Revista Foco 186

Page 113

6. O HOTEL

À hora do lanche, a parisiense não come nada, mas não abdica de se rodear da mais requintada pastelaria, com nomes tão evocadores como O Esplendor do Tibete ou o Infinitamente Azteca. Para acompanhar o seu chá, ela come apenas um quadrado de chocolate, mas este tem de ser duro, crocante e mole ao mesmo tempo. Quando não vai ao Ladurée, ela escolhe o velho café com um pé-direito imenso, do museu acquemart-André, pois adora o cenário retrógrado, a madeira do chão que estala, as senhoras perfumadas na base de talco, e os senhores, a sabonete inglês.

5. OS MUSEUS “O snob é para a arte o que o dândi é para a moda”, diz Benjamin: a parisiense é exímia em ambos os papéis. Está a par de tudo o que se passa na sua cidade, que ela venera e de onde jura não sair, embora adore dizer que já não a aguenta mais. A esta altura, já foi visitar os mais novos museus da capital. Mas não confessa fervorosamente – porque a parisiense gosta das novidades, mas não das de aspecto novo. Só se sente à vontade no seu casaco quando este já está embolorado, e nos museus aonde iam os seus avós. Mas a curiosidade suplanta muitas vezes a vaidade. No Museu Du Quai Branly, achou perder-se, por entre os corredores sinuosos, cor ocre, forrados a couro e povoados de máscaras vudu e lanças apontadas para África. No Museu das Artes Decorativas, onde achou sentir-se mais à vontade, acabou por se perder a valer, pois tendo avistado ao longe um ambiente da Idade Média, foi ao seu encontro, para se deparar com uma cadeira de Jean Prouvé. A parisiense reclama, pois acha o seu museu mal concebido. Mas secretamente está satisfeita, pois saciou o seu gosto infinito de requinte ao ver o interior do Boudoir de Jeanne Lanvin.

7. A LIVRARIA A parisiense traz sempre na sua bolsa entreaberta um livro muito usado, cujos maus tratos denunciam a desmistificação do objeto – porque ganhou maus hábitos nos bancos da Sorbonne, ela sublinha ostensivamente as edições mais caras das Memórias do Cardinal de Retz. Ao passar diante da tão badalada livraria La Hune, perto da Igreja de Saint-Germain, ela lança-lhe um olhar de esguelha. Mas avança – a sua livraria é a vizinha L’Ecume des Pages, onde às 11 da noite os autênticos intelectuais se cruzam, enquanto folheiam a reedição das obras de Camus. A parisiense conhece de cor cada corredor da livraria.

estilo

4. A HORA DO LANCHE

Não falemos de quarto de hotel, falemos de camarim, antecâmara secreta de onde se prepara para avançar sobre o palco da cidade. O Hotel Amour é algo de lúdico e de miscigenado, entre o hotel de charme e a pensão, em pleno quartier outrora frequentado pelas “prostitutas”. Nesta época em que o importante é inverter expectativas, baralhar geografias e aparecer onde não se é esperado, o Amour é a melhor maneira de se ausentar do bulício de Saint-Germain sem parecer perdida.

111


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.