. Imagens de Serra Pelada, de Curionópolis devolvem à memória os conflitos, as tensões; forma-se o deserto de casas silenciadas pelo ouro que se foi.

MARISA MOKARZEL Curadora da Exposição


Uma exposição que "trata da possibilidade e impossibilidade de refletirmos sobre os excessos de todos nós", assim o artista visual Armando Queiroz define sua primeira vídeoinstalação individual chamada "Midas", que esteve em cartaz no início do mês de março, no Centro Cultural Brasil Estados Unidos (CCBEU). A curadora da obra foi Mariza Mokarzel. Convidado pelo conselheiro do CCBEU, Jorge Eiró. Armando Queiroz, que já realizou outras exposições individuais e algumas vídeoinstalações coletivas, não exitou em aceitar. “Há muito tempo não expunha individualmente e, nunca com uma vídeoinstalação. Este foi um momento especial que espero ter compartilhado com o máximo de pessoas possível”, afirmou Queiroz. Armando Queiroz disse que é difícil precisar a reação das pessoas que foram ver a sua vídeoinstalação. Para a artista paraense Carla Evanovitch as questões levantadas pelo artista em “Midas” é incontestável. “Faz algum tempo que venho acompanhando o trabalho do Armando. Gosto do que ele vem desenvolvendo como conceito e

visualidade. O discurso político, a estética que ele coloca nesse trabalho me interessa bastante, apesar da agonia inicial de vê-lo comendo insetos. Sei que esse trabalho já foi apresentado algumas vezes, mas foi meu primeiro contato com ele e sinto que Armando vem se tornando uma referência do que é feito em Belém e a qualidade do discurso artístico e político dele é inquestionável”. mostra uma bocarra que devora, e é devorada por insetos. “Tive contato com os garimpeiros da Serra Pelada no boom da década de 1980 e pedi que eles oferecessem o molde da boca. Contratei um protético que colheu o molde. Impressionante é o que aconteceu com essas pessoas ao longo desses 30 anos. Era muito comum na época que os garimpeiros refizessem a boca com dentes de ouro. Mas a realidade agora dessas bocas é de total abandono, de falta, de depredação” conta Armando Queiroz. "Midas" é um projeto antigo do artista visual. “A cada um, o que foi exposto pode ter provocado, ou não, algum sentimento, alguma reflexão. Somente parto do pressuposto que gostaria de tê-la realizado ainda 9

"Midas" trata da pretensa possibilidade, quando pensamos localizar e classificar este estado de desequilíbrio no outro e tentamos distingui-lo, racionalizá-lo para aboli-lo. Impossibilidade quando, tragados para o fundo desta cratera, e não nos damos conta do seu risco sedutor até sentirmos a clausura das nossas escolhas. 'Midas' é a incapacidade de desvencilharmo-nos destas contradições. Uma grande metáfora que parte da minha experiência em Serra Pelada mais de trinta anos após o início da febre do ouro naquela região. Uma viagem em busca deste Midas ancestral", revela o artista. nos anos 80. Agora, creio apenas que foi uma exposição antiga para tempos não tão novos quanto os nossos. O vídeo 'Midas' foi um dos resultados que apresentei para a bolsa de pesquisa em arte oferecida pelo Prêmio CNI-SESI Marcantonio Vilaça 2009-2010. Neste momento, fui orientado pelo crítico e curador Paulo Herkenhoff e, das nossas intensas conversas surgiu 'Midas'. Foi a a partir desse mito e pelas histórias que ouviu no auge do ouro na Mina de Serra Pelada, que Armando Queiros traz na exposição que faz referência aos garimpeiros de Serra Pelada e suas arcadas recheadas de ouro, e mostra uma bocarra que devora, e é devorada por insetos.

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Armando Queiroz constituindose por meio de leituras, experimentações, participações em oficinas e seminários. Ele expõe desde 1993 e já participou de diversas mostras coletivas e individuais no Brasil e no exterior. Integrou projetos como: Macunaíma, em 1997, no Rio de Janeiro e Prima Obra, em Brasília, em 2000. Participou do Arte Pará, como artista convidado, nos anos de 1998, 2005, 2006, 2007 e 2008. Foi em Abaetetuba, no ano de 2003, que realizou a sua primeira intervenção urbana no Mercado de Carne Municipal como resultado do workshop Projetos Tridimensionais II, promovido pelo Instituto de Artes do Pará (IAP). Foi bolsista do Instituto de Artes do Pará, com o projeto Possibilidades do Miriti como Elemento Plástico Contemporâneo, em 2003. Em 2008, desenvolveu a bolsa de pesquisa Corpo toma Corpo, estudos em Videoarte - O Corpo como Intermediador entre a Vida e a Arte.

A produção artística de Queiroz abrange desde objetos diminutos até obras em grande escala e intervenções urbanas. Detém-se conceitualmente às questões sociais, políticas, patrimoniais e as questões relacionadas à arte e a vida. Recebeu o 2º Grande prêmio do 28º Arte Pará. Em 2010, recebeu Sala Especial no 29º Arte Pará como artista homenageado do salão. Atualmente, está no 5º semestre do curso de graduação em Artes Visuais da Universidade Federal do Pará. Vive e trabalha em Belém. Recentemente, participou do recorte curatorial Contra-pensamento Selvagem, que fez parte da exposição Caos e Efeito, apresentada na sede do Itaú Cultural em São Paulo. Armando Queiroz recebeu já os prêmios: 2000 – "Prêmio Espaço" Arte Pará Dois Mil (Operai dell'art e della Vita), promovido pela Fundação Romulo Maiorana – Belém (PA). 2003 – “Prêmio Especial Graça

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Landeira”, IX Salão de Pequenos Formatos – UNAMA – Belém (PA). 2010 – Artista Homenageado no 29º Arte Pará, Belém (PA). 2009 – “Segundo Grande Prêmio”, 28º Arte Pará, Belém (PA). 2008 – Prêmio CNI SESI Marcantonio Vilaça para as Artes Plásticas 2009-2010. 2007 – Prêmio Aquisitivo, XIII Salão de Pequenos Formatos, Belém (PA). 2006 – Prêmio Aquisitivo, XII Salão de Pequenos Formatos, Belém (PA). 2004 – “Grande Prêmio”, primeiro Salão UniversidArte, Faculdade do Pará – FAP, Belém (PA).


MIDAS “Depois de morto, roubaram-lhe a dentadura. Eis o nosso rei destronado, devolvido à sua solidão, fraco e pobre como o mais fraco e mais pobre dos seres.” Comentário sobre o personagem Boca de Ouro da peça homônima de Nelson Rodrigues *

M

iséria, hanseníase e abandono espreitam Serra Pelada quase trinta anos depois do início da febre do ouro. Restaram casebres abandonados, pessoas perambulando, quais mortos-vivos, numa cidade fantasma ao redor de um grande lago contaminado de mercúrio, o oco. Restaram velhos aposentados, mulheres e a prostituição infantil. O índice de HIV é altíssimo. O gigante ameaçador, percebido no clima tenso do local, está presente a todo o momento. O gigante quer terra, quer expulsão, o gigante tem papéis e advogados, tem anuência do estado. O garimpeiro tem apenas uma amarfanhada carteirinha de autorização de exploração de minério, e muita tristeza da sua atual situação. O garimpeiro tem ao lado de si muitas cooperativas, nem todas bem intencionadas. Muitos não deixam o local simplesmente por vergonha, não teriam condição de encarar seus familiares tantos anos depois, sem nada nas mãos. Regra geral ouvir que sairão sempre pior do que chegaram. Dos poucos que ainda exploram o minério, pouca ou nenhuma esperança. O olhar de um gaúcho à espera de um hipotético sócio - com dois meses de máquinas paradas -, e de um também hipotético veio riquíssimo debaixo de poucos metros de rocha, diz tudo. Noventa mil homens, como insetos de uma gigante colônia a céu aberto, tiveram a capacidade de revolver inteiramente uma montanha! A montanha foi a Maomé! A montanha curvou-se ao desejo e a cobiça: Cobiça, mãe-rainha desta colônia iracunda, deusa filicida. Rabos de dinheiro, viagens de teco-teco onde o passageiro era apenas um chapéu prosaicamente 11

esquecido. Mulheres, cachaça, e muita coragem. “Bamburrar” foi para poucos, manter a fortuna para pouquíssimos. Muita morte para que a montanha mantivesse suas vísceras à mostra. Reza a lenda que montanha que não é banhada por sangue, ouro não brota. Muita expectativa, pouca esperança. É comum a todos que vão à Serra Pelada, perceber que aquele momento é um momento especial, algo de positivo irá acontecer brevemente, vã expectativa! Tudo retorna ao mesmo lugar: o lugar da espera, da desesperança. Como tatus cegos, que fuçam incessantemente a terra, estes homens não abandonam o sonho do ouro. Aquela cava submersa é ainda o jardim de rosas onde Midas acolheu o velho sátiro Sileno, mestre e pai de Ovídio. A morte paira na atmosfera de tudo. Por que fazer um vídeo de Serra Pelada e seus mortos-vivos? Reter suas dentaduras, suas bocarras? Por que gravar, aprisionar, a ira de Baco vingativo? Esta boca-ânus ancestral. Prazer e gozo. Lembrança de fezes e chocolate. Insetos e morte. Devoradora criatura que se deixa devorar sem fim, mãe-rainha deste golfento formigueiro. Por que aprisionar a irá do Baco ancestral? Uma ode aos primeiros vermes-insetos que irão comer nossas carnes frias. Seremos nós os garimpeiros cegos a fuçar a lama da cobiça? Onde estarão as rosas do jardim? Seremos nós o gigante ameaçador? Ou seremos todos o Midas eterno - orelhas de burro-, em miséria, lepra e abandono? revistapzz.com


MÚsIcA

Documentário narra a história do criador da Lambada

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efervescente nova cena musical do Pará, hoje é alvo de olhares do resto do país e do mundo. Mas os precursores dessa musicalidade não foram esquecidos e vem sendo redescobertos. Nos anos 80 e 90 Beto Barbosa despontava para Brasil com a dança proibida, a lambada. E isso não aconteceu por acaso, mas por conta de um revolucionário: Mestre Vieira. O “Rei da Guitarrada” levou para o Nordeste o estilo batizado por ele. O universo do guitarreiro vai ser narrado por um documentário e um show comemorativo de 50 anos dedicados à música, que deve ser lançado ainda este ano. Aos 78 anos, Joaquim de Lima Vieira, que aprendeu a tocar banjo ainda criança, não tinha a aprovação do pai. Mas isso não impediu a sua introdução no mundo musical. Escondido do pai, ele

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Por Camila Barros

aprendeu a tocar o bandolim e com o instrumento, Vieira, aos 14 anos, compôs a canção “Te Agasalho”, com a qual ganhou um concurso na Rádio Clube do Pará. Tornou-se operador de rádio. Com a chegada do rádio a pilha criou seu próprio amplificador para tocar sua guitarra, alimentado por baterias de carro, já que na época não havia energia elétrica. Dela soavam ritmos latinos, misturando lambada, cúmbia, carimbó, guitarrada e outros estilos. O nativo de Bragança, município no nordeste do Pará, gravou os LPs “Lambadas das Quebradas” (1978) e “Lambada das Quebradas Volume 2” (1980) e através deles chegou a Europa, onde os ingleses negociaram a regravação do segundo LP em inglês. Durante cerca de uma década, entre os anos 90 e 2000, o ritmo do Mestre chegou ao ostracismo. Até que o músico Pio Lobato fez o resgate para o projeto

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“Mestres da Guitarrada”, incluindo os mestres Curica e Aldo Sena. Juntos eles fizeram turnês Brasil a fora e na Alemanha, durante a Copa do Mundo. Vieira foi citado recentemente pela Rolling Stones na lista dos maiores guitarristas do mundo. Depois de indas e vindas, o Mestre circula com a formação do grupo dos anos 70 a 90, no auge do sucesso. Hoje, o grupo é intitulado “Mestre Vieira e os Dinâmicos”. Isso foi possível a partir do trabalho de pesquisa realizado pela jornalista e produtora cultural Luciana Medeiros, através de captação de leis de incentivo a cultura. É ela quem assina o roteiro e a direção do documentário sobre a vida e trajetória musical de Vieira. Em entrevista à revista PZZ, Luciana fala sobre o projeto.


PZZ - Como surgiu a ideia para o resgate do trabalho do Mestre? Como foi idealizado e desenvolvido o projeto? Luciana Medeiros - Conheci Mestre Vieira, em 2003, quando ele foi ao programa Cultura Pai D’égua, junto com a banda Cravo Carbono, para uma entrevista. O Pio tinha conhecido o Mestre Vieira uns anos antes, por conta do trabalho dele de TCC sobre guitarrada e começou a convida-lo a se apresentar com eles. Logo em seguida aconteceu o projeto Mestres da Guitarrada, junto ao Curica e ao Aldo Sena, e isso foi fundamental para trazer o nome de Mestre Vieira de volta à mídia e o início de um reconhecimento maior de sua guitarra. O Pio foi genial nisso. Mas na época, mesmo assim, pouco se conhecia sobre sua trajetória anterior e quem tem muito chão. Em 2008, por outros motivos, comecei a ir bastante a Barcarena e um amigo chamado Givaldo Pastana, músico morador da Vila dos

Cabanos, me falou sobre esta trajetória riquíssima do mestre. Pedi então que ele me levasse à casa do Vieira, que me recebeu com muita hospitalidade e simplicidade. Desde as conversas iniciais ficou claro que era fundamental trazer esta trajetória à público. Inicialmente, pensei num projeto de um DVD, que aprovei na Semear em 2008 mesmo, mas não consegui captar. Em 2010/2011 inscrevi o “Mestre Vieira – 50 anos de guitarrada”, desta vez o dividindo em duas etapas, a do documentário e a do show comemorativo para gravação do DVD. Entre 2008 e 2011 falei com muitas pessoas e tive de algumas delas, como da Priscila Brasil, fundamental, e que me incentivou muito e apresentou o projeto ao Conexão Vivo, que por sua vez, assim que a Lei aprovou novamente o projeto, desta vez dividido em duas etapas – Documentário e DVD - , resolveu patrocinar. O DVD foi aprovado pelo júri

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do edital que tinha acabado de ser lançado e o documentário foi apoio direto pelo Conexão, também via Semear, claro, junto no momento em que o Programa estava querendo se inserir também na produção de documentários musicais. Creio que tenha sido o primeiro projeto desta natureza aprovado por eles. PZZ – Conte-nos sobre a pesquisa, a equipe e o documentário. L.M. - O ponta pé inicial foi a breve biografia escrita pelo Givaldo Pastana e postada em um blog que ele mesmo fez para homenagear o Mestre Vieira. A partir daí, passei a visitar constantemente Mestre Vieira, e em longas conversas fui conhecendo melhor a personalidade dele e a família, descobrindo outras passagens de sua vida. Mas foi durante o projeto que a pesquisa se aprofundou mesmo, com apoio dos jornalistas Wanderson Lobato e Luiza Bastos. Com isso é que fomos

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Lia Sophia A

efervescente nova música produzida no Pará, a cada dia, vem ganhando espaço no cenário musical. Desta vez, duas cantoras vão levar o nome do Estado por onde passarem, com suas respectivas turnês. Lia Sophia e Luê Soares foram selecionadas por um programa de incentivos à cultura junto a grandes artistas já consagrados no cenário nacional. Ao lado de Milton Nascimento, Otto, Tulipa Ruiz e outros, as nortistas integram a sétima edição do Natura Musical. Considerado um dos nomes mais promissores da cena paraense, a cantora e instrumentista Luê Soares, aos 23 anos de idade, mistura elementos que vão do erudito ao popular, incluindo o

contemporâneo. Ela vai receber o apoio do programa Natura Musical para a gravação de seu primeiro CD, a elaboração de um hotsite e um show de lançamento em Belém. Nascida numa família musical, Luê cresceu ouvindo seu pai e tios cantando e tocando violão. Quando pequena, com o interesse e talento aflorado, estudou violino no Conservatório Carlos Gomes, e posteriormente na Escola de Música da UFPA (EMUFPA). Nesse período cantar não fazia parte dos planos de Luê. Ela tocava em orquestra e dedicava-se a música clássica. No entanto, a música popular corria em suas veias. Seu pai lhe presenteou com uma rabeca, instrumento característico da cultura popular brasileira e desde então a incorporou

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em sua vida profissional. Hoje, Luê utiliza a rabeca e sua voz como instrumentos representativos de sua trajetória musical. A paraense começou o ano com muito a comemorar. A notícia de que havia interesse da Natura em patrocinar seu trabalho foi uma agradável surpresa. “Me sinto honrada por ser uma das artistas de um programa tão interessado na difusão da cultura brasileira regional e nacional como o Natura Musical, junto com grandes nomes da música do nosso país”. Além do CD, Luê fará parte do projeto “Amazônia das Artes”, do SESC, onde vai circular, neste primeiro semestre, com uma turnê pelos nove estados da Amazônia Legal, incluindo Piauí e Mato Grosso do Sul.


eles neste edital, mostra o interesse deles na proposta do meu trabalho e poder estar no casting ao lado de grandes artistas como Tom Zé, Otto, Milton Nascimento e outros é uma honra. Sinto-me extremamente feliz”, pontua. Cantora, compositora e instrumentista, Lia Sophia tem o dom de fazer todo mundo dançar. Combinando ritmos como o brega, zouk, carimbó, guitarrada, jazz e música eletrônica, ela representa a cena contemporânea da MPB no Pará. Uma de suas especialidades é a música romântica do Pará, onde mistura sua influência de MPB com canções associadas à cultura brega paraense. O quarto trabalho de Lia Sophia, intitulado provisoriamente como “Salto Mortal”, vai mostrar as influências da cantora. Nele os ritmos tradicionais do Pará estarão em evidência, com destaque para a sonoridade de grandes guitarristas da terra. “O CD vai ser dançante, com destaque para a guitarra em músicas com a levada do brega,

zouk, e carimbó, que mostram nosso clima ‘caliente’. Traremos, ainda, as participações especiais dos guitarristas Félix Robatto, Felipe Cordeiro e Mestre Vieira”, conta a cantora. O disco, em fase de préprodução trará no repertório 70% de canções autorais e outras músicas inéditas de compositores da terra. Ele traz ainda a canção “Ai, menina”, gravada, até então, exclusivamente para a telenovela da Globo, “Amor, eterno amor”. O CD, que conta com a produção de Carlos Eduardo Miranda, tem previsão de lançamento para o segundo semestre deste ano.

Luê Soares

O primeiro CD da cantora, ainda em fase embrionária, vai mostrar seu universo musical e suas referências atuais. Segundo Luê, as expectativas são as melhores, principalmente por poder concretizar algo que vem sendo idealizado desde que decidiu cantar. “Está sendo incrível ter a oportunidade de caminhar junto com a Natura nessa empreitada de construir o meu primeiro disco, com certeza essa parceria irá render ótimos frutos”, comenta. Quem também está radiante de alegria é a cantora Lia Sophia. Aproveitando o destaque nacional com a canção “Ai, menina” integrando a trilha sonora de uma novela da TV, Globo, a francesa que vive no Pará há muitos anos, integrará o Natura Musical. Em 2012, o programa apoia a gravação do seu quarto CD e seu show de lançamento em Belém. Para Lia Sophia “o Natura Musical é um dos maiores programas incentivadores da cultura no país. Ter sido selecionada por

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Revista PZZ - Arte, Educação e Cultura

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CINEMA

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VOZES NÃO CONSIDERADAS

Buno Assis

À M ARGEM DO INGu “À Margem do Xingu - Vozes Não Consideradas”, vencedor do prêmio de “Melhor Documentário” (Júri Popular) do Festival de Cinema de Paulínia 2011

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o segundo semestre de 1988 continuavam ameaçando os rios e o governo federal anuncia a integridade dos seus territórios. a construção da Usina de O Rio Xingu é um símbolo da Kararaô e de outras hidrelétricas riqueza socioambiental do planeta. no Rio Xingu, a notícia mobilizou A Bacia é habitada por 24 Povos os povos indígenas da Região Indígenas que falam línguas na defesa de seus territórios. As diferentes e que somam uma aldeias de Caiapó se reuniram na população com mais de 30 mil aldeia de Gorotiro e escrevem uma pessoas. Suas florestas interligam carta ao governo federal pedindo com o cerrado formando um informações sobre as obras e os mosaico de paisagens e abriga impactos em seus territórios. uma enorme biodiversidade. Após Diante da total falta de respostas o encontro em Altamira em 89, por parte do governo do presidente vários povos retomaram sua luta José Sarney na época, os Caiapós pelo reconhecimento e demarcação mobilizam um grande encontro de suas terras, preocupados realizado na cidade de Altamira com o avanço do desmatamento no Estado do Pará em 1989. No na região. As terras indígenas encontro dos povos indígenas ocupam metade de terra da Bacia do Xingu decidiram fiscalizar e protegem a maior parte do curso as ações governo para impedir do Rio Xingu. Atualmente, a maior mais destruição, com a união de parte desses territórios não foi líderes políticos do Congresso reconhecida e demarcada pelo Nacional e do povo brasileiro para governo. Nos últimos 20 anos a juntos proteger essa importante Região do Xingu foi duramente região do mundo, território de impactada pelo processo de origem do povo do Xingu. A ocupação que se deu através grande repercussão nacional e das Rodovias Transamazônica, internacional da indignação dos Cuiabá-Santarém e BR- 158 povos do Xingu fizeram o governo em consequência do processo momentaneamente recuar na de urbanização e ocupação da ideia de construir o complexo de Amazônia impulsionado pelos hidrelétricas do Xingu. Contudo, grandes projetos e pelas novas vários interesses econômicos cidades. 20 Revista PZZ - Arte, Educação e Cultura

As atividades de mineração, exploração ilegal de madeira e grandes desmatamentos abriram espaço para a pecuária extensiva e plantações de soja, comprometendo boa parte das matas ciliares da região e a qualidade da água dos nascedouros do Xingu. Os índios testemunharam todo esse processo com grande preocupação. As terras indígenas se tornaram ilhas de floresta no meio de vastas áreas devastadas.


O Rio Xingu é um símbolo da riqueza socioambiental do planeta. A Bacia é habitada por 24 Povos Indígenas que falam línguas diferentes e que somam uma população com mais de 30 mil pessoas. a capacidade de abastecimento de uma região de 26 Mesmo assim, depois de anos de discussões, polêmicas milhões de habitantes, com perfil de consumo elevado e paradoxos, o governo federal, revisou o projeto como a Região Metropolitana de São Paulo. hidrelétrico do Xingu e tomou a decisão de construir a Essa decisão sofreu severas críticas por parte de Usina de Belo Monte, a segunda maior Obra do Programa especialistas sobre seus impactos sócios ambientais e de Aceleração de Crescimento – PAC. A previsão é que, provocou a decepção e a segurança dos povos indígenas, ao entrar em operação em 2015, a usina será a terceira populações ribeirnhas e de moradores da cidade de maior hidrelétrica do mundo, atrás apenas da chinesa Altamira onde será parcialmente alagada por esse Três Gargantas e da binacional Itaipu, com 11,2 mil projeto. MW de potência instalada. Seu custo é estimado hoje em R$ 19 bilhões. A energia assegurada pela usina terá 21

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Diretor – Damià Puig, Produtor - Rafael Salazar, Atriz do Filme, Diretor de Fotografia - Bruno Assis e Assistente de Direção - Janaína Welle

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pesar de todas as manifestações contra o projeto, das críticas de inviabilidade econômica do empreendimento, e contrariando os pareceres dos técnicos do IBAMA sobre impactos sócio ambientais mal avaliados, o ministro do Meio Ambiente e presidente do IBAMA concede a licença prévia para a construção de Belo Monte justificando no discurso de que é uma solução de energia indispensável para o país estimulando um novo conceito de desenvolvimento e progresso. Após a análise dos estudos, o presidente da FUNAI resolveu também emitir parecer favorável a construção da Usina hidrelétrica de Belo Monte. A notícia indignou as populações indígenas e gerou protestos porque a FUNAI resolveu tomar essa decisão sem consulta prévia, sem informar os povos indígenas contrariando a convenção 619 da OIT da qual o Brasil é signatário. Mesmo com as obras em andamento, os povos do Xingu continuam resistindo a construção da Hidrelétrica de Belo Monte pois acreditam que sua construção será o início de um novo ciclo de destruição na Amazônia que após o desmatamento da floresta querem destruir o Rio Xingu. Nesse contexto o filme “À Margem do Xingu Vozes Não Consideradas”, vencedor do prêmio de “Melhor Documentário” (Júri Popular) do Festival de Cinema de Paulínia 2011, dirigido pelo espanhol Damiá Puig, com fotografia do paraense Bruno Assis, produção executiva de Rafael Salazar e da comunicação por Clara Coelho, busca questionar o modelo de desenvolvimento atual praticado na região abordando a perspectiva dos ribeirinhos, movimentos sociais, lideranças indígenas para elucidar o futuro incerto da região e dessas pessoas às margens do Xingu. O documentário foi lançado no dia 12 de outubro de 2011, Revista PZZ - Arte, Educação e Cultura

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Making-off do filme com professores de Alltamira no SESC Boulevard de Belém, com a presença da coordenadora do Painel de Especialistas Prof. Dr. Sônia Magalhães, da UFPA, de Marcelo Salazar, do Instituto Socioambiental e de representantes do Comitê Metropolitano Xingu Vivo, além do diretor e do produtor. O documentário também foi exibido na Casa do Índio, ponto de apoio aos indígenas na cidade de Altamira numa parceria com o Ponto de Cultura Fundação Tocaia, por meio do cineclube Ói e Ouça!. A plateia de Altamira se confundia com os personagens do filme. Muitos deles estavam ali, vendo suas histórias na tela grande. Emocionados, os personagens elogiaram o documentário e reafirmaram seu compromisso em continuar na luta contra Belo Monte. O filme deve ser compartilhado e multiplicado nas comunidades, nas salas de aulas, nas famílias para revelar o lado paradoxo desse projeto de produção de energia elétrica.


Buno Assis

http://amargemdoxingu.wordpress.com/

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ARTES VISUAIS

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3°da Amazônia Mostra Salão de Humor

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Retrospectiva

Salão Internacional de Humor da Amazônia é atualmente um espaço de referência nacional e internacional das artes gráficas nas expressões: charge, cartum e caricaturas. Essa afirmação é ratificada quando observamos o histórico do evento que em suas três edições que já trouxe a Belém importantes nomes do cenário brasileiro, como Angeli, Laerte, Baptistão, Jal, Edgar Vasques entre outros; tendo recebido recentemente o troféu HQMIX de Melhor Salão de Humor do ano de 2010, prêmio concedido pela Associação dos Cartunistas do Brasil (ACB) e Instituto Memorial de Artes Gráficas do Brasil (IMAG). A Mostra Retrospectiva do Salão Internacional de Humor da Amazônia reúne os melhores trabalhos realizados nas três edições do evento, num total de 136 obras de artistas de 37 países, divididas nas temáticas: ecologia, comunicação, chuva, tema livre e caricaturas. O Centro Cultural SESC Boulevard, ao receber e fomentar a realização dessa Mostra retrospectiva, reconhece a importância do Salão Internacional de Humor da Amazônia enquanto um espaço artístico e educativo no Revista PZZ - Arte, Educação e Cultura

qual o humor é conciliado com a reflexão da realidade, fato que estimula nas pessoas uma consciência crítica em relação a preservação ambiental e assuntos que pautam o cotidiano de nossas cidades. Nesta edição, através do Coordenador do projeto, o artista Biratan Porto, selecionamos alguns dos trabalhos divlgados no catálogo respectivo à Mostra Retrospectiva - Ecologia. O projeto tem patrocínio da Oi e Apoio do Centro Cultural SESC Boulevard na 3ª edição, que ao receber e fomentar a realização dessa Mostra retrospectiva, reconhece a importância do Salão Internacional de Humor da Amazônia enquanto um espaço artístico e educativo no qual o humor é conciliado com a reflexão da realidade, fato que estimula nas pessoas uma consciência crítica em relação a preservação ambiental e assuntos que pautam o cotidiano de nossas cidades.

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Salão Internacional de Humor da Amazônia mostra retrospectiva

ecologia

Walter Júnior | Brasil 2010

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Yui Kosobukin | Brasil 2008 Revista PZZ - Arte, Educação e Cultura

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Sele Les

Guz Wid | IndonĂŠsia 2010

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Vilanova | Brasil 2010


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BoligĂĄn | MĂŠxico 2010

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Run Tang Li | China 2008 Revista PZZ - Arte, Educação e Cultura

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Alessandro Tu単as | Brasil 2010 31

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Dário/México-2009

Dário | México 2009

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Karry | Peru 2010 33

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ENTREVISTA DO MÊS

Paulo Santos

A Transição para uma Economia Verde Nos últimos anos o Pará vem baixando suas taxas de desmatamento, reconhece-se que a mata em pé vale mais que a mata no chão e que de forma racional e sustentável podemos atingir metas para o novo milênio, é o que acredita, Justiniano Queiroz Netto, Secretário do Programa Municípios Verdes, projeto que tenta colocar em prática as metas de redução do desmatamento e emissões de carbono na atmosfera.

PZZ - A ocupação territorial no Estado do Pará tem sido marcada pelo desmatamento, exploração madeireira ilegal, pecuária extensiva, extrativismo mineral e por conflitos sociais. Isso são fatores que provocam danos irreparáveis para a Natureza e para a economia do Estado. Neste sentido, como o Projeto Municípios Verdes foi planejado e como pretende reverter essa situação? JUSTINIANO - O Programa Municípios Verdes trabalha com a missão de combater e reduzir o desmatamento no Estado do Pará apoiando atividades Revista PZZ - Arte, Educação e Cultura

sustentáveis, favorecendo uma transição para a Economia Verde. Neste sentido, trabalhamos de uma forma diferenciada do que foi implantado como política de desmatamento na Amazônia em geral e em particular no Pará nos últimos anos ou décadas. As políticas de desmatamento sempre foram políticas de repressão, comando e controle centralizadas no IBAMA. O Programa Municípios Verdes trabalha com uma fiscalização bem direcionada e bem focada em quem produz o desmatamento e trabalha a partir de pactos com a sociedade local. Não chegamos com um 34


Programa pronto para ser estabelecido nos municípios de qualquer jeito, procuramos a sociedade local e sensibilizando-as com o tema do desmatamento e para o problema que gera na economia e no meioambiente. O desmatamento não é um problema como era a 30 anos atrás, o mundo mudou. Hoje existem cada vez mais barreiras ambientais ao exemplo de outras barreiras alfandegárias ou sanitárias, para valorizar os produtos. Procuramos mostrar se o município ou o segmento econômico tiver manchado, maculado pelo desmatamento, dificilmente ele conseguirá ganhar escala de produção ou acessar crédito no mercado cada vez mais exigente, além de desperdiçar recursos naturais que podem ser melhor beneficiados pela cadeia econômica. Então, a partir disso, celebramos o pacto e começamos a fazer o trabalho de ordenamento e de desenvolvimento para a região. O desmatamento às vezes não é o efeito de uma atividade econômica predatória. Se a pessoa desmata é porque tem um objetivo sócio-econômico. Aqui temos um pequeno colono ou grupos de pessoas que desmatam para conseguir uma roça ou uma agricultura de subsistência para plantar mandioca, milho, etc... Esse desmatamento é considerado ilegal também. Em outro nível, o desmatamento em áreas públicas, em áreas griladas que se apropriam das terras para exploração ilegal de madeira e depois de desmatado vende para terceiros. A base do problema está numa atividade econômica que é predadora e isso engloba agricultura

familiar e a agricultura extensiva, a pecuária, a exploração de madeira e a produção de carvão que estão na matriz do problema. Por outro lado, temos a mesma atividade desenvolvida no Estado de uma maneira sustentável através de pessoas que produzem a pecuária e conseguem respeitar as áreas de proteção legal e aproveitamento do espaço, tem o exemplo de pequenos produtores e de assentamentos que tem uma atividade sustentável. O nosso primeiro passo é impedir o avanço do desmatamento começando com esse ordenamento ambiental e dar escala ao modelo produtivo de economia sustentável.

"Hoje existem cada vez mais barreiras ambientais ao exemplo de outras barreiras alfandegárias ou sanitárias, para valorizar os produtos. Procuramos mostrar se o município ou o segmento econômico tiver manchado, maculado pelo desmatamento, dificilmente ele conseguirá ganhar escala, de acessar crédito no mercado cada vez mais exigente. E a partir disso celebramos o pacto e começamos a fazer o trabalho de ordenamento e de desenvolvimento para a região". Justiniano Queiroz Netto.

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PZZ - De acordo com a tabela Prodes INPE. A Taxa de desmatamento na Amazônia Legal e no Estado do Pará entre 2000 e 2011 teve uma queda drástica? O que o Sr. verifica que ocorreu? JUSTINIANO - Vários motivos contribuíram para isso, envolvendo a restrição do crédito rural que passou a exigir regularidade ambiental e fundiária para o financiamento de projetos agropecuários no Bioma Amazônia; teve municípios que ficaram na lista negra dos que mais desmatam na Amazônia: imposição de diversas restrições administrativas a esses municípios. Até o embargo da carne: possível graças à regulamentação da lei de crimes ambientais, que responsabilizou todos os agentes da cadeia produtiva que adquirissem produtos de áreas embargadas. PZZ- Como é que está sendo exercida essa pactuação e quais os municípios que aderiram ao Programa? JUSTINIANO - O Primeiro município a aderir foi Paragominas. Esse programa começou da base dos municípios. Começou de uma experiência do município de Paragominas em 2008 que em 2010 saiu da lista dos municípios amazônicos que mais desmatam. Reduziu Revista PZZ - Arte, Educação e Cultura

em mais de 90 % e conseguiu transformar a base da economia rural e vem se mantendo de forma equilibrada e promissora. O Programa Municípios Verdes segue algumas diretrizes desse modelo mas o programa é muito mais complexo e completo do que foi iniciado na cidade de Paragominas. O município de Santana do Araguaia também atingiu a capacidade de município ambiental ordenado. No programa são 91 municípios que já aderiram voluntariamente ao programa que receberão benefícios e por isso terão mais responsabilidades. O prgrama pretende ser uma vacina contra o desmatamento e uma vitamina para uma economia sustentável. PZZ – Como o programa está integrado as outras áreas do governo? JUSTINIANO - À medida que o programa vai ganhando espaço dentro das agendas políticas municipais e estaduais, no primeiro momento, estamos focados mais na economia rural e agrícola, combatendo o desmatamento, favorecendo reservas legais, trabalhando as questões de regularização fundiária, fazendo o cadastro ambiental e um grande mapa de atuação. 36


O município de Tailândia também é um exemplo nesse avanço, onde sofreu um processo de comando e controle pela Ação Arco de Fogo para debelar o desmatamento e impor a ação do Estado para com isso, evitar a exploração acentuada de madeira. A operação, ficou lá por mais de um ano, fechou as serrarias que eram a principal atividade econômica do município, causando um colapso econômicosocial e implantou uma política de assistencialismo para essa pessoas fornecendo cestas básicas e quando saiu de lá não deixou nada. Depois implantaram uma política do Arco Verde que se resumia a tirar documentos e outras ações de cidadania mas não tinha um eixo econômico estruturante. Apesar de tudo, o município vem se erguendo. O Programa que sou responsável, vem trabalhando em outra perspectiva, trabalhando o ordenamento para atrair investimentos e para buscar um desenvolvimento sustentável. Ninguém vai investir um grande projeto numa área que é símbolo do desmatamento e do trabalho escravo. A região da PA-150 onde está sendo desenvolvido o cultivo do dendê como principal atividade econômica da região, pretende desenvolver a economia plantando mais usando áreas degradadas e beneficiando a produção para agregar valores ao produto. O prefeito Gilberto de Tilândia, também investe em agricultura familiar e agora o município vem sendo um dos modelos de desenvolvimento e saiu da lista de ser um dos piores da regiões.

PZZ - Para finalizar, gostaríamos de saber como o Programa especiacializa os novos atores ambienais? JUSTINIANO - Fizemos um mapeamento das cadeias produtivas no Estado e destacamos a floricultura, a psicultura, agricultura, o reflorestamento, o manejo florestal, a pecuária, a biotecnologia, algumas das que tem mais expressividade, as que já produzem e almejam a sustentabilidade. A partir desse processo, vamos analisar de que forma podemos estimular e fazer crescer no Pará uma cultura voltada para a Economia Verde. O que podemos fazer para favorecer um ambiente de negócios com esses modelos produtivos, e também fazer um processo de integração com a Secretaria de Ciência e Tecnologia e a de Educação para com isso ver qual é a demanda de ensino, profissionalização e especialização para que essas pessoas capacitadas possam se transformar em técnicos agrícolas, em engenheiros florestais e atuar em outros setores produtivos. Não podemos estimular um processo de desenvolvimento com toda a intensidade sem ter mão de obra especializada, técnicos, investimentos em ciência, pesquisa, educação, para colocar em campo e dinamizar a cadeia econômica.

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AMAZÔNIA

ESTRADAS DA ÚLTIMA FRONTEIRA

Revista PZZ - Arte, Educação e Cultura

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a perspectiva sobre a história da fotografia brasileira e do fotojornalismo na Amazônia, Paulo Santos é autor de um vasto campo de conhecimento, documentação e registros históricos, sem se beneficiar de correntes artísticas, ideológicas e dos condicionalismos sociais de cada época. A quantidade de fotografias de seu acervo revelam realidades distintas e tempos diferentes que atravessaram a história. Além do valor jornalístico, o “valornotícia” à luz dos critérios de avaliação empregados intuitivamente e conscientemente pelo jornalista através de seu texto imagético. O aspecto estético de suas impressões transmite informações de uma atividade sem fronteiras claramente limitadas pelo devir. Fotografias (a)temporais de situações peculiares com que o fotógrafo se deparou em sua carreira informam e formam a percepção crítica do que conhecemos ou concebemos relativo a situação política, econômica e social da região amazônica. O projeto fotográfico de Paulo Santos não reduz-se ao fotojornalismo, uma vez que o exercício empregado pelo autor têm a intenção básica em ir além de informar e documentar a realidade, utilizando a fotografia como suporte e os canais de difusão (a imprensa) como meio de expressar sua existência. Fazer fotojornalismo às vezes é fazer foto-documentalismo é se interessar e se aprofundar por um tema em questão, é fazer fotografia e procurar mostrar como determinados acontecimentos afetam a história e a realidade. É quando a foto diz, narra uma história feito um retrato de uma época ou de um lugar, uma narrativa que exige sempre a busca e o aprofundamento, um estudo da situação e dos sujeitos nela envolvidos.

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Quando se fala de fotojornalismo não se fala exclusivamente de fotografia. A fotografia é ontogenicamente incapaz de oferecer determinadas informações, daí que tenha de ser complementada com textos que orientem a construção de sentido para a mensagem. Neste sentido, a conciliação das fotografias de Paulo Santos de vários nomes do jornalismo, desencadearam uma série de reportagens em jornais e revistas no Brasil e no exterior, unindo a força noticiosa à força visual. Assim, no contexto da imprensa, produzida na Amazônia, conseguiu juntar a impressão de realidade a uma impressão de verdade, trazendo a visão de um observador privilegiado das transformações ocorridas na Amazônia ao longo das últimas décadas, e procurando expressar as disparidades características da região em diferentes épocas e contextos, principalmente sob as questões sociais e relativas ao meio ambiente. Profissional experiente, de atuação amplamente reconhecida, tem trabalhos publicados em importantes jornais e revistas de abrangência nacional e internacional e participações em edições de livros, guias e CD’s de fotografia, além de integrar o banco de imagens de diversas agências de notícias, como Reuters, Associated Press e a paraense Interfoto.

Carlos Pará

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A Amazônia velada e revelada A curadora do projeto Amazônia: Estradas da Última Fronteira identifica as ligações permanentes entre o trabalho fotográfico e a arte de registrar o cotidiano sem a pressa do jornalismo.

Paulo Santos inicia sua trajetória no campo da fotografia em 1979 e três anos depois, como free-lancer, desenvolve trabalhos para a Agência Ágil de Fotojornalismo, sediada em Brasília. Nesse mesmo ano, realiza um importante ensaio fotográfico editado no jornal 3 alternativo Resistência, criado pela Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos - SPDDH em 1978, em pleno governo militar, com o objetivo de veicular notícias que eram, em geral, censuradas e impedidas de circular na imprensa. Em 1984, Paulo Santos começa a trabalhar no jornal O Liberal, no qual permanece até 1986. Desde então tem suas fotos publicadas tanto na imprensa nacional como O Globo, O Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo, revistas Veja e Isto É, como em publicações internacionais, caso do New York Times, Le Monde e Washington

Post. Basta uma breve entrada na internet para perceber o alcance das transmissões de suas imagens. Com a experiência adquirida no circuito jornalístico, monta a Interfoto, em 1992, empresa que mantém um importante banco de imagens transmitido por diversas agências de notícias, entre elas a Reuters, uma das mais antigas agências internacionais. Santos criou, ainda, uma grande documentação fotográfica relativa à Região Amazônica e mantém trabalhos documentais sobre empresas de transformação, entre elas a Alunorte, Albras, Eletronorte e Vale do Rio Doce. Apesar do intenso trabalho fotográfico, reconhecido nacional e internacionalmente, no qual se destaca a qualidade técnica e o olhar sensível e autoral sobre universo imagético, Paulo Santos realizou uma única exposição individual, em 1991, e algumas coletivas. Montar uma

Marisa Mokarzel*

grande exposição em que se evidencia o conjunto de fotografias no campo jornalístico e se apresenta um ensaio autoral que abrange a Amazônia em seus aspectos paisagísticos, políticos e sócio-culturais, significa promover a justa dimensão de um trabalho fundamental e pouco difundido no espaço das galerias e museus. Sendo assim, a obra Estradas da última fronteira pretende compartilhar com o público especializado e o grande público as imagens de um fotógrafo e o conhecimento acumulado em 30 anos, relativo à especificidade da imagem jornalística e ao campo mais amplo da fotografia. Diante de um vasto número de imagens e de uma ampla experiência na área do fotojornalismo, como iniciar processo curatorial, que prevê a seleção das fotografias que serão expostas? Mesmo concentrando-me somente na Amazônia, a quantidade de

*Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará e mestra em História da Arte pela Universidade do Rio de Janeiro.

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Pescador | Alto Rio Purus 2001

documentário


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Agricultor | Alto Rio Purus 2001

imagens era imensa e estava ciente de que me encontrava cercada por um material que não se restringia à linguagem fotográfica, uma vez que se situava em um contexto que podia gerar discussões e formulações de um pensamento crítico sobre questões culturais, sociais e políticas de uma Amazônica formada por contrastes, inserida no mundo globalizado. Neste aspecto, como curadora, encontrava-me integrada a um processo conceitual que precisava levar em consideração a trajetória do fotógrafo e o olhar diferenciado de quem possui o domínio da técnica e desenvolve uma linguagem da qual emerge uma interpretação pessoal e aguçada do mundo. Visualizando uma abordagem panorâmica de uma trajetória de mais de duas décadas, mas sabendo do limite do campo expositivo, optei por uma mostra constituída por recortes conceituais que pudessem fornecer a ideia de um caminho, Revista PZZ - Arte, Educação e Cultura

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mesmo não o apresentando em sua dimensão macro, devido às condições práticas de espaço que exigem um número reduzido de fotografias. Levei também em consideração a capacidade que o ser humano tem de absorver, com qualidade, apenas um número restrito de imagens. O eixo curatorial, dividiu-se, então, em três módulos, que após vários encontros e discussões entre a curadora e o fotógrafo, este resolveu nomeá-los de: Povos da Mata, Estradas da Última Fronteira e Indústria de Transformação. 1) O primeiro módulo, Povos da Mata, diz respeito aos ensaios fotográficos com imagens muitas vezes inéditas. Neste módulo se sobressai um olhar mais autoral sobre a Amazônia, suas paisagens, seus habitantes e as múltiplas ações e contextos em que se encontram. 2) O segundo, Estradas da Última Fronteira, referese ao campo jornalístico, ao forte testemunho que deixa transparecer os conflitos, o avesso da paisagem paradisíaca, a realidade dura que remete às fronteiras nas quais se evidenciam interesses econômicos e políticos, de ordem local, nacional e internacional, que muitas vezes fragilizam as potenciais riquezas naturais e culturais. Ao invés de tornarem sustentáveis esses bens, os diluem, conduzindo-os às condições adversas que geram lutas e dissolvem identidades. O último módulo, Indústria de Transformação abrange fotos referentes às empresas locais e nacionais. Os trabalhos, na maioria das vezes, realizados por encomenda, parte de um olhar que conjuga a especificidade do assunto com uma visão particularizada que atribui à imagem uma assinatura e um estilo próprio. Há a predominância de uma estética de caráter


Lavadeira | Alto Rio Purus 2001

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futurística como se o fotógrafo acreditasse que, em situações ideais, a Amazônia tem condições de com o desenvolvimento industrial que, de maneira responsável, sem lucros excessivos, pode possibilitar o crescimento econômico de uma região que necessita urgente, de ações adequadas e justas, fornecendo à maioria da sua população uma vida digna, livrando-a da miséria que a tem acompanhado continuamente. Ao se delinear o eixo curatorial, percebeu-se que, mesmo formando três estradas, três caminhos possíveis, três diferentes pontos de vistas voltados para a Amazônia, as três vertentes se interligavam. O elo que unia os três módulos provinha do contexto no qual nos situamos, constituído por processos de redes econômicas e culturais que se evidenciam em um mundo globalizado. Há um mercado mundial no qual o dinheiro, a produção de bens culturais circulam em um campo movente, marcado por porosas fronteiras formadas por diferentes fluxos de natureza distinta.

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Alto Rio Negro | 1997

documentário

Encontramo-nos diante de um objeto cultural, denominado por Nestor Canclini como OCNI, objeto cultural não identificado. Para o autor, nem todos têm acesso a tudo, nem se pode entrar em todos o lugares. Ele considera que é impossível entender a globalização “sem os dramas da interculturalidade e da exclusão, sem as agressões ou autodefesas crueis do racismo e as disputas, amplificadas em escala mundial, para marcar a diferença entre o outro que escolhemos e o vizinho compulsório"1. A Amazônia, situada entre as fronteiras previamente escolhidas e aquelas compulsórias, segue sua estrada, na esperança que um dia possa exercer o pleno controle sobre o seu território. O trabalho curatorial encontra-se integrado a esta perspectiva crítica que percebe os fluxos culturais e econômicos que movem a Amazônia e são captados pelas lentes de Paulo Santos.

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A paisagem vista, transportada para o papel ou para o campo digital traz o cenário que impressionou o olhar e através da luz fez-se imagem. O reflexo na água, os desenhos das nuvens, a luminosidade entre verdes e azuis transforma as cercanias e o próprio rio Negro em espaço estético que sob a interpretação de Paulo Santos nos remete ao paisagismo romântico de Jonh Costable ou William Turner.

Maraã- AM | Pescador de Pirarucu

A curadoria também se integra ao poético olhar nascido a partir das viagens, da relação mais intensa com o homem e a natureza, despojado da pressa jornalística e em harmonia com o tempo estendido. Boris Kossoy, em 2008, em entrevista para Mariana Lacerda2, afirma que fotografamos o que somos, ou seja, aquilo que nos revela, a forma de interpretar o mundo. Comenta que por mais “documental” que seja a imagem fotográfica traz sempre um dado de ficção. De acordo com Kossoy “[...] as fotografias não podem ser aceitas como fiéis dos fatos. Assim como os demais documentos elas são plenas de ambiguidade, portadoras de significados não explícitos de omissões pensadas, calculadas, que aguardam pela competente decifração”. A paisagem vista, transportada para o papel ou para o campo digital traz o cenário que impressionou o olhar e através da luz fez-se imagem. O reflexo na água, os desenhos das nuvens, a luminosidade entre verdes e azuis transforma as cercanias e o próprio rio Negro em espaço estético que sob a interpretação de Paulo Santos nos remete ao paisagismo romântico de Jonh Costable ou William Turner. Em meio à realidade dos conflitos de terra, da tensa e desigual sociedade que se forma na cobiçada região amazônica, o fotógrafo deixa em suas câmaras os registros solicitados pelo fotojornalismo, sem perder a dimensão sensível do ato poético que, em alguns momentos, pode aproximar a fotografia da pintura. Marisa Mokarzel

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POVOS DA MATA

O silêncio dos eloquentes Paulo Siber

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este enorme pedaço do País chamado Amazônia, a parte do Brasil mais desconhecida dos brasileiros, está a maior reserva de vida do Planeta. Ao lado de múltiplas espécies da fauna, exemplares da flora nem todos catalogados e da variedade de ambientes cujas conexões enriquecem ainda mais toda essa biodiversidade – há também vida humana. Moram na Amazônia Legal mais de 20 milhões de brasileiros. Uma população heterogênea, resultado de intensa migração, permanente miscigenação, mas ainda enraizada por resistentes peculiaridades. Na série Povos da Mata, a vida humana fincada nas fronteiras da Amazônia ganha contornos impressionantes. Ora delicados, ora esgarçados. Índios tecendo piaçava na produção artesanal de vassouras, em um reduto de resistência da cultura indígena, no Amazonas. Um típico pescador cujo destino está prestes a ser mudado pelo impacto da construção do Porto do Espadarte, em Curuçá. O garimpeiro esfarrapado pelo sonho dourado que não se consumou, agora trajado de poeira inglória. Alguns personagens se revelam pelo impacto, como se a imagem fosse uma fratura da realidade, expondo a fragilidade do ser humano retratado e, por extensão, do ambiente que o cerca. Outros se revelam pela delicadeza, como se da imagem brotasse a supremacia dos valores por ele representados, e também pelo ambiente que o acolhe. No primeiro caso, a angústia do homem diante de suas incógnitas. No segundo, a grandeza do ser humano diante dos seus domínios. Em ambos, gritos de dor ou euforia registrados em fotograma: mesmo calados, eloquentes.

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Pequeno Seringueiro | Acre 1999

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Jagunรงo - O pescador | Ilha de Romana Parรก 1991 revistapzz.com


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Corte de Piaçaba Família de Índios tecendo piaçava na produção artesanal de vassouras, em um reduto de resistência da cultura indígena, no Amazonas.

Índios Werekena e a Piaçaba - Alto Rio Xié | 2002

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Índios Tucano no cacuri - Rio Curicuriari - AM | 1997

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Ă?ndios Tucano no trabalho da mandioca - Alto Rio Negro | 1997

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Catador de Carangueijo - Manguezal São Caetano de Odivelas PA | 1991

Piloteiro Iguarapé do Tucunduba - PA | 1991

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Litoral do Parรก

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Índio Tembé - Alto Rio Guamá | 1990


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ESTRADAS DA ÚLTIMA FRONTEIRA

O exercício da provocação Paulo Siber

A Amazônia é um manancial de conflitos. A maioria deles tem a importância banalizada, por mais que machuquem a memória, sangrem o calendário, magoem os protagonistas. Os incrustrados se infiltram na História, sobrepujam o calendário, incomodam a memória como pedras no sapato. Há interesses antagônicos que se desafiam, mocinhos e bandidos que se enfrentam, conceitos que não se comportam. Mas sobretudo incertezas. No limiar desses conflitos, sobrevive o desafio da conciliação. Num sentido mais amplo, da compreensão. A pavimentação de passos e tropeços em um novo horizonte. A série Estradas da Última Fronteira evidencia esse desafio. As fotos nos indicam que o destino da Amazônia permanece atado aos teoremas de sua ocupação, às incógnitas do desenvolvimento sustentável, à fatoração dos valores naturais como bens de consumo do homem ou de preservação da Humanidade. Essa equação não será resolvida enquanto a região não for compreendida, por suas magnitudes ou fragilidades. E o entendimento não deve desprezar as raízes da História. Por isso, é tão significativa a imagem da mulher desconhecida que roga proteção divina e ofusca a presença de celebridades na missa em memória de Irmã Dorothy Stang. O pioneiro protesto de lavradores em Xambioá. A passarela de caixões em via pública, em São Félix do Xingu. Os corpos de garimpeiros massacrados pelos Cinta-Larga. Cada imagem é um caleidoscópio de múltiplas informações. Nunca se esgota na própria moldura. Avoca situações extremas para expor a necessidade de soluções definitivas. Provoca, enfim, como deve provocar uma boa foto.

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Garimpo Serra Pelada - PA 1984

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Garimpeiros de Serra Pelada | 1985

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Garimpo do Rio Juma | Amazonas 2007

Garimpo do Rio Juma | Amazonas 2007

Garimpo Senador JosĂŠ Porfirio | ParĂĄ 2005

Garimpo de ouro Rio Xingu | 2001

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Lago de Tucuruí | Pará 2002

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Lago de Tucuruí | Pará 2000

Rio Purus | Amazonas 2001

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Ocupação do MST Aurora do Pará | 2001

Chacina em São Féliz do Xingu | 2003

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Trabalhadores Rurais na Luta pela Terra Xambioá - Tocantins 1983

Massacre dos garimpeiros pelos Índios Cinta-Larga Rondônia | 2004

Enterro Dorothy Stang Pará 2005

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INDÚSTRIA DA TRANSFORMAÇÃO

O enigma que devora

Paulo Siber

A

palavra indústria é demonizada na Amazônia. Não faltam motivos. Sua gênese representa uma ferida na alma da mata, tão grave quanto os recortes que dilapidam a floresta. A história da ocupação forjou essa imagem. A indústria é o polinômio dessa ocupação. A soma dos erros e acertos dessa trajetória. A interrogação que nos espeta é o saldo. As imagens que compõem o retrato da industrialização, a partir de cenários marcantes dessa metamorfose, registram ao mesmo tempo o mal e o necessário. A expectativa de crescimento econômico, gritante na Amazônia, e as consequências dos seus processos. Há fotos acesas: o calor das siderúrgicas, os jatos de aço derretido, a cachoeira de fagulhas. Detalhes que aquecem os olhos. Há fotos temperadas: a profusão de linguotes, a extensão das lamas daninhas, a geometria das fábricas. Referências que nos congelam. O mais importante é justamente aquilo que inquieta: a dúvida cavada na História. Não há melhor maneira de compreender a Amazônia que não seja questioná-la. Não há como questioná-la sem tentar compreendêla. As imagens contidas no trabalho de Paulo Santos têm essa via de mão dupla. Assim como a palavra indústria, que tanto incomoda quanto atrai, remetem quem as observa ao paradoxo do desenvolvimento dessa imensa região. Estimulam a reflexão, ao registrar com precisão o dilema que opõe crescimento econômico e preservação, ainda não equacionado sem paixão, nem pela indústria, nem pelos ambientalistas. É preciso somar passado e futuro para resolver essa incógnita.

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Refinaria de Alumina-Alunorte PA

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primeiro trem de Marabรก | 1984


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Mina de Ferro de Carajás Valle - PA

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Mina de Cobre - PA

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Caulim - PA

Engotes de Alumínio Albrás -PA

Bauxita - PA

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Produção de Aço 75e Ferro Gusa Sinobrás- PA

revistapzz.com Ferro Gusa


Energia UHE Tucuruí Eletronorte - PA

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Alumina - PA

Cobre

Alumínio

Gado

Ferro Gusa

Soja

Vergalhão de Aço

Madeira

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Amapá - Foz do Amazonas

Embarque Caulim Porto TGL

Porto da Cadan Rio Jarí

Porto Macapá


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Porto Cargil de Santarém

Porto grupo Orça do Rio Jarí

Porto Vila do Conde


Moda

As múltiplas

Faces

de Ana Miranda

A estilista Ana Miranda vem despindo a realidade vestida de coberturas e texturas, procurando a nudez da moda e da arte conceitual, pinta borda desenha imagina sente vive os traços do intuitivo movimento da criação cobre personagens de sua imaginação e desfila coleções de peças autênticas na história da moda amazônica.

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A fibra do Tururi

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esde quando montou seu primeiro ateliê, o universo estava aberto para compor sua arte e enveredar pelo caminho da Moda. Ana é a caçula dos cinco filhos de Francisco e Antonia, nasceu e cresceu em Boa Vista, Roraima, então pequena e pacata cidade amazônica. Ainda na infância foi escoteira, treinou ginástica rítmica e basquete. Aprendeu a dirigir observando seu pai fazê-lo e praticando com as manobras no quintal na hora da sesta dos adultos. Certo dia contratou um ensaio fotográfico a revelia da mãe, que só tomou conhecimento quando o fotógrafo retornou com as fotos e a conta. Os anos se passaram e chegou a vez de Ana se despedir dos amigos e vir estudar em Belém. Então vieram os “embalos de sábado à noite” no Gemini e os concursos de dança. Em 1982 Ana ingressa no curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Pará e participa da efervescência cultural e política dos derradeiros tempos da ditadura. Nas férias escolares ela sempre retornava para sua cidade, e Boa Vista se tornava uma festa de reencontros e badalações, entre as quais desfiles de moda em que Ana atuava como modelo. Já graduada retorna para sua cidade natal em 1986, começa a carreira de bibliotecária no Palácio da Cultura, e nas noites calmas de Boa Vista inicia, com a amiga de infância Nadja, a criação e produção de mochilas com a grife Maçã Verde. O casamento com um paraense lhe trouxe de volta para Belém em 1990, então veio a maternidade (Caio hoje com 18 e Igor com 16), e a atuação como bibliotecária na Universidade Federal.

O que é? Fibra extraída do Ubuçu, ou Buçu, é uma espécie de palmeira, nativa da Amazônia. Sua principal ocorrência é nas margens das várzeas e ilhas, principalmente nos estados do Amazonas, Pará e Amapá. Sua altura varia de um a dez metros. O Tururi é o invólucro semelhante a um saco de material fibroso e resistente que protege o cacho de frutos do Buçu. Quando cai, o saco é recolhido do chão com a ajuda da peconha (utensílio amazônico similar a um cinto, utilizado na escalada de árvores, geralmente fabricado a partir de fibras de tururi, ripeira ou matamatá). O Tururi é muito resistente e flexível, por este motivo, vem sendo transformado em tecido na confecção de artesanatos e utilitários de moda.

Em 2005, em desfile encenado no Teatro Waldemar Henrique por ocasião do 4º EPAMA. No processo artístico, conceitual da estilista, destaca-se a fibra do tururi, associando-o com tecidos finos utilizados na alta costura, além de acessórios e biojóias. Incorporou o tururi forrado com finas estampas importadas e de acabamento impecável. O tururi, fibra vegetal resistente e flexível da Amazônia, é muito comum no vestuário amazônico. Sua cor natural é de um castanho escuro na pele da Manicaria saccifera, na casca das palmeiras de Ubuçu. Além de ser muito utilizada na confecção de artesanatos e acessórios de moda, chapéus, bolsas pela estilista o material, in natura caído no chão é recolhido ou retirado pelo caboclo com a ajuda da peconha, para além do destino da moda, cobre o telhado de cabanas dos cabanos ribeirinhos dos rios da Amazônia e é vendido nas feiras do Ver-o-peso e cidades do interior, o re-aproveitamento do que é descartado como um fenômeno de renovação e adubação torna-se o vestir do cotidiano em meio ambiente sustentável.

Em 2004 Ana Miranda entrou para a Associação de Costureiras e Artesãs da Amazônia - Costamazônia, desenvolveu uma coleção calcada no étnico, e touxe estampas de zebra, girafas e elefantes em peças em tons terracota, amarelo e laranja, característicos do estilo das savanas. O desfile teve boa recepção crítica e foi matéria na revista manequim. Ainda no Costamazônia participou do 3º EPAMA - Encontro Paraense de Moda e Artesanato em 2004, e no ano seguinte promoveu seu primeiro desfile de roupas e acessórios na Babitonga (loja de artesanato na Brás de Aguiar).

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Além de ser muito utilizada na confecção de artesanatos e acessórios de moda, chapeus, bolsas pela estilista o material, in natura caído no chão é recolhido ou retirado pelo caboclo com a ajuda da peconha, para além do destino da moda, cobre o telhado de cabanas dos cabanos ribeirinhos dos rios da Amazônia e é vendido nas feiras do Vero-peso e cidades do interior. O re-aproveitamento do que é descartado como um fenômeno de renovação e adubação torna-se o vestir do cotidiano em meio ambiente sustentável.

com as selvas de pedra de céu cinza e gás carbônico. A estilista, não é apenas desenhista de moda, e sim criadora de um vestuário adequado a cada tipo de personagem para suprir seu armário de criatividade. Ana Miranda não se limitou a copiar padrões e estilos que se promovem para ficar nas vitines virtuais da moda, buscou ser profissional ampliando sua visão global do mundo, passou a fazer o curso de design na UEPA e com conhecimentos de sociologia, modelagem, desenho, história do vestuário, pode também transitar por movimentos de vanguarda e estilos marcantes. Na área academica pode aperfeiçoear a parte administrativa para lidar com produção, custos, controle de qualidade e vendas. Para a estilista: “É inegável que a moda brasileira ainda assimila tendências europeias, devemos procurar cada vez mais encontrar uma linguagem própria, adequada ao meio em que vivemos e a inovação do mercado brasileiro. Ana Miranda fez desfiles com figurinos glamourosos envolvendo artistas do seu convívios (músicos, fotógrafos, atores, cantores, profissionais liberais) Com o advento da produção em massa, as roupas tradicionais, feitas à mão, foram substituídas pelos trajes de confecção industrial. Surgiu, então, o setor de negócios da moda, que vive hoje momentos de grande ebulição. Em 2007 o 5º EPAMA, cinema Olímpia (abaixo) – FOTOS Hamilton Oliveira

Ao procurar desnudar o trabalho da estilista vemos a realidade vestida de texturas, a manhã, a tarde, a noite, a floresta, os rios no ciclo imutável de suas tansições mudam de cor e de estações como quem muda de roupa, cada uma para ocasiões especiais, rito e travessia, vestida de cores, cheiros, sabores, vemos a realidade casca por casca caindo como folhas, folhagens despindo-se a todo o instante que recicladas no processo artístico se transformam em novas linguagens, verdadeira arte incorporadas no cotidiano com o cheiro incandecente da mata, o ser humano retoma o envolvimento com o meio que o re-cria e o inspira. Sentimos na arte visual de Ana Miranda a sinestesia dos sentidos de uma alma lavada e de um tecido alinhavado lavrado a partir da poética da cor e dos traços herdadados de nossos antepassados, encontramos nessa arte os elementos do segredo e da força espiritual da mitologia e da imaginação que simbolicamente domina o criador e as criaturas nascidas do barro amazônico, da terroada e dos lugares longinquos das cidades. A relação de Moda e Mito como elemento étnico ganha maior expressão quando no nível da arte e da cor atuam como elemento poético e simbólico da cultura e recria o olhar nas cidades, destaca-se da multidão uniformizada e apressada, a vestimenta que combina com os ardores coloridos da natureza. São detalhes de sua obra calcada na multireferencialidade material da mata e dos seus povos tradicionais dialogando Revista PZZ - Arte, Educação e Cultura

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Ainda em 2007 a estilista apresentou a coleção Lendas Amazônicas no primeiro Amazônia Fashion Week. As lendas amazônicas da Cruviana, da Matinta Perera, do Boto, do boto Cor de Rosa, da Iara, da Vitória Régia, da Mandioca, do Açaí, da Cobra grande e da Mãe d’água, que retratam entidades que encantam e seduzem, são revisitadas pela estilista, com o intuito de demonstrar o poder de sedução da mulher brasileira, através da beleza, da leveza, da fluidez dos tecidos misturados com matéria-prima regional como tururi, fibra de coco, cuia, osso e chifre, resultando na fusão de moda e magia. Em depoimento da época a estilista explica que: “Esta coleção é inspirada nas lendas regionais, resgatando o valor simbólico da identidade amazônica para a cultura brasileira. A proposta é expressar a beleza essencial imanente do universo encantado amazônico, em dez vestidos concebidos de forma completamente afinada com as tendências da moda contemporânea.”

constante nos trabalhos da estilista. “Uso materiais que ajudam a promover os artesãos e artistas do Pará. A minha ideia é inovar na criação, inserindo esses profissionais num mercado cada vez mais exigente por peças refinadas e originais, com acabamento primoroso”, diz a estilista. Ainda em 2009, Ana produziu roupas em papel Kraft e tururi para um desfile de joias amazônicas ocorrido no São José Liberto. O resultado obtido foi surpreendente em modelos que expressavam beleza, com a sobriedade necessária para um desfile de joias.

No Amazônia Fashion Week de 2010 a estilista inovou de duas maneiras: optou por levar às passarelas mulheres de várias idades e estilos que não exercem a carreira de modelo. Além disso, Ana ousou em reconstruir a roupa exibida em pleno desfile, mostrando as possibilidades diversas que esta pode proporcionar, quando se lhe acrescenta acessórios. (fotos Paulo Santos) Neste desfile levei para a passarela lindas mulheres de todas as idades, mulheres de verdade que representando as mulheres paraenses e brasileiras. Pude inovar levando aos olhos do público um pouco da produção que é feita nos bastidores. E pela primeira vez tive a oportunidade de ver o desfile, coisa que muito me emocionou e me deixou orgulhosa de poder presenciar a hora mágica que é a coroação de tantas semanas de trabalho. O que mais me emocionou é que todas vocês disseram a mesma coisa: aceitaram o desfio por mim. Por amizade, por acreditar no trabalho, pelo conceito, pela ousadia de mostrar algo diferente do tradicional. A todas, Maria Antonia, Liliane, Ana Maria e Vitória D’Oliveira, Juliana Sinimbu, Walda Marques, Eliana Semblano, Nacime Cãmara, Nara D’Oliveira, Vilma Reis e Karla Pradet, quero expressar o meu profundo agradecimento e minha admiração pela fibra, coragem, ousadia e acima de tudo pelo carinho recebido.

Em 2008 foi a vez de trazer a estamparia de tecidos africanos, presenteados pelo amigo Eduardo, geólogo que trabalha no Gabão, para um desfile de alta costura, conjugados com a fibra de tururi. Em 2009 lançou a coleção Cores de Jorge no Espaço Cultural Taberna São Jorge. Coleção inspirada no santo com roupas, acessórios, bolsas e biojóias que carregam as cores e os elementos que compõem o imaginário do santo guerreiro. A coleção formada por peças construídas com sedas, cuias, tururis, chifre e osso desidratados rendiam com roupas soltas, fluidas onde o verde, o amarelo, o vermelho e o preto, remetiam à lua de São Jorge. Vestidos e armados com as cores de Jorge, modelos e convidados especiais usaram peças inspiradas no santo. O ator Adriano Barroso fez a apresentação do desfile.”, arremata Ana Miranda. A proposta da coleção é misturar as cores de São Jorge com elementos da Amazônia, que tem presença Revista PZZ - Arte, Educação e Cultura

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Amazônia Fashion Week 2010 Ana Miranda apresentou a No

coleção que resgata o grafismo indígena amazônico para a moda. A estilista definiu que “o conceito da coleção busca uma nova maneira de apresentar esta arte, através da confecção de roupas modeladas e pintadas no papel”. A estilista desenvolveu um trabalho conceitual, que incorpora ao universo da moda as inspirações de culturas amazônicas ancestrais, ao mesmo tempo que visava ressaltar o caráter efêmero do mundo fashion, ao estampar os desenhos no papel Kraft e tururi.

No Amazônia Fashion Week de 2010 a estilista inovou de duas maneiras: optou por levar às passarelas mulheres de várias idades e estilos que não exercem a carreira de modelo.

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Pacco Ana Miranda sempre construiu suas coleções ou mesmo as roupas de festa para suas clientes, em um processo criativo que se propunha construir as vestes adequadas para os personagens, que as pessoas iriam representar em uma ocasião especial de suas vidas: noivas, madrinhas, debutantes, convidados, cantoras e cantores. O processo de construção de uma peça ou coleção inicia com uma entrevista com “os atores” envolvidos seguida de uma pesquisa, ambos alicerçam o processo de criação que resulta no produto final construído por sua equipe. Talvez aí resida a semente da atual carreira de figurinista. Ana iniciou o curso de Figurino para Teatro, Cinema e Dança na Universidade Federal do Pará em 2010.

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Teatro

INICIAÇÃO À PERIFERIA DE BELÉM

Uma adaptação cênica de Passagem dos Inocentes, de Dalcídio Jurandir Willi Bolle Dentre os dez romances que compõem o Ciclo do Extremo Norte (1941-1978), do escritor paraense Dalcídio Jurandir (19091979), cinco, ou seja, a metade, têm como cenário a periferia de Belém. Os bairros periféricos da cidade, as baixadas, não constam dos guias de turismo, e o visitante forasteiro costuma ser advertido para evitar aqueles bairros “perigosos” – os quais, no entanto, resumem cada

vez mais as contradições sociais do Brasil e do mundo. A partir do Forum Social Mundial, realizado em janeiro de 2009 em Belém, foi estabelecido um contato entre o pesquisador da obra de Dalcídio, o Prof. Dr. Willi Bolle (USP) e o grupo de professores e alunos da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Dr. Celso Malcher, localizada no bairro da Terra Firme. Eles se propuseram a estudar juntos,

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em forma de oficina dramática, o primeiro dos romances de Dalcídio Jurandir que se passam na periferia: Passagem dos Inocentes (1963), publicado quatro anos depois de Belém do Grão-Pará (1960), cujo cenário é a área central da cidade. Com base no trabalho coletivo de uma adaptação cênica do romance, o grupo realizou duas apresentações públicas: em 6 de novembro de 2009, na Escola Dr. Celso Malcher, e


"A experiência da nossa oficina mostrou que a forma teatral, por ser essencialmente lúdica, coletiva e voltada para a socialização do conhecimento, é muito apropriada para despertar o interesse pela leitura da obra de Dalcídio Jurandir. O fato de os participantes viverem juntos os papeis dos personagens desenvolve neles a capacidade de percepção da realidade amazônica e os recursos para expressá-la".

Willi Bolle

em 15 de abril de 2010, na UNAMA. As apresentações foram seguidas de debates com o público. Uma das perguntas dos espectadores foi sobre a possibilidade de como outros professores, alunos e demais interessados poderiam participar mais intensamente dessa experiência. Com a publicação do nosso roteiro cênico de Passagem dos Inocentes procuramos ir ao encontro desse interesse. Na adaptação tratava-se de transpor um romance de 279 páginas, ou seja, uma obra narrativa bastante extensa, para o gênero dramático, no caso, para um roteiro dramático sucinto, que resultou num texto de 11 páginas. Optamos por essa forma breve, com a idéia de oferecer uma síntese de passagens essenciais do romance. A função dessa transposição teatral não é, obviamente, querer substituir o

romance, mas muito pelo contrário: despertar a curiosidade para incentivar a sua leitura e conhecê-lo na íntegra. Foi o que ocorreu durante a nossa oficina de leitura dramática. Um dos alunos participantes declarou: “Foi o primeiro contato que tive com a obra de Dalcídio Jurandir. Eu nunca tinha lido um livro dele. Gostei e espero ler outros livros dele também. Ele é um autor da Amazônia que nos dá orgulho.” A divisão do roteiro em três atos corresponde aos três núcleos temáticos do romance que nos parecem os mais relevantes: 1) A experiência de Alfredo, um entre milhares de jovens que chegam do interior do Pará à capital Belém, com a expectativa de receber uma boa educação e uma melhoria de suas condições de vida. Ora, as suas esperanças chocam-se com a dura realidade: ele tem que enfrentar o 89

cotidiano morando num barraco na periferia. 2) Um aspecto complementar é a rotina de Celeste, a dona de casa e mãe de família que abriga o jovem. Ela não suporta esse cotidiano sempre igual e sem perspectivas nas baixadas e refugia-se nas recordações e sonhos de sua adolescência. 3)Para escapar de sua rotina, essa mulher da periferia cultiva o ritual de passear pelos bairros nobres da cidade. A esse desejo individual de fuga o romancista contrapõe uma manifestação política coletiva que chama a atenção para a crônica falta de estruturas básicas e de qualidade de vida nos bairros periféricos: ruas sem asfalto, esgotos a céu aberto, acúmulo de lixo e sérios problemas de saúde, que refletem o descaso por parte das autoridades. A experiência da nossa oficina mostrou que a forma teatral, revistapzz.com


por ser essencialmente lúdica, coletiva e voltada para a socialização do conhecimento, é muito apropriada para despertar o interesse pela leitura da obra de Dalcídio Jurandir. O fato de os participantes viverem juntos os papéis dos personagens desenvolve neles a capacidade de percepção da realidade amazônica e os recursos para expressá-la. Uma característica especial desta leitura dramática foi o “protagonismo juvenil” (o termo é de Antonio Carlos Gomes da Costa), ou seja, a participação de adolescentes não como simples receptores ou portavozes daquilo que dizem os adultos, e sim como atuantes autênticos e como cidadãos. Nesse sentido, o objetivo da oficina é, em última instância, a construção de um método pedagógico que colocamos aqui à disposição de todos os interessados, para ser utilizado, aperfeiçoado e ampliado. Participaram da oficina de leitura dramática os professores Waldinei do Carmo de Souza (ele interpretou os papéis de Leônidas e do Professor de Geografia); Anna Carolina de Abreu Coelho (Dona Celeste como dona de casa na barraca, e a primeira Fofoqueira); Rosana F. dos Passos (a Dona Celeste do passeio das quartas-feiras); Rosane do Socorro Pompeu de Loiola (Dona Celeste aos 18 anos, e a segunda Fofoqueira); Moisés Braga do Nascimento (o adolescente Alfredo); Nelson Costa Fonseca (o adolescente Alfredo); Willi Bolle (seu Antonino Emiliano, marido de dona Celeste); e os alunos Ana Daniele Costa Pantoja (o porco Pégaso); Revista PZZ - Arte, Educação e Cultura

Francivaldo de Aviz Araújo (o bêbado Cara-Longe e o porco Pégaso) Gilvan Fiel Capela Jr. (Belerofonte, o filho de dona Celeste) e Wallace da Silva (o Narrador). – Confecção do cenário: Gilvan Fiel Capela Jr. Coordenação da oficina: Willi Bolle. Uma descrição detalhada dessa oficina de leitura dramática, com a especificação do contexto e das diversas etapas do trabalho, inclusive uma análise do romance à luz da adaptação cênica e um recorte representativo dos depoimentos dos participantes e dos espectadores, encontra-se no artigo de Willi Bolle, “Iniciação à periferia de Belém: Uma oficina teatral com Passagem dos Inocentes, de Dalcídio Jurandir”, a ser publicado no livro Cartografias Urbanas, organizado por Luciana M. do Nascimento, Rio Branco: UFAC, em 2012. Em 2011, os participantes da oficina dramática deram continuidade ao seu trabalho, com uma adaptação cênica e apresentação pública dos dois romances seguintes de Dalcídio Jurandir, Primeira Manhã (1967) e Ponte do Galo (1971). Aqui também o trabalho se concentrou em três núcleos temáticos: 1) O questionamento de uma educação no ensino médio que é demasiadamente abstrata e se afasta da realidade do adolescente. 2) A alternativa dos saberes que são transmitidos pela “escola da rua”. 3) A desmitificação da “escola da rua” em nome do lema: “Desforra de pobre é estudar”.

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"Uma característica especial desta leitura dramática foi o “protagonismo juvenil” ou seja, a participação de adolescentes não como simples receptores ou porta-vozes daquilo que dizem os adultos, e sim como atuantes autênticos e como cidadãos. Nesse sentido, o objetivo da oficina é, em última instância, a construção de um método pedagógico que colocamos aqui à disposição de todos os interessados, para ser utilizado, aperfeiçoado e ampliado". Willie Bollie

Agradecimentos a Francisco Batista, que estabeleceu o contato inicial para a formação do grupo; Regina Guimarães, diretora da escola Dr. Celso Malcher; Profa. Célia Jacob, Coordenadora do Curso de Letras da UNAMA; Prof. Francisco Cardoso, Superintendência de Pesquisa da UNAMA; Profa. Vera Soares, Coordenadora da Supex (UNAMA); Profa. Neusa Pressler (UNAMA), pela ajuda na apresentação e pelo diálogo; e Geneviève Pressler, por várias das fotografias.

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Artes Integradas

Expedição

Ciclos

Pedro Vianna Diogo Vianna

Compreender a importância da bicicleta enquanto elemento (trans)formador da identidade do povo amazônico, através da produção digital de conteúdos artísticos, é o objetivo do projeto

Expedição Ciclos é um projeto artístico-educacional itinerante voltado para a pesquisa, experimentação, registro, produção e disfusão da cultura e arte amazônicas. A senda, um núcleo de criação coletiva independente associado ao Instituto Cultural Amazônia Brasil, o ICAB, está percorrendo as capitais da amazônia legal, com o objetivo de dialogar com as realidades locais de cada Estado, através da realização de uma programação semanal de ações em artres integradas: a Exposição Ciclos, do fotógrafo amazonense Diogo Vianna; a III Mostra de Cinema

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da Amazônia, do ICAB; a intervenção urbana Ver-o-Peso, do fotógrafo e cineasta paraense Eduardo Souza; o pocket show Nortes, do músico e escritor paraense Pedro Vianna; a intervenção cicliística com a Massa Critica da Bicicletada; e o Bota Fora do Eixo, noite de encerramento com Djs, bandas, performances, intervenções dos coletivos locais, lançamento da Revista PZZ e noite de autógrafos do livro Sementes da Revolta. Todas as atividades são gratuitas e visam a transversaliadade e circulação da produção de arte independente na Amazônia. Assim como o

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mapeamento de pontos produtores de cultura na Região Norte do Brasil. Em sua primeira etapa, o projeto levou a Exposição Ciclos, do fotógrafo Diogo Vianna, para a Galeria Theodoro Braga, em Belém. A exposição foi parte do resultado do projeto de pesquisa e experimentanção em fotografia e vídeo digital, de Diogo Vianna. O projeto pretende construir uma poética visual derivada da iconografia gerada através da relação do homem amazônida com a bicicleta. O material foi produzido ao longo de 1 ano de pesquisa na região metropolitana de Belém, e no interior do Estado do Pará. A ação contou com uma programacão paralela com seção especial de cinema, no Cine Líbero Luxardo, seguida de debate; com o projeto Atrito: um labóratório de criação coletiva no espaço da Galeria Theodoro Braga, que teve participação de vários artistas. Entre eles Alexandre Cerqueira, artista visual; Renato Torres, músico e escritor; João Cirilo, artista visual; Leo Chermont, músico e produtor do Casarão Cultural Floresta Sonora; Tom Salazar, compositor e guitarrista; Ulisses Parente, fógrafo e artista-visual; o ator e performer Netto Dugon; e o músico e escritor Pedro Vianna.

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Coletivo de artistas e produtores do Pará, Amazonas, Amapá e Roraima, dialogam através da arte e de intervenções digitais sobre a realidade amazônica.


As parcerias com os governos do Pará e Amapá, e o apoio institucional da Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves, do Instituto Cultural Amazônia Brasil e do Circuito Fora do Eixo, tornaram possível reunir um núcleo de criação e produção, que levou, na segunda etapa do projeto, diversas ações culturais para o Estado do Amapá. A SENDA é um coletivo de artistas formado pelo fotógrafo e video-maker Diogo Vianna, a escritora e produtora Narjara Oliveira, o web-artist e vídeo-maker Kauê Lima; a dançarina e produtora Gabriela Lacerda; o músico, escritor e produtor Pedro Vianna; e o cineasta, fotógrafo e produtor Eduardo Souza . A equipe passou 15 dias na capital Macapá e interior do estado, desenvolvendo um trabalho onde a fotografia digital, o vídeo-arte, a música, a poesia, e a intervenção urbana foram as linguagens escolhidas para dialogar com a realidade local. Dando inicio no processo de diálo-

go entre pontos de cultura da amazônia, à partir da experimentação artística, proposto pela Expedição Ciclos, a programação abriu com o músico e escritor Pedro Vianna apresentoando-se no projeto Brasilian Jazz, do Bar Norte das Águas em Macapá. O projeto, desenvolvido em parceria com os músicos Fineias Nelluti (piano), Nelson Dutra (contrabaixo), Fábio Mont’alverne (bateria) e Paulinho Vilhena (percussão), apresentou um repertório de música popular brasileira com arranjos jazzisticos . Além disso, o jornalista Olimpio Guarany, participou com uma intervenção audio-visual, projetando cenas de seu projeto documental-expedicionário pela Amazônia.ando. Através de parceria com o Governo do Estado do Amapá foi realizado no dia 15 de fevereiro o venissage da exposição Ciclos no Museu Histórico Joaquim Caetano, em Macapá. A montagem da segunda edição da mostra contou com 13 fotografias, realizadas 95

no Pará e Amapá, e dois vídeos-arte. Também rolou uma intervenção musical do duo de música experimental Tem Deck?, formado pelos musicos amapaenses Otto Ramos & Pepeu Ramos. A ação reuniu artistas, produtores e entusiastas na sala multiuso do museu, onde foi servido coquetel. Na noite de 16 de fevereiro a equipe da expedição, com apoio do Museu da Imagem e do Som do Amapá e do Coletivo Palafita, realizou a intervenção urbana em vídeo digital Ciclo, no Mercado Cetral de Macapá. Foram projetadas algumas produções audio-visuais do Instituto Amazônia Brasil e da Mekaron Filmes, entre eles os vídeos Ver-o-Peso e Ciclos. O público marcou presença, mesmo embaixo de chuva, transformando o estacinameto do mercado num verdadeiro drive-in.

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As ações culturais e artísticas realizadas pela Expedição Ciclos no Amapá, Amazonas e em Roraima permitiram não só a transversalide de conteúdos e informação entre os produtores e consumidores de cultura na região, mas o início do desenvolvimento de uma rede de comunicação e interação entre os diversos polos de produção cultural na Amazônia. Durante mais de uma hora a experiência modificou a fachada do prédio centenário, estabelecendo uma relação de inter(re)ferência entre Belém e Macapá, através do deslocamento desses conteúdos para a realidade local. O Instituto Cultural Amazônia Brasil, através da Expedição Ciclos, realizou no dia 17 um recorte da III Mostra de Cinema da Amazônia em Macapá no dia 17 de fevereiro, no Cine Paraíso (a mais antiga sala de cinema em funcionamento no Estado). Foram exibidos de forma gratuíta 7 filmes: “Chama Verequete”, de Luiz Arnaldo Campos e Rogério Parreira; “Rituais e Festas de Quilombos – Bangüê” e “Vêr-o-peso”, de Eduardo Souza; “Salvaterra – Terra de Negro” e “Filhos da Chiquita”, de Priscila Brasil; “Açaí com Jabá”, de Alan Rodrigues, Marcus Daibes e Walério Duarte; e “Mãos de Outubro”, de Vitor Souza Lima. A Expedição Ciclos organizou um ato ciclístico com o pessoal da “Equipe de Trilha” de Macapá, além de vários outros participantes no dia 12 de Fevereiro. A bicicletada saiu da Praça da Bandeira e seguiu até o Marco

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Zero. Os participantes adeptos do pedal puderam cruzar num comboio de bikes as ruas de Macapá. O passeio rolou tranquilo e descontraído, apesar dos riscos edificuldades e de locomoção encontrados pelos ciclistas, em qualquer cidade com número reduzido de ciclovias. Através de parceria com o Coletivo Palafita, foi realizada uma noite de encerramento de atividades na Casa Fora do Eixo em Macapá. O evento teve a apresentação do Tatamirô Grupo de Poesia, com o espetáculo “Embriagai-vos!”; Eureka e Captta, com a performance “João Cheroso e João do Céu” e Grupo Boca Miúda, com uma molecada declamando e cantando. Além disso foram lançadas a 13 edição da Revista PZZ “Retratos Musicais de Bruno Pellerin” e o livro Sementes da Revolta, do poeta paraense Pedro Vianna. Todos os presentes puderam se despedir da programação que envolveu artistas e produtores do Pará, Amazonas e Amapá, em ações nas mais variadas linguagens artísticas na cidade de Macapá.

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As ações culturais e artísticas realizadas pela Expedição Ciclos no Amapá, Amazonas e Roraima permitiram não só a transversalide de conteúdos e informação entre os produtores e consumidores de cultura na região, mas o início do desenvolvimento de uma rede de comunicação e interação entre os diversos polos de produção cultural na Amazônia. O objetivo agora é estender as ações aos demais Estados da Amazônia legal, através das parcerias já consolidadas e de novos parceiros interessados em associar suas marcas ao case de produtos culturais administrados pela Senda. O próximo destino foi Manaus, no Amazonas, no período da 2ª Mostra Internacional de VideoDança da Amazônia - MIVA e depois foi em Boa Vista em Roraima. Confira Blog do projeto as ações.

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Diogo Vianna

http://expedicaociclos.blogspot.com.br/

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MEMÓRIAS, HISTÓRIAS DE VIDA E QUESTÕES SOCIAIS NA ILHA DO MARAJÓ Nilce Léa Lobato Mestranda do Programa de Mestrado em Políticas Sociais da Universidade Cruzeiro do Sul.

A pesquisa sobre histórias de vida e questões sociais que visa resgatar as memórias das pessoas quanto às políticas educativas na modalidade de Educação de Jovens e Adultos escolheu como território São Sebastião da Boa Vista - Município do Pará, região Norte do Brasil, localizado na região Sul da Ilha do Marajó e banhado pelo Rio Baía de Guajará. Este território possuí aproximadamente 22.000 habitantes.

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Algumas características que considero importante destacar dizem respeito ao atendimento das necessidades básicas das pessoas que vivem em São Sebastião da Boa Vista: saúde, educação, transporte e habitação. Destaco, inicialmente, o transporte que tem como principal meio, a moto táxi e bicicleta. No setor da saúde possui um Hospital Municipal e, no setor educacional encontramos três Escolas Municipal e duas Estaduais, uma Universidade Estadual do Pará (UEPA) - Universidade Aberta do Brasil (UAB), possui Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios), Banco Bradesco, considera-se uma cidade estruturada. Para chegar a São Sebastião da Boa Vista viajei seis horas de avião e nove horas de Navio. Desembarquei no aeroporto de Belém no dia 05 de abril de 2012, às 5 horas e 15 minutos. No trajeto do aeroporto até o hotel tive minha primeira impressão da Metrópole mais bela, encantadora e surpreendente da Amazônia, conseguindo entender porque é chamada da cidade das mangueiras. As incontáveis mangueiras ajudam a amenizar e aliviar o calor, as mangueiras ornamentam

a cidade e fazem a delícia dos amantes da manga. Conheci um pouco da Cidade dos pontos turísticos como: Feira do Ver o Peso, Estação das docas, Casa das Onze Janelas, com Ridher que, gentilmente me acompanhou. O meu olhar mais dirigido à pesquisa iniciou na viagem de Navio saído do Porto Aires – Belém. Logo que subi a bordo vi as pessoas começando a colocar suas redes, já que é comum no Norte as pessoas dormirem em redes durante a viagem. Os navios e barcos são preparados com grandes salões rasgados por estruturas de ferro para suportar inúmeras redes, uma ao lado da outra, sem qualquer tipo de separação. No navio conheci um grupo de jovens: Daiany, Vitor, Willgner, Alexandre e Gabriel, que me fizeram companhia. Ao longo do trajeto foram falando sobre as casas, os costumes, a cultura local e de sua formação escolar. Senti-me priveligiada por eles compartilharem comigo um pouco de sua história de vida. Como afirmam, a troca de experiências e o conhecimento que compartilharam comigo “não tem preço”.

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Já em São Sebastião que tem como a paisagem natural o rio Pará que pode ser visto da casa do Senhor Zezinho e Senhora Nadir, pais da minha amiga Socorro que mora em Belém, que por sinal, a conheci pessoalmente nesta viagem. Passei momentos na Ilha que estará para sempre comigo. Willian Shakespeare já dizia que "Lembrar é fácil para quem tem memória. Esquecer é difícil para quem tem coração." Enfim, são momentos que ficarão guardados em minha memória, local onde poderei revisitá-los com frequência. A expectativa era imensa de como seria a ilha, como seria recepcionada pelas pessoas, já que não as conhecia pessoalmente. Expectativa aguçada pela curiosidade acerca das Histórias de Vida das pessoas que ali residem. Nos momentos em que ouvi as histórias de vida, percebi que a vida junto com a natureza é enriquecedora, e trás para a benefícios para todos. Fato perceptível no olhar das pessoas que habitam a ilha, um olhar de felicidade. A cidade proporciona o básico para que todos ali possam ser incluso na sociedade. O pesquisador sempre

possui um olhar além, para que possa obter resposta daquilo que impulsionou a ida ao local da pesquisa. Ouvir cada entrevistado falando de sua vida fez com que compreendesse que ali residem pessoas felizes e que valorizam a educação, como disse Sr. Zezinho emocionado a relembrar este momento. "Meu estudo é pouquinho, naquela época era muito difícil a educação, sei só escrever meu nome, que aprendi com meu pai. Com minha filha foi diferente o acesso a escola era só por remo, resolvemos mudar para São Sebastião, para Ana Paula estudar". A visita aos Ribeirinhos na Ilha de Paquetá, foi uma surpresa, constatei que ali as pessoas vivem sem energia elétrica, posto de saúde, porém, possui escola até 4º ano e Movimento de Alfabetização (MOVA). Ao chegar na Ilha fiquei encantada com as pessoas que ali residem, Marinete, Ryasha, Raimundo, Reginaldo, José e Maria, as crianças pegaram frutas no pé, como maracujá, cacau e bacuri. A natureza é explícita, a atenção e alegria comovem o ser humano que por ali passa, vida simples, mas feliz. Percebi que para ser realizado não é

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necessário bens materiais, a natureza supre as necessidades daqueles que ali vivem. Não ouvi relatos negativos, somente melhorias possíveis para o local. Observei a Ilha e me surpreendi com o fato das pessoas que vivem ali estarem em contato com a natureza e proporcionar esta vivência a seus filhos é algo que faz parte da vida deles, da cultura, da geração e não abrem mão para viver na cidade. Marinete por exemplo já teve oportunidade de morar em Belém, mas prefere a Ilha. Voltando a São Sebastião, sempre acompanhada por Ana Paula, uma das entrevistadas e uma pessoa que se tornou amiga, acolhida na casa juntamente com Felipe, Bruno e Helton. Viver na casa da família do Sr. Zezinho por três dias, proporcionou um contato com a natureza, viver em casa palafitas, conhecer pessoas, tomar banho frio, ter a plena felicidade nos meus olhos, no meu sentir, percebi que o calor humano é o que temos de mais precioso. Faz parte da cultura local o açaí que, além de sustentar a economia, come-se no almoço e no


jantar, com farinha. Lembro-me Srª. Nadir falando “Ela já jantou? Já tomou açaí?” São Sebastião deveria ser visitado por todos que desejam vivenciar a natureza e ter um contato humano com pessoas que dão muita atenção ao outro e acolhedoras; pessoas humanas e que mesmo diante das dificuldades seguem em frente. De volta à Belém conheci o Mangal das Garças, acompanhada por Vitor. Fui bem acolhida em Belém por pessoas que se dispuseram em mostrar a cidade, esse calor humano, essa receptividade, fez com que acreditássemos que existem pessoas ainda dispostas a colaborar com o outro, mesmo sem conhecê-las.

Terminada esta fase da pesquisa e a viagem, retornei a minha cidade de origem, São Paulo, com uma experiência acadêmica, as Histórias de Vidas e uma vivência que emociona, e que ficará na minha memória e no meu coração. Agradeço aos entrevistados, Ana Paula, José, Helton, Marinete, Maria, Kássia, Juscelino e Vicente. "Gostaria de te desejar tantas coisas. Mas nada seria suficiente. Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos. Desejos grandes. E que eles possam te mover a cada minuto, ao rumo da sua felicidade!" Carlos Drummond de Andrade.

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